A condição de “posto em
sossego” desobrigou-me a qualquer declaração de interesse, mas não me livrou do
desassossego perante o desnorte, ao nível nacional e europeu, nas questões da
educação e do ensino.
A confusão entre os dois
conceitos tem décadas, ao ponto de ganhar estatuto, na nova proposta do
“Programa de Português”, sob o lema de “Educação Literária” quando, de facto,
se pretende traçar objectivos de ensino na vertente de leitura de textos
literários. Contudo, a confusão conceptual tem uma raiz e uma origem, i.e., uma
Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, que declarava, nos seus considerandos
preambulares, que o “Estado não pode atribuir-se o direito de programar a
educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas”. Embora sempre negligenciado, tamanho
embuste paradoxal e conceptual abriu a porta ao declive em que nos encontramos.
Passamos a definir a educação
em função de universos restritos. Uma Lei de Bases definida com os olhos postos
nos filhos lá de casa, esquecendo que a realidade era bem outra. O que até
levou um Ministro, após a sua saída, a declarar que “o difícil é sentá-los”,
uma evidência que qualquer docente sabia, e bem demais para ser verdade.
O medo perante um “cânone
literário” para leccionar, e ensinar, privou uma geração de alunos de uma
percepção “cronológica e antológica” da Literatura Portuguesa, substituindo-a
por uma salganhada de leituras da “literatura universal”, entremeada por
excertos, envergonhados, dos chamados clássicos nacionais. Não merece a pena
citar os “bons ventos” responsáveis, nem os famigerados “planos nacionais” que
suportam semelhante opção.
Os chamados Programas, ou
Metas Curriculares, orientaram-se pela vaidade ou inclinação académica dos seus
redactores. Nalguns casos, o aparato “teórico de enquadramento” é um portento.
Noutros, para descer a um nível inferior da linguagem, a “montanha pariu um
rato”, como é o caso da recente proposta de Programa de Português para o Ensino
Secundário, da autoria de Helena Buescu.
Convém recordar que este novo
programa surge num momento em que a escolaridade obrigatória se alargou até ao
12º Ano, i.e., declarando-se válido e exequível, para o universo dos alunos,
uma recuperação de um determinado “cânone literário”.
E neste “novo Programa”, de
“gato escondido com rabo de fora”, sucede que a selecção “cronológica” anda aos
saltos e a “antologia” se resume, na generalidade, a excertos, acusando
determinadas opções estéticas e particulares dos redactores. O espanto geral
perante uma encenação tão inconsistente permite apenas citar alguns exemplos
mais aberrantes:
Cantigas de Amigo (escolher
5), Cantigas de Amor (escolher 3), Crónica
de D. João I (escolher 2 capítulos), História
Trágico-Marítima (Capítulo V), A.Vieira, Sermão de Santo António (passou a ter capítulos, em vez de partes
do sermão, Cap. I – integral – o restante em excertos), e, para finalizar, A.
Garrett, Viagens na Minha Terra
(escolher 5 capítulos!). As opções relativamente ao Século XX dispensam
qualquer consideração. Pobres professores, infelizes criaturas !
Tenho saudades do tempo em
que os estudantes entoavam “loas”, cantando vivas à Academia e aos professores,
porque lhes reconheciam valor na sua capacidade de orientar os seus estudos de
uma forma sábia, objectiva e desinteressada.
Post de HMJ
Sem comentários:
Enviar um comentário