Ora, os que pretendem
falar da habitação, sem preconceitos, mas com os pés assentes na realidade, convinha
partir de uma reflexão racional, caso contrário entramos no universo do engano,
ledo e cego.
Então, aqui vai o relato
da realidade.
Passado algum tempo
depois de ter vindo para Portugal, sem nunca ter vivido em apartamentos ou casas
alugadas, vi-me, de um dia para o outro e em finais da década de 70, por causa
de uma velhacaria de pretensos candidatos a familiares, sem “eira nem beira” a
chegar ao aeroporto de Lisboa vindo da Alemanha. Mudaram-me, durante a minha
ausência, a fechadura e o resto faz parte da história pessoal.
Resta lembrar que, nos
finais dos anos 70, o problema da habitação não era diferente do que se
apresenta agora, embora por motivos diferentes.
Com efeito, consegui
sobreviver, com tecto, devido a uma ENORME dívida que tenho para com os meus amigos.
Depois de amigos meus me irem buscar ao aeroporto e me comunicarem o facto insólito de estar sem tecto, acolheram-me em
sua casa durante o tempo necessário para encontrar uma solução de autonomia.
Primeiro vivi num quarto,
com os tarecos – que os velhacos me deixaram tirar – pagando 2/3 do meu
rendimento, sobrevivendo, para o resto, à custa dos convites diários de – mesa
e banho – dos meus amigos da frente, já que a senhora do quarto não tinha esquentador
para aquecer o banho.
Através desses amigos da
frente consegui uma casa razoável, onde vivi durante 30 anos, com todos os
esforços perante um senhorio – daqueles que ainda não devem ter acabado – de uma
falta de civilidade atroz.
O pagamento, em dinheiro,
tinha que ser levado para a casa dele, distante da minha. O recibo era passado
quando calhava, ao ponto de levar meses a conseguir o pagamento através de
transferência bancária, já que o familiar que me acompanhava como testemunha do
pagamento da renda nem sempre estava disponível.
Durante os 30 anos de
locatária, - e com uma renda bastante acima dos 30 % do rendimento, recomendáveis
- não houve nenhuma bemfeitoria por parte do senhorio. Se as diversas janelas
de madeira aguentaram o tempo todo, foi graças ao meu cuidado e os conselhos do
meu pai, já que o senhorio me levou, durante todo esse tempo, uma lata de 1 litro
de tinta para pintar as janelas. Mais nada !
Ao reparar a canalização,
gasta, solicitou o pagamento das obras, chegando ao cúmulo de levar uma sanita,
VELHA e suja, para substituir a existente.
Obviamente, foi quando
achei, e tendo conseguido outra autonomia de acomodação, que a postura sempre
humilhante do senhorio tinha chegado ao limite.
Foi assim que me livrei
de uma personagem tipo do nosso universo de senhorios – feito em grande
medida de matreiros e malfeitores provincianos – que ainda hoje se levanta
novamente.
Conto tudo isto porque a
História se faz destes episódios, embora individual, marcam um determinado
tempo. No passado, julgo o momento difícil foram os anos finais da década de 70
e, agora, temos o mesmo problema, cá como na Europa, da habitação.
Resta acrescentar que os
meus pais, como senhorios numa pequena vivenda, nunca chegaram a velhacaria e humilhação
a que fui sujeita para ter um tecto.
São lições para a vida e,
por isso, saúdo VIVAMENTE, toda a iniciativa do Governo para impor regras a um
universo abusivo de proprietários, maioritariamente e culturalmente pouco recomendáveis.
O Jornal DIE ZEIT faz uma
boa análise da situação da habitação em Portugal:
https://www.zeit.de/politik/ausland/2023-03/portugal-wohnungsnot-zwangsvermietung