terça-feira, 5 de julho de 2016

Da leitura (13)


A minha experiência humana era ainda curta; por falta de uma boa luz e palavras apropriadas não abrangia tudo. A natureza mostrava-me, visíveis, tangíveis, uma grande quantidade de maneiras de existir das quais eu nunca me tinha aproximado. Admirava o isolamento magnífico do carvalho que dominava o parque-paisagem; entristecia-me a solidão acompanhada das ervas. Conheci as manhãs ingénuas e a melancolia crepuscular, os triunfos e os declínios e as renovações e as agonias. Alguma coisa em mim um dia concordaria com o perfume das madressilvas. Todas as tardes me sentava entre as mesmas urzes e olhava as ondulações azuladas das Modédières, todas as tardes o Sol se punha por detrás da mesma colina: mas os vermelhos, os rosas, os carmins, os púrpuras e os violetas nunca se repetiam. Nas pradarias imutáveis zumbia de madrugada até à noite uma vida sempre nova. Face ao céu que muda, a fidelidade distinguia-se da rotina e envelhecer não era necessariamente uma negação.
De novo era única e desejada; era preciso o meu olhar para que o vermelho da faia encontrasse o azul do cedro e o prateado dos álamos. Quando partia, a paisagem desfazia-se, não existia para mais ninguém: não chegava a existir.

Simone de Beauvoir, in Memórias de uma menina bem-comportada (pgs. 129/30).

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