sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Brendel, sobre si, Liszt, e outras coisas...


Exposição de Pedro Chorão


No próximo dia 5 de Fevereiro de 2014, na Sala do Veado, à rua da Escola Politécnica, nº 56-58, em Lisboa, inaugura uma nova exposição de pintura de Pedro Chorão. Poderá ser visitada até 2 de Março.

A par e passo 77


Esta bacia (Mediterrâneo) é, com efeito, um lugar de algum modo privilegiado, predestinado, providencialmente marcado, para que se produza, nas suas margens, e se estabeleça no seu litoral um comércio dos mais activos.
Ela desenha-se e preenche a região mais temperada do globo; oferece facilidades muito particulares à navegação; e, por consequência, atrai a si quantidades de raças muito diversas; põe-nas em contacto, em concorrência, em acordo ou em conflito; provoca-lhes também a motivação para trocas de toda a natureza. Esta bacia, com estas propriedades notáveis que, de uma ponta à outra do seu contorno, pode ser pecorrida por terra seguindo o litoral, ou atravessada por mar, foi o teatro de um intercâmbio e contrastes, durante séculos, entre famílias diferentes da espécie humana, enriquecendo-se entre si  através de múltiplas experiências de toda a ordem. (...) Eu posso dizer que o Mediterrâneo foi verdadeiramente a máquina de fabricar a civilização.

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 272/3).

Comic Relief (85)


O supino indigente do barroquismo balofo ou, como disse Apeles : " não vá o sapateiro além da chinela." Além disso, quem tem medo, pode sempre comprar um cão...

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Richard Strauss / Aafje Heynes


Citações CLIX


Tudo aquilo que passa não é senão um símbolo.

J. W. Goethe (1749-1832).

Divagações 62


Da memória comum, que se complementava por igual, uma parte apagou-se. Resta apenas um dos lados, fragmentário, insuficientemente fundamentado, já sem contraditório para apurar a verdade dos factos, sem mais perspectiva ou testemunho. Como se fosse apenas uma ficção longínqua, pouco credível.
A Póvoa já não faz eco, o mar silencioso, nem o puzzle faz sentido. Como se vão esbatendo o comboio de madeira e o rio Ave de Sto. Estevão, o poker e os primeiros shots da juventude, as injecções infantis dadas numa almofada de folhelho, as anilinas das análises inocentes, as corridas de caracóis no tanque grande do quintal da rua Francisco Agra...
E o imenso areal de Agosto vai ficando mais deserto e menos nítido.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Apontamento 38: Silêncio




A apresentação de um "Manifesto contra a Crise - Compromisso com a Ciência, a Cultura e as Artes" foi anunciada hoje, no jornal "Expresso". O lugar, muito apropriado, terá sido a Fundação em epígrafe. 
Curiosamente, quando se entra na página electrónica da FCG, o silêncio é total.
No entanto, em grandes parangonas se anuncia uma homenagem ao actual poeta do regime, i.e., VGM. 
Só espero que o vírus da uniformização do livre pensamento não tenha afectado uma Fundação de Cultura, Arte e Ciência.

Post de HMJ

F. Schubert / D. Fischer-Dieskau / Klaus Billing

à memória de F. J. V. de C. F..

Mais 3 haiku de Inverno


A chuva recomeça a cair -
o bater volúvel
do coração da noite.

Sumitaku Kenshin (1961-1987)
...
Tolhidos pássaros não sabem
já o Norte seguro -
que o vento os desencaminha.

Ishi Kyôko (1944-1999)
...
Será preciso atravessar
tantas nebulosas para achar
apenas um jardim de pedras?

Kimura Toshio (1956)

Um cão, na manhã agreste


É um cão triste (parece-me) e discreto, este que vejo algumas vezes, logo pela manhã, na rua outrabandista. Não se junta à alcateia de vadios ruidosos, que já vai em três, e que deambula, pelas ruas e praças, ladrando grosso.
O pequeno cão prefere o seu passeio solitário por recantos mais quietos, farejando o chão em busca de alimento. Vê-se que já teve melhores dias, por algum pêlo, ainda encaracolado, castanho claro, pela sua marcha discreta, por não ladrar. Não olha sequer para o alto, em direcção aos humanos, naquela habitual esperança votiva e canina de o virem a adoptar. Deve já ter desistido. Até dos carros se desvia só no último momento. E muito devagar.

Uma fotografia, de vez em quando (28)


Entre o momento exacto (e perfeito) em que se dispara sobre o motivo ou o facto, e a encenação perfeccionista do que se vai fotografar, vai uma enorme distância. Depois, há ainda que destrinçar, objectivamente, o que pode vir a ser uma obra de arte ou apenas a fixação interessante de um momento do olhar, na nossa vida.
Yann Arthus-Bertrand (1946), francês, é, além de jornalista e fotógrafo, um ambientalista empenhado e preocupado com as coisas do nosso mundo. Tem a obsessão de fotografar a Terra, vista do ar, como que numa vontade de distanciação objectiva. Mas não se esquece dos habitantes e animais terrestres, também...

Regionalismos transmontanos (23)


1. Caum - grande penedo solitário e redondo.
2. Ceboleira - diz-se da maçã raineta ou reineta. Maçã baionesa.
3. Cenudo - carrancudo, macambúzio.
4. Cepisco (T. de Moncorvo) - coelho novo, caçapo, o m. q. lapouço.
5. Chaço - automóvel velho e em mau estado. Remendo no calcanhar das meias.
6. Chanato - sapateiro remendão (Valpaços). Sapato velho.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Revivalismo Ligeiro XC : Aretha Franklin


Pequena história (27), de E. M. Cioran (1911-1995)


No meu prédio habita um antigo contabilista, ferido na guerra, que se queixa constantemente da sua saúde, se mortifica, e exagera os seus males. Tem setenta e cinco anos. Eu digo-lhe que é preciso levar as coisas com «filosofia».
- Obrigatoriamente, foi a sua resposta. Daí a utilidade dos advérbios...

E. M. Cioran, in Cahiers/ 1957-1972 (pg. 606).

Curiosidades 22


Com os anos e leituras, a figura controversa, e algo enigmática, de Felipe II (1527-1598), de Espanha (I de Portugal), foi ganhando contornos nítidos muito diferentes daqueles que o definiam, para mim, na adolescência. Filho de Isabel de Portugal e de Carlos V, era neto de D. Manuel, o nosso rei Venturoso. E muito de português tinha ele, sem dúvida, além de gostar de Portugal - em Lisboa, ficou ele cerca de dois anos, com agrado, embora tivesse saudades das filhas. Felipe I (de Portugal) era um burocrata minucioso, respeitador escrupuloso dos acordos que fez com os portugueses, cristianíssimo e pio, mas também misterioso, talvez obsessivo em questões de Poder.
Mas, recentemente, tive notícia, através de Eugenio Asensio (Los «Lusiadas» y las «Rimas» de Camões en la poesia Española - 1580-1640, F.C.G. Paris, 1982), de mais um facto insólito da personalidade de Filipe I. Acontece que ele admirava muito Camões e, não menos, a saga dos descobrimentos portugueses. Sucede que uma das mais célebres naus da Índia, a Cinco Chagas (mandada construir pelo vice-rei Constantino de Bragança) que fizera 10 viagens de ida e volta, estava já imprestável, e foi abandonada no Tejo. Filipe mandou recolher algum do madeirame, e fê-lo enviar para Espanha. Dessa madeira se fez um crucifixo grande para a sua capela particular. As tábuas restantes, por vontade dele, serviram-lhe de caixão: nelas foi amortalhado, no Escorial.

Transferências e monopólios


Jeremy Treglown (1946), no seu comentário do TLS (nº5781) refere:
...I have a book coming out from Chatto and Windus in March, twenty-two months after it was delivered. Who am I, though - who are we, me and my little publishers - to complain? Chatto long ago became part of the Chatto-Virago-Bodley-Head-Cape group, which became part of Bertelsmann, of which Penguin has now became part...
O mesmo vai acontecendo na Alemanha, na França... Como matrioskas vorazes, as editoras vão-se engolindo umas às outras, num projecto inconfessável de uniformização, domínio e poder globalizante. O que tornava humanas e de personalidade própria cada uma das editoras portuguesas, era o seu lado específico de temas, a sua apurada qualidade, o tratamento, quase familiar e amigo, com que cada uma tratava os seus autores.
Por isso, não me surpreendeu muito a notícia de que escritores como Sousa Tavares, João Tordo, Peixoto, Sophia e Saramago tivessem rescindido (eles ou os herdeiros) os contratos que, há longo tempo, os ligavam a editoras. Tudo se vai assemelhando, pelo lado pior, porque as regras cavalheirescas e humanas, que eram a parte mais nobre que presidia ao negócio dos livros, parece que se vão, cada vez mais, aproximando dos escuros e mercantis negócios que presidem e predominam no futebol.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Nino Rota / Willy Postma


Da Janela do Aposento 42: As brincadeiras da Sociologia, à Portuguesa



O que despoletou o presente texto foi a afirmação, nada científica, de uma “excelente senhora” da nossa praça, licenciada em Sociologia. A propósito das praxes universitárias, a socióloga Rita Ribeiro conclui que “isto é uma brincadeira de gente crescida”.
Reacenderam-se, na minha memória, todas as luzinhas de aviso, reavivando situações, no meio escolar, em que episódios de agressão e violência físicas eram perfeitamente toleradas sob a designação, incorrecta e abusiva, de “brincadeiras”. Resolviam-se, desta forma iníqua, desvios de comportamento, quiçá pela ausência mútua de formação cívica, a contento das duas partes, “assobiando”, alunos e professores “para o lado”!
Contudo, sempre considerei inadmissível a inanidade e a tolerância perante esse “gérmen” da violência, provocando-me a repulsa uma reacção espontânea de intervenção, tanto na escola como em espaço público mais alargado. Pouco me importa, nesse contexto, a atribuição do epíteto de “intransigente”, porque não confundo palavras, de étimos e significados tão diferentes, como “violência”, “agressão” e “brincadeira”.
Considero, portanto, que o inequívoco respeito cívico pela dignidade humana é uma conquista civilizacional e o mais poderoso garante de uma sã convivência num mundo de paz. Por conseguinte, repugna-me, profundamente, que instituições de formação, básicas ou superiores, revelem um tão fraco sentido de um dos “últimos fins do homem”, a saber, o respeito pela dignidade humana.
Aliás, nesse fraco entendimento, reencontram-se velhos fantasmas de ditaduras com a actual cruzada do mundo financeiro contra a Humanidade. Com efeito, e a bem da paz, “é a hora” de não confundir o lúdico com cenas de violência, abjectas e reaccionárias, moralmente condenáveis e, até, esteticamente repugnantes. 

Post de HMJ

Tudo e coisa nenhuma


Acontece que, ontem e por mero acaso, em cerca de uma hora de leitura se me acasalaram, no tempo e local, cerca de 15 páginas do romance (?) de um bento plumitivo luso, mas recente ave de arribação islandesa, que nidifica nas Caxinas, e um diálogo soberbo entre António Lobo Antunes e George Steiner, em Cambridge, acontecido em 2011, creio. Entre a vacuidade da noveleta provinciana paupérrima, de que nada restou na minha memória, e o frutuoso diálogo entre os dois pensantes humanos, que marcou e irradiou para o meu dia, há a diferença entre o tudo e a coisa nenhuma. Aqui dou uma pequena amostra, possível, da leitura desse diálogo:
" (...)
G. S. - Mas o poema, podemo-lo aprender de cor. É isso.
A. L. A. - É isso.
G. S. - E aquilo que aprendemos de cor, com o coração e não com o cérebro...
A. L. A. - Isso, saber de cor.
G. S. - É uma expressão importante, de cor. Porque aprender prosa de cor é difícil. Mas poesia, um poema, é possível, e levámo-lo connosco. É esta a bagagem essencial da alma, a pequena mala que levamos connosco, o poema. (...)"

domingo, 26 de janeiro de 2014

Pessoana e diplomática, já antiga


"O pobre do Pessoa transformado hoje no drugstore do pensamento nacional."

Marcello D. Mathias, in Diário da Índia - 1993- 1997 (Gótica, 2004).

Antonio Vivaldi (1678-1741)

Adagiário CLXX


Em Janeiro junta a perdiz ao parceiro, em Fevereiro faz um rapeiro, em Março faz o covacho, em Abril enche o covil, em Maio, pi-pi-pi para o mato.

sábado, 25 de janeiro de 2014

1 haikai japonês


O amanhã virá sempre -
eu sonho com a maré-baixa
sem precisar de a ir ver.

Yamaguchi Hatsujo (1906-1985)

A par e passo 76


Ainda há pouco, eu vos dizia até que ponto os homens da minha idade são tristemente afectados pela época que se substituiu, tão rápida e brutalmente, à época que eles conheceram; eu dizia-vos há pouco: - e pronunciava, a este propósito, a palavra valor.
Creio que referi, a baixa e o colapso que acontece sob os nossos olhos, dos valores da nossa vida; e através da palavra «valor» eu aproprio-me de uma mesma expressão, sob um mesmo signo, para os valores de ordem material e os valores de ordem espiritual.
Eu disse «valor» e é mesmo disso que quero falar; é o ponto capital para o qual quero chamar a vossa atenção.
Nós estamos hoje em presença de uma verdadeira e gigantesca transmutação de valores (para empregar uma excelente expressão de Nietzsche), e ao intitular esta conferência de «Liberdade do Espírito» eu fiz simplesmente alusão a um destes valores essenciais que parecem seguir a sorte dos valores materiais.
Quando, pois, eu digo «valor», eu tenho em conta que há um valor nomeado «espírito», como há um valor petróleo, trigo, ouro.
Eu refiro valor, porque há uma apreciação sobre o peso da importância, e que há também discussão sobre o preço que se está disposto a pagar por este valor a que chamamos: espírito.
Pode fazer-se um investimento neste valor; ou pode-se acompanhá-lo, como dizem os homens na Bolsa; podemos observar-lhe as suas flutuações, em não sei bem que cotação que é a opinião geral do mundo sobre ele.
Porque há valores concorrentes. Que serão, por exemplo: o poder político, que nem sempre está de acordo com o valor espírito, o valor segurança social, e o valor organização do Estado.
(...)
Todos estes valores que sobem e descem constituem o grande mercado dos negócios humanos. Entre eles, o infeliz valor espírito não cessa porém de baixar.

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 263/4).

Mayra Andrade (1985)

com agradecimentos a A. de A. M..

Comic Relief (84)


Entre as raspadinhas e Mestre Cisse há, pelo menos, um ponto comum, para quem os frequenta: a fé.
Mas também existem diferenças, porque o astrólogo-médium africano se autoproclama cientista, o que nos dá a garantia do rigor, que é muito importante. Por outro lado, a contiguidade da sua situação geográfica ("Rua do Cura", "Santos", "[Perto da Igreja de Santos]") pode augurar uma osmose de Sagrado, que nimbe todo o local...
Muito embora, e em desabono, se deva recordar, como diz o povo, que: "Santos do pé da porta não fazem milagres". Que a decisão final seja de cada um e cada qual...

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Marcadores 17


Para uma escolha criteriosa e temática, estes dois marcadores executados por James Rizzi (1950-2011). Um, poderá ser utilizado para marcar a leitura de um romance discreto de amor; o outro, para uma tórrida novela de paixão exuberante. É só escolher.

Memórias...


Parece-me indiscutível que a memória visual sobreleva todas as outras: a olfactiva, a do tacto, a dos sons... Mesmo a leitura de um romance impressivo e marcante, se a temos na memória, acaba por ser ofuscada pelas imagens de um filme  que possa vir a ser feito, com base nessa obra. Cito, em abono da minha afirmação, "O Leopardo" (Lampedusa) ou "Morte em Veneza" (Mann), ambos realizados por Luchino Visconti.
Um dos assuntos, hoje falados ao jantar, teve por tema a obra de Sttau Monteiro (1926-1993). A propósito de "Felizmente há luar" (1961), recordei "Angústia para o jantar" (1961), que li, na altura, com imenso agrado. Mas deste romance (novela?), grande sucesso nos anos 60, recordava-me apenas de uma vaga casa situada na Avenida Infante Santo, onde decorriam algumas cenas. E, também, distintamente, da capa da primeira edição (em imagem) por onde li o livro.
Mas também me lembro, perfeitamente, da última vez que vi Luís de Sttau Monteiro. No início dos anos 80, no desembocar da Travessa Teixeira Júnior (Alcântara), estava ele - creio - à espera de uma Senhora...

Eugen Doga (1937) no Palácio Foz


Já aqui colocámos, a 19 de Janeiro de 2014, um vídeo com uma valsa de Eugen Doga.
A 18 de Outubro de 2011, a Embaixada da Moldávia, para comemorar os 20 anos de independência do país (1991), promoveu um recital de música, no Palácio Foz (Lisboa), com a presença e desempenho de Eugen Doga, que tocou algumas das suas obras. Doga é, provavelmente, o compositor e pianista actual mais conhecida da República da Moldávia.
O vídeo, de cerca de 52 minutos, dá conta desse acontecimento.

Citações CLVIII


A pobreza tem as suas fraquezas, ela ensina ao homem o mal, pela necessidade.

Eurípedes (480 a. C.-406 a. C.).

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Apontamento 37: As poderosas senhoras e os pobrezinhos



Ontem, um amigo trouxe-nos um jornal francês que aproveitou um "cartoon" de António, anteriormente publicado no "Expresso", com as "pobres" figuras das duas senhoras poderosas reproduzidas acima.
A "lagarta", que costuma apresentar-se com roupagens de alta costura, à francesa", afinou, ultimamente, o seu discurso hipócrita, falando dos "pobrezinhos", coitados, a sofrerem com os programas do FMI. 
A "senhora" Merkel, a quem o António, certamente por deferência, não pôs os soquetes que ela costuma usar mesmo debaixo de vestidos de cerimónia, é conhecida pelos seus casacos "chapa zero".
No entanto, a pretensa sovinice merkeliana vale apenas para os pobrezinhos, já que ela bebe da mesma fonte ideológica da "lagarta".
E, para centrar a questão naquilo que verdadeiramente interessa, nada melhor do que terminar com a brilhante síntese de Viriato de Soromenho-Marques, publicada, hoje, no "DN".


Post de HMJ

Bibliofilia 96


Sucede que passam, hoje, sete anos sobre o falecimento de A. H. de Oliveira Marques (1933-2007) e que este livro, em imagem, era um dos poucos que me faltava da bibliografia do Historiador português.
A obra é o primeiro, creio, dos trabalhos de grande fôlego do Autor, e não aparece à venda, com frequência, porque, sendo a dissertação de doutoramento de Oliveira Marques, teve uma tiragem de apenas 500 exemplares.
A primeira edição de "Hansa e Portugal na Idade Média" (Lisboa, 1959) estava numa das duas vitrinas, protegidas, do meu alfarrabista de referência, onde costumam ser expostas as obras mais raras e mais caras.
Um pouco a medo, pedi para ver e perguntei o preço. O estado era (é) impecável e o preço, em conta.
E lá subi a rua do Alecrim, todo satisfeito...

G. Rossini / F. von Stade : final de "La Cenerentola"

Interlúdio 43


O terratenente e o servo, quase sumido, lá ao fundo. No Minho, com certeza, pelo tipo de ramada, talvez no início do século XX. E, de Inverno, porque não se vê grande vegetação, e a vinha está despovoada de rebentos e folhagem. Imagine-se o resto...

com efusivo agradecimento a H. N..

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Mais uma tradução para memória futura


Mais uma tradução de Simenon (Le Chat), feita por um poeta - António Barahona da Fonseca.
Como é habitual norma da Bertrand, no livro não consta a data da edição... A capa é de José Cândido.

Glosa sobre o "If" Kiplinguesco, com final à O'Neill e imagem de Duchamp


Se os crocodilos tivessem asas,
se as conversas do feicebuque tivessem substância,
se no MOMA(-pintura), as pintoras fossem mais de 5%, mas os nus femininos menos de 85%,
se usassemos as palavras unicamente quando são precisas,
se Bento XVI provocasse um golpe de estado e destronasse o papa Chico,
se os maus poetas se reconhecessem
e os prosadores róseos, de pechisbeque, fossem proibidos de publicar,
se jogar pelo seguro fosse crime ou considerado idiotice
e o Inverno não fosse tão frio,
se os camelos não tivessem bossas
e os peixes tivessem pálpebras,

acaso, tac!, o nosso mundo iria mudar?

Ramoniana breve


1. Há suspiros que fazem comunicar a vida com a morte.

2. Os eucaliptos têm sempre a camisa esgargalada.

3. O panegírico parece alimentício, mas não é.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Pascal Comelade : "Petita Escena Nocturna"


Pinacoteca Pessoal 68


Não sou grande admirador da obra do pintor norte-americano Stuart Davis (1892-1964), sobretudo da sua fase muito contaminada pelo cubismo francês (Léger parece-me a influência dominante) ou da fase posterior, abstracta. Mas há alguns quadros, do período intermédio (1910-30), de que gosto, particularmente.
Estão neste caso, o Auto-retrato (1919), em imagem, e Edison Mazda (1924), que integra o acervo do MOMA.

Regionalismos transmontanos (22)


1. Carretas - homem cambaio, torto de pernas.
2. Carrola - ramo de árvore carregado de fruta.
3. Carujo - nevoeiro espesso. Chuva miúda.
4. Caspilra - mulher magra e má. Animal pequeno e mau.
5. Catapereiro - pereira brava. (O Abade de Jazente usa a palavra num soneto)
6. Catramonho - feio, mal-encarado.

Memória (86) : Claudio Abbado (1933-2014)

A NSA, para variar e para que conste...


Saudosa, provavelmente, a NSA, esta noite, fez 13 visitas ao Arpose. Para além das 24 siglas (IP Adress) com que, amadoristicamente, se denuncia e faz anunciar, desta vez usou 2 novas:
Colorado, Colorado Springs,  69. 171. 247
e 173. 252. 74.
Além de amadores, estes torpes, lorpas e loucos espiões de meia tijela só sabem perder tempo...

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

12 perguntas a Woody Allen


Manuscritos complicados


Sobre a dificuldade e complexidade da poesia de Emily Dickinson (1830-1886) falou, com propriedade e conhecimento, Jorge de Sena, na sua introdução a 80 poemas de Emily Dickinson (Edições 70, 1978). Das elipses, das divisões estróficas a descodificar, da desarrumação dos versos escritos em pequenos pedaços de papel (recibos comerciais, envelopes já usados ou não...), da dificuldade em estabelecer uma pontuação sistemática e coerente, das maiúsculas frequentes... Até porque dos mais de 1.700 poemas conhecidos, apenas cerca de 10 foram corrigidos e publicados em vida, por Emily Dickinson.
O TLS anunciou recentemente a saída de um livro (The Gorgeous Nothings) que reproduz 100 poemas de E. D., escritos em pequenos papéis e envelopes, que foram enviados à sua irmã "Miss Vinnie Dickinson", de que damos, abaixo, uma reprodução, bem como uma pequena poesia que o jornal inglês transcreve. Para o pequeno poema, proponho a seguinte versão, em português:

Quem diz
que a Ausência
de uma
Bruxa
anula 
o seu feitiço?

A par e passo 75


Aconteceu-me muitas vezes, a propósito de uma questão muito especial, comparar as nossas acções, de dizer que os mesmos órgãos, os mesmos músculos, os mesmos nervos produzem a marcha bem como a dança, exactamente como a nossa faculdade da linguagem nos serve para expressar as nossas necessidades e as nossas ideias, ao mesmo tempo que as mesmas palavras e as mesmas formas se podem combinar e produzir obras de poesia. Um mesmo mecanismo, nos dois casos, é utilizado para dois fins inteiramente diferentes.
É por isso natural que quando se fala de assuntos espirituais (chamando espiritual a tudo aquilo que é ciência, arte, filosofia, etc.), é pois natural, falando dos nossos assuntos espirituais e dos nossos assuntos de ordem prática, dizer que existe entre eles um paralelismo notável, e que se possa observar este paralelismo, e dele, por vezes, retirar algum ensinamento.

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pg. 262).

domingo, 19 de janeiro de 2014

Um pequeno poema de Emily Dickinson


Um sempre prateado em volta
Por cordas de areia
Para evitar que se perca
Esse vestígio a que chamamos terra.


versão dedicada a H. N., cordialmente.

Eugen Doga (1937)


Críptica (ou entendível para quem faz "zapping")


Entre aquele que fala da Barbie, que vai ser vestida de Inês de Castro, para glória lusa, e o comentador televisivo que aborda as energias renováveis, em relação a Portugal, vai uma escolha e diferença de tomo. Até parece que o laranja é róseo e o rosa se transfigura de vermelho austero. No hiato, entre um e outro, há um horizonte mental de distância incomensurável. O comprimento do agrado que medeia entre ver uma corrida de 100 metros e a paciência beneditina de acompanhar uma maratona.
O professor martelo, embora catedrático (de Direito), é, definitivamente, um fala-barato...

Mercearias Finas 82 : em louvor dos enólogos


Tenho em conta que o colectivo é quase sempre importante, mas penso também que uma personalidade marcante e competente pode mudar radicalmente uma instituição, uma sociedade, um país.
A Adega Cooperativa de Monção, por exemplo, habituou-nos, decerto num esforço colectivo, à qualidade exemplar dos seus vinhos brancos, nos últimos 30 anos, de que o Alvarinho Deu-la-Deu e o Muralhas são provas sobejas e sempre agradáveis.
A Adega Cooperativa de Vila Real era apenas uma entre as várias cooperativas de Trás-os-Montes, como a sua congénere de Pegões, até há poucos anos atrás, pouco se diferençava das outras cooperativas da Península de Setúbal. No entanto, a entrada de Jaime Quendera na Adega de Sto. Isidro fez toda a diferença, e os vinhos produzidos, hoje, são dos melhores que podemos encontrar nas terras do Sado.
No mesmo sentido vai a qualidade da Adega Cooperativa de Vila Real, após a entrada dos enólogos Rui Madeira e Luís Cortinhas, que provocaram uma nítida melhoria qualitativa nos vinhos sob a sua chancela.
Nota-se-lhes ousadia e inovação que inclui a introdução da casta Fernão Pires (Maria Gomes, na Bairrada) nalguns dos seus vinhos brancos, e o resultado é extremamente positivo. Quase residual ou, pelo menos, minoritária no Douro, a Fernão Pires é muito usada, sobretudo, no Ribatejo, Bairrada e Península de Setúbal. Não me lembro de alguma vez ter bebido um branco do Douro em que ela entrasse no lote.
Pois, a aposta ousada de Rui Madeira e Luís Cortinhas, foi bem sucedida e ganha. Provei hoje um Vila Real 2012, Reserva branco (Viosinho, Malvasia Fina e Fernão Pires), que era excelente. Citrino, floral, mas seco q. b., acompanhou muito bem uma Pescada à Algarvia, com batatinhas assadas que vieram do forno. Bom trabalho, senhores Enólogos!

Mais um aniversário sobre o nascimento de Eugénio de Andrade


"...As palavras são o ofício do poeta, parece-me que foi Cesare Pavese que o disse, e ofício rigoroso, acrescento eu. As palavras são a nossa condenação. Com palavras se ama, com palavras se odeia. E, suprema irrisão, ama-se e odeia-se com as mesmas palavras! Como Jano, são bifrontes: nelas se caminha na noite, nelas se caminha de dia. Quanto a mim, gosto das palavras que sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisas como seixos, rugosas como pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol."

Eugénio de Andrade, in Rosto Precário (1979).

sábado, 18 de janeiro de 2014

Biber / L'Arpeggiata


Da Janela do Aposento 42: Em louvor da nossa linguagem



[para consulta em: BNP, purl.pt 120, ex. incompleto]

No meio de consultas várias somos, por vezes, obrigados a "sair da direita estrada", metendo-nos por "semideiros escusos", como dizia Fernão Lopes. Foi o que me aconteceu hoje.
Entrei pelos "semideiros" das Gramáticas e demorei-me, sobretudo nas duas primeiras. A de Fernão de Oliveira, de 1536, na imagem acima e, de seguida, na de João de Barros, na edição de 1540, impressa por Luís Rodrigues. 


[para consulta em: BNP, purl.pt. 12148]

Não resisti, pois, a reproduzir o início da Grammatica da Lingua Portuguesa, de João de Barros, porque reencontrei essa magnífica imagem do "iogo de enxedrez" para explicar a existência das duas classes, nome e verbo, comparando-as a dois reis. Aliás, o meu gosto pela leitura de Gramáticas reside, essencialmente, no prazer de encontrar métodos e formas diferentes para explicar a mesma matéria.
Confesso, no entanto, que prefiro as gramáticas antigas, porque têm o mérito de se cingir ao essencial, deixando para os especialistas o acessório.
Assim, da minha "janela do aposento" já posso olhar, distanciada, para uma deriva linguística com que pretendem encher a cabeça das pobres criaturas.
É pena que ninguém lhes fale da existência de dois reis, o nome e o verbo, "comque o nósso intendimento reçebe as mais das cousas" !

Post de HMJ

Adagiário CLXIX


1. Avec des "si" on mettrait Paris en bouteille.
2. Paris ne s'est pas fait en un jour.

para MR e JAD.

Uma louvável iniciativa (22)


À memória do poeta José Terra (1928-2014)


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Händel para o fim-de-semana

De Emily Dickinson, para a noite


Talvez a noite não necessite de mim - embora venha a precisar -
Por precaução vou deixar-lhe o coração à sua beira -
Um sorriso, por pequeno que seja, assim o meu,
Pode vir a ser útil.

Desabafos


Faz bem falar com um amigo que já conhecemos há muito, e que já nos conhece há décadas de caminho. A velhice não gosta de mudanças, porque o cepticismo do tempo raramente nos promete grandes coisas. Lembrem-se as Primaveras árabes que rapidamente se transformaram em tempestuosos e anárquicos, ou ditatoriais Invernos islâmicos.
Esta moda de mudanças, que incipientes e atoleimados jornalistas acolhem com um sorriso alvar e olhos de pasmo e alegria, assertivamente, não me afecta um milímetro, muito embora acompanhe, com algum cuidado e ponderação os desenvolvimentos, até poder chegar a alguma conclusão fundamentada.
Preocupa-me, sim, este desejo de mudança, como se os passos fossem sempre seguros, estas modas trepidantes a qualquer preço, estes aggiornamentos (pontifícios ou não), em que tudo se troca numa freudiana procura da fonte da felicidade e juventude, ou na mania cega e acéfala de acompanhar o mais recente - que quase me irrita, pelo imediatismo, pela ligeireza, pela leviandade mental.
Há um cerco de estar em dia, que nos sitia. Desde o amigo volúvel que se surpreende por ainda demolharmos, em casa, um bacalhau escolhido com cuidado na mercearia, em vez de comprarmos o universal e asséptico riberalves, até ao velhinho moderno que não percebe porque somos tão ignorantes em relação aos tablets - aos Magalhães ainda eu cheguei...
Depois é o Google rural e ianque, é o Adobe Flash Player, é o...que estão sempre com actualizações, e que me atrasam, estupidamente, no meu trabalho quotidiano e despretencioso. E eu lá acabo, céptico e benevolente, por aceitar estas actualizações ignaras e frenéticas, periodicamente incomodativas, de que já conheço, de antemão, o resultado. No dia seguinte, o computador, com as suas fragilidades habituais, está na mesma. Ou pior.

Lembrete 13


É, possivelmente, o livro europeu para crianças mais lido por adultos, no último século.
O mais recente TLS (nº 5780) recorda que Le Petit Prince foi publicado pela primeira vez, em Nova Iorque, no ano de 1943, onde Antoine Saint-Exupéry (1900-1944) se encontrava desmobilizado; e lembra ainda que, no presente, passam 70 anos sobre a morte do piloto e escritor francês.
Saint-Exupéry terá, depois, oferecido o manuscrito, com 43 ilustrações, à sua amiga Sylvia Hamilton, com a dedicatória: "I'd like to give you something splendid, but this is all I have".
O precioso manuscrito foi adquirido, em 1968, pela Morgan Library, onde virá a ser objecto central de uma exposição, no período entre 24 de Janeiro e 27 de Abril de 2014.