quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Retrato de Cervantes por ele próprio, e em palavras


É axiomático que não somos bons juízes em causa própria, porque haverá sempre alguma benevolência na forma como nos vemos, seja através da pintura, seja por palavras. Mas um auto-retrato será sempre um testemunho importante, para não dizer: essencial. O auto-retrato de Cervantes (1547-1616), que irei transcrever, integra o prólogo de "Las Novelas Ejemplares", tinha o escritor espanhol cerca de 66 anos. O retrato, em imagem, que dele fez o pintor Juan Juarégui y Aguilar (1583-1641), é mais temporão, porque foi executado cerca de 1600, era o autor de "Don Quixote de la Mancha" ainda cinquentenário.
Seguem as palavras cervantinas:
"Aquele que aqui se vê com rosto aquilino, cabelo castanho, sobrancelhas lisas e regulares, olhos vivos, e nariz arqueado, mas bem proporcionado, barba prateada, embora alourada não há ainda vinte anos, bigode largo, boca pequena, dentes sem importância, porque só lhe restam seis e, mesmo esses, em pobre condição e pior implantação, porque não correspondem uns com os outros, o corpo entre os dois extremos, nem muito comprido nem pequeno, embora de compleição mais para o alto, mais branco do que moreno; algo pesado de ombros e de pés não muito ligeiros; isto, diria eu, que é o retrato do autor de "Galatea" e de "Don Quixote de la Mancha". ..."

9 comentários:

  1. Ainda bem que foi retratado de boca fechada. :)

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  2. Bem observado..:-)))
    Já o Quevedo, num soneto, falava da "boca saqueada"...

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  3. Um tema bem interessante - gostei da auto-descrição de Cervantes.

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  4. Eu também sou grande apreciador destes"retratos" e quando encontro um, anoto...

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  5. Para completar Quevedo:
    "pues que de nieve están las cumbres llenas,
    la boca, de los años saqueada,
    la vista, enferma, en noche sepultada" etc., etc.

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  6. Creio que cheguei a traduzir, para o Prosimetron (Escolhas Pessoais), parte deste belíssimo soneto de Quevedo. Talvez aquele de que mais gosto (Retirado na paz destes desertos/ com poucos, porém doutos livros...).

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  7. Realmente a descrição corresponde bem à imagem, só faltava ver os dentes... ;)
    Fez-me lembrar o soneto de Bocage "Magro, de olhos azuis carão moreno".

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  8. Todo o cuidado era pouco..:-))
    Há também um auto-retrato, em verso, do O'Neill, bem interessante.

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