sábado, 31 de janeiro de 2015

Regionalismos transmontanos (71)


1. Saforil - pessoa ordinária, mas espevitada. Animal reles.
2. Sacoleiro - que anda sempre atrás das mulheres. Mulherengo.
3. Salamurdo - indivíduo de poucas palavras, mas que é sonso e morde pela calada.
4. Salipote - rapaz pequeno e gordo.
5. Salrento - salgado.
6. Salta-Marquês - o m. q. gafanhoto, saltarico.

Diego Ortiz (1510-1570)


sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Telegramática, com 4 siglas


O PR terá ficado muitíssimo incomodado com uma carta recente de DDT, à C. P., em que este revela que terá tido uma reunião (Março de 2014?) com o primeiro, algum tempo antes do colapso do BES.
Percebe-se.

Mercearias Finas 96


Tempos houve, em que não perdia uma crónica gastronómica de José Quitério (Tomar, 1942). O seu estilo rico, mas de singeleza clássica, muitas vezes castiça, tinha movimento interior, e era muito sugestivo na forma de nos reconstituir imagens e tempo, pelo ritmo da escrita. Em qualquer dessas crónicas, aprendia-se quase sempre alguma coisa sobre a arte de bem comer. Depois, eu cansei-me do "Expresso" - onde ele escrevia -, que se fora transformando numa instituição pesada de muitas coisas ligeiras; e perdi José Quitério de vista.
Por um acaso feliz, chegou-me às mãos, recentemente, um número da Revista do Expresso (de 10/1/2015), em que ele se despede (por problemas de visão) dos seus leitores, após 38 anos de crónicas gastronómicas semanais, através de uma entrevista, com algumas considerações bem interessantes. Aqui deixo alguns fragmentos, que sublinhei:

-...Por exemplo, não podes estar sempre a falar de bacalhau, bacalhau, bacalhau. Podemos dizer o gadídeo. Se calhar, alguém fica com os cabelos em pé, e diz «este gajo está armado em parvo». Mas não é isso - é para variar a linguagem. As pessoas falam cada vez com menos palavras.
-...A cozinha italiana é magnífica. Mas lamento imenso que os produtos mais divulgados da cozinha italiana sejam os mais vulgares e sem nenhum interesse gastronómico. Pizas e pastas, foi o que caiu na graça mundial, via EUA.
-...E depois há um medo português terrível de ser provinciano, quando a maior parte das vezes são. Vai-se atrás de tudo para se parecer cosmopolita. (...) O vinho é uma coisa que se tornou, ainda mais do que a comida, numa religião, numa liturgia, numa cerimónia. Perdeu-se a naturalidade de beber um copo de vinho.

Pinacoteca Pessoal 91


São sobretudo características as suas impressivas pinceladas a vermelho e amarelo, mas que hei-de eu fazer, se sempre gostei mais da cor azul? Que Emil Nolde (1867-1956) dividia em: "azul prateado, celeste e de trovoada..." Germano-dinamarquês, nascido no Schleswig-Holstein, de uma família camponesa, veio a fixar-se em Berlim, e foi um dos fundadores do grupo expressionista "Die Brücke". Abraçou, equivocamente, o nazismo, de algum modo, até que os próprios nazis incluiram a sua obra na "arte degenerada" e mandaram retirar os seus quadros dos Museus alemães. Clandestinamente, foi continuando a pintar. Depois da guerra, reabilitada a sua arte, reganhou o lugar cimeiro a que tinha direito.
O auto-retrato, que encima este poste, foi executado tinha Emil Nolde cerca de 40 anos.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Philip Glass / Maki Namekava : Etude nº 20

Iconografia moderna e laica (22)


"Frutificai, crescei e multiplicai-vos..."
Génesis 1, 22.

Poder-se-ia dizer, sem rigor excessivo, que, se a consciência lusa é sobretudo poética e aérea (os bebés vinham de Paris e no bico de cegonhas - dizia-se...), na gaulesa predomina o sentido terrestre e agrícola, na progenitura. As meninas francesas nasciam das rosas, os meninos despontavam das couves - como se pode ver nestes postais de 1905. Talvez, por isso, a agricultura francesa é, ainda hoje, largamente subsidiada pela UE.
Nesse longínquo mês de Março de 1905, Isalina Vargas bombardeou (é o termo mais adequado) Antónia Madahil, que se encontrava hospedada no Hotel Borges (Lisboa), com estes postais sugestivos, que parecem um apelo insistente à procriação. Não sei é se terão tido resultados. Mas louve-se o esforço desenvolvido!
Assim se preocupassem os nossos governantes com o aumento da natalidade, como a Isalina, junto da Antónia...

Abraço grato e reconhecido a H. N. .

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Da Janela do Aposento 50: Pontos nos iis



Para quem ainda não se tinha apercebido, porque continua a viver no país “do conto de fadas”, o governo enfrentou, finalmente, os ignorantes que tão mal fazem às nossas criancinhas.

Para os que falam do enunciado da “Prova de Avaliação” para os docentes, sem o terem lido na íntegra, basta ver dois pequenos nacos de prosa de perguntas, publicados, hoje, no jornal Público.

Para os crédulos que acreditam nas palavras do Senhor Professor Nuno Crato, sublinha-se que as provas – tipo americano ou “chapa zero”, tanto para os docentes como para os discentes – reduziram a escrita ao “grau zero”, i.e., será difícil encontrar uma “pergunta de desenvolvimento” que permita, numa só frase [Crato dixit] encontrar 20 erros ortográficos. A perversidade de limitar as “respostas de desenvolvimento” ao máximo de 120 ou 200 palavras, para além de desviar a criatura do essencial, i.e., do conteúdo, para contabilizar as palavras do seu vocabulário, implicou o retrocesso óbvio para o domínio da frase simples. Ora, uma frase simples, reduzindo também o pensamento para um nível simplificado de expressão, raramente alcança a proeza de 20 palavras seguidas.

Passando, no entanto, da completa indigência da referida “Prova”, motivo suficiente para qualquer docente consciente se desviar de semelhante “Inferno”, falemos, então, da essência.

Como todos sabemos, e para os que conhecem um pouco da História recente e vivida, o aumento da escolarização não foi acompanhada, como devia, por uma estratégia adequada e uniforme, nomeadamente no que se refere à formação dos professores. O aumento do número de alunos exigia mais professores que, após o 25 de Abril, foram recrutados, pelos diversos Ministros da Educação, entre os licenciados ainda em formação académica. Surgiu, posteriormente e por razões económicas e políticas diversas, a necessidade de impor uma formação profissional complementar. O Estado, através dos diversos Ministros da Educação, delegou essa competência a Universidades, alargando-as, depois, a Institutos e Instituições de Ensino à distância, sem, contudo, aprovar, sempre, os respectivos “Planos de Estudos e de Formação”. Ora, só num “conto de crianças” é que não existe responsabilidade governativa para a invocada ignorância que o Ministro Crato alegou, hoje, para a sua “caixa jornalística”.

A chamada “autonomia” da Universidade tem as costas largas e não serve para desculpar o “lobo” que quer comer a criancinha, porque foi o lobo que se deitou na cama para atrair os incautos.

Ou seja, as disposições legais permitiram formações tão díspares como: 5 anos + 2 anos [5 de formação académica + 2 de estágio profissional], 5 [com estágio integrado], para além de regimes alternativos fora das Universidades, i.e., Institutos de diversa índole, públicos e privados.


No meio disto, muita gentinha que gosta de vestir a pele do lobo acredita na história da carochinha (escrevendo estória) sem saber que existem [há] outros mundos. Até no Ministério da tutela à [sic], i.e., criaturas, sem cursos de formação de professores, que não dão duas para a caixa.

Post de HMJ

3 regionalismos madeirenses e alguns considerandos pessoais


De semelha, com o significado de batata, sabia eu; quanto a murganhada (de murganhos = ratos), aprendi, em 1968, que era usado pelos madeirenses para nomear os desenhos animados, talvez por influência do rato Mickey.
Folheando um número antigo e avulso da "Revista de Portugal" (Vol. VIII - nº 39, Dezembro de 1945), num artigo de Jaime Vieira dos Santos, deparei com mais 3 regionalismos da Ilha da Madeira, que aqui deixo, com pequenas considerações pessoais:
1. Bardo - sebe feita de cana-vieira, giesta ou ramagens. (Desconheço a sua eventual ligação, continental, com o significado de poeta, que Morais da Silva refere para denominar, inicialmente, entre os Celtas e Gauleses, os sacerdotes incumbidos de excitar o ânimo das tropas com cânticos guerreiros.)
2. Barreiro - terra vermelha que nada produz. (Terá sido essa a razão próxima para o patronímico outrabandista? O mesmo dicionário, referido acima, regista apenas: "Terra alagada". De algum modo, o oposto...)
3. Botas de 5 bicos - pé descalço. (Quanto a este regionalismo madeirense, só o posso considerar um achado, na sua evidência flagrante e bem-humorada...) 

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Anton Bruckner (1824-1896)

A minha versão


Escandalizados uns, perplexos, outros, jornalistas e comentadores mediáticos interrogam-se, de olhos esbugalhados, como foi possível, na Grécia, um partido da extrema-esquerda (Syriza) aliar-se a outro partido (Gregos Independentes), da extrema-direita, para formar governo. Numa aliança, aparentemente, contra-natura.
Para mim, a explicação é simples: uniu-os um sentimento comum de orgulho nacional. Dito de outro modo, de são patriotismo, ou de amor à Pátria. Sentimento hoje raro entre grande parte dos políticos, de índole apátrida, vendilhões de bens públicos, caixeiros-viajantes aciganados, que, muitas vezes, se envergonham em falar na sua própria língua materna. Preferindo expressar-se num anglo-americano economês paupérrimo, ou na tal "linguagem de ervilhaca" de que falava Camões, na sua carta da Índia.

Pequena história (32)


Quem tenha muitos, mesmo muitos livros em casa, ter-se-á habituado, com certeza, à pergunta sacramental de algum novo visitante que, pasmado pela visão de tanto volume, dispara: "Já leu estes livros todos?"
João Cosme da Cunha (1715-1783), mais conhecido na História como Cardeal da Cunha, foi figura de vulto durante todo o consulado do Marquês de Pombal. Era beato até ao excesso (ou falsamente), muito bajulador, oportunista e camaleónico. Oriundo de um ramo dos Távoras, logo se demarcou dos parentes, quando estes entraram em desgraça e foram supliciados, depois do atentado ao rei D. José. Foi "mais papista que o Papa" no ataque aos Jesuitas, quando o Marquês decidiu aniquilá-los. Indefectível de Pombal, logo que este perdeu as graças, no início do reinado de D. Maria I, foi dos primeiros a atacar o seu antigo protector. Mas era tarde, a rainha despromoveu-o das muitas benesses que detinha, nomeadamente, de conselheiro de Estado. Tinha chegado entretanto a Arcebispo de Évora e era detentor de grossos cabedais...
Para impressionar e alardear cultura, tinha a sua casa coalhada de livros, que ultrapassavam a dezena de milhar - por abrir... O conde da Ponte, que o conhecia bem, costumava dizer: "Lá anda o Cardeal a passear a sua ignorância, por entre as onze mil virgens..."

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Apontamento 61: Lições



De um semanário nacional retirei a imagem em epígrafe. Achei, por razões diversas, que a foto sintetizava a pequenez mental de muita gentinha e a superioridade do Humanismo e da Cultura – obviamente com letras maiúsculas.

Apreciei o sublime porte socrático da escultura a contrastar com o ar “boquiaberto” que alguns chamados estadistas - tanto nacionais como estrangeiros - não conseguem disfarçar perante uma elevação inusitada, quer tenham formação nas chamadas ciências exactas como nas de economia. O que lhes falta, a todos, é, obviamente, uma sólida formação cultural e humana, ou por outras palavras, aquilo que distinguia o provinciano  de um “Eusebiozinho” do “Carlinhos estrangeirado”.

Sucede, ainda, que os “contadores de fadas” da inevitabilidade da desgraça acumulam, para além da impreparação democrática, contradições – quiçá paradoxos – insanáveis perante os seus semelhantes próximos.

No dia de hoje, 70 anos após uma página negra na História da Alemanha, os discursos sobre acontecimentos, vários e coincidentes, escondem a essência desumana e gritante dos 3 milhões de alemães que, empregados, vivem no limiar da pobreza por opções ideológicas e políticas.

O actual chefe holandês do Eurogrupo, juntando o seu ar moderno ao conservador “copinho de leite” do Bundesbank alemão, preferem assobiar para o lado, deixando que dentro da Zona Euro exista, para além do Luxemburgo, uma Holanda que capte as empresas com regras tributárias de excepção para uma imensa minoria. E o “menino” Weidmann saberá esclarecer quanto da fortuna de magnates gregos alimenta o sistema financeiro alemão ?

Por coincidência ou não, A. Merkel falou sobre Auschwitz e Tsipras foi relembrar outras atrocidades.

E, no final do dia, é a escultura de Sócrates que me reconcilia com o mundo e com o meu semelhante mais esclarecido.


 Post de HMJ

Revivalismo Ligeiro CIX

Dito anarca


Acabem com os mercados, ressuscitem as feiras medievais!
O artesanato vencerá!

(Anónimo).

Comic Relief (101)


domingo, 25 de janeiro de 2015

Citações CCXIX


Quando não conseguires arranjar uma pele de leão, terás que usar a da raposa.

Plutarco (46-120).

Eleni Karaindrou (1941, Grécia)

Postais de Arte (2) : o Azeite


Neste "Postal de Arte", Louise Deletang reproduziu todo o percurso, da natureza até à mesa, que o azeite percorre, como produto essencial da dieta mediterrânica.
Simultaneamente, os interessados poderão enriquecer, através das imagens e legendas respectivas, o seu vocabulário de língua francesa.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Filatelia XCIX


Os mais velhos lembrar-se-ão, com certeza, do mais recente período inflacionista, em Portugal. Que começou nos finais dos anos 70 e se prolongou pelos anos 80. Mesmo assim, em muito menor escala do que a inflação que assolou o Brasil, durante grande parte do século XX, ou da que aconteceu na Alemanha, depois da I Grande Guerra, e se foi prolongando pelos anos 20.
Muita da história europeia recente, e sob múltiplos aspectos, se pode pressentir e conhecer através das estampilhas postais de cada país. Os selos alemães, em imagem, de quatro séries cronologicamente ordenadas (1 fila / 1 série), mostram, à evidência, a galopante inflação germânica do Marco, entre os anos de 1921 a 1923. Até as sobrecargas de valor são alucinantes: 5 mil sobre 40 marcos, 2 milhões sobre 300 marcos (ver fila 3, a contar de cima, na imagem), por exemplo...
Parece hoje anedótico dizer-se que as donas de casa, nessa época, levavam um saco cheio de notas para comprar 4 ou 5 Brötchen (carcaças), ou que as mulheres alemãs iam às oficinas e fábricas, de manhã, no dia de pagamento da féria, o mais cedo possível, para receber o dinheiro da mão dos maridos, a fim de, imediatamente, ir comprar géneros alimentares que, à tarde, seriam muito mais caros.
Deste período traumático, alguma coisa ficou na memória alemã. Que pode explicar, embora não justifique de todo, a intransigência germânica quanto ao seu respeito pela moeda, em si, e pelo seu valor sagrado. Diz-se (K. Marx?) que a História se repete: da primeira vez, como tragédia, da segunda, como farsa...
A esta temática filatélica personificada por números e sobrecargas astronómicas, chamam os filatelistas alemães: Infla.

De René Char (1907-1988)


131.
Em todas as refeições tomadas em comum, nós convidámos a liberdade para se sentar. O lugar permanece vazio, mas os talheres continuam postos.

René Char, in Fureur et Mystère (Feuillets d'Hypnos).

Pela Grécia


Obviamente.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Um pequeno poema de Bukowski, traduzido


Oh, yes

há coisas piores
do que estar sozinho
mas leva décadas
até dar por isso
e quase sempre
quando o compreendemos
é demasiado tarde
e não há nada pior
do que
muito tarde.


Charles Bukowski (1920-1994)

A par e passo 123


Alguma vez olharam bem para o sol? (...) Não falo do sol da astrofísica, do sol dos astrónomos, do sol agente essencial da vida no planeta, mas simplesmente do sol sensação, fenómeno soberano, e da sua acção sobre a formação das nossas ideias. (...) O sol, mestre das sombras, uma vez desaparecido, parte importante e momento sempre dominante da esfera celeste, terá decerto despertado as primeiras reflexões da humanidade, como modelo de um poder transcendente, dum senhor único. (...) Considerar as sombras que ele projecta, deve ter servido para as primeiras impressões sobre a geometria, ou de aquilo a que se chama perspectiva. (...) O sol introduz assim a ideia de um super-domínio, a ideia da ordem e da unidade geral da natureza.

Paul Valéry, in Variété III (pgs. 244/5).

Uma fotografia, de vez em quando (54)


Nascida em Berlim, em 1938, e a viver em Düsseldorf, a fotógrafa Ursula Schulz-Dornburg tem uma obra singular e estranha ancorada nas temáticas pessoais, que escolhe ciclicamente. Um dos temas sobre o qual se debruçou foi o das paragens de autocarro (anos 90) na Arménia, cuja construção datava da era Brezhnev.
Das suas fotografias ressuma um gosto pela arquitectura (decadente?) limpa de adereços, mas também a ideia de um certo vazio e solidão. Como se o movimento se tivesse cristalizado e, estático, esperasse o desencanto definitivo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Recomendado : cinquenta e quatro - entrevista de R. Debray a L'Obs. (nº 2619)


O século XX não conseguiu esclarecer, devidamente, o valor e significado de algumas palavras de uso corrente, apesar da sua importância, sobretudo política. E, neste domínio, a esquerda teve ainda mais dificuldade no seu uso, ao contrário da direita que, nesse particular, é bastante mais pragmática e maniqueista, dividindo à partida sem dificuldade as coisas, entre boas e más. Guerrilha, terrorismo, atentados bombistas, ou suicidas, Israel/Islão, ditaduras/democracias, são algumas das palavras que, à esquerda, continuam envoltas em nevoeiro, dúvidas e muito vagamente situadas, entre o Bem e o Mal.
Régis Debray (1940) é um homem que teve e tem mundo. Não é um menino de coro, nem um puritano ou moralista, nem sequer um teórico. Foi amigo de Fidel e Guevara, fez guerrilha na Bolívia, foi preso, tudo isto antes de Maio de 1968. Todas estas experiências enriqueceram-no e ele sabe distinguir, entre o trigo e o joio, as grandes questões que se nos põem, neste início do século XXI.
Numa excelente entrevista, que deu a L'Obs., Debray separa, inteligente e claramente, essas águas que refiro no primeiro parágrafo deste poste. Em abono da recomendação, que proponho em título, alinho, traduzidas, algumas das respostas que ele deu, nessa entrevista. Como se seguem, para reflexão:

- Malraux dizia que a seita literária eram 10.000 pessoas. Para além disso, é um mal-entendido. Ou um oportunismo. Esperança de ordem cultural, portanto. De ordem política? Temo que, por esse lado, estejamos no fim de um ciclo, aquele que começou por volta de 1789 e que ligava a luta pelo poder a uma confrontação das ideias.
- O atentado de 7 de Janeiro desempenhará nisso algum papel? Ou será preciso uma guerra de verdade? Ou a chegada de uma troika do FMI para tomar conta dos comandos como em Atenas? Será preciso aproximarmo-nos de um precipício, em qualquer dos casos. Não ignoro que todos os séculos têm a sua pequena elegia sobre a decadência. Mas uma visão histórica alargada relativiza estas lamentações.
- A França manteve o proscénio dois ou três séculos. É normal que deixe esse lugar a outros. O meu amigo Daniel Cordier diz que a França morreu em 1940. A França enquanto grande potência, assim é. Mesmo assim ainda houve um "Verão indiano" com de Gaulle, mas a missa já tinha acabado. No fundo, podemos sobreviver bem a isso. Até podemos viver mais felizes.
- A substituição das letras pelos números e a ideia de que toda a expressão tenha de corresponder a um valor cifrado, quer seja taxa, score, desempenho ou parte do mercado, é qualquer coisa de espantoso. É esta ilusão económica que esterilizou a política? Ou a política é de tal maneira estéril, que nada mais resta senão o económico? Em qualquer dos casos, há por aqui um círculo vicioso que fez com que os nossos políticos se tornassem contabilistas. Fizeram-me viver uma adolescência política e agora querem que eu tenha uma velhice económica. Isto faz-me rir, e também chorar um pouco. Porque é uma mudança radical de referências.

Da ressaca, ainda


"Há blogues muito simpáticos," - dizia-me o Z. - "muito simples, com muitas imagens bonitas e folguedo, que nos distraem e não nos obrigam a pensar... é destes que eu gosto!" Eu disse que sim (que tinha compreendido) com um pequeno trejeito facial. E ele continuou: "Depois, há os outros, que até são interessantes, mas armam ao pingarelho, ao intelectual provinciano, que quase não têm imagens, têm textos enormes, como se o comprimento de cada poste implicasse maior profundidade de reflexão." Eu voltei a acenar que sim. E continuámos a andar.
Z., de repente, estacou e, olhando para mim, com um sorriso aberto, prosseguiu: "Há dias, vi uma coisa muito bonita: fui dar com um blogue em que, num poste solidário, aparecia a fotografia de um hamster, com um letreiro ao pescoço, onde se lia - «Je suis Charlie!» Não é uma ideia original, encantadora e comovente?!"
Cinco passos à frente, fomos saborear duas ginjinhas com elas, ali, pelas Portas de Santo Antão. Estava um frio de rachar e ficámos um pouco mais reconfortados. Eu e o Z..

Presunção e água benta cada um toma a que quer...


"Provavelmente é o meu talento que torna impossível fazer de mim um inimigo possível."

Michel Houellebecq (1958), em entrevista a L'Obs.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Regionalismos transmontanos (70)


1. Saba - lençol de cama de linho fino.
2. Sabandijo - gatilho de espingarda.
3. Saboeiro - homem desleixado ou pouco asseado no vestir.
4. Saborido - saboroso.
5. Saçamelo - aquele que pronuncia defeituosamente o ç, metendo a língua entre os dentes ou para dentro.
6. Sacrafineiro - indivíduo muito atarefado com ninharias. Maricas.

A. G. Rossini (1792-1868)


Palavras com ideias


No penúltimo L´Obs. (nº 2618), e a propósito do livro "Soumission", de Michel Houellebecq, o psicanalista francês, de origem tunisina, Fethi Benslama, tece alguns considerandos sobre a edição, em França, e o islamismo, que achei interessante traduzir e aqui deixar em dois excertos. Seguem:

" O islamismo é a última utopia do século XXI, que propõe um desejo ardente para uma causa. E isso atrai todos os agonizantes desesperados que não se resignam a morrer por nada, mas sim por algumas coisas que os tornem afogueados (flamboyants). Já que é necessário morrer, então vamos em frente, para um fogo de artifício, dizem eles."
...
" «Soumission» descreve o estado de espírito, evidentemente empolado, duma Europa sem ideias e de uma França deprimida, que é em larga medida «um doente imaginário», para retomar as palavras do prémio Nobel de economia Paul Krugman. A edição francesa faz as suas grandes tiragens com Valérie Trierweiler que traz à cena a indignidade da magistratura suprema, Eric Zemmour que anuncia o «suicídio francês». Neste concerto de decadentistas vem juntar-se, sem dúvida, Michel Houellebecq, com a invasão do islão. Que espaço resta para outros discursos? Não se pode fazer nada de melhor do que prenunciar a chegada do pior. E tudo isto não pressagia nada de bom."

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Leilão


Época delas, mais uma almoeda anunciada para os primeiros dias de Fevereiro de 2015. Desta vez, da casa leiloeira Aqueduto. Dos lotes a pôr em praça, eu realçaria, com preços de venda estimados, os seguintes:

30 - Andrade, Eugénio. "Coração do Dia", 1948 (1ª edição)... 20/40 euros.
33 - Sophia Andresen. "Mar Novo", 1958 (1ª edição)............ 35/70 euros.
191 - Costa, B. C. Cincinnato da. "O Portugal Vinícola", 1900.. 800/1.000 euros.
266 - Ferreira, Vergílio. "Onde tudo foi morrendo", 1944........ 50/100 euros.
1009 - Vieira, José Augusto. "O Minho Pittoresco", 1886/7.... 400/800 euros.
1585 - Vila Maior, Visconde de. "O Douro Ilustrado".............. 250/400 euros.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Algumas palavras de E. de A., pelo aniversário do seu nascimento


"...Sou um homem que nunca fez da poesia uma carreira. Passei trinta e cinco anos a fazer inquéritos e processos disciplinares, sem o menor gosto mas com grande sentido de responsabilidade, e escrevi a poesia de que fui capaz nas horas que me deixavam livres a profissão de inspector de uns serviços do Ministério da Saúde, que ainda aí estão, cada vez piores, ao que consta. Digamos, para não me alongar a falar de mim, que a poesia, o apelo de fazê-la, sempre oscilou entre um fervor heróico frente à vida e uma fascinada apetência de silêncio. Ainda hoje, depois de mais de quarenta anos de vivê-la, não sei qual destas vertentes é a mais forte, e provavelmente todo o meu esforço é no sentido de fazer de ambas uma só música. ..."

Eugénio de Andrade (1923-2005), in Poesia e Prosa ** (pg. 284).

Pascal Comelade : "L'Argot du Bruit"


A ressaca e os números da desordem


 A frase de Régis Debray, que encima e ilustra este poste, na sua abstracção metafórica e abrangente, parece-me exemplar na caracterização dos tempos que vivemos. Porque, se de um lado se reúne e agrega o irracionalismo fanático da ignorância civilizacional, do outro lado do mundo, ocidentalizado, o que prima é uma convicção de fogachos, um emocionalismo demagógico, muito intermitente e inconsistente, explorado, a maior parte das vezes, pelas centrais mediáticas. Que tudo uniformizam, num camaleonismo banal e vulgar. Nesta bipolaridade superficial de 2 mundos, há um ponto comum: a inexistência de sólidas e fundamentadas razões, coerentes e éticas, duradouras e políticas.
Hoje, ao comprar o TLS, tive uma breve conversa com o dono da tabacaria onde vou semanalmente adquirir o jornal inglês. Fiquei a saber que ele recebia, por rotina, 2 Charlie Hebdo, e que vendia normalmente apenas um. Depois do massacre de Paris, e nos dias seguintes, uma das empregadas da tabacaria esteve quase diariamente a atender o telefone, por causa dos pedidos de encomenda da revista satírica francesa. Alguns clientes quase imploravam pela garantia de poderem comprar um exemplar.
A tabacaria recebeu 25 revistas. Da lista de reservas, ficaram cerca de 170 potenciais clientes por atender...

Postais de Arte (1) : o Vinho


Esta pequena colecção de postais sob a temática Cartes d'Art, ideia original de Louise Deletang, e de que me emprestaram alguns exemplares, terá, pelo menos, a utilidade de familiarizar os eventuais aprendizes da língua francesa com o vocabulário de algumas profissões ou indústrias. Quase todas elas relacionadas com a Agricultura. Este primeiro postal é dedicado ao Vinho. Seguir-se-ão mais 6, oportunamente. Todos eles foram impressos em Paris. São de bom gosto e com uma ingénua beleza de traço singular.

com agradecimentos a A. de A. M..

domingo, 18 de janeiro de 2015

Lá mais para o Verão...

Apesar de ter uma extensão de quase 24 quilómetros e desaguar no rio Lima, se não fosse o amável e amigo envio de AVP, ainda hoje eu desconheceria a existência deste rio Castro Laboreiro, da serra onde nasce, que é, ainda, selvagem e lindíssimo pelo seu percurso acidentado.
Quanto aos caiaques, talvez lá mais para o Verão, que agora está muito frio para desportos aquáticos...

Citações CCXVIII


Os ratos prestam-se a boas metáforas.

Karl Kraus (1874-1936).

sábado, 17 de janeiro de 2015

Fora da regra


Epigrama ingénuo de um poeta ressabiado


Não sei se deva
explicar, excluso
que fui do clube
dos poetas vivos,
por não pagar as cotas,

mas recebido em júbilo
de pompa e circunstância
no outro,
clube dos poetas mortos,
de tão viva memória.


Sb., 17/1/2014.

Curiosidades 35


Exactamente há 80 anos surgiam, nos escaparates das livrarias inglesas, os primeiros livros da famosa colecção Penguin Books. O primeiro volume foi o "Ariel", de André Maurois, seguindo-se "A Farewell to Arms", de Ernest Hemingway, dando-se início a uma inovadora produção editorial, quase revolucionária para a época (1935). A princípio, feitos em papel de jornal e ao preço imbatível de 6 pence - tanto quanto custava um maço de tabaco, na altura -, os livros tiveram um grande sucesso. E foram uma ideia notável do criativo editor Allen Lane (1902-1970). Ainda hoje são extremamente populares.


Canção de intervenção, hoje


Bibliofilia 115


Com texto de Raúl Esteves dos Santos e cuidada direcção gráfica de Martins Barata, esta monografia profusamente ilustrada com fotografias da região de Colares, editada em 1938, sob o patrocínio da Adega Regional homónima, terá, para os actuais enólogos, um interesse quase arqueológico. Devido às profundas alterações tecnológicas e científicas que o vinho português teve, nos últimos 30 anos.

Quanto ao lado histórico e turístico, grande parte da sua actualidade mantém-se. Lido o pequeno livro, de cerca de 70 páginas, muito se fica a saber sobre Colares e sua zona envolvente, bem como sobre a casta Ramisco que, mercê de ser plantada em terrenos arenosos, sobreviveu, até, à praga da filoxera, e continua a produzir, desde a Antiguidade, os seus apreciados vinhos. Fiquei também a saber a origem do nome da célebre Praia das Maçãs: "...Do rio de Colares, que serpenteava veloz por entre pomares e dêles arrastava os frutos que vieram dar nome à praia onde tem a foz. ..."
Adquirido recentemente e numa das últimas feiras de Sábado, na Rua Anchieta, em Lisboa, o pequeno livro custou-me 5 euros. A "Antiquário do Chiado" online tem na sua oferta de vendas um exemplar, também brochado, ao preço de 45 euros. Bem poderia, pela diferença de preços, oferecer de bónus, na compra, uma garrafa de Vinho de Colares, para o leitor degustar, enquanto vai lendo a monografia...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Impromptu (11)


Os nascimentos criam, entre os seres humanos, uma sequência cronológica de tempo que a morte raramente respeita. Quando alguém desaparece para sempre, e disso temos notícia, a memória, quase automaticamente, responde com um inventário sucinto de imagens e algumas legendas passadas, tudo isto em poucos segundos. E recolhe, logo a seguir, de novo ao presente.
Em anos de juventude passei cerca de um mês e meio na Alemanha. Não se tratava de emigração compulsiva, mas também não era uma viagem turística. Esta vilegiatura destinava-se simplesmente a melhor me familiarizar e a praticar a língua germânica. Foi um tempo rico em experiências, novidades e de abertura para um outro mundo. No entanto, guardo dessa altura, alguns desagrados: a falta do café nacional e bom, a água engarrafada alemã, que era sempre de picos - não se comercializava a água lisa - e as sistemáticas batatas cozidas das refeições. Que, à restante gastronomia alemã, habituei-me eu bem, e dela gostava.
Mas devo confessar, também, que havia uma alegria extrema, da minha parte, nas poucas vezes que ouvia falar o português, ocasionalmente, nas ruas. E quando ia à Embaixada do Brasil visitar um amigo português que lá trabalhava. Que me servia, com gentileza, um bónus excepcional: um cafezinho forte, na boa e saudosa tradição portuguesa.

J. S. Bach / Jacques Loussier

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Adagiário CCXI


Nada escapa aos homens senão o vinho que as mulheres bebem.

Nota pessoal: em abono da verdade, eu fico é desconfiado quando uma mulher não bebe...

O açúcar da diáspora


Não sei se acontecerá com todos, mas de grande parte das famílias com quem me dou, são escassas as que não têm algum familiar emigrado. Por isso, esta colecção de pacotinhos de açúcar tem razões objectivas e aponta para uma realidade dos nossos dias portugueses.
As três embalagens, em imagem, trouxe-as de uma esplanada de Campo de Ourique, onde tomei café com mais duas pessoas, jovens, uma delas emigrada (Inglaterra). Só eu utilizei açúcar na bica.
Não será destituído de bom senso eu acrescentar que, possivelmente, o maior número de portugueses na Noruega (2.414) se pode dever ao bacalhau...

Falar simples, falar barato


Talvez o que melhor distinga a crítica ou recensão crítica de origem anglo-saxónica é que, após a sua leitura, não se fica de todo ignorando o enredo ou tema do livro que foi analisado. Noutras críticas de origem europeia, muitas vezes, a citação erudita ou os malabarismos pseudo-intelectuais correm paralelos, mas nunca convergentes, ao teor da obra e, frequentemente, ficamos sem saber aquilo de que o livro trata, na realidade. É, talvez por essa razão, que a crítica portuguesa tem má fama. Assim, achei que talvez fosse útil traduzir e citar, do TLS (nº 5832), o início da recensão que o editor Adam Begley fez sobre o livro "The Republic of Imagination", de Azar Nafisi. Portanto, aqui vai:

Uma das muitas maneiras de ler Adventures of Huckleberry Finn é prestar cuidadosa atenção ao papel desempenhado pelos livros e pela leitura - atenção que é prontamente recompensada logo pela frase inicial do romance: "Não saberão nada de mim, se não tiverem lido um livro que tem por título The Adventures of Tom Sawyer, mas isso não será muito importante. Esse livro foi escrito pelo sr. Mark Twain e, a maior parte das vezes, ele falou verdade". Esta metaficção prepara-nos para o Capítulo II, no qual Tom Sawyer esplica aos seus rapazes amigos que irá orientar o seu bando de acordo com o sanguinário precedente estabelecido pelos "livros de piratas" e dos "livros de salteadores". Matar as suas vítimas seria o melhor, afirma Tom - mas ele aceita também o resgate, que será uma alternativa possível... Quando um dos rapazes lhe pergunta o que é um resgate, Tom confessa a sua ignorância: "Eu li isso em livros; por isso é aquilo que devemos fazer". A atrevida ironia de Mark Twain dá um nome feio à literacia. E, à medida que formos avançando na leitura, iremos  descobrir que muitas das aventuras de Huck apontam na mesma direcção: para a perniciosa influência daquilo que aprendemos nos livros que lemos. ...


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Sons de infância e adolescência


Não será muito importante para a maioria dos portugueses, não fará a primeira página dos jornais, amanhã, será uma notícia insignificante para o mundo, mas nada do que se passa na Póvoa me é indiferente: desapareceram 5 pescadores anónimos das Caxinas, esta madrugada, e houve um único sobrevivente do naufrágio.
As minhas noites juvenis de Agosto, por volta da meia-noite, ainda chocalham, na memória, por um som metálico das maletas-lancheiras onde, provavelmente, balouçavam anzóis, pesos de chumbo, juntos com frugais viandas, provindos das mãos morenas dos pescadores invisíveis, que atravessavam a rua da Junqueira nocturna, em direcção ao mar...

Circadian Eyes : "I hope the fields remember us"


A par e passo 122


É sabido que todas as nossas abstracções têm determinadas experiências pessoais na sua origem; todas as palavras do pensamento mais abstracto são palavras tiradas do uso mais simples, que nós desviámos do seu sentido para filosofar com elas. Será que sabem que a palavra latina donde tirámos a palavra mundo (monde) significava simplesmente adorno (parure)?

Paul Valéry, in Variété III (pg. 243).

Novo leilão de livros


Mais um leilão de José Vicente (Livraria Olisipo), que terá lugar no Palácio da Independência, às Portas de S. Antão, nos dias 19, 20 e 21 de Janeiro de 2015.
Destaque especial para uma camoniana interessante e para os livros de temática militar. E, ainda, para uma rara edição quinhentista (1571) de Amato Lusitano, impressa em Veneza.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Da Janela do Aposento 49: Paradoxos



Na vivência democrática sempre me incomodaram certos paradoxos que, de forma encapotada, se revelaram, desde cedo, no sistema educativo. Uma dessas incoerências, em que sempre tropecei com indignação, consta do seu enquadramento legal, ou seja, da sua Lei de Bases.

Alguém, de perfeito juízo, acredita neste palavreado incoerente, quando se afirma, em jeito de preâmbulo, que “O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas (...)" ?

Olhando à nossa volta, e porque não concebo a realização de qualquer acção humana num espaço neutro, verifica-se que a chamada “crise dos valores” se aproxima, afinal, de uma profusão de “não valores” que resultam dessas directrizes de moralidades inconfessadas e encapotadas.

Exemplifiquemos.

Quando se institui, no Ensino Básico, uma carga horária de 3 h semanais para a disciplina de Educação Física, idêntica às disciplinas de Inglês ou Francês, de História ou Geografia, não estamos perante uma directriz a que subjaz uma valorização ideológica,  política ou até filosófica ? Valorizamos, pois, “os valores e princípios associados a uma vida activa”, ou como afirmou, recentemente na imprensa, uma representante do Desporto Escolar, o efeito “super-pedagógico” (sic) das aulas de Educação Física.

O perverso deste desconchavo constata-se diariamente. Dificilmente se encontrarão os efeitos da “Ética do Desporto Escolar”, com a sua proclamada formação orientada por valores como a Tolerância e o Humanismo, perante criaturas a dar “urros” em cada pontapé na bola, usando um precário e reduzido vocabulário do mais baixo nível de língua, sem respeito pelo sossego e ambiente do seu semelhante.

Falta explicar também o efeito “super-pedagógico” perante a ausência de qualquer sentido de tolerância nas hordas de “hooligans” que proliferam à volta do futebol e que, paulatinamente, se têm vindo a organizar em movimentos – numa mistura de Pegidas e Hogesas de má fama castanha - como os que vemos na Alemanha.

De facto, o Estado não pode atribuir-se o direito de falar em Humanismo, nem quanto à disciplina de Educação Física, nem no que se refere à sua acção política, porque é uma palavra demasiado elevada e cheia para sair de uma boca tão pequena.

Post de HMJ

Retro (62)


Em sequência temática, aqui fica uma pequena reportagem do British Pathé sobre as vindimas no Douro, do já recuado ano de 1953.

Regionalismos transmontanos (69)


1. Roga - conjunto de pessoas que vão rogadas para a vindima, rancho, ranchada.
2. Romanisco - diz-se do galo que tem a crista bifurcada.
3. Rópia - rompante de pimponice, arreganho.
4. Rosquedo - paródia, fado, pouca vergonha.
5. Rotar - diz-se das perdizes quando levantam voo.
6. Ruças - cabelos brancos, cãs, brancas.

Divagações 80


As palavras litania e ladainha têm um étimo comum, sendo que a primeira teve um percurso mais laico e erudito, no tempo, mas hoje é pouco frequentada. Eugénio de Andrade (1923-2005), no entanto, usou-a, como título, num poema do seu livro "As Palavras Interditas" (1951). É um poema de amor que, porém, ao contrário do que seria expectável, não utiliza refrão ou expressões repetitivas, no seu todo. Nem anula a sua inteira compreensão pensante e sensitiva.
O vocábulo ladainha tem um significado de prece litúrgica. E aplica-se, normalmente, a recitativos colectivos que respondem a uma invocação. Da minha experiência, antiga e religiosa, sei que esse refrão (Orai por nós!) acaba por ser quase mecânico. Já nem era pensado: saía automaticamente. A apropriação colectiva e repetitiva tem esse perigo, destrói-lhe o significado. Pode unir um grande espaço físico, mas anula o pensamento necessário e individual.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Citações CCXVII


A jarra dá uma forma ao vazio, e a música ao silêncio.

Georges Braque (1882-1963), in Le jour et la nuit.

Bach, em visita guiada de Koopman


O holandês Ton Koopman (1944), além de grande intérprete e conhecedor da obra de Bach, é bibliófilo e gosta de viver. É também um estimulante divulgador e algumas coisas se aprendem neste vídeo. Que é longo: 52 minutos e 23 segundos, com alguns excertos da "Paixão segundo S. Mateus", de J. S. Bach, intercalados. O diálogo corre em neerlandês, mas há legendas em inglês. Vale a pena acompanhá-lo.

For the happy few, que, no Youtube, o vídeo teve apenas 1.408 visitantes...

O regresso (?) da Vampiro


A ser verdade a notícia de que a Porto Editora terá comprado, à Livros do Brasil, os direitos da conhecida e celebrada Colecção Vampiro, policial, em breve e provavelmente, teremos de volta os seus novos títulos à venda - oxalá! E faço figas para que regressem no antigo formato e com capas dignas da sua clássica antiguidade conceituada, por onde pontificaram Cândido Costa Pinto, Lima de Freitas e Infante do Carmo.
Esta boa nova juntou-se à coincidência de, na semana passada, eu ter adquirido, usados, 5 volumes que me faltavam, ficando agora com 596 livros da referida colecção, até ao malfadado número 681 do desengonçado novo formato, que, de algum modo, ditou a agonia da Vampiro. E que baratos que eles foram: cinco livros, por 2 euros. Deixo aqui 3, em imagem, com capas de Lima de Freitas.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Mercearias Finas 95


A receita é de Mértola. Ou, melhor, do outro lado do Guadiana, no restaurante "Casa Amarela", onde a provámos pela primeira vez. E ficámos deliciados. Até pela rica singeleza aromática que vinha da terrina, onde a serviram.
A maturação tem de ser lentíssima: hora e meia a duas horas. Num pequeno estrugido de azeite e cebola, afogado, a tempo, em água pura, deitam-se alguns nacos de borrego, consoante os participantes, temperados apenas com sal e pimenta. Este (ensopado) "Borrego à pastora" só pede mais duas coisas: paciência e tempo. Que as ovelhas vão cirandando, à volta, entretanto. A cuidada e vagarosa maceração, a fogo lento, dá-lhe toda a tenrura possível. Duas horas passadas, deitar no tacho algumas folhas de hortelã. Nos pratos individuais já servidos, albarda-se, então, com fatias finas de bom pão alentejano, para acompanhar.
À falta de um regional da zona, escolha-se um tinto robusto. O nosso foi, hoje, um Douro Caldas, de 2008, do bom artífice que sempre foi, e é, Domingos Alves de Sousa.

O destaque, hoje


Há que ver as coisas pelo lado positivo e não perder a cabeça. Uma universidade (canadiana) começou a pensar com os pés. Já não era sem tempo...

P. S. : ... e não é que o nosso Alvarito (Santos Pereira), ex-ministro da Economia, ensinou lá... Cheira-me a lobby luso!

sábado, 10 de janeiro de 2015

Mateo Flecha "el Viejo" (1481-1553)


Na Gulbenkian, até 25 de Janeiro


Um Goya monocromático, escurecido, pretextando a caridade de Santa Isabel de Portugal, duas muito belas imagens de estatuária religiosa, uma delas sobre a mesma Santa, com panejamentos delicados em movimento; e um Santo António mavioso no seu sono de bondade, sob a protecção do Menino. Retratos impressivos de Van der Hamen, que me lembraram o de Quevedo, magnífico. Tudo isto não será notícia, para quem já viu a exposição "Tesouros dos Palácios Reais de Espanha", na Gulbenkian.
Mas convém destacar o grande "Cavalo Branco", logo de início, visto pelo olhar único, e oblíquo para a esquerda, de Diego Velázquez, que, se não fosse um sacrilégio, eu diria que faz o contraponto (olhar oblíquo, para a direita) da púdica "Vénus ao espelho", único nu - de costas ainda por cima - que o grande pintor espanhol, de ascendência portuguesa, pintou em toda a sua vida. Foram estas, em breve inventário, as obras em que me detive, pela sua beleza. E que trouxe, na memória.