Há pouco mais de duas semanas (24/11/2016) faleceu, em Madrid, o espanhol Fernando Macarro Castillo que, como poeta, usou o pseudónimo de Marcos Ana (1920-2016). Encarcerado pelo regime franquista, com pouco mais de 15 anos, pela sua actividade ao lado dos republicanos, foi libertado apenas 23 anos depois, em 1961, por pressão da Amnistia Internacional e de vários intelectuais estrangeiros. É desse tempo de prisão o seu mais conhecido poema Decidme como es un arbol, escrito com 22 anos de idade. Que passamos a traduzir, fazendo-o acompanhar pela leitura do Poeta, em vídeo, no início deste poste.
Decidme como es un arbol
Dizei-me como é uma árvore,
contai-me como chilreia um rio
coalhado de pássaros,
falai-me do mar,
do cheiro amplo do campo,
das estrelas, falai-me do ar,
descrevei-me um horizonte
sem limites nem chaves
como a cabana de um pobre,
dizei-me como é um beijo de mulher,
dai-me o nome do amor,
porque já não o lembro.
Será que as noites ainda se perfumam
de enamorados sob a lua,
trémulos de paixão,
ou já só resta um abismo?
A luz coada da masmorra
e a canção da minha rosa
de 22 anos, já me esqueço
da dimensão das coisas,
sua cor e aroma,
escrevo às cegas sobre o mar,
o campo e o bosque,
digo bosque
e sinto que perdi a geometria da árvore.
Falo por falar sobre os assuntos
que os anos me fizeram esquecer,
e nem posso já continuar: ouço perto
os passos do carcereiro.
Que lindo poema!...
ResponderEliminarBoa noite!
Mais ainda, ao imaginarmos o contexto e circunstâncias em que foi escrito.
EliminarBoa noite!.
Claro. Tive isso em conta. Até me lembrei de um poema de António Borges Coelho, escrito em Peniche:
Eliminar...
Ouço o fragor da vaga
Sempre a bater ao fundo,
Escrevo, leio, penso,
Passeio neste mundo
De seis passos
E o mar a bater ao fundo.
...
Bom dia! (Por aqui, por enquanto, enevoado.)
O ar também está "sebástico", por aqui..:-)
EliminarBom dia!
Que perfídia entregar ao cárcere alguém tão jovem e conservá-lo ali por 23 anos sonegando-lhe a vida a que tinha direito.
ResponderEliminarE como pode ser belo e comovente ainda assim haver na alma um poema que é lamento pelo que, irremediável, se perdeu. Que tudo é outra coisa perto dos quarenta e falta no homem a sequência de sonho e real que pertence a cada idade. E ele, dessa falta fez poesia. Magnífico.
As leis das ditaduras são sempre draconianas: Marcos Ana só escapou ao garrote por ser menor...
EliminarQuando lhe perguntavam a idade, descontava os 23 anos que passara na prisão. Virgem, quando foi solto, ainda veio a casar e teve um filho aos 42 anos. Mas não guardou ódio aos seus carrascos, a sua mensagem era de concórdia - um pouco como Mandela.
Entre o ódio e a concórdia vai um longo caminho. E Marcos Ana ainda viveu, depois de sair da cadeia, 14 anos de franquismo, que não foram anos nada brandos. Não havia concórdia possível com um regime daqueles.
ResponderEliminarBom dia, novamente.
Pelo que sei, depois de ser libertado viveu em França e América do Sul, até regressar a Espanha depois da morte de Franco.
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