segunda-feira, 9 de abril de 2012

Poesia para ler e poesia para dizer


É óbvio que existe uma enorme diferença e "modo de usar" entre a poesia de Herberto Helder e os poemas de Ary dos Santos, para referir exemplos claros e extremos. Não pretendo fazer um juízo de valor e qualidade, neste caso, mas não tenho a menor dúvida que os versos de Ary dos Santos ganham uma mais valia ao serem (bem) ditos; e que os poemas de Herberto Helder devem, sobretudo, ser lidos em silêncio para melhor serem entendidos. Mas, em relação à poesia, há muita gente que tem opinião diferente da minha. Vou traduzir e dar voz a Basil Bunting (1900-1985), poeta inglês, que, em contraditório por vários aspectos, defende, num texto de 1966, o seguinte:
"A poesia, como a música, é feita para ser entendida. Ela é feita de sons, curtos ou longos, de ritmos, pesados ou ligeiros, de relações tonais entre as vogais, de relações entre as consoantes, análogas à cor instrumental da música. A poesia morre sobre a página desde que uma voz não a desperte, assim como a música que, na pauta, não representa nada senão instruções para os músicos. Um bom músico pode imaginar um som, em certa medida, e um bom leitor pode tentar entender mentalmente as palavras impressas que os seus olhos lêem: mas nem um nem outro ficarão satisfeitos antes dos seus ouvidos escutarem o som real produzido no ar. A poesia deve ser lida em voz alta. ..."

4 comentários:

  1. Concordo com Basil Bunting, embora na maioria das vezes não pratique.
    Há poemas que ficaram para sempre ligados a vozes, como: «Olha, Daisy» de Pessoa, na voz de Sinde Filipe; e «Xácara das bruxas dançando» de Carlos de Oliveira, na voz de Maria Barroso. Sempre que os leio tenho uma ressonância na minha cabeça. Mas há mais. :)

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  2. Óptimo que tenha geminado: já lá fui, já comentei.
    Este excerto pequeno de Basil Bunting pertence a um texto maior (cerca de página e meia), MR, e está solidamente fundamentado, sendo difícil contraditá-lo, senão com exemplos práticos ou poemas concretos. Do ponto de vista abstracto e teórico, a tese de Bunting é praticamente inatacável.
    Mas continuo a pensar, convictamente, que há poemas que "se recusam a ser ditos" ou nada ganham com isso (H. Helder, reitero) e pedem antes uma leitura solitária, para uma compreensão mais profunda.
    De Régio, o "Cântico Negro" continua a ser, para mim, a versão "sonora" de Villaret, como muito do Pessoa e heterónimos. Toda a poesia vibrante (Junqueiro, por ex.) ganha em ser dita, mas em poemas de complexa construção ou mais intimistas, e de longo folego (Saint-John Perse), excessivamente barrocos e metafóricos (H. H., de novo), prefiro uma leitura silenciosa e solitária para melhor os entender.
    Haveria muito mais a dizer...

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