domingo, 23 de maio de 2021

Voltar a Drummond



Seco de carnes, rico de talento, de Drummond (1902-1987) falei há dias (Poesias, da brasileira em particular, 16/5/21)) a propósito da sua abrangência e facilidade para tratar temas quer dramáticos, quer lúdicos, literariamente. Dos primeiros, com mais incidência na sua obra poética, eu destacaria (Antologia Poética, 18, Poetas de Hoje, Portugália, 1965) os mais significativos, na minha opinião:
1. Sentimento do Mundo (pg. 25) - Tenho apenas duas mãos...
2. Caso do Vestido (pg. 81) - Nossa mãe, o que é aquele...
3. Morte do Leiteiro (pg. 131) - Há pouco leite no país,...
4. Desaparecimento de Luísa Porto (pg. 103) - Pede-se a quem souber...




No que diz respeito a humor, Carlos Drummond de Andrade guardou-o mais para a prosa e a crónica onde, muitas vezes, o lado lúdico, inocente, quase infantil, à boa maneira de Manuel Bandeira, irrompe irreverente. Leia-se esta pérola:

1. Excesso de Companhia

Os anjos cercavam Marilda, um de cada lado, porque Marilda ao nascer ganhou dois anjos da guarda.
Em vez de ajudar, atrapalhou. Um anjo queria levar Marilda a festas, o outro à natureza. Brigavam entre si, e a moça não sabia a qual deles obedecer. Queria agradar aos dois, e acabava se indispondo com ambos.
Tocou-os de casa. Ficou sozinha, sem apoio espiritual mas também sem confusão. Os dois vieram procurá-la, arrependidos, pedindo desculpas.
- Só aceito um de cada vez. Passa uns tempos comigo, depois mando embora, e o outro fica no lugar. Dois anjos ao mesmo tempo é demais.
Agora Marilda é o anjo da guarda dos seus anjos, um de cada vez.

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