Dos amigos, mesmo, é não esquecermos do que eles gostam. E, mais ainda, dos verdadeiros amigos, é vermos que, na hora de nos darem um presente, eles resistem à tentação de nos oferecerem coisas de seu próprio gosto, para nos trazerem algo muito do nosso próprio gosto e afeição. Não faz muitos dias, que um Amigo me entregou "Noites do Sertão", de Guimarães Rosa. "Já tenho - protestei - em edição portuguesa!"; e ele: "Mas esta é a edição brasileira!" - retorquiu, convicente. Como é que eu poderia resistir...
Já o disse aqui, no Blogue, que cheguei a Rosa, por conselho do Eugénio que, quando eu lhe disse que ia para a tropa referiu, em carta: "Leia o Guimarães Rosa, talvez ajude..." E ajudou, realmente. Pois, hoje, passa mais um aniversário do grande prosador brasileiro, nascido a 27/6/1908, em Cordisburgo. E, como lê-lo é lembrá-lo, aqui vai um cheirinho de "Noites do Sertão" que eu li, pela primeira vez, no já longínquo ano de 1970. Segue:
"...Do cheiro, mesmo, de Doralda, êle gostava por demais, um cheiro que ao breve lembrava sassafrás, a rosa mogorim e palha de milho viçoso; e se pegava, só assim, no lençol, no cabeção, no vestido, nos travesseiros. Seu pescoço cheirava a menino novo. Ela punha casca-bôa e manjericão-miúdo na roupa lavada, para exalar, e gastava vidro de perfume. Soropita achava que tanto perfume não devia de se pôr, desfazia o próprio daquela frescura. Mas êle gostava de se lembrar, devagarinho, que estava trazendo sabonete. Doralda, ainda mal enxugada do banho, deitada no meio da cama. Tinha ouvido contar da casca da cabriúva: um almíscar tão forte, bebente, encantável, que os bichos, galheiro, porco-do-mato, onça, vinham todos se esfregar na árvore, no pé... Doralda nunca o contrariava, queria que ele gostasse mesmo do seu cheiro: -«Sou sua mulher, Bem, sua mulherzinha sòzinha...» A cada palavra dela, seu coração se saía. ..."