sábado, 1 de fevereiro de 2014

Lazer


Posso dizer, felizmente, que, na minha infância e adolescência, houve espaço para o lazer. O que, na verdade, significava também liberdade. E autonomia e responsabilidade para o uso desse ócio. De perder tempo, mas também de imaginar e pensar, de preencher a meu modo os espaços (aparentemente) vazios. De brincar, de acertar contas e inventariar acções, sem grandes nem rigorosos pragmatismos.
Creio que, a partir dos anos 80 do século passado, começámos a assistir à ocupação total dos tempos livres e dos espaços, com os pais, frenéticos, a inscrever, sistematicamente, os filhos em aulas de judo, de línguas, de natação, de música ou ballet... No tempo sobrante, as criancinhas derramavam-se num sofá, estafadas e quietas, frente ao televisor. E, julgo, que começaram a crescer e amadurecer muito mais devagar.
Suspeito, embora possa estar a ser injusto, que alguns pais procuravam que os filhos os não incomodassem demasiado. Mas, mesmo que de boa-fé, perdeu-se muito desse diálogo intergeracional que contribuía, mesmo que não fosse seguido, de imediato, pelos mais novos, perdeu-se - repito - essa transmissão de experiência, fundamental para o amadurecimento e compreensão da vida.
Pode haver hoje, realmente, mais competência tecnológica e mais destreza física nos infantes. Mas a alforria chega mais tarde e a infantilização - parece-me - vai mais longe.

17 comentários:

  1. Concordo inteiramente. Vivi a minha infância nos anos setenta, com muita liberdade para brincar na rua com as crianças vizinhas, e também com muito contacto com os mais velhos, com os quais aprendi imenso. Considero-me uma felizarda, por isso. E, parece-me que foi a "'última leva" que viveu a infância assim. Partilho, por isso, da sua opinião relativamente aqueles que já viveram a infância nos anos 80. E que isso os infantilizou. Muitas vezes, noto certos comportamentos nos actuais trintões que associo muito aos adolescentes: a busca da aprovação permanente, uma certa falta de limites nas questões que colocam ainda mal conheceram os interlocutores, uma obsessão por tecnologias e por tudo o que é novo, um forte individualismo e uma forte uniformização de pensamento. Claro que há excepções, e a minha experiência vale o que vale, mas é o que noto.
    Continuação de bom fim-de-semana. :-)

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    1. É bom saber que não sou o único a pensar assim.
      As brincadeiras de rua (tão memoráveis), pelo menos nas grandes cidades, acabaram. E os horizontes cerraram-se em pequenos espaços que vão do olhar ao écran ou telemóvel.
      Incomoda-me sobretudo o dogmatismo sobranceiro (muitas vezes, indício de fragilidades várias) de algumas gerações, onde nunca se instala a dúvida metódica e saudável de poder pensar que o outro pode ter razão. Sinal de tempos autocráticos e mentes excessivamente especializadas, mas pouco abertas ao mundo real.
      Um bom domingo, para si.

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  2. Concordo!
    Hoje as crianças quando deviam ter espaço para poder brincar e inventar livremente, passam demasiadas horas na escola e têm demasiadas disciplinas (falo do 1ºciclo - escola primária).

    Boa noite!

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    1. Não estou muito a par dos programas, mas é bem possível que sejam excessivos, como a Isabel refere. Mas também acho que do pouco tempo livre se tira pouco, ou nenhum partido lúdico.
      Boa noite!

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  3. Acho que cada geração é diferente e marca o seu tempo da maneira que acha mais criativa. Muitas coisas mudaram, as mulheres trabalham desde cedo, gostam muito dos seus filhos e querem vê-los livres da obesidade e dos péssimos programas da TV. Nas escolas o ensino não é activo nem interessante, culpa das máquinas pesadas e programas do Ministério da Educação.
    Somos um grão de areia face a tanta coisa que desejava-mos melhorar. Mas não podemos ficar a comparar gerações. Há tanta coisa positiva, orgulho-me dos meus netos e filhos. Orgulho-me da democratização do ensino, dos idosos terem reformas e serem apoiados em termos de saúde e da qualidade de vida de tantas pessoas que lutaram por ela. Na minha visão o futuro vai ter um final feliz. Eu dei o meu pequeníssimo contributo e vou-me desligando com serenidade da vida, com um sorriso de alegria. A saúde também depende de nós e dos nossos pensamentos, tudo está certo e serve a nossa sabedoria. Prefiro olhar para a luz.

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    1. Uma moeda tem sempre duas faces, um facto pode sempre ser visto sob ângulos diversos e perspectivas.
      Mas gostaria de lembrar-lhe, por exemplo, que nunca houve tantas crianças obesas no mundo (dito civilizado), nunca, como hoje, o ambiente foi tão mal tratado (apesar dos programas das escolas, para as crianças, sobre o tema), o abismo entre pobres e ricos cresceu, progressiva e cruelmente, nestas duas últimas décadas.
      É por isto e por muitas outras coisas - que não refiro - que não posso ter uma visão idílica do presente. Nem do futuro.

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  4. Peço desculpa de interferir neste último diálogo, mas a mim, que sou optimista, parece-me que estamos a regredir, precisamente porque houve nas últimas décadas uma abertura, um facilitismo e uma desresponsabilização, que formou pessoas pouco preparadas para enfrentar dificuldades e até, muito egoístas. (muitos dos que hoje nos governam vêm daí)
    Se virmos bem, a democratização do ensino, foi uma coisa boa, mas trouxe também o facilitismo que se conhece, as reformas dos idosos, foi uma boa medida, mas será que vai continuar? Nós (eu, que já me reformaria no próximo ano e que vou ter que trabalhar até nem sei quando) vamos ter alguma reforma? A saúde está pelas ruas da amargura...as desigualdades sociais acentuam-se a olhos vistos, os jovens estão sem futuro...(também me orgulho dos meus sobrinhos, que tiraram os seus cursos direitinhos, com responsabilidade e que agora se vêem com trabalhos precários, ou sem trabalho)
    Por muito optimista que se seja, não podemos fechar os olhos à realidade. Alguma coisa vai ter que mudar, mas vai ser a que preço?
    Enfim, oxalá esteja enganada...
    Bom domingo!

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  5. Pela minha parte, Isabel, não posso deixar de agradecer a sua intervenção e contributo, que sei ser sincero, real e fundamentado na sua própria experiência profissional e familiar.
    O facto de eu ver as situações negativas, não me condena ao pessimismo, embora o meu optimismo pela Vida (humana) se tenha abalado bastante, e diminuído, nos últimos tempos.
    Votos, também, de um bom domingo, para si.

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  6. Concordo com o que diz, mas tb temos de ver que 'no nosso tempo', a maioria das mulheres não trabalhava e estava em casa para receber os filhos quando chegavam da escola ou, mas pequenos, iam pô-los e buscá-los à escola.
    Acho que muito dessas inscrições frenéticas em aulas de desporto, etc, tem a ver com a impossibilidade dos pais estarem em casa quando os filhos saem da escola.
    Por outro lado, hoje é um perigo um miúdo brincar na rua e, em Lisboa, os miúdos da área de residência quase que não se conhecem porque andam em escolas diferentes e não podem brincar juntos na rua.
    De qualquer modo, parece-me que os atuais pais se preocupam mais em sair com os filhos do que acontecia quando a minha filha era miúda. Muitos miúdos passavam os fins de semana em casa, quase que não saíam.E talvez po terem passado por essa experiência parece-me que hoje passeiem mais com os filhos.

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    1. Tomei boa nota, MR, das questões que levanta e dos exemplos que refere. Concordo que, em boa parte, há causas na vida dos nossos dias que prejudicam muito o conv´vio desejável pais/filhos. Bem como a inexistência de contactos humanos na mesma rua, no próprio prédio que habitamos...
      Mas também há muitas situações que observo, quase todos os dias, que não têm desculpa, nem justificação plausível.

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  7. Está cientificamente comprovado que o optimismo e a auto-eficácia melhoram a nossa saúde física, mental, social. Precisamos de saúde para ir trabalhando os equilíbrios necessários que ainda estão ao nosso alcance. O pessimismo só pode piorar tudo.
    Vivemos hoje a uma escala global por isso acho muito bem que os jovens adquiram experiências à dimensão global. Os nossos filhos terão que ser mais argutos a perceber as novas oportunidades de mercado, globais, e tornarem-se mais empreendedores. Para ter sucesso hoje é absolutamente necessário ser criativo. Compete aos professores e pais fomentarem um ensino para jovens criadores e não repetidores. O sucesso dos jovens depende muito do auto-conhecimento das suas potencialidades e da autoconfiança com que forem educados. Alguém me disse um dia: é necessário aceitar e transformar.

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    1. Através de alguns pontos (alheios) de comentários, parece-me ter havido um desvio ou deriva em relação à intenção inicial do meu poste.
      Centrando a questão, importou-me destacar: 1) a dicotomia lazer/ ou excessivo tempo ocupado, nas crianças; 2) pouco diálogo intergeracional, no presente e passado recente; 3) maturidade mais tardia das últimas gerações.
      Dito isto, penso que o optimismo não é um estado de espírito que se possa adoptar, como quem veste um casaco. Mas ele decorre, sempre, bem como o pessimismo, de uma avaliação, o mais possível objectiva, que se possa fazer da realidade que nos rodeia.

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    2. APS,
      Mas eu estou de acordo com o essencial do que diz, principalmente com o prantarem as crianças frente à tv.

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    3. Muitas, realmente, depois de um dia de "trabalho", só lhes resta atirar a toalha para o chão, quando chegam a casa, como nos combates de boxe..:-))

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  8. Como percebo pouco deste «Responder», respondi no sítio errado. :)

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