"...Sei, todos nós sabemos, como pesa o tempo vencido sobre quem se aventura a recompô-lo. É um eco a sublinhar as palavras, uma ironia que nos contempla de longe, um aviso. Se alguém (um narrador em visita) rememora a seu gosto (e já vê no papel, e em provas de página, e talvez um dia em juízos da Crítica) o final duma mulher que é de todos conhecido e que está certificado nos autos; se se apega a um punhado de notas tomadas em tempos por desfastio, e se mete agora a entrelaçá-las e a descobrir-lhes uma linha de profecia, então esse alguém necessita de pudor para encontrar o gosto exacto, a imagem exacta da mulher ausente. Necessita de discutir consigo mesmo, à medida que recorda, e assim fá-lo por respeito, pela condição de homem em face da distância e da ausência. É, considero aqui, um ofício delicado contar o tempo vencido. ..."
José Cardoso Pires (1925-1998), in "O Delfim", início do capítulo XXVI-b.
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