Somos também feitos de palavras. Que nos denunciam, nos marcam, que nos definem uma ética, um modo de ser, uma origem. E, muitas vezes, são o rosto mais profundo de uma atitude interior.
Herdei muitas palavras, antes de conquistar e me apropriar das minhas, e que me são próprias. Algumas das palavras herdadas não sei, já, de onde vieram - imagino que são do pequeno dicionário doméstico de infância, um triângulo quase todo de sangue: Guimarães, Braga e Vieira do Minho. Mas também houve pessoas que me deixaram apenas o silêncio sem palavras, um silêncio povoado de sorrisos ou de gestos confiantes e cúmplices.
Falarei apenas de algumas dessas palavras herdadas. Começarei por "bisegre" que é uma ferramenta de sapateiro, mas que se integrou, em mim, com o significado de: miúdeza ou coisa sem valor. Veio-me de uma Senhora octogenária, minhota, que ainda é viva. "Matarroano", que creio não existir em dicionário, com o significado de rústico, tosco, grosseiro - herdei-a de um amigo transmontano. A dupla "tropa-fandanga" ouvi-a, pela primeira vez, a um alentejano de Mértola, que passara pela vida militar. Adoptei-a também com o significado de grupo desorganizado e caótico. Depois, há palavras de intensidade afectiva. Como "estima" que eu conhecia, de há muito, mas que, em Maio de 1980, foi usada por alguém, com uma intensidade e claridade, totalmente novas para mim. Também a herdei, e guardo, e, quando a uso, faço-o com grande parcimónia e extremo respeito. Foi uma palavra que me foi crescendo, ao longo do tempo, no interior do coração.
P. S. : para H. N., que também pesa as palavras que usa.
Desconhecia apenas «bisegre». Quanto ao sentido da palavra «estima», a ideia que tenho é que se refere a um sentimento inferior à amizade. Estimar alguém é considerar essa pessoa, respeitá-la, mas não implica, necessariamente, gostar dela. Estou enganado? [A propósito disto ocorreu-me agora que há uns tempos li uma entrevista a Vasco Pulido Valente, que a dada altura referia ter tido necessidade de reler a obra de um dos grandes autores do Séc. XIX - já não recordo se seria Eça ou Camilo - e ficou surpreendido por ter constatado que teve necessidade de ir à procura do significado de cerca de 500 palavras, um número que lhe pareceu astronómico. Será que a língua está mesmo mais pobre?]
ResponderEliminarHá não muito tempo, li que o vocabulário do jovem-americano-médio estava reduzido a cerca de 50 palavras. Creio que é um facto que todas as línguas estão a empobrecer e é uma tristeza percebermos que, a nível de ideias, representações mentais e sentimentos, o horizonte de variação seja cada vez mais limitado e "standardizado". Portugal acompanha, naturalmente. Há redutos e ilhas sobreviventes do que, hoje, será já um português arcaizante: Minho, Trás-os-Montes,´Beira interior, Açores e Madeira.
ResponderEliminarSobre "estima". O que c.a. refere, está rigorosa e classicamente certo: estima, menos que amizade.Mas contexto, memória e cenários podem alterar, subjectivamente, uma palavra. Esta "estima" de que falei tem origem na Beira interior. E pode ter um desenvolvimento insuspeitado e incontrolável,no tempo. É assim que eu a tenho como minha, hoje.
Gostei de ler.
ResponderEliminarTambém costumo ter algum cuidado com as palavras.
Tenho sempre o dicionário por perto, quando estou a ler qualquer coisa e pergunto, quando não sei. Por isso perguntei "bisegre".
Obrigada
Obrigado, Isabel.
ResponderEliminarE foi importante ter perguntado, porque também me permitiu esclarecer o meu "apropriamento" subjectivo e alargado da palavra.