O moínho das mentiras está na colina mais alta da paisagem. Por uma contradição dos ventos ou leve aragem, quase imperceptível, é que as velas se agitam. O moleiro mal dá por isso, mas acompanha. Insone, porém. A pesada mó tritura memórias e sonhos - como devia ser: num equilíbrio difícil. E há um gemer silente, um resmonear a que se junta: o léxico ou as cores. O afecto das palavras que se agregam para não ficarem sozinhas ou das cores que se misturam irmanadas.
No final há-de ser peneirada. A farinha descansa. Mais tarde virá água e fermento - doseados pela regra ou experiência. De novo a massa informe descansa. Avulta.
Depois o padeiro irá tendê-la sobre a mesa. Acrescentará leves polvilhos de farinha branca e seca. Vai ao forno. Sairão, mais tarde, padas pequenas ou pães grandes, acabados. Quero eu dizer: versos ou poemas. Pequenos quadros e telas grandes. Mas ficam sempre rapaduras pelo chão.
No final, o artífice nunca sabe ao certo se o pão ou o quadro, ou o poema será bom. Às vezes até se esquece de pôr sal. Há que prová-lo, mastigando com precaução. Sorvendo-lhe o sabor ancestral e interior. É assim que a memória do trigo passará para os outros. Entretanto, as velas do moínho estão paradas e a mó imovel sonha outras rotações. As velas sonham outras colinas. O padeiro vai à vida: para colher mais farinha.
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