segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Heitor Villa-Lobos (1887-1959)

Na passagem do aniversário de Drummond


Aniversário

Um verso, para te salvar
de esquecimento sobre a terra?
Se é em mim que estás esquecida,
o verso lembraria apenas
esta força de esquecimento,
enquanto a vida, sem memória,
vaga atmosfera, se condensa
na pequena caixa em que moras
como os mortos sabem morar.

Carlos Drummond de Andrade, in Ser.

domingo, 30 de outubro de 2011

Divagações 15


São por vezes misteriosas, na sua essência, as escolhas de cada um. Quando se opta por um excerto de prosa, uma obra musical, um poema, em detrimento de outros, essa preferência é sempre fruto de várias circunstâncias que, muitas vezes, tem pouco a ver com o objecto escolhido. A primeira circunstância é, normalmente, o estado de espírito do momento da decisão. Que exclui o criticismo, puro e duro, da qualidade, em si. Depois uma empatia caprichosa e breve que talvez nem dure muito. A razão tem, neste particular, um papel reduzido. Só mais tarde exercerá uma sanção punitiva e de remorso, perante uma opção menos cuidada e objectiva. E já não há nada a fazer, senão minimizar os danos. Esperemos que um poema que escolhi, hoje, para postar amanhã, aqui, no Arpose, não me traga nenhum arrependimento. Estou quase seguro que fiz a opção certa..., mas nunca se sabe.

Às revoadas


A noite virá mais cedo, hoje, com a mudança da hora. Três focos, que parecem de incêndio, brilham ao longe: um junto ao Castelo de Palmela, os restantes dois semeados pelo casario raso do Seixal. É o sol que se reflecte, nos seus últimos brilhos, em espelhos de acaso, antes de desaparecer. Também os estorninhos revoluteiam incessantes e intensos, aproveitando a última luz, sobre o Tejo. Revoadas do fim de Outubro a que já me habituei, todos os anos, por esta época. Os estorninhos devassam os ares, provavelmente, em busca dos insectos desprevenidos que pairam sobre as águas do rio. O céu, de azul pálido vai ficando róseo, e depois cinzento até ficar escuro. Tudo isso é natural.
O que não é natural, e eu estranho, são as súbitas revoadas (que costumam durar de 2/3 dias a uma semana) de visitas que caem como bandos de estorninhos, convergindo, massificadamente, sobre um poste do Arpose. Nestes últimos três dias, o "ai Jesus!" tem sido um poste de 10 de Julho de 2010, intitulado "Vergílio Ferreira sobre a Arte". A voracidade tem sido imensa. As visitas caem às dezenas sobre as palavras sábias do escritor. Porquê? Para quê esta súbita voragem sobre um poste que tem mais de um ano? Talvez nunca o venha a saber.
O que sei, de real e concreto, é que são 18,30hrs., e já é noite.

Exorcismos


De Elias Canetti (1905-1994), escritor de origem búlgara que se expressou, literariamente, através da língua alemã, nunca eu tinha lido nada. Canetti era descendente de judeus sefarditas, fugidos de Espanha em 1492, e o uso de palavras castelhanas era normal entre os membros da sua família, sobretudo em casa. O escritor, que foi Nobel da Literatura, em 1981, pertencia à classe média-alta, na Bulgária.
Pois, há dias, comecei a ler, em tradução francesa (Histoire d'une Jeunesse - La langue perdue) de Bernard Kreiss, a sua obra "Die Gerettete Zunge Geschichte einer Jugend". Da sua infância, entre muitas outras coisas, o escritor refere que, em sua casa, havia várias criadas muito jovens (10/12 anos), búlgaras e vindas da aldeia e campos vizinhos, que o ajudaram a criar-se, brincavam com ele e lhe faziam companhia, quando os pais de Elias estavam para fora. Sempre que isto acontecia, chegando a noite, as criaditas, com medo, juntavam-se umas às outras, e começavam a contar histórias de lobisomens e vampiros. Numa espécie de exorcismo psicológico - digo eu.
Ora, eu tive uma experiência semelhante, também na infância, em que a minha empregada, oriunda de Vieira do Minho, à noite, me lia histórias de livros, mas também me contava lendas, não de vampiros, mas de lobisomens que, dizia ela, habitavam no Marão. Isto seria, nela, provavelmente uma forma de exorcisar terrores ancestrais que traria de infância, passados de gerações em gerações. Creio que nunca tive medo excessivo destes contos e lendas, mas antes curiosidade e estranheza. Por isso, talvez, nunca tive necessidade de exorcisá-los, nem de passá-los aos meus filhos...

Astrologias (6) : Escorpião


Tem má fama, injustamente aliás, o signo de Escorpião. Como em todos os outros, há bons e maus nativos. E o ascendente é sempre importante: normalmente, define a configuração física e a natureza mais íntima. Habitualmente, o nativo do Escorpião tem um forte magnetismo (Goebbels) ou um olhar quase hipnótico, quando o exerce com fixidez (André Malraux), mas também é compassivo, solidário e generoso (Albert Camus). Portadores, também, de um sentido dramático (Visconti) que nem por isso lhes diminui o gosto de viver, com intensidade.
Três dos reis portugueses, curiosamente nascidos no mesmo dia (31 de Outubro), são do signo de Escorpião: D. Fernando, D. Duarte e D. Luís. Não se pode dizer que não tivessem qualidades. Capazes de uma força de vontade poderosa e granítica, quando a resolvem exercer, têm também grande capacidade de trabalho intelectual (Teixeira de Pascoaes, Jorge de Sena, Sophia Andresen). Rigorosos nos princípios, mas capazes de provocar grandes mudanças no ponto de vista religioso (S. Paulo, Lutero, o papa João XXIII). E também no plano político (Lula da Silva).
Não resistem, é certo, a pequenos ódios de estimação e curtas, mas tempestuosas irritações - mas quem não as tem? Não são é, normalmente, pessoas banais ( Bizet, De Gaulle, Picasso, Nehru, Mitterrand, Bill Gates). Dois dos, para mim, maiores poetas brasileiros eram do signo de Escorpião: Cecília Meireles e Drummond de Andrade. Duas palavras-chave: Justiça e Fidelidade, esta última em sentido restrito.
Países sob influência deste signo: Noruega, Argélia e Marrocos. 

sábado, 29 de outubro de 2011

Georges Moustaki, a pedido, e em solidariedade com a Grécia



para HMJ.

Niccoló Antonio Zingarelli (1752-1837)

Bibliofilia 53: Eau de Cologne


O folheto na imagem acima, reencontrado recentemente no meio de outros livros, foi comprado, em data incerta, num alfarrabista da Rua do Alecrim, pelo preço de 220$00 escudos.
Recordando um "post" de MR, no Prosimetron, junto também a imagem do italiano, inventor da Água de Colónia que ainda hoje tem o seu nome.


Para finalizar, e porque - quase - nenhuma criança coloniense desconhece a Água de cheiro, da sua terra natal, não resisto a contar um pequeno episódio a propósito de Johann Maria Farina. Na infância e juventude eu visitava, frequentemente, uma vizinha que, pela idade, poderia ter sido minha avó. A senhora "Agnes" era gordinha, de peitos muito avantajados, e sofria imenso com o calor, sobretudo no Verão. Tinha sempre um lenço para se abanar e, de quando em vez, pedia-me para tirar o "Farina" do armário, deitando umas gotas no lencinho. Daí que nunca mais me esqueci do cheirinho de Johann Maria Farina, nem da colecção de "lenços finos" que a vizinha me foi oferecendo. Mas a história da colecção de lenços fica para outra altura.

Post de HMJ

Dedicado a MR, recordando Agnes

Nos 30 anos da morte de Georges Brassens

Cromos 22 : Alice no País das Maravilhas




Está muito incompleta esta colecção de "Alice no País das Maravilhas". Dos 47 cromos da caderneta, apenas 17 lugares estão preenchidos. As imagens das estampas, inspiradas no filme homónimo de Walt Disney, vinham dentro das embalagens de algumas pastas de chocolate da marca "Regina", conforme se pode ver na contracapa da caderneta, reproduzida na 2ª imagem do poste. A colecção deverá datar dos anos 60 do século passado.

Auto-crítica sobre o peso do mau gosto

À distância, pergunto-me como fui capaz de colocar em poste, no Arpose, o vídeo do Youtube com "Feelings" interpretado por Shirley Bassey (Revivalismo Ligeiro LVIII, de 28/10/2011). As imagens são abaixo de cão. O divã onde a cantora se reclina é de um mau gosto incrível, todo o cenário é quitche, no pior sentido da palavra, e as poses de Shirley são, no mínimo, foleiras. Mas a voz é soberba. E salva quase tudo - é a única atenuante que me justifica...

Shelley sobre os poetas


Pese embora algum excesso ou prosápia nesta afirmação de Percy Bysshe Shelley (1792-1822) sobre os poetas, ele, que também o era,  escreveu-a na juventude. Daí alguma atenuante em relação ao dogmatismo expresso que a maturidade poderia ter corrigido (e não corrigiu, porque Shelley morreu aos 30 anos). O texto pertence a "Defesa da Poesia" (1820) e é a parte final deste ensaio. Segue, em tradução de J. Monteiro-Grillo que teve, também como poeta, o pseudónimo de Tomás Kim:
"...Os poetas são os hierofantes de uma inspiração inapreendida; os espelhos das gigantescas sombras que a futuridade lança sobre o presente; as palavras que exprimem o que não compreendem; as trombetas que conduzem à batalha e não sentem o que inspiram; a influência que não é movida, mas move.
Os poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo."

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Revivalismo Ligeiro LVIII : Shirley Bassey


Cidade Capital de Cultura 2012 / Fastos vimaranenses IV : Provérbios e dizeres



De provérbios com referência a Guimarães, conheço apenas três; dois deles com sugestões à indústria de cutelaria, florescente em meados dos anos 50 do século passado, mas que hoje já não terá muita força no tecido económico da cidade. A concentração destas pequenas fábricas era em Creixomil, a cerca de 2 quilómetros da urbe. Seguem os anexins:
1. - Guimarães, a cada porta sete cães.
2. - Guimarães, perna torta, pai dos cães.
3. - Guimarães esfola gatos e mata cães.
Os cães, como se pode ver, são recorrentes, mas creio que apenas servem para rimar com o nome da cidade. O esfolar será uma alusão indirecta à indústria de cortumes, hoje decadente ou quase inexistente. Quanto aos dizeres, o mais interessante é, para mim, este: "Guimarães tem uma sé sem bispo, um palácio sem rei, uma ponte sem rio". A "sé" refere-se à Colegiada ou Igreja de Nª. Sra. da Oliveira que tinha apenas direito a um Dom Prior que era, também, Monsenhor. O "palácio" é obviamente os Paços dos Duques de Bragança, junto ao Castelo. A "ponte" existia (existe?) no lugar de Sta. Luzia e passava por cima de um pequeno ribeiro que as gentes de Guimarães chamavam, pomposamente: Rio de Selho. E que, no Verão, secava e deixava de se ver.
Outro dos ditos era: "Se fores a Guimarães, tem cuidado com as canelas". Mais uma alusão à indústria de cutelaria que utilizava o osso dos animais (ou os cornos dos bovinos) para cabos de facas e de garfos. O último dos dizeres tem mais que se lhe diga. Refere: "Os de Guimarães têm duas caras." E era, liminarmente, rejeitado pelos vimaranenses, como sendo um insulto à sua dignidade. A origem terá sido uma estátua (nas imagens) que encimava um edifício, sediado próximo da Colegiada, e que serviu de Paços do Concelho (ou Câmara), para depois vir a ser, até há pouco tempo, o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta. A estátua, que é provavelmente do séc. XVIII, representa um guerreiro. Começaram a chamar-lhe "o Guimarães". E como a armadura tem representada, no lugar da barriga, um rosto, a estátua teria 2 caras. Daí o dito referido.

Canaletto


De seu nome próprio, Giovanni António Canal, nasceu em Veneza a 28 de Outubro de 1697, e na mesma cidade veio a falecer em 1768. O pai, Bernardo Canal, foi também pintor e para os distinguir, chamavam a Antonio, Canaletto (pequeno Canal). Influenciou grandemente Francesco Guardí (1712-1780), também veneziano, que teve, em Veneza e na sua sumptuosidade, um dos motivos preferidos para as suas obras. O quadro na imagem pertence à National Gallery, de Londres, e celebra a festa da Ascenção, representando o Doge a embarcar no Bucintoro. Todos os anos, a gala se repetia, e no Adriático o Doge lançava um anel às águas para simbolizar o casamento de Veneza com o mar. É notável o detalhe da pintura e, ao mesmo tempo, a forma como Canaletto nos dá a testemunhar a grandeza estética da sua cidade natal.

De uma dedicatória esquecida, reencontrada, e corrigida



O paralelo respirar dos ombros,
o líquido verde ondular dos olhos
ternos pelo silêncio de asas
a rasgar a noite.

Qlz., 12-13/ 8/1986 - Lj., 28/10/2011.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Para a história da Pintura portuguesa do séc. XX




Em arrumos dispersos, descobri um velho impresso (1967) da Galeria Quadrante que frequentei, com alguma assiduidade, quer para ver e comprar livros, quer para assistir a exposições, e até mesmo alguns "Happenings", muito em voga na altura.
Este impresso tem a particularidade de conter um texto muito interessante de José-Augusto França, sobre as obras e artistas representados nesta mostra. Anote-se um nome: Paula Figueiroa Rego. Um dos quadros ("Mártires") da Pintora, consegui localizá-lo (em imagem): está hoje na Fundação Calouste Gulbenkian.

Perguntar, não ofende

Parece que uma estranha maldição persegue os antigos colaboradores do nosso actual PR.
Primeiro foi Oliveira e Costa, depois, Dias Loureiro, e agora, Duarte Lima.
Será que há mais algum, a seguir?

Bibliofilia 52 : Herberto Helder


Tenho tido ocasião de verificar com alguma surpresa que, apesar da crise que nos atravessa, os valores de livros menos frequentes ou raros, em leilões ou em alfarrabistas, não têm baixado de preço. Pelo contrário, têm evoluído para mais caros. Será que passaram a ser uma forma de investimento?
É sabido que, na bibliografia de Herberto Helder, há algumas obras, de pequena tiragem, que atingem preços elevados, em leilões, porque também são apetecidos por muita gente. Para não falar do ainda recente cambalacho, em Setembro de 2008, aquando da saída do último livro do Poeta, "A Faca não corta o Fogo" (Assírio & Alvim), com o açambarcamento e reserva, por parte de "algumas pessoas", dos volumes da edição. De tal forma que, na data do lançamento, o livro já estava esgotado. E a tiragem era de 3.000 exemplares, imagine-se!... Posteriormente, foram vendidos à socapa, muito mais caros...
Mas a obra que eu queria abordar hoje é "Apresentação do Rosto" de Herberto Helder, com capa de Espiga Pinto (em imagem), editado pela Ulisseia, em 1968. Comprei esta primeira edição, usada, mas em boas condições, em Lisboa, no final dos anos 80, por Esc. 400$00 (cca. 2,00 euros). Em Julho de 2006, o boletim bibliográfico de Luís Burnay anunciava (lote 240) um exemplar igual, também brochado, ao preço de 130,00 euros. Ontem, recebi o 11º Boletim Bibliográfico da Livraria Antiquária do Calhariz (de José Manuel Rodrigues) em que o lote 304 é, também, "Apresentação do Rosto", de Herberto Helder. E o preço de venda, do volume brochado, é de 190,00 euros. Ou seja, soma e segue. 

Graciliano Ramos e a Infância


Sempre pensei que a prosa de Graciliano Ramos (1892-1953) era sisuda, enxuta de emoção, quase matemática na sua nudez e paixão fria. Próxima da geometria dos versos de um Cabral de Melo Neto, ou do lirismo pictórico e muralhado das telas de Mondrian. E muito longe do derrame lírico, transbordante, de Guimarães Rosa que, com o seu contágio de palavras, nos faz regressar às memórias primordiais da fala.
Pensava isso, antes de ler "Infância" (1945). Vi que estava enganado. Cada capítulo do livro é uma re-descoberta adulta, cheia de frescura e emoção, dos factos, lugares e pessoas da infância que lhe ficaram na memória. Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo (Alagoas), a 27 de Outubro de 1892. A melhor maneira de o celebrar e lembrar, é recordar as suas vivas palavras:
"...Os maiorais do município, govêrno e oposição, vinham de um grupo de famílias mais ou menos entrelaçadas, poderosas do Nordeste: Cavalcantis, Albuquerques, Siqueiras, Tenórios, Aquinos. Padre João Inácio era Albuquerque. O comendador Badega, parente de todos os graúdos, autor de vários filhos naturais, esfarinhado em César Cantu, vestia cassineta esfiapada e russa, usava chapéu de abas roídas e botas pretas com remendos amarelos. Assim, de rebenque e esporas, entrou uma noite no paço municipal com um lote de caboclas novas e, ao som da harmônica, dançou valsas e quadrilhas até o nascer do sol. Apesar da comenda, os roceiros davam-lhe o título de capitão. ..." (Infância, pg. 52)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Anton Bruckner (1824-1896)

Lembram-se dos Glutões?


Dantes, os glutões serviam para apoiar a imagem de marca, publicitariamente, de um detergente nacional.
Mas agora, os glutões são outros. Ora reparem neste que, ubiquamente, é:
- administrador executivo da CUF.
- administrador executivo da SEC.
- administrador executivo da José de Mello Saúde.
- administrador executivo da EFACEC Capital.
- administrador executivo da Comitur Imobiliária.
- administrador (não executivo) da Reditus.
- administrador (não executivo) da Brisa.
- administrador (não executivo) da Quimigal.
- presidente do Conselho Geral da OPEX.
- membro do Conselho Nacional da CMVM.
- vice-presidente do Conselho Consultivo do Banif Investment Bank.
- membro do Conselho Consultivo da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações.
- vogal da Direcção do IPRI.
E como os amiguinhos dele acharam que ele tinha muito tempo livre, arranjaram-lhe um lugarzinho de vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos onde vai ganhar 20.000,00 euros, por mês.
Sabem quem é?
Palavras para quê, "é um artista português", mas não deve usar Pasta Medicinal Couto... 

Com agradecimentos cordiais a C. S.

Um poeta satírico vimaranense



É uma bonita edição, esta de 1904, com 40 gravuras, que Alberto Pimentel dedicou a efabular a vida do poeta vimaranense António Lobo de Carvalho que nasceu por volta de 1730 e veio a morrer em Lisboa, a 26 de Outubro de 1787. Chamavam-lhe o "Lobo da Madragoa", por lá viver, e Castilho disse dele: "... o Lobo / sem capa, bolsa, ou lar, mordendo em todos."
Para o lembrar aqui fica um soneto e uma décima, não tão "contundentes" como grande parte da sua obra.

Mais uma provocação de E. M. Cioran


"A vida não tem seguramente nenhum sentido. Mas isto não tem nenhuma importância enquanto se é jovem. Não acontece o mesmo a partir de certa idade. Aí começamos a preocupar-nos. A inquietude torna-se um problema, e os velhos, que não têm mais nada que fazer, aplicam-se nisso, sem ter o tempo e as capacidades para o resolver. O que explica que eles não se suicidem em massa, como deveriam fazer se fossem um bocadinho menos obcecados."
3 de Fevereiro de 1969

E. M. Cioran, in Cahiers - 1957/1972, Gallimard, 1997.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Os copinhos de leite


Hoje, o nosso ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, brindou-nos com esperança. Anunciou, embora em tom engasgado, que em breve começará, dadas as concessões, a exploração de ouro, no Alentejo, e de gás natural, na costa algarvia. Ao que parece, dentro de 3 anos...
Por um estranho mimetismo, ou moda, nos últimos tempos, os perfis dos líderes e políticos europeus parecem assemelhar-se e reproduzir-se. Repare-se: Blair, Sarkozy, Sócrates - hiperactividade, mais ou menos, agressiva. Mas o clone-tipo parece estar a mudar. O Partido Socialista Francês escolheu François Hollande para defrontar Sarkozy, nas próximas eleições. O melhor que dizem dele, em tom de frase assassina, é que "é um homem normal!". Creio que David Cameron, PM da Inglaterra, é aquilo que, em Portugal chamamos "um menino copinho de leite". Por cá, o PS escolheu, para secretário-geral, António José Seguro. Confesso que vou ter enorme dificuldade em o ouvir, durante 4 anos, à hora do telejornal...

Luís Gois - Fado de Coimbra

Coimbra, uma gravura


Apesar de lá ter nascido, acidentalmente, Coimbra não é uma cidade de que goste, por aí além.
Quando a conheci melhor, e aos seus habitantes, em 2 anos que lá vivi, no início dos anos 60 do século passado, costumava dizer da cidade que: tinha todos os defeitos de uma urbe pequena e nenhuma virtude das cidades grandes. Os horizontes eram estreitíssimos...sobretudo mentais. Mas fiquei a gostar do fado de Coimbra, sobretudo na voz de Machado Soares, que conheci e ouvi, e na de Luís Gois, que só ouvi depois. Para não falar de Zeca Afonso.
Agora, esta gravura de Coimbra, do séc. XVI, que encima este poste, gosto muito dela. Pertence à obra "Civitates Orbis Terrarum", dos cartógrafos alemães Georg Braun e Frans Hogenberg, que foi publicada em Colónia no ano de 1572, segundo o catálogo donde a retirei.

Filatelia XXIX : Franz Liszt, ainda



Passou ontem o bicentenário do nascimento do compositor e pianista Franz Liszt (1811-1886), conforme aqui se referiu. Hoje, damos a conhecer, em imagem, selos alusivos ao músico húngaro. O primeiro e maior selo foi emitido pelos Correios Húngaros, em 1967, integrado numa série de 8, dedicados a pintores nacionais. O retrato de Liszt foi executado por Mihály Munkácsy (1844-1900), em 1886. O segundo selo foi emitido pelos Correios da República Federal Alemã, para lembrar o centenário da morte do Compositor, em 1986.
A propósito, reproduz-se um esboço de Munkácsy (na segunda imagem), feito em 1886, ano da morte de Liszt, e que terá sido, provavelmente, um estudo prévio para o retrato do Músico. Este estudo de Mihály Munkácsy, foi vendido pela Sotheby's, num leilão ocorrido a 30/10/2010, por £ 6.712,50. 

A evitar, absolutamente (2) : Vinho tinto Vespral reserva 2007 (no Lidl)


Quem me lê no Arpose, com alguma persistência (virtude que não é, de todo, portuguesa), poderá ficar com a ideia de que só bebo vinhos excelentes, caros e de altíssima qualidade. É errado esse pensamento, procuro sobretudo beber vinhos "honestos" (obrigado, António!), bem feitos e que cumpram, mesmo que humildemente, a sua obrigação. Não desdenho sequer beber vinho das modernas "boxes", de 3 ou 5 litros, desde que cumpram os serviços mínimos. Agora, quando tenho pela frente um prato requintado ou um queijo especial, procuro sempre um companheiro líquido à altura, um vinho que lhe possa fazer frente.
Mas passemos ao que me traz. Em 17 de Novembro de 2010, aqui no Arpose, recomendei (Recomendado: seis), incondicionalmente, o vinho catalão "Vespral Reserva 2006" tinto, que se vendia no Lidl. Não sendo excepcional (era honesto), tinha uma boa relação qualidade/preço (1,89 ou 1,99 euros). Fui acompanhando, até recentemente, esta colheita de 2006, e comprando mais garrafas que ia consumindo, com agrado. Várias visitas (Portugal, Alemanha, Polónia, Espanha, Alemanha, América do Sul e do Norte, França...) vieram consultar o poste ao blogue. Entretanto as garrafas do Vespral, embora da mesma colheita de 2006, mudaram de rótulo - achei estranho. Há dias, comprei mais 2 garrafas, e nem sequer reparei que já eram da colheita de 2007, muito embora mantivessem no lote as nobres castas Tempranillo (Tinta Roriz ou Aragonez) e Garnacha. Estou à vontade e sinto-me no direito de dizer (pelo elogio que lhe fiz anteriormente): não comprem o 2007, o vinho é uma zurrapa. Tem gás a mais, e copiosamente. Adocicado e mau. Deitado, descuidamente, no copo, faz quase tanta espuma como a cerveja. Parece vinho verde tinto "doce" minhoto que, bebido sem moderação, provocava desarranjos gastro-intestinais. A evitar, completamente.

P.S.: desculpem a imagem desfocada da garrafa que encima o poste. 

Rafael Alberti (1902-1999)




Espantalho

Já na minha alma pesavam de tal modo os mortos futuros
que eu não podia dar um passo sem que as pedras revelassem as suas entranhas.

Que gritam e defendem essas roupas retorcidas por exalações?
Sangram olhos de machos atravessados de arrepios.
O céu torna-se impossível entre tantas campas alagadas de setas corrompidas.

Para onde ir com as ânsias dos que vão morrer?
A noite desmorona-se por um excesso de equipagem clandestina.
Louvai o choque eléctrico que fulmina os bandos e os rebanhos.
Um homem e uma vaca perdidos.

Que novas desventuras esperam as folhas, este outono?
Minha alma não suporta já tanta carga sem destino.
O sonho para resguardar-se das chuvas procura uma cabana.
Pela noite de ontem já uivaram as lobas.

Que espero rodeado de mortos no gume de uma aurora indecisa?

Rafael Alberti, in Sermones y Moradas (1929-1930).

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nocturno de Lisboa


O segredo é querer pouco. Mesmo  que  o alto de Palmela se apague, ao longe, na neblina.
As boas notícias até parece que vêm do rio, como lâminas nocturnas que, embora frias, trazem alegria. Chega-se a um ponto em que, da margem, o que podemos e queremos levar é unicamente o essencial. E não ficarmos sozinhos, com a memória toda a pesar na travessia. Sem ninguém que carregue um pouco dela, no seu peso mais íntimo, partilhando os desastres, as alegrias, as vergonhas e os triunfos efémeros do tempo. O Seixal, o Barreiro e o Montijo tremulam de luzes muito frágeis. O Tejo é uma mancha muito escura e, hoje, não será o Letes definitivo. Caronte afastou-se na sua barca, com o negócio perdido.
O segredo é querer muito pouco, cada vez menos. Só o essencial.

para o António, afectuosamente. 

Memória 61 : Tito Gobbi



Tito Gobbi nasceu em 24 de Outubro de 1913. Morreu em Roma, a 5 de Março de 1984.

Divagações 15 (com algum cinismo e aduares)


Vai voltar a melancolia à portuguesa, essa "apagada e vil tristeza" de que falava Camões. E que vem sempre de cima: ou da ausência do sol, ou de quem nos governa. Hoje, ainda a luz é intensa, embora o azul vá desmaiando, pouco a pouco.
De uma forma visual e epidérmica, o sol da tarde ainda inebria e nos ajuda num optimismo fátuo, infundado, superficial que quase nos faz esquecer o futuro, e tudo aquilo que aí vem. Os escuros cerrados de Columbano, a negrura intensa de Raul Brandão, a loucura controlada de Herberto Helder. A cegante claridade de Teixeira Gomes apenas vem para comprovar a regra, por excepção.
Os "indignados" portugueses terão hoje a sua última oportunidade de serem notícia e aparecerem na Tv. Poderão ainda montar as suas tendas frágeis, o seu aduar, na praça mediática, e dizer uma última palavra, antes de voltar a chover. A maioria, creio, até Março, voltará à comodidade e conforto da casa paterna (ou materna), aos jogos de computador e ao "facebook", hibernando até o sol reaparecer. Irão crescendo, é certo, e talvez descubram objectivos mais concretos, solidários e pragmáticos. As revoluções, normalmente, fazem-se pela Primavera, ou até ao princípio do Outono. O Inverno não é estação propícia.

Leituras Antigas XXXVII : O livro das Fábulas



O livro denota a sua provecta idade: foi posto à venda pelo Natal de 1950. Foi o primeiro livro de Fábulas que li e, provavelmente também, o primeiro em verso. Foi-me oferecido quando fiz 8 anos, por duas amiguinhas que eram irmãs: a Maria Manuela e a Maria Helena Coelho. Gostava e gosto muito do volume, e reli-o várias vezes, sempre com agrado.
Os versos límpidos, simples e corredios de Adolfo Simões Müller lêem-se muito bem. E os desenhos, um pouco delidos os interiores, são sugestivos e atraentes. O livro foi uma edição da Empresa Nacional de Publicidade, de Lisboa. Simões Müller dedicou-o às afilhadas Maria Manuela e Maria Teresa. Continua a ser, ainda hoje, uma obra instrutiva e útil. 

Recomendado : vinte - Ramalho Ortigão


"Ramalhal figura" lhe chamava Eça, com a sua habitual ironia, abstractizando o vulto alto de Ramalho Ortigão (1836-1915), nascido no Porto, a 24 de Outubro. Moderno em muitos aspectos, adepto da prática de ginástica diária e caminhante infatigável, mas conservador nos seus princípios ideológicos de monárquico convicto, eis o autor de "John Bull" que convoco, neste blogue e no dia do aniversário do seu nascimento, para que seja mais lido. Da sua prosa coloquial, simples e elegante, recomendaria "As Praias de Portugal - Guia do Banhista e do Viajante" que, a par de "Os Pescadores" de Raul Brandão, é um dos livros portugueses em que melhor se fala do Mar. Para aguçar o apetite ouçamos, então, um bocadinho de Ramalho Ortigão ("De Pedrouços a Cascais"):
"Se queres dar, leitor, o mais belo dos passeios permitidos ao habitante de Lisboa, faze o que eu ontem fiz.
Levanta-te às 5 horas da manhã, num domingo, veste-te à luz do candeeiro, porque em Setembro ainda não é bem dia a essa hora, pega na tua bengala e no teu binóculo e vai à ponte dos vapores do Cais do Sodré.
Tomamos um bilhete de ida e volta no vapor de Cascais por dez tostões. Ainda é cedo, o vapor não parte senão às 7 horas. Entramos no Café Grego e fazemo-nos servir uma chávena de leite ou chá preto. ..."

domingo, 23 de outubro de 2011

Cidade Capital de Cultura 2012 / Fastos vimaranenses III : Homens ilustres



Não serão muitos os varões vimaranenses que, "por obras valorosas", tenham ganho fama e cuja celebridade tenha ultrapassado os limites regionais da cidade e concelho. Dos tempos da possível Araduca, e ainda não chamada Guimarães, há que referir o papa S. Dâmaso (305-384) que lá terá nascido; nos tempos antigos, Mumadona (ou Dona Muma), fundadora de um mosteiro dúplice que, mais tarde, daria origem à Colegiada e, pouco depois, nos alvores da nacionalidade aí nasceu o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques (1109?-1185). É discutível que Gil Vicente (1465-1536?) seja de lá natural, mas há quem isso defenda. Frei Rafael de Jesus (1614-1693), cronista e religioso, era vimaranense. Depois há um grande espaço até ao séc. XIX, até se poder referir Francisco Martins Sarmento (1833-1899) inspirado arqueólogo que pôs a descoberto a Citânia de Briteiros, e Alberto Sampaio, conscencioso historiador. E ainda Abel Salazar (1875-1941), médico e pintor estimável. Bem como Francisco Leite de Faria (1910-1995), frade capuchinho e grande bibliófilo. Finalmente, vivos e no presente, são vimaranenses o pintor José de Guimarães (1939), de nome próprio: José Maria Fernandes Marques; e a soprano Elisabete Matos. Seria injusto não referir o nome de Raul Brandão (1867-1930) que, tendo embora nascido na Foz (Porto), casou com uma Senhora de Guimarães, e era um vimaranense por adopção.
Queria destacar, também, o nome de três historiadores regionais que, sendo pouco conhecidos no exterior, têm apreciável e importante bibliografia sobre a região vimaranense. São eles, cronologicamente:
- João Gomes de Oliveira Guimarães (1853-1912), mais conhecido como Abade de Tagilde, que organizou a colectânea "Vimaranis Monumenta Historica", bem como várias obras sobre história religiosa.
- António Lopes de Carvalho (1881-?), que editava as suas obras sob o nome de A. L. de Carvalho, autor do livro "O S. Nicolau dos Estudantes" sobre as Festas Nicolinas, e do monumental "Os Mesteres de Guimarães", em 7 volumes.
- Manuel Alves de Oliveira (1902-1990) que foi director do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta e que publicou importantes estudos sobre Guimarães, na revista Boletim de Trabalhos Históricos.

Para acompanhar a melancolia outonal : "Iboyán"

Valores em Arte


Serão poucos os pintores portugueses do séc. XX que, no Estrangeiro, tenham cotação equivalente ou superior à que as suas obras alcançam em Portugal. Há pouco tempo, foi uma pintura de Paula Rego que atingiu um recorde de venda, em Londres - falamos disso, aqui, no Arpose. Congratulámo-nos agora com o justo reconhecimento, comprovado pelo preço recorde que "Saint Fargeau" (1965), de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), atingiu em Paris, num leilão da leiloeira Tajan. A notícia vem hoje, no "Público". O quadro, que pertencera à colecção reunida por Jorge de Brito (1927-2006), alcançou o elevado preço de um milhão e cinquenta e quatro mil euros. O mais alto preço atingido, até hoje, por uma obra da Pintora de origem portuguesa. E o mais elevado preço alcançado por uma pintura nacional, desde sempre. Ou seja, em moeda antiga: Esc. 210.800.000$00. Longe vai o tempo em que o retrato de Fernando Pessoa, pintado por Almada Negreiros, no início dos anos 70, do século passado, foi vendido por Esc. 1.100.000$00, num leilão em Lisboa. E que causou sensação pelo valor recorde atingido.

Mercearias Finas 40 : Bolo-rei


Ao princípio são os lagares, onde fruta diversa (cereja, cidrão, calondro, casca de laranja, figo...) é acompanhada por pasteleiros encartados que dela tratam, adicionando-lhe água e açúcar, e a remexem profissional e semanalmente. Retirada e enxugada, esta fruta dita "escorrida" (e não cristalizada, que é um outro tipo), bem como a fruta seca laminada (amêndoas, pinhões, nozes e, às vezes, avelãs) associada às uvas passas, serão o elemento decorativo e interior, imprescindível, da massa do célebre Bolo-rei. A isto se acrescentava uma fava embrulhada, antigamente, que, dizia-se, trazia sorte a quem coubesse, na fatia de brinde, do Bolo. As pastelarias de referência fabricam-no, tradicionalmente, desde o feriado de 5 de Outubro, até ao Carnaval. Aos fins-de-semana, mas com extrema intensidade nos dias 24 e 31 de Dezembro, e no dia de Reis (6 de Janeiro).
O Bolo-rei inspira-se, dizem, na "Galette des Rois", francesa, e começou a fabricar-se em Portugal, em data incerta do séc. XIX, provavelmente, na Confeitaria Nacional, de Lisboa, propagando-se gradualmente por todo o país. É hábito respeitado, normalmente, ser o Pasteleiro-chefe com o cotovelo a fazer o buraco central, em cada Bolo-rei. Com o advento da República quiseram chamar-lhe "Bolo da República", mas a moda não pegou e, por isso, sempre manteve o nome inicial. Pelo Natal e no Ano Novo, bem como no dia de Reis, o Bolo-rei era acompanhado por Vinho Fino (Vinho do Porto particular), nas mesas onde as famílias se reuniam, festivamente.
Ora, ontem, sábado 22/10, cá em casa iniciou-se a "saison", com o primeiro Bolo-rei. Que estava muito bom. Fiz uma pequena alteração ao que é tradicional: em vez do habitual Vinho do Porto, na fotografia, dei-lhe por companheiro um Vinho de Carcavelos, dos antigos e raros, da Quinta do Barão, entre Oeiras e Carcavelos. É um vinho mais seco e data do início dos anos 70, do século passado. Posso garantir que Willy Brandt o apreciava, enormemente, porque tinha um admirador português (Miguel Cerqueira) que, todos os anos, lhe enviava uma caixa de 6 garrafas deste vinho, para Berlim, através de uma família alemã de apelido Kirchwitz, que vinha passar Agosto e Setembro, em Esposende. E Willy Brandt agradecia. Só não tinha era o Bolo-rei português para acompanhar...

Pássaros, para MR

Em geminação com o Prosimetron, e acompanhando a revelação da colecção de MR de marcadores de livros, lembrei-me de um que nos foi trazido da Bélgica.

Post de HMJ, obviamente para MR

sábado, 22 de outubro de 2011

Uma curiosidade, pelo bicentenário de F. Liszt


Infelizmente e pelos meus menos que rudimentares conhecimentos, não sei descodificar esta reprodução de pauta musical corrigida pela mão de Franz Liszt.
A obra musical é da peça Fantasie dramatique sur les Huguenots de Meyerbeer, Op. 11, para piano, com as correcções efectuadas por Liszt. A obra musical, conforme indicação do lote (461), tem 30 páginas.
Foi leiloada, pela Christie's, em Londres, a 29 de Junho de 1995. Tinha uma base de licitação entre £ 3,000 e 3,500 libras.

Notas de Viagem 4 (finais)

Estas últimas notas reservei-as para falar de um bichinho que, para além dos esquilos, sempre me encantou, o ouriço-cacheiro. Confesso a minha ignorância sobre os hábitos de vida de ouriços até conviver com eles, diariamente, no jardim da minha amiga e ouvir as suas sábias lições. Ora, o ouriço-cacheiro, residente no jardim de RJ apresenta-se:

Temporariamente encontrava-se no chão da cozinha, à espera de ser alimentado, através de uma seringa e com um creme de sopa de carnes, por se encontrar doente dos "dentinhos" e, por isso, incapaz de trincar o prato de carne cozida, sozinho. No entanto, a moradia do ouriço-cacheiro, no jardim, é agradável e espaçosa como se vê:

A restante população de ouriços, uma dúzia ou mais, vive noutras casinhas e abrigos vários espalhados pelo jardim. Por volta das 23 horas, e depois de terem comido nas casinhas os pratos de carne diariamente servidos por RJ, começa a "ronda da noite". Passeiam pelo jardim e pelo terraço, à procura de amendoins previamente espalhados pela minha amiga. Comem-nos deliciados, fazendo um ruído próprio que anuncia a sua presença. Ouvem-se também, por vezes, uns roncos agressivos quando dois pretendentes ao mesmo petisco se enfrentam. Aprendi, portanto, algo sobre o seu modo de vida que, em pequena, ignorava por completo, ou seja, os ouriços-cacheiros percorrem o jardim no período nocturno. Aproveitam o Verão para encherem o bandulho até atingirem ca. de 800 gr., peso que lhes permite aguentar o período de hibernação, no Inverno, até acordarem, de novo, na Primavera seguinte. Os residentes de RJ, e outros que ela encontra e pretende salvar dos inimigos mais ferozes dos ouriços, ou seja, os automóveis, hibernam numa parte reservada da garagem, em enormes caixas de papelão, confortados numa caminha de feno.
Soube, há dias, que o ouriço doentinho, que vemos na imagem, apesar dos cuidados extremos, não sobreviveu muito tempo depois da minha partida.


Post de HMJ, dedicado a RJ, em pensamento

A tosca rusticidade de um motor de busca : "search words, again"


É preciso dizê-lo alto e bom som, de uma vez por todas, e preto no branco, sobretudo pelos crédulos "investigadores" que recorrem, piamente, ao Google: o motor de busca é inculto e insensível, cego, surdo e mudo, boçalmente rural e, por vezes, na sua enorme ignorância não-pensante e no seu tactear atabalhoado, muito cruel para com os seus utilizadores. Vejamos, então.
Perdidos na sua solidão infinita e angustiada, 3 pesquisadores escreveram ao Google, provavelmente, para re-encontrar família neste imenso Universo. O primeiro escreveu tremente e esperançoso: "guilherme dinis moreno da silva arroz" e o motor de busca, cavilosamente, indicou-lhe no Arpose o poste: "Mercearias Finas: vai um arroz de espigos com pataniscas de bacalhau?" Isto faz-se, ó Google?! O segundo, foi uma senhora piedosa que referiu, na sua inocência: "sou filha de ruth simoes de goes meu pai armando, da familia bragança". E o Google, cruel e rindo-se, apontou-lhe o poste: "Os meus barbeiros".... Outro crédulo, amarfanhado na sua solidão, escreveu esperançoso, ao motor de busca: "benvinda da fonseca marcelo"; pois o insensível indicou-lhe, para ajuda, o poste: "Cromos 7 : A Gata Borralheira".
Não digo, no entanto, que não haja também "investigadores" maldosos que queiram gozar com o alheio. Ora vejam este que lançou um repto sinistro ao Google, escrevendo: "pinturas medievais parecida com maria cavaco". Que desaforo! Mas aí o motor de busca portou-se dignamente. Ignorou a aleivosia e aconselhou-o a ir ver o poste do Arpose sobre pintura do século XX, onde aparece um quadro de Klee e outro de Paula Rego, em que surgem três figuras femininas, com faces um pouco toscas e rurais, esteticamente. 

Em louvor dos velhos meteorologistas


Ainda conheci, pessoalmente e ao vivo, Antímio de Azevedo que, na antiga RTP, dava a cara e como honesta pitonisa previa, com segurança e credibilidade, o tempo que iria fazer. Acertava praticamente sempre e tinhamos nele, e nos seus colegas, uma fé inabalável.
Hoje, a previsão do tempo acoberta-se atrás de uns design de gosto duvidoso, mas ninguém aparece a dar a palavra e a assinar por baixo, personalizando o augúrio. São melífluos charlatães encapotados, de ciência nenhuma, e rivalizam com os falsos astrólogos.
Para o dia de hoje, sábado, estes bruxos escondidos que fingem adivinhar o tempo, tinham anunciado: "chuva e tempestades eléctricas, com descida acentuada das temperaturas". Pois o tempo real fez-lhes negaças e desacreditou-os, mais uma vez. Pelo menos aqui, na Outra-banda, está um sol radioso, um céu praticamente sem nuvens e uns 25º graus bem abonados.
O verão de S. Martinho continua, "os novos meteorologistas para a rua!"
Que saudades eu tenho do Antímio!...

No bicentenário do nascimento de Franz Liszt


Celebra-se hoje o bicentenário de Franz Liszt (1811-1886) que nasceu a 22 de Outubro, em Raiding, na Hungria. Pioneiro nos recitais de piano e viajante incansável (esteve em Portugal, tendo feito 5 recitais que encerrava, normalmente, com a sua peça "Grande Galope Cromático"), era considerado o maior pianista do seu tempo. Morreu em Bayreuth, a 7 de Fevereiro de 1886.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Em sequência musical, de Rosalía, Amancio Prada

Evocação de Rosalía, por Juan Ramón Jimenez


Rosalía de Castro
(1885)

Chove em toda a Galiza. Chão e céu estão fundidos, o coração de quatro cavidades pela sua fibra interior, pela chuva. Toda a Galiza é o espaço de um grande, surdo coração. As aldeias, iguais igrejas negras, mais negras, negríssimas, de um negro primordial arrancado pela chuva, cheiram a estábulo humano e molhado. Rosalía de Castro pensa, de luto à porta de sua casa, do seu campo, casa cubo com trigo, uva, celeiro médio, água corrente próxima. Vê chover no verde brando, na terra líquida, na água terrosa; passar, entre água, a vaca constante, o albino adolescente descolorido, o passante cumprimentador, o peregrino lanzudo, o prior sujo, a débil menina sardenta, o pequeno carro lamentoso. Trinam baixo, afogados no ar aguado, os sinos de Bastabales:

(Campanas de Bastabales,
cuando vos oyo tocar
mórrome de saudades.)

Pobreza e solidão. Ânsia, angústia, asfixia de tanta solidão e pobreza circundantes. Uma boca grande, uma simpatia feia, choram, desesperam, soluçam. Rosalía de Castro, lírica galega, trágica, desesperou, chorou, soluçou sempre, negra de roupa e pena, esquecida do corpo, dourada de alma no seu próprio poço. Desconsolação de alma formosa encurralada, isolada, enterrada em vida! Rodeiam-na rebanhos humanos que são como rebanhos não humanos: o mesmo cabisbaixo pesar, idêntico aroma imperecível, igual mansidão e sensualidade resignada. E Rosalía de Castro não se cuida, não pode cuidar-se. Anda louca no seu ritmo interior, fusão de chuva e canto, de sino e coração. Toda a Galiza é um manicómio molhado, que a traz dentro dele. Galiza, cárcere de janelas em condenação da água, névoa, pranto, por onde Rosalía vê somente os fundos cálidos da sua alma.
Neblina sobre a Galiza. Uma névoa que flutua, algodão redondo, nata salgada, parafina sitiadora, sobre as rias; que cerca os muros, que envolve as praias, que tudo torna escuro entre ela, esbranquiçada e suja, desentendida. Entram cegamente os barcos, não entram. Perde-se o homem escasso na opaca totalidade melancólica. Longe, perto, em casa, no seu campo, pela costa deserta, reduzidas as distâncias pátrias, Rosalía de Castro dá voltas largas e lentas em redor das quatro rochas negras, das quatro paredes caladas. Rodeiam-na de perto, de longe, em cada casa só, rocha sozinha, tumbas gémeas, ocupadas ou vazias, de uma eterna tarde galega de defuntos, outras pobres Rosalías, mais velhas ou mais jovens, "viúvas de vivos e mortos, a quem nada  consolará".

Juan Ramón Jimenez, in Españoles de tres mundos (pgs. 54/55), Alianza Editorial, 1987.