A minha ideia, de algum modo, era que, salvo em períodos (breves) de dura e pura ortodoxia e rigor, os religiosos não se tratavam mal, em matéria de comida e bebida. Mercê das prebendas e, às vezes, do cultivo das hortas, comia-se bem, para não dizer lautamente, nos conventos e paróquias de Portugal.
Em abono do facto, fui encontrar, improvavelmente, numa monografia (Belém e arredores através dos tempos, de José Dias Sanches, 1940), uns versinhos curiosos de Frei Simão de Santa Catarina, frade jerónimo, descrevendo uma ágape, no Convento dos Jerónimos, em pleno séc. XVIII. Aqui vai um excerto:
"Cobria o cuvilhete
um papel retalhado com acerto
que inda que pequenete
como grande queria estar coberto.
Na marmelada vinha, guaposito,
guarnecido de flores um palito.
Em cada assento havia:
garfo, faca, colher e guardanapo,
dois pães, com bizarria.
Melancia excelente, melão guapo,
figos, uvas, limões, pecegos, peras
sem graça, o cesto enchiam, muideveras.
A ilharga da salceira
um bom tassenho de presunto havia
tão magro e tão lazeira
que a mim me pareceu ser porcaria
também tinha azeitonas e alguém disse
que foram de Elvas.
Foi primeiro prato uma tijela
Cheia em demasia
de caldo de galinha com canela
que da galinha trouxe a propriedade
porque o caldo tinha ovo na verdade.
Foi o segundo prato
Uma bem feita sôpa à portuguesa
que dava de barato
Ofilis e o primor que há na francesa
..."