sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Palavras finais


Num dos seus últimos escritos, em prosa, Eugénio de Andrade (1923-2005), antecipando a entrada num prolongado silêncio final de cerca de 4 anos antes de morrer, fala de alguns versos fulcrais que o marcaram na relação essencial com quatro poetas e a sua obra. Refere, por exemplo, "os alciões chegados" de Nemésio, ou o "Só, incessante, um som de flauta chora" de Pessanha.
Se a qualidade misteriosa destes dois exemplos perfeitos e alheios, integrados nos seus poemas respectivos, é indiscutível, não é menos estranho que estes versos tenham percutido a sensibilidade de Eugénio de Andrade de uma forma tão impressiva e fundamental, tal como ele declarou nesse posfácio, escrito em Fevereiro de 2001, para um livro de poemas de José Tolentino Mendonça.
E é por aqui que talvez se possa começar, sem romantismos pueris, a falar do mistério da poesia.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Apontamento 127: Surpresa





A flor de lilás [syringa vulgaris], com o seu cheiro agradável, sempre o associei ao mês de Maio. Era a época de floração dos diversos arbustos, de flores brancas e violetas, que cercavam a relva do jardim. O perfume da flor de lilás enchia também a casa, quando se espalhavam vasos pela sala e pelo corredor.

Vieram para cá vários pés desses arbustos e, actualmente, se encontram na varanda a sul. Ora, reparei anteontem que o meu lilazeiro tem uma flor, em Novembro. Que surpresa !

A imagem acima fica, pois, para memória futura.

Post de HMJ

Rearrumações


Camilo mudou de sítio e a Revista de Guimarães ganhou região autónoma, na nova estante do átrio. No entretanto, não consegui descobrir os dois primeiros Lobo Antunes, que ainda li, e não mais comprei. No local certo, das antigas estantes, não os encontro. Reapareceram-me, no entanto, obras esquecidas, como uns contos de Tchekhov (1860-1904), editados pela Atlântida (Coimbra, 1962), que agora ando a ler (ou reler?) com gosto e devagar, embora sejam bem pequenas as narrativas.
As novas estantes, milagrosas, não estão ainda cheias, mas olho, com algum desconsolo, para a secretária onde repousa uma parafernália de coisas e restos soltos que tenho dificuldade em voltar a arrumar em sítios convenientes. E que também não consigo imaginar-me a pôr no lixo...

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Sylvia Plath (1932-1963)


Metaphors

Sou como se fora uma adivinha em nove sílabas,
Um elefante, uma casa imponente,
Um melão enorme suspenso de gavinhas,
Ó fruto maduro, marfim, ramos finos!
Este pão crescente de vivo fermento.
Dinheiro acabado de nascer na bolsa plena.
E sou também um nada, um palco, pele em flor.
Acabei de comer uma cestinha de verdes maçãs,
Mas além da carruagem não há mais saída.



Sylvia Plath, in The Colossus (1960).

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Ideias fixas 53


Desconfio de quem escreve muito. E começa cedo. Mais ainda de quem muito publica.
Ou é gago, ou não se soube explicar ou gosta de se repetir, continuamente.
Por único que seja, cada ser humano é sempre limitado.
Nunca seremos eternos a dizer.
A começar por este lado.

Bibliofilia 141


Com mais de 25 títulos publicados, os Cadernos de Poesia, das Publicações Dom Quixote, apesar do preço (Esc. 25/ 35$00) da época e modesta apresentação tiveram elevado prestígio nos anos 60/70, e muitos dos seus números esgotaram e vieram a ser reeditados (Neruda, Carlos de Oliveira, Vinicius, O'Neill...) posteriormente.
O volume 18, de Maria Teresa Horta (Minha Senhora de Mim), foi retirado do mercado, pela Censura estadonovista e obras de Natália Correia (As Maçãs de Orestes) e de Sophia (Grades) esgotaram, atestando o interesse que a poesia feminina despertava nos leitores de então.
Não creio que as tiragens fossem pequenas, mas ainda hoje estes livrinhos têm grande procura. Alguns são até muito pouco frequentes, nos alfarrabistas, e, quando aparecem nas lojas ou em leilões da especialidade, saem caros.
Um dos casos mais sintomáticos é o volume 19, desta colecção, editado em 1971. Anotem-se, para exemplo, os três preços mais de recentes (2019) de Vocação Animal, de Herberto Helder:
- Leilão online da Olx (Agosto) : lote vendido por 50 euros.
- Na BestNet, exemplar arrematado por 100 euros.
- No próximo mês de Dezembro (4 e 5), a Livraria Olisipo (lote 310) anuncia um exemplar, com uma estimativa de venda entre 100 e 200 euros!
Donde se poderá concluir que Herberto Helder é um valor seguro, até porque nem todos os poetas que constam dos Cadernos de Poesia, da Dom Quixote, atingem este elevado preço...

domingo, 24 de novembro de 2019

Em prol do genuíno

Ainda uma questão de saios


Entre os kilt abastardados nos corredores do Parlamento português, vindos de Oxford (como?), ou as saias dos evzones gregos, admitindo porém as tradicionais sotainas que à religião pertencem, sempre prefiro os saiotes dos trauliteiros lusos de Miranda. Mesmo que sejam celtas de origem. Para não falar do loudel ou pelote, que já D. João I usou em Aljubarrota e se guarda esfiapado e multicentenário no vimaranense Museu Alberto Sampaio.


sábado, 23 de novembro de 2019

Escrever bem


Que queremos dizer quando dizemos: Fulano escreve bem?
Se é um dado adquirido e uma verdade insofismável que ninguém discute a qualidade da escrita do escalabitano Fr. Luís de Sousa (Manuel de Sousa Coutinho) ou de Camilo, outro tanto será arriscado afirmarmos sobre a ficção de Hemingway ou de Mann, porque, no fundo e na maior parte destes casos, os livros passaram pelo crivo de melhores ou piores tradutores, quando os lemos na versão nacional. E se Fiesta (The Sun also rises) ganhou, em português, pela pena de Jorge de Sena, também já li algumas traduções de Mauriac, por exemplo, de péssima qualidade...
Elegância, clareza, ritmo, a proporção equilibrada das frases são factores a ter em conta - creio.
Mas se prefiro, talvez, o estilo sucinto de Cardoso Pires na esteira objectiva de Hemingway, não deixo de admirar a construção poderosa e inteligente de António Vieira, que me faz lembrar Quevedo.
O resto terá de sentir-se mais por intuição advinda de uma longa experiência vasta de leituras. E se tivermos sentido crítico que, normalmente, não abunda por estas paragens lusitanas...

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Titular com os pés


Ora reparem-me neste cabeçalho de notícia, do jornal Público de hoje.
Terá de provir, naturalmente, de uma cabeça muito desarrumada, pelo menos.

Hassler / Leonhardt

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Citações CDXXII


O romance... é, antes de mais, um exercício de inteligência ao serviço de uma sensibilidade nostálgica ou revoltada.

Albert Camus (1913-1960), in L'Homme révolté (pg. 327).

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Miscelânea


Uma publicação alemã, que também promove viagens, tem alguns dos seus destinos turísticos para a passagem do ano já esgotados. Um dos primeiros foi Lisboa e, por isso, não será tão cedo que nos livramos desta massificação desordenada, ruidosa e fotografante.
Esta sofreguidão pelo futuro pouco tem de consistente. Os picos da novidade ou interesses momentâneos correspondem apenas a meros caprichos que o poder mediático explora para ganhar audiências da corrente acarneirada dominante e da publicidade paralela e correspondente.
Neste mês de Novembro, e em pouco mais de uma semana, calaram-se três vozes portuguesas - duas fadistas e um cantautor. Logo o Arpose teve um pico de audiência sobre dois dos nomes que constavam do registo do Blogue, no dia e seguintes a estes dois óbitos nacionais. Mórbida atracção de vários anónimos e desconhecidos peléns que, decerto, nunca frequentaram sequer o Arpose.
Acrescente-se, por equilíbrio e por uma questão de justiça, ao obituário, o nome de Argentina Santos (1924-2019), nonagenária e fadista estimável, que não constava do registo do Blogue.
Agora, já consta...

Pinacoteca Pessoal 158


É reconhecido que a pintura inglesa começa a ganhar personalidade própria e a libertar-se de influências continentais a partir do século XVIII. Nesta medida, William Hogarth (1697-1764) é um dos grandes pintores britânicos dessa época.


Gravador e ilustrador reconhecido pela qualidade dos seus trabalhos, mas também pelo seu lado satírico, truculento com que criticava os costumes, a sua forte auto-confiança permitiu-lhe ser respeitado e temido e desafiar os poderes constituídos, desde a Justiça até à Igreja.


Da sua vasta obra é de destacar a série Marriage À-la-Mode, constituida por 6 telas e executada entre 1743 e 1745. Bem como o retrato insólito e realista de 6 dos seus criados.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Divagações 155


É de manhã que trabalham, em coisas leveiras, fátuas, com imagens estridentes de mau gosto kitsch e parolo. Noite dentro também serve para compensar insónias e a incompletude dos dias. Nos blogues e seus donos e donas administrativas.
Qual será afinal a época mais confortável de morrer? A casa VIII, astrologicamente fatal, a VI pela saúde, ou até a casa I marcando a personalidade vincada da desistência (se for o caso)? Ou ainda a XII? A ver vamos, se houver tempo útil...
Venha o diabo e escolha. Pela Primavera, ficaremos talvez com saudades da luz, pelo Inverno é a terra que estará fria e desconfortável, para nos abrigar. Felizmente, estaremos imotos e insensíveis, nessa altura definitiva, exacta.
Deus haja!

José Mário Branco (1942-2019), inesperadamente

Uma fotografia, de vez em quando... (134)


Recentemente falecida, a britânica e judia Sally Soames (1937-2019) trabalhou fundamentalmente como fotógrafa para The Observer e para The Times. Retratista dotada, em boa parte da sua obra, é notória a sua faculdade inata para fixar pela expressão a personalidade principal dos seus modelos.


Desde o felino olhar cerval de Blair à quietude tranquila, ligeiramente tímida (ou irónica?) de Updike, Sally Soames tentava captar intimamente o modo de ser de quem retratava. Em 1966, terá passado toda uma tarde com Orson Welles, antes de o fixar para sempre através da sua objectiva.


domingo, 17 de novembro de 2019

Do que fui lendo por aí... 33


... No período de ouro do «milagre económico alemão», nos finais dos anos sessenta, na estação de Colónia, os alemães recebiam eufóricos o imigrante «um milhão», que aconteceu ser um português do Algarve, baixinho de estatura, tímido, e que, sem compreender uma palavra daqueles que o saudavam, agradecidos por ele ter chegado para a construção da Deutscher Wunder, recebia como prémio uma motocicleta e um ramo de flores. Um documentário daquela época mostra esse dia na estação de Colónia, era Outono, estava frio, e o presidente do patronato alemão cumprimenta aquele Gastarbeiter, cuja tradução mais precisa é «trabalhador convidado». ...

Luis Sepúlveda (1949), in Crónicas do Sul (pgs. 45/6).

sábado, 16 de novembro de 2019

Gralhas alcoólicas


Vá lá...
Desta vez sempre re-emendaram a mão... ou o pé boto.
Uma semana depois.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Da leitura 33


Os pequenos prazeres. Não é todos os dias que, na mesa, se nos oferecem à leitura dois autores dilectos, em edições bonitas, apetecíveis de ler.
Cavafy (1863-1933), com a sua obra quase completa, em tradução inglesa que irei alinhar com a francesa, de M. Yourcenar, a espanhola e a versão portuguesa de Jorge de Sena.
René Char (1907-1988), com Retour Amont (1966), livro de uma fase de crise, surgida depois de uma ameaça cardíaca, em que o poeta deixou de fumar. Desábito que lhe teria provocada um vazio de criação.

agradecimentos cordiais a H. N..

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Revivalismo Ligeiro CCXLI

Citações CDXXI


Os melhores escritores não usam de artifícios; em todo o caso, os seus artifícios são misteriosos.

Jorge Luis Borges (1899-1986), em entrevista (1962).

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Nova exposição de Pedro Chorão


Inaugura amanhã, 14 de Novembro de 2019, às 18h30, na Galeria da Livraria Sá da Costa, ao Chiado, uma exposição colectiva do pintor Pedro Chorão (1945).

Regionalismos dos Arguinas (5)


Dá-se hoje sequência, nesta temática, a regionalismos começados pelas letras j, l, m e n, e seus respectivos significados.

1. Janufos - cigarros.
2. Lhego - indivíduo.
3. Lampio - azeite.
4. Marcico (ou macico) - gato.
5. Marófias (ou pendericas) - cerejas.
6. Matuzinho (ou choto) - carneiro.
7. Monos - figos.
8. Morrão - rapaz, moço.
9. Nentes bói - não, nada.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Uma década


Olhando para trás, parece-me pouco mas, se memorizar a ocasião (noite de 11/11/2009), sei que muitas coisas ocorreram entretanto, por aqui e pelo mundo, algum (muito?) trabalho se foi fazendo no Arpose, sem muito alarde, sem muita estridência, paulatinamente, como Antonio Machado dizia...
Também criámos vivos contactos, enriquecedores diálogos, amáveis conversas. Até, nalguns casos, relações muito próximas da amizade. E também perdemos, nestes dez anos, alguns e algumas seguidoras e seguidores, que nos eram bastante chegados.
Dos Blogues que seguíamos, mais de metade ficaram pelo caminho. Ainda mais alguns arrastam uma existência residual ou moribunda, penosa de se ver e mais do que rara nas espaçadas aparições.
Nós, cá vamos andando, cada vez mais claudicantes, mas  já contando, nestes 10 anos, 10.925 postes (com este último) publicados.
Até quando?

P.S.: Ao S. Martinho, de hoje, invocativo, preferimos esta simpática coruja de Edward Lear..:-)

domingo, 10 de novembro de 2019

Ligeiras e breves considerações a propósito de um poema de H. H.


O poema de Herberto Helder (1930-2015), acima reproduzido, integrava o terceiro número de O Tempo e o Modo (Março de 1963). Possivelmente, ter-lhe-á sido pedida colaboração poética para a revista, a que o poeta correspondeu.
Nem sempre as encomendas são supridas por artigos de primeira qualidade. E creio que este poema não veio a integrar nenhuma das Poesia Toda que ciclicamente Herberto Helder editava. Seja como for, e na minha magra opinião, ele tem a marca do Poeta.
Aqui fica para o lembrar.

Bach / Fischer

sábado, 9 de novembro de 2019

Cadê o Alicante Bouschet do sr. Comendador?


O sr. Pedro Garcias não foi reler o que tinha escrito, o jornal Público (Fugas, de hoje) não deve ter dinheiro para pagar a um revisor profissional, e foi assim que o vinho estreme de Alicante Bouschet, do sr. comendador Nabeiro, se transformou num lotado néctar de 4 castas, onde a referida atrás nem sequer entra. Claro que não dá a bota com a perdigota, alentejanas...
Irra, mas que bando de amadores!

Filatelia CXXXIV


Se antigamente grande parte das transações de selos de colecção se processavam através das lojas de filatelia ou em leilões postais ou presenciais, hoje em dia, creio que é pela net que as compras e vendas acontecem mais abundantemente. Até porque muitas das casas filatélicas foram fechando, progressivamente, em Portugal. A Afinsa, por exemplo, chegou a promover alguns leilões importantes, até vir a encerrar as portas, numa agonia lenta e decorrente de um escândalo financeiro ocorrido na Península Ibérica.


Mas também o Ateneu do Porto promoveu leilões filatélicos, com regularidade, e a Federação Portuguesa de Filatelia, pelo menos no passado. Actualmente, julgo que só a empresa de Paulo Dias os promove.
A Inglaterra mantém, ainda que com menos intensidade comercial, uma viva dinâmica leiloeira de venda de selos e, em cujos catálogos, é frequente encontrarem-se boas colecções de Portugal, assim como boas peças soltas do continente e das ex-colónias.


A capa do leilão da Alliance Auctions (2/12/2008), à direita na penúltima imagem, almoeda que incluía 43 lotes portugueses, muito diversificados, reproduzia, nas páginas interiores, o Bloco nº 1, da Legião Portuguesa, com carimbo especial da Expo. do Mundo Colonial Português (lote 1136) com uma base de partida de 200 libras; e um erro (lote 1158) da série Barcos, de 1981, com uma estimativa de 50 libras. (Ambos os lotes constam da imagem acima reproduzida.)

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Conselho amigo


Raramente sou de muitas palavras, até porque acho que todos podemos ser sucintos e essenciais naquilo que queremos dizer... De gorduras, bastam as que vamos adquirindo, inúteis, com a idade. E, depois, alguns raros comentários palavrosos que me chegam ao Arpose, deixam-me, muitas vezes, quase sem resposta.
Mas gostaria de recomendar, vivamente, os 9 minutos iniciais da Circulatura do Quadrado, de ontem (7/11/2019), por toda uma questão de sanidade mental. E pela forma simples e exemplar de expor as questões e de saber pensar - o que, em Portugal, vai sendo cada vez mais raro. Sobretudo, politicamente.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

John Blow (1649-1708)






Mercearias Finas 151


O Mateus é mais velho do que eu. Rosé, quero dizer. Porque a colheita inicial, criada pela família Guedes, da hoje Sogrape, aponta o ano de 1942 para o seu nascimento enológico.
Contaram-me, mas não garanto a absoluta veracidade da história, que a sua promoção e marketing se fez de forma artesanal, embora intensa, inteligente e pertinaz. Entre outras oferendas, mandavam todos os anos uma caixa de garrafas do vinho para a família real inglesa. E, ao que parece, Isabel II habituou-se...
O lançamento das magnum Mateus Rosé, pomposamente, aconteceu no ano de 1978, no Zoo de Londres. Por essa altura, já Jimmy Hendrix, da mesma colheita (1942) estava conquistado e convencido. Mas também já morto.
Os Guedes diriam como Leonard Cohen: "First we take Manhattan!". Porque o resto dos marcanos vieram a seguir, acarneiradamente, como é costume. E os EUA são hoje o maior mercado do Mateus Rosé, neste nosso mundo.
Quanto a mim, o último rosé que bebi era da Quinta de Lagoalva. E também não fiquei freguês...

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Citações CDXX



A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é a arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência, nem uma estética, nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna.

Sophia Andresen (1919-2004) in Arte Poética II.

Curiosidades 77


Embora grande apreciador da obra de Camilo (1825-1890), curiosamente, nunca me interessei por primeiras edições ou raridades que tivessem saído da pena do autor de Amor de Perdição. Por maneirinhas, sempre achei graça e gosto às edições da Travessa da Queimada (devo ter aí uns 10 títulos...). Mas as iniciais edições da Parceria A.M.Pereira também concitam o meu agrado, até pela sua capa flexível e maleável.


Não sendo, nessa fase, integral quanto à bibliografia camiliana (compreende 80 volumes), a colecção abrange porém o que, de mais importante, o Escritor escreveu e publicou. Pelo início do século XX, a referida editora propunha também, ao leitor, um armário com estantes destinado a albergar todos os volumes da edição. Como se poderá ver na imagem publicitária do anúncio.


E o que me parece ter sido uma ideia original e pioneira nos propósitos de organização.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Pinacoteca Pessoal 157


Edward Collier (1642-1708), como ficou conhecido na Inglaterra e está legendado na Tate, ou Edwaert Calyer, como foi baptizado em Breda, pertence ao período mais importante da pintura flamenga. Emigrou para a Grã-Bretanha em 1693, onde veio a falecer quinze anos mais tarde, em Londres.

Notabilizou-se sobretudo pelos temas de Vanitas e Trompe l'oeil que ocupam uma boa parte da sua obra e que eram muito apreciados pelas classes aristocráticas inglesas.
Anote-se, como curiosidade que, no último quadro, está representada uma edição coeva dos Essays de Michel Eyquem de Montaigene (1533-1592).

domingo, 3 de novembro de 2019

Marie Laforêt (1939-2019)


Por várias razões, sem palavras.

Belcea Quartet - Opus 131 - Beethoven String Quartets



...
Mas, se não é, que dizem lancinantes,
neste discreto passeio pelo tempo,
os quatro instrumentos semelhantes
no seu modo de criarem som?
Tão terrível. Sufocante. Doce
ou agridoce desconcerto harmónico.
Que diz? Que diz? Neste contínuo
de temas e andamentos, de tonalidades,
o que justifica? Que discutem eles?
A sua mesma natureza de instrumentos
e as combinações até ao infinito
de um mecanismo abstracto do imaginar?
Como pode uma coisa que sentimos tão medonha,
tão visionariamente séria e pensativa,
ser irresponsável?
...
Jorge de Sena (1919-1978), in Ouvindo o Quarteto Op. 131, de Beethoven ("Arte de Música").

Um CD por mês (7)


Se é seguro que li, ainda em 1968, a Arte de Música (Moraes Editores), de Jorge de Sena, a audição completa dos Quartetos para Violino, de Beethoven, não a consigo localizar com rigor. Talvez 1995 ou 1996.
Tinha lido algures que era o conjunto mais complexo e difícil da obra do Compositor.


E, realmente, as minhas primeiras impressões não foram, de todo, agradáveis, e tudo me soou a áspero e um pouco estranho, na sua aparente agressividade harmónica. Contudo, pouco a pouco, e ao longo dos 8 CD, nas suas 9h15 de audição, fui-me habituando à sua beleza algo selvagem.


A execução, pelo Medici String Quartet, é primorosa. E a Nimbus Records, em edição limitada, fez sair este conjunto de 8 discos no ano de 1994. A gravação decorreu de Dezembro de 1988 a Março de 1990, em Aldeburgh (Inglaterra).

sábado, 2 de novembro de 2019

Carta inédita de Jorge de Sena


Passam hoje 100 anos sobre o nascimento de Jorge de Sena, em Lisboa, a 2 de Novembro de 1919.
A adolescência ou é atrevida e irreverente ou não será autêntica juventude. Da maturidade, há que esperar alguma recatada e avisada prudência, como é natural.
Foi assim que, há 49 anos, em Março de 1970, eu tive a ousadia de me dirigir ao catedrático e poeta, na altura radicado nos Estados Unidos, e informá-lo de umas traduções, em castelhano, de 5 poemas de Cavafy, feitas por José Ángel Valente*, que não constavam da bibliografia** do livro 90 e mais Quatro Poemas de Constantino Cavafy  (1970), que Jorge de Sena (1919-1978) publicara pouco antes (Editorial Inova, Porto).


A resposta foi rápida e o agradecimento generoso. Mais tarde, acabei por enviar a Sena cópia dos poemas traduzidos por J. Ángel Valente. Que o Poeta veio também a agradecer, numa segunda carta, que consta do arquivo do Arpose, em poste publicado a 2 de Novembro de 2010. E por aqui ficou a nossa breve troca de mensagens. Esta primeira carta mantive-a inédita, a pedido (1989) de Mécia de Sena (1920). Hoje, julgo que nada justifica não a tornar pública.


Sendo que me parece a melhor forma de lembrar e de homenagear Jorge de Sena, neste centenário do seu nascimento, através das suas palavras, ainda que escritas.


* insertas na  Revista de Occidente, nº 14, Madrid, Maio de 1964.
** na segunda edição do livro (Centelha, Coimbra, 1986), a bibliografia foi acrescida do trabalho de José Ángel Valente, de que eu tinha informado Jorge de Sena.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Da riqueza e dificuldades da língua portuguesa (3)


A contenção é rara entre os latinos, e uma virtude nobre se acontece. O barroco é grandemente sulista, na sua verborreia decorativa de brilhos e dourados. A concisão dos nossos anexins ou adágios de lapidar sageza contrapõe-se, desabrigada, à multidão, quase toda redundante, de epopeias portuguesas que, depois de Camões, enxameou os nossos séculos XVII, XVIII e XIX. Para culminar e acabar talvez, em 1972, com as QVYBYRYCAS, de A. Q. Grabato Dias (1933-1994), editadas em Moçambique, com competente prefácio de Jorge de Sena (1919-1978).
Esta lusa falabaratice desbragada contribuíu, certamente, para a inexistência de uma filosofia genuinamente portuguesa que orientasse, projectasse e arrumasse os nossos desígnios mais íntimos e os encaminhasse para objectivos maiores e essenciais. Não raro, até os nossos, por caridade chamados, proto-filósofos - de quem, por pudor cristão, não refiro os nomes - frequentemente, pelos seus textos desorganizados, se perdem em obscuros labirintos, por onde o seu pensamento e teorias se fragmentam, estiolam e perdem, em definitivo, por terras sáfaras de nenhures.

Debussy / Grimaud

Adagiário CCCII


Azeitona com pão alvo é comida de fidalgo.