domingo, 6 de junho de 2010

Ornitologia prática, rústica e poética



As aves estão atrevidas, ultimamente. Os pequenos pardais, as, outrora, ternas pombas, as poéticas gaivotas de O'Neill ("Se uma gaivota viesse / trazer-me o céu de Lisboa..."). Os pardais chegam perto dos nossos pés e, em busca de migalhas, quase nos bicam os dedos; as pombas, de tantas canções, perderam toda a timidez e desafiam-nos, hoje, em voos rasantes sobre as nossas cabeças assustadas e inquietas. E as gaivotas? Agressivas e mal dispostas, nos seus pios roucos, perderam todo o encanto de um poema.
Ainda me rendo ao encanto das nuvens compactas de estorninhos sobre o Tejo, ao fim da tarde, em Outubro/Novembro . E às andorinhas, turistas breves da Primavera e Verão, em voos elegantes mas nervosos, buscando insectos pelos ares. Ou aos melros e a um simpático verdelhão que costumava visitar a minha varanda "outrabandista", para debicar, talvez, uns pequeninos tomates que, rubros, por lá cresciam num vaso.
Mas neste último fim de semana, tive grandes surpresas. Vi uma cegonha sobrevoando Albergaria-a-Velha, e três gaivotas em Guimarães. Ora cegonhas em seus voos majestosos e amplos, durante a minha vida, nunca as tinha visto para cima de Santarém; e, gaivotas, em tantos anos que vivi em Guimarães (garanto!) nunca vi nenhuma. Creio que as aves também se globalizaram ou, então, andam tão desorientadas como nós.
Eu queria chegar aos zilros. Penso que são da família das andorinhas e, quando eu brincava à noitinha, na rua da minha infância, sulcavam o ar. Zilreavam, intensamente. E, como setas, disparavam como loucos de velocidade, em direcção aos pequenos buracos, entre as pedras das muralhas, que eram os seus ninhos.
Perguntava e respondia Raul Brandão, nas suas "Memórias-I": "Já tiveste na mão uma andorinha? É penas e vida frenética." Eu já tive: um zilro. É que os zilros pequenos, às vezes, erravam o alvo (ninho), batiam no granito das muralhas e caíam no passeio...

3 comentários:

  1. Serão efeitos do aquecimento global? Tenho registado outra alteração: ultimamente a chilreada dos passáros começa muito antes da luz da madrugada começar a aparecer. Também reparou?

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  2. Meu caro c.a.:
    eu penso em várias razões- excesso de lixo e lixeiras a céu aberto (consumismo excessivo): no que diz respeito ao aumento de gaivotas e pombas (estas últimas deixaram de ser caçadas pelos homens). E os pardais, também - eu ainda cacei pardais: com fisga, ratoeiras, e espingarda de pressão de ar. Hoje, a caça é imaginativamente mais agressiva, mas nos jogos de computador...Sobre o aquecimento global, deve ter razão. Aliás, as gaivotas vimaranenses estavam na borda de um chafariz. Sobre o cantar mais cedo,concordo também consigo. Os meus 2 melros de estimação (um "outrabandista", outro do centro de Lisboa)começam a cantar,pontualmente, às 4,30hrs da madrugada. Ainda não há sol, nem sequer a "aurora de dedos róseos" de que falava Homero...

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  3. Tem razão, os melros já trinam e ainda não há luz... Acabei agora. Vou ver se durmo um pouco. Até mais logo!

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