Num dos seus últimos escritos, em prosa, Eugénio de Andrade (1923-2005), antecipando a entrada num prolongado silêncio final de cerca de 4 anos antes de morrer, fala de alguns versos fulcrais que o marcaram na relação essencial com quatro poetas e a sua obra. Refere, por exemplo, "os alciões chegados" de Nemésio, ou o "Só, incessante, um som de flauta chora" de Pessanha.
Se a qualidade misteriosa destes dois exemplos perfeitos e alheios, integrados nos seus poemas respectivos, é indiscutível, não é menos estranho que estes versos tenham percutido a sensibilidade de Eugénio de Andrade de uma forma tão impressiva e fundamental, tal como ele declarou nesse posfácio, escrito em Fevereiro de 2001, para um livro de poemas de José Tolentino Mendonça.
E é por aqui que talvez se possa começar, sem romantismos pueris, a falar do mistério da poesia.