domingo, 5 de abril de 2020

Um poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Crônica de Gerações


Silêncio. Morreu o Comendador.
Merecia ser eterno
com seu poder, seu gado, suas minas,
seu dinheiro na burra.
Então morre - silêncio - o Comendador
e não desabam as montanhas
e o mundo, já vazio, não acaba?
Injusto ele morrer - o filho exclama.
Por que, em seu lugar,
o Senhor não chamou seu netinho enfezado,
esse menino aí, fracote, feio?
O menino ouve e come estas palavras,
assimila-as no sangue, e cresce e é forte
e poderoso mais que o Comendador.
Nasce-lhe por sua vez um filhinho enfezado
mas este
cresce sem maldição, fica por isso mesmo.

Nem sempre o Senhor chama. Ele às vezes esquece.


Carlos Drummond de Andrade, in Boitempo (1968).

para H. N., que me lembrou Drummond.

5 comentários:

  1. É sempre muito bem lembrado.
    Vamos lá a ver se estamos mesmo no planalto.
    Bom domingo!

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    1. Disse-me, quem sabe, que as próximas 2 semanas vão ser de pico e sem sintomas aparentes - período mais traiçoeiro e perigoso. Convém não sair, mesmo.
      Drummond continua a ser um dos grandes do mundo. Da Poesia, com letra grande.
      Boa tarde dominical.

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  2. Um dos que admiro na poesia (arte de escrita que não aprecio, ao contrário do jovem cá de casa)

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    1. Acontece...
      Mas ela surge, mesmo em coisas imperceptíveis, como o ponto de cruz, por exemplo..:-)
      Boa tarde.

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