sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Memória 40 : os meus Barbeiros


Ninguém me poderá acusar de infidelidade excessiva em relação aos artífices que me cortaram o cabelo, ao longo da minha vida. Posso contá-los pelos dedos das mãos, e ainda me sobram dedos. O meu primeiro corte de cabelo foi feito em casa. No centro da cozinha: puseram-me uma enorme toalha branca, ao pescoço, por indicação do profissional de serviço, que viera de propósito a minha casa. A toalha cobria-me todo (excepto a cabeça), bem como ao banco vermelho em que me sentaram. E, debaixo do banco, ainda havia um estrado de madeira. Não é que o barbeiro fosse alto, muito pelo contrário, eu é que era muito pequeno, na época.
O artífice era um artista (tinha até um diploma profissional de Paris, testemunho de um prémio!), dono da Barbearia Sevilha, na rua de Camões, em Guimarães. Tinha sido um pioneiro do corte, dito, "à francesa" - com navalha (água antes, para amaciar o cabelo). O saudoso Fígaro dava pela alcunha difícil de "Omainholhelas" (= Ó mãe!, olhe elas!) porque, tendo sido sempre muito baixinho, em altura, na rua, quando brincava, as meninas e mulheres se metiam com ele, e o rapazinho gritava pela progenitora: "- Ó Mãe! olhe elas!" No Minho, ninguém escapa à caricatura ou irrisão.
A Barbearia Sevilha ainda lá existe mas, hoje em dia, quando por lá passo, de longe a muito longe, parece-me sombria, baça e cinzenta - irremediavelmente envelhecida. Na altura em que comecei a frequentá-la, sempre a achava brilhante, alegre e luzidia nos seus múltiplos espelhos biselados. Enquanto fui intermitente morador de Guimarães, sempre me mantive fiel cliente do Sr. "Omainholhelas". Nem mesmo no período em que estudava, em Coimbra, o deixei de ser.
Em Lisboa, na primeira fase, tive apenas dois barbeiros. O primeiro, na rua Luís Bívar, que morreu de enfarte; o segundo, que me cortava o cabelo numa rua paralela à Avenida E. U. da América. Mudei de trabalho e empresa, e tive que mudar de barbeiro - e vão 3!
Este quarto artífice era um bom profissional, já idoso, e exercia numa vila da Linha de Sintra. Era viúvo e, quando eu menos esperava, comunicou-me que se ia reformar. Fiquei consternado, mas desejei-lhe longa vida na aposentadoria. Fiz, depois, duas ou três tentativas desastrosas, na zona, de que me arrependi profundamente.
Até que, por volta de 2001 ou 2002, me fixei na Barbearia Celeste, na Baixa ( "- O Senhor engenheiro hoje não engraxa? // - Engraxo na Baixa.", A. O´Neill). É um local com decoração datada (1958), mas com pátina estética agradável. O interior foi restaurado pelo saudoso arquitecto Raul Ramalho, pai do meu amigo Pedro. A barbearia brilha ainda, no seu jogo múltiplo de espelhos, metais e linhas direitas. Inúmeros turistas param, deslumbrados, e tiram fotografias.
Sei quase tudo sobre o meu barbeiro actual, que é um óptimo profissional. É transmontano (de uma aldeia próxima de Chaves), Sagitário de signo astrológico, fez tropa em Timor, é casado e tem uma filha, já casada também. Mora num bairro popular de Lisboa e vem a pé para o emprego. Mas, ontem, soube mais uma coisa que me preocupou: tem a mesma idade que eu. Que a Natureza lhe dê tanta vida como a mim! É que eu não gostaria de ter que mudar, mais uma vez, de barbeiro, e sei como o meu cabelo é difícil de cortar. Além disso, o meu cabelo é forte e ainda relativamente denso. E não me parece que venha ficar careca, nos próximos tempos...

5 comentários:

  1. Giríssimo.
    Eu também sou bastante conservadora: cabeleireiros, médicos, sapatos, etc. Só mudo quando não me sinto bem.

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  2. E hoje no DN vem um artigo sobre o barbeiro onde o Paulo Bento - o do risco ao meio - corta o cabelo há 30 anos.

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  3. Nunca consegui tanto tempo... já não vou para o Guiness...

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