quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Da Janela do Aposento 39: Educação ? Ensino ?





A condição de “posto em sossego” desobrigou-me a qualquer declaração de interesse, mas não me livrou do desassossego perante o desnorte, ao nível nacional e europeu, nas questões da educação e do ensino.
A confusão entre os dois conceitos tem décadas, ao ponto de ganhar estatuto, na nova proposta do “Programa de Português”, sob o lema de “Educação Literária” quando, de facto, se pretende traçar objectivos de ensino na vertente de leitura de textos literários. Contudo, a confusão conceptual tem uma raiz e uma origem, i.e., uma Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, que declarava, nos seus considerandos preambulares, que o “Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. Embora sempre negligenciado, tamanho embuste paradoxal e conceptual abriu a porta ao declive em que nos encontramos.
Passamos a definir a educação em função de universos restritos. Uma Lei de Bases definida com os olhos postos nos filhos lá de casa, esquecendo que a realidade era bem outra. O que até levou um Ministro, após a sua saída, a declarar que “o difícil é sentá-los”, uma evidência que qualquer docente sabia, e bem demais para ser verdade.
O medo perante um “cânone literário” para leccionar, e ensinar, privou uma geração de alunos de uma percepção “cronológica e antológica” da Literatura Portuguesa, substituindo-a por uma salganhada de leituras da “literatura universal”, entremeada por excertos, envergonhados, dos chamados clássicos nacionais. Não merece a pena citar os “bons ventos” responsáveis, nem os famigerados “planos nacionais” que suportam semelhante opção.
Os chamados Programas, ou Metas Curriculares, orientaram-se pela vaidade ou inclinação académica dos seus redactores. Nalguns casos, o aparato “teórico de enquadramento” é um portento. Noutros, para descer a um nível inferior da linguagem, a “montanha pariu um rato”, como é o caso da recente proposta de Programa de Português para o Ensino Secundário, da autoria de Helena Buescu.
Convém recordar que este novo programa surge num momento em que a escolaridade obrigatória se alargou até ao 12º Ano, i.e., declarando-se válido e exequível, para o universo dos alunos, uma recuperação de um determinado “cânone literário”.
E neste “novo Programa”, de “gato escondido com rabo de fora”, sucede que a selecção “cronológica” anda aos saltos e a “antologia” se resume, na generalidade, a excertos, acusando determinadas opções estéticas e particulares dos redactores. O espanto geral perante uma encenação tão inconsistente permite apenas citar alguns exemplos mais aberrantes:
Cantigas de Amigo (escolher 5), Cantigas de Amor (escolher 3), Crónica de D. João I (escolher 2 capítulos), História Trágico-Marítima (Capítulo V), A.Vieira, Sermão de Santo António (passou a ter capítulos, em vez de partes do sermão, Cap. I – integral – o restante em excertos), e, para finalizar, A. Garrett, Viagens na Minha Terra (escolher 5 capítulos!). As opções relativamente ao Século XX dispensam qualquer consideração. Pobres professores, infelizes criaturas !
Tenho saudades do tempo em que os estudantes entoavam “loas”, cantando vivas à Academia e aos professores, porque lhes reconheciam valor na sua capacidade de orientar os seus estudos de uma forma sábia, objectiva e desinteressada.

Post de HMJ

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