Em aditamento ao poste anterior, em que refiro duas obras de Picasso, retratando Nusch Éluard (1906-1946) e Marie-Thérese Walter (1909-1977), duas das várias musas do pintor espanhol, não queria deixar de partilhar esses dois belíssimos retratos. E também deixá-los em arquivo do Arpose. Por bem e para de futuro.
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
Instantâneos dos subúrbios
Pergunto-me o percurso que terá feito esta moeda de 2 euros, da Eslováquia, que me apareceu no porta-moedas. Turista que cá a deixou ou português que de lá a trouxe?
Mas, antes, a vizinha-condómina que teve de declinar a minha boleia no elevador, porque o seu gato felpudo e doméstico se empenhava teimosamente em a acompanhar à rua. E ela não queria.
Na manhã soalheira, levo ainda a memória da agonia de Sartre contada pela Simone de Beauvoir, da leitura da véspera (La cérémonie des adieux), acompanhada por 2 ou 3 retratos de Picasso que vi (Nusch Éluard e Marie-Thérèse Walter), maravilhosos.
A dois passos da tabacaria onde vou comprar o jornal, na esplanada dum café, um pré-adolescente mascarado ensaia uma pindérica dança da chuva para marcar o Halloween. Só nos faltava mais esta: já da Escola se começam a ouvir os gritos estridentes das criancinhas. Mais a música barata, que se espalha no ar, de mais uma festa apátrida de buliçosos carneirinhos.
Viva o Internacionalismo popular!
(Se ao menos pedissem pão por Deus, estas criaturinhas desnaturadas...)
Viva o Internacionalismo popular!
(Se ao menos pedissem pão por Deus, estas criaturinhas desnaturadas...)
Um poema de Fernando Echevarría (1929)
que invisibiliza o tempo.
E acolhe, no entanto,
todo o visível concreto
para o devolver abstracto
do real. E mais objecto.
Porque, mundo enfim, e estado
de terra e conhecimento,
é anterior a o pensarmos
e só depois tema. Aberto
ao invisível trabalho
que se obstina. Toma alento
e vai subindo. Até o espaço
da inteligência e do tempo
se volverem num só alto
país de conhecimento.
Categorias e Outras Paisagens (2013).
domingo, 30 de outubro de 2016
Uma fotografia, de vez em quando (88)
Nascido em Munique, o fotógrafo Thomas Hoepker (1936) vive presentemente em Nova Iorque. Colaborador da revista alemã Stern, foi também presidente da Agência Magnum de 2003 a 2006. Testemunhou a destruição das Torres Gémeas, no 11 de Setembro, através de instantâneos muito singulares.
sábado, 29 de outubro de 2016
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Da leitura (18)
Este Verão sediço transfigurado pelo concreto Outono abafado em temperaturas mornas, com tardes estufadas e amenas, permitiu-me regressar à varanda e acabar, ao ar livre e em duas tardes, a Histoire d'une Jeunesse - La Langue Sauvée, de Elias Canetti (1905-1994), livro que já levava uns bem abonados vinte dias de leitura, embora intermitentes. Lido por inteiro, apesar da luz exterior se ausentar por volta das 19h00, impiedosamente.
Eu creio que uma leitura pode assumir duas formas: ou nos enfronhámos no enredo, em osmose submissa, ou ficámos de fora do tema e o apreciámos à distância. As mais das vezes fiquei de fora, na leitura, até porque o livro é irregular, na qualidade e no ritmo. Embora nos transmita, claramente, a personalidade do autor, pelo menos, enquanto jovem.
Da búlgara comunidade sefardita castelhana que, na intimidade familiar e 400 anos depois do êxodo, mantinha ainda o espanhol como língua de comunicação doméstica; da transumância constante dos primeiros 15 anos de vida de Canetti, entre a Bulgária, a Áustria, a Alemanha, a Inglaterra, a Suíça e de novo a Alemanha, que de algum modo justifica essa Langue Sauvée do título; até aos arroubos e afectos infantis de veemência agressiva, passando pelo bélico diálogo final com a mãe, que prenuncia a independência do futuro adulto, na obra vem prefigurado todo o perfil comum de uma progressiva autonomia e maturidade, humana e natural.
Se vale a pena ler o livro? Eu diria que sim.
A par e passo 177
Assim coexistem em muitos espíritos quer a curiosidade quer a esperança, que muitas vezes nos surpreendem. O racional e o irracional combinam-se de forma bizarra. Homens como Leibniz ou Bayle podem parecer-nos excessivamente ricos em inquietações muito diversas; e a associação no mesmo Newton da interpretação do Apocalipse (através de hipóteses sobre a astronomia dos Argonautas), em simultâneo com a invenção do cálculo das fluxões e da teoria da atracção universal, acaba por nos desconcertar. Mas o seu século abunda em pesquisas sobre todas as vias, e a paixão do rigor, o culto da observação e da experiência não descartam as tentações e seduções que também lhe propõem as doutrinas e as práticas misteriosamente transmitidas pela tradição.
Paul Valéry, in Variété V (pg. 265).
quinta-feira, 27 de outubro de 2016
Citações CCCI
Dorothy Parker (1893-1967), in Ballad of Unfortunate Mammals.
Idiotismos 38
Essa história que colhi de António Thomaz Pires, da obra já por aqui anteriormente citada, tem a sua graça algo insólita. A expressão idiomática, que dela resultou, é a ver em que param as modas e a sua origem virá duma anedota sobre um louco que andava nu pela rua, justificando-se junto das pessoas com o facto de que pretendia ver em que ficavam as modas, até resolver vestir-se...
Quanto ao idiotismo levar uma sarabanda, reporta-se a uma dança espanhola de ritmo animado e muito praticada nos finais do séc. XVI. Pode ver-se a sua execução no vídeo que encima este poste.
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Colagem comparativa
Tudo está
eternamente
escrito
(Spinosa)
Tudo está
eternamente
em Quito
(Uma Rosa)
Mário Cesariny
As capas de livros, em imagem, foram produzidas por 2 editoras (respectiva e cronologicamente, Editorial Inquérito e Alfaguara), com um intervalo de cerca de 70 anos, entre si.
terça-feira, 25 de outubro de 2016
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
Das minhas "Collected Short Stories" (I)
1.
Completamente careca aos 30 anos, e com um olho de vidro mas, ao contrário de Bowie, exactamente da mesma cor do natural, para não dar nas vistas.
Completamente careca aos 30 anos, e com um olho de vidro mas, ao contrário de Bowie, exactamente da mesma cor do natural, para não dar nas vistas.
Por razões de prudência e método, o senhor X usava GPS sempre que saía à rua.
2.
Os meus sobrinhos foram longe!... - soprou-me, ufano, o Inácio, enquanto eu desarrincava, com dificuldade, o bilhete da máquina. E acrescentou: O mais velho até chegou a Belém!
Confuso, perguntei-lhe: Palestina?
Volveu-me o Inácio: Não, Palácio. É Secretário-Geral!
3.
Poderá haver o monólogo operático, ou o silêncio confortável do sofá macio e doméstico. Nos anos finais. Haverá sempre uma dor, mesmo que pequena, por companhia. Moinha cruel de quem viveu demais ou se estendeu para além das suas posses...
Os menos distraídos dirão, ao ler o obituário jornalístico: Então o gajo ainda estava vivo?!...
Em memória de Mário-Henrique Leiria (1923-1980), humildemente.
2.
Os meus sobrinhos foram longe!... - soprou-me, ufano, o Inácio, enquanto eu desarrincava, com dificuldade, o bilhete da máquina. E acrescentou: O mais velho até chegou a Belém!
Confuso, perguntei-lhe: Palestina?
Volveu-me o Inácio: Não, Palácio. É Secretário-Geral!
3.
Poderá haver o monólogo operático, ou o silêncio confortável do sofá macio e doméstico. Nos anos finais. Haverá sempre uma dor, mesmo que pequena, por companhia. Moinha cruel de quem viveu demais ou se estendeu para além das suas posses...
Os menos distraídos dirão, ao ler o obituário jornalístico: Então o gajo ainda estava vivo?!...
Em memória de Mário-Henrique Leiria (1923-1980), humildemente.
domingo, 23 de outubro de 2016
Ofícios em extinção, bis
Especialmente para uma das nossas leitoras muito atenta, o livro que irá gostar de ver e, quiçá, ter. Ele ainda se encontra à venda, assim como, da mesma colecção, o livro dedicado à encadernação.
Post de HMJ, dedicado a Isabel
Filatelia CXVI
Coleccionar pode ser uma actividade mais ou menos passiva de juntar itens ou pode ser acrescida do estudo e investigação desses objectos coleccionados. Os prelúdios ou períodos iniciais de uma actividade rodeiam-se, também, de maior interesse pelos desconhecimentos que, muitas vezes, lhe estão associados. Daí que o período clássico da filatelia (grosso modo, até 1900) mereça e tenha tido estudos de maior profundidade por parte dos coleccionadores. Portugal não escapa nem ao interesse nem à regra.
Em 2007, encontrei à venda, na E-bay, o lote acima em imagem, composto por selos clássicos portugueses, aparentemente em bom estado. O penúltimo selo (do lado direito) da última fila apresentava, no entanto, um carimbo intrigante.
Em 2007, encontrei à venda, na E-bay, o lote acima em imagem, composto por selos clássicos portugueses, aparentemente em bom estado. O penúltimo selo (do lado direito) da última fila apresentava, no entanto, um carimbo intrigante.
Destes carimbos circulares de pontos, que tiveram curso entre 1853 e 1869, são conhecidos apenas os de Lisboa (1), 7 (Alhandra), 52 (Porto) e 74 (Santo Tirso). O carimbo 12, que corresponderia a Azambuja, não se encontrava registado em nenhum catálogo na minha posse, nem nunca tinha ouvido falar dele.
Licitei, por isso, o lote em que se encontrava este selo de D. Luís (emissão de 1862-64), de 100 réis, lilás, (nº 18, nos catálogos de Portugal) com o insólito carimbo 12. E o lote foi-me atribuído - não foi caro, sequer.
Depois de muita consulta e investigação por livros e artigos da especialidade, consegui chegar a uma hipótese de explicação através de Selos Clássicos de Relevo de Portugal (1983), de Armando Mário O. Vieira (pg. 356). O selo de D. Luís, com o carimbo 12, tratar-se-ia de uma reimpressão de 1928, com carimbo falsificado.
Uma pergunta, no entanto, ficou-me a pairar no ar: que pretenderia o falsificador? Se tivermos em linha de conta que a reimpressão de 1928 é a mais rara e mais cara (230 euros, valor de catálogo), enquanto um exemplar usado do selo de 100 réis valerá apenas 165 euros, pelo catálogo em vigor. Mistérios!?...
Licitei, por isso, o lote em que se encontrava este selo de D. Luís (emissão de 1862-64), de 100 réis, lilás, (nº 18, nos catálogos de Portugal) com o insólito carimbo 12. E o lote foi-me atribuído - não foi caro, sequer.
Depois de muita consulta e investigação por livros e artigos da especialidade, consegui chegar a uma hipótese de explicação através de Selos Clássicos de Relevo de Portugal (1983), de Armando Mário O. Vieira (pg. 356). O selo de D. Luís, com o carimbo 12, tratar-se-ia de uma reimpressão de 1928, com carimbo falsificado.
Uma pergunta, no entanto, ficou-me a pairar no ar: que pretenderia o falsificador? Se tivermos em linha de conta que a reimpressão de 1928 é a mais rara e mais cara (230 euros, valor de catálogo), enquanto um exemplar usado do selo de 100 réis valerá apenas 165 euros, pelo catálogo em vigor. Mistérios!?...
sábado, 22 de outubro de 2016
Da janela do aposento 64: Ofícios em extinção
A forte herança genética sempre
contribuiu para admirar e, até, pretender exercer um ofício. No entanto, o
desejo não tivera apoio materno pelas escolhas por ofícios pouco recomendáveis
a meninas, porque o marceneiro da família era o tio, homem, portanto. O
objectivo final seria uma carreira de arquitectura de interiores, mas, sem a
aprendizagem do ofício, nada feito.
Ficou, todavia, a observação
permanente da composição manual que deixou memórias inesquecíveis e, mais
tarde, ajudou na escolha de um curso livre de encadernação. Assim, da
composição até à conclusão do ciclo do livro, fechando-o no invólucro que o
segura e protege, temos todo um conjunto de ofício e saberes que se encontram em
vias de extinção.
Recentemente, tive o enorme
prazer em assistir, durante vários dias, ao restauro de um livro antigo. Deixo
em imagem a encadernação, no seu estado antes da intervenção. Para além dos
ensinamentos, reencontrei uma “alma gémea”, pois o mestre encadernador que lhe
tinha transmitido os saberes fora, afinal, também o meu.
Durante todo o percurso de
trabalho, e não encontrando à minha volta gente nova a aprender a arte,
perguntava-me até quando haverá obreiros dedicados nestes ofícios em vias de
extinção.
Post de HMJ, dedicado ao Mestre
Mourão
Citações CCC
Alan Bennett (1934), in The Lady in the Van (1990).
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
Do último Cohen
Raros são os artistas que, depois dos oitenta anos, conseguem produzir obra de alta qualidade. Estou a lembrar-me de Herberto Helder. E de Leonard Cohen...
E em jeito de bónus, aqui fica, traduzido, um pequeno excerto da última carta que LC enviou a Marianne, pouco antes dela morrer:
Chegou o tempo em que somos verdadeiramente velhos e os nossos corpos se partem aos bocados, e eu creio que te vou seguir em breve. Mas fica a saber que estou próximo de ti, que te estendo a minha mão e que tu podes tocar a minha.
Mercearias Finas 116
Terei de concluir, à falta de melhores provas, que o ano de 1955 terá dado algumas boas colheitas, nalgumas das regiões vinícolas portuguesas. Sabia-se, na altura e à boca pequena, que as Garrafeiras da CRF, emblemática e excelente marca de vinhos da época, eram feitas com uvas do Ribatejo ou, então, do Douro, consoante a Natureza tivesse privilegiado mais uma ou a outra região demarcada. A empresa nunca se descaiu em atribuí-las talvez porque, como se diz, "o segredo é a alma do negócio". Registem-se os anos afortunados de: 1949, 1955, 1970, 1978, 1980, 1983, 1988 e 1990, pelo menos. De 49 registo uma abertura frutuosa, pelo Natal de 1979, para acompanhar um queijo da Serra. Memorável!
Do Ribalta, que C. Vinhas engarrafava com proficiente desvelo, também provei algumas colheitas notáveis, que o Restaurante Paris (na Baixa de Lisboa) também acolhia, orgulhosamente, na sua Carta de Vinhos. E Fonseca e Costa, que lá ia por vezes, deve ter provado o néctar... Fechou o Restaurante e não faço ideia para onde foram essas preciosidades. Mas deixemos o Ribalta, neste caso de 1966, mas estagiado 10 anos e engarrafado em 1978, com 85.407 garrafas produzidas, de que a minha tem o nº 27.681, e me custou Esc. 20$50, há muito, deixemos - repito - para outro dia.
Hoje, venho só para dar conta e registo que a Garrafeira CRF de 1955, depois do vinho decantado e repousado, nos seus 61 anos bem cumpridos, estava magnífico. Em tempo, foi o vinho mais velho que bebemos, HMJ e eu, e o aprovámos como um verdadeiro milagre da Natureza, de longevidade e dos distintos enólogos da Carvalho, Ribeiro & Ferreira.
Mais tarde
Quanto ao Ribalta - e chegou o outro dia, porque o poste se foi fazendo aos poucos - na sua acobreada cor taurina e ribatejana, morreu às mãos de uma rica sande de presunto, num lanche ajantarado, com todos os matadores, de uma festa brava de feição. E, como ficou um resto, talvez ainda acompanhe umas migas com carne de alguidar... Porque, duplamente, chega para elas, amanhã.
Do Ribalta, que C. Vinhas engarrafava com proficiente desvelo, também provei algumas colheitas notáveis, que o Restaurante Paris (na Baixa de Lisboa) também acolhia, orgulhosamente, na sua Carta de Vinhos. E Fonseca e Costa, que lá ia por vezes, deve ter provado o néctar... Fechou o Restaurante e não faço ideia para onde foram essas preciosidades. Mas deixemos o Ribalta, neste caso de 1966, mas estagiado 10 anos e engarrafado em 1978, com 85.407 garrafas produzidas, de que a minha tem o nº 27.681, e me custou Esc. 20$50, há muito, deixemos - repito - para outro dia.
Hoje, venho só para dar conta e registo que a Garrafeira CRF de 1955, depois do vinho decantado e repousado, nos seus 61 anos bem cumpridos, estava magnífico. Em tempo, foi o vinho mais velho que bebemos, HMJ e eu, e o aprovámos como um verdadeiro milagre da Natureza, de longevidade e dos distintos enólogos da Carvalho, Ribeiro & Ferreira.
Mais tarde
Quanto ao Ribalta - e chegou o outro dia, porque o poste se foi fazendo aos poucos - na sua acobreada cor taurina e ribatejana, morreu às mãos de uma rica sande de presunto, num lanche ajantarado, com todos os matadores, de uma festa brava de feição. E, como ficou um resto, talvez ainda acompanhe umas migas com carne de alguidar... Porque, duplamente, chega para elas, amanhã.
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
Do que fui lendo por aí...
García Márquez é considerado universalmente como o pai, e Borges como o avô, do «realismo mágico» - uma moda que incorpora elementos fantásticos por entre cenários fastidiosamente detalhados, concedendo a ambos exactamente o mesmo tipo de atenção.
Edmund Gordon, in Harsh lights and hard edges (TLS nº 5923).
Adagiário CCLXI
(Provérbio polaco)
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
O grau
Quem não sabe da poda, não a ensina, antes procura aprendê-la de quem saiba ou se procura informar. Mais ainda se tiver duas oliveiras a seu cargo, sejam elas de quintal ou de varanda. E mais vale estar calado, até saber alguma coisa sobre o assunto.
Não lembraria ao diabo, e muito menos a mim estabelecer paralelos entre a obra de Braudel e as fantasias históricas de Hermano Saraiva. Ou comparar os versos de Robert Zimmerman e a poesia de René Char. Quanto à poesia experimental e visual, brasileira ou nacional, é outro assunto. Tenho opinião, não muito favorável, mas acompanhei os seus desenvolvimentos, na altura.
Mas também não censuro a sua prática ou excluo a sua aparição aqui pelo Blogue. Porque, no fundo, é tudo uma questão de qualidade ou grau. Sentir, sinta quem lê, como dizia Pessoa.
terça-feira, 18 de outubro de 2016
Uma capa simples e genial
A capa do penúltimo TLS (nº 5923) é das mais conseguidas de que me lembro.
Ilustra a temática How the brain decides, e deverá ser vista em 2 posições diferentes.
Parece-me não precisar de mais legendas explicativas...
Um dito norte-americano
(Confiamos em Deus; mas todos os outros têm de pagar em dinheiro.)
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Pinacoteca Pessoal 117
Nascido em Gand, a 2 de Agosto de 1881, o pintor flamengo Gustave van de Woestijne veio a falecer em Abril de 1947, também na Bélgica. A sua obra é como que uma ponte entre o simbolismo e o expressionismo europeu. Mas são raras as suas obras que excluem a figura humana. A sua pintura, que não deixa de incorporar reminiscências dos antigos mestres flamengos, terá influenciado Delvaux e Magritte, segundo alguns críticos de Arte.
domingo, 16 de outubro de 2016
G. K. Chesterton e o turismo de massas
Seria muito interessante saber exactamente a razão por que uma pessoa inteligente - quero eu dizer, com qualquer tipo de inteligência - pode e deve frequentar paisagens e vistas turísticas. Imagine-se um grande autocarro aberto, cheio de turistas, dirigindo-se para o local do nascimento de Nelson ou para o sítio onde morreu Simon de Montfort - ambas as perspectivas me provocam calafrios na alma. E eu até poderia pormenorizar facilmente as razões da minha aversão por este tipo de turistas e pelas suas antiguidades - pelo menos, do meu ponto de vista. (...)
G. K. Chesterton (1874-1936), in Travel.
sábado, 15 de outubro de 2016
sexta-feira, 14 de outubro de 2016
Alguns números
Os dados foram colhidos em L'Obs (nº 2709). Só me surpreende o facto de não se falar com dramatismo trágico na dívida japonesa, cuja percentagem em relação ao PIB é praticamente o dobro da dívida portuguesa. Talvez questão de temperamento ou, como dizia o outro: "...a dívida é para se ir gerindo..."
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
Retro (89)
Em 1953, a Esposa de Winston Churchill recebe, em nome dele, o prémio Nobel da Literatura. As democracias (ou Academias) nórdicas sempre tiveram uma forma gentil de se expressarem...
Curiosidades 59
De Beethoven, quase toda a gente saberá da sua surdez, do seu mau feitio, das suas 9 sinfonias.
Mas provavelmente desconhecerá que, no seu espólio-arquivo existem mais cinquenta sinfonias inacabadas, num total de cerca de 600 obras musicais incompletas. Poucos saberão que a Elisa da sua "Für Elise", se chamava Teresa. Que Beethoven era grande apreciador de vinho e café, e exigia que, para o seu café, fossem usados exactamente 40 grãos do mesmo, nem mais nem menos. Que a surdez deu os primeiros sinais tinha Beethoven 27 anos (1797) e se deveu a uma otosclerose (ossificação das cartilagens do ouvido interno). Finalmente, L'Obs informa-me que os compositores favoritos de Beethoven eram Bach, Haendel, Mozart e Haydn.
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
Divagações 117
Nesta manhã chocha e cinzenta, depois de lido o jornal, a dificuldade é encontrar alguma coisa que me prenda à leitura, como entretém salvífico.
Olho as pintalgadas janelas da chuva recente, a praça molhada e deserta, a rua onde vultos fugitivos se apressam em direcção a casa. Não há por aqui razões transcendentes...
A natureza fragmentária dos Cahiers, de E. M. Cioran (1911-1995), ajusta-se temporariamente a este tempo sem tempo, inconsequente de atitudes, desanimador e sonolento:
...Um livro deve ser escrito em estado febril. De outro modo, ele não será contagioso...
terça-feira, 11 de outubro de 2016
A par e passo 176
Seguro de existir, Descartes acredita supor que não há outra certeza. Mas há muitas outras, desde que ele comece a meditar. Ele julga, inovador como é, que deve manter a atitude, tradicional em metafísica, duma dúvida universal que está ligada à vontade, quer ao início, quer à saída de tudo aquilo que se pensa. E isto é uma atitude profissional. Ei-lo, no entanto, a braços com um problema sério. A experiência do sonho, os erros da percepção, as ilusões do tacto e do olhar, as alucinações de tipo diverso, engendraram desde tempos imemoriais, esta questão teórica - tão positivamente teórica que se poderá perguntar, à parte, se ela não será puramente verbal.
Paul Valéry, in Variété V (pg. 234).
segunda-feira, 10 de outubro de 2016
Stephen Spender (1909-1995)
My Parents
Os meus pais protegeram-me das crianças que eram rudes,
que lançavam palavras como pedras e que usavam calças rotas,
deixando ver as pernas p'los remendos. Elas corriam pelas ruas
e subiam os penhascos, como nadavam nuas pelas correntes.
Eu receava mais que os tigres os seus músculos rijos como aço,
suas mãos poderosas, os seus joelhos pisando os meus braços,
como temia que me apontassem a dedo pelas ruas
arremedando cruelmente o meu falar baixinho.
Porque elas eram flexíveis e saltavam sobre as sebes
como cães a ladrar contra o nosso mundo. Atiravam-me lama
e eu olhava para o outro lado, fingindo sorrir. Demorei
muito tempo a perdoar-lhes, mas nem assim elas me sorriram.
Os meus pais protegeram-me das crianças que eram rudes,
que lançavam palavras como pedras e que usavam calças rotas,
deixando ver as pernas p'los remendos. Elas corriam pelas ruas
e subiam os penhascos, como nadavam nuas pelas correntes.
Eu receava mais que os tigres os seus músculos rijos como aço,
suas mãos poderosas, os seus joelhos pisando os meus braços,
como temia que me apontassem a dedo pelas ruas
arremedando cruelmente o meu falar baixinho.
Porque elas eram flexíveis e saltavam sobre as sebes
como cães a ladrar contra o nosso mundo. Atiravam-me lama
e eu olhava para o outro lado, fingindo sorrir. Demorei
muito tempo a perdoar-lhes, mas nem assim elas me sorriram.
sábado, 8 de outubro de 2016
Bibliofilia 147
Palavras e nomes há que servem uma geração ou duas, e depois desaparecem para sempre, ou porque a necessidade do seu uso já não se faz sentir. ou porque a história que lhes deu origem deixou de ter interesse ou foi esquecida. Vemos assim expressões estranhas em textos de Gil Vicente, Francisco Manuel de Melo ou até mais perto de nós, em poemas de Tolentino, de que não sabemos o exacto significado. Alinhemos alguns mistérios:
1. Saiu-lhe o gado mosqueiro.
2. Andar à bambalhona.
3. À Chomberga.
4. Não ter onde embrulhar cinco réis de cominhos.
5. Fala francês como uma vaca espanhola.
Pois estas 5 e muitas outras mais expressões curiosas encontram-se explicadas, convenientemente, em Origem de varias locuções, adagios, anexins, etc. (Elvas, 1928), de António Thomaz Pires (1850-1913), pequeno volume que, lindamente encadernado, adquiri recentemente e por bom preço. Valeu bem a pena, pois tenho aprendido muita coisa, por ele.
Vincenzo Bellini / Sonya Yoncheva
Uma promissora cantora búlgara, Sonya Yoncheva, das poucas mulheres desta nacionalidade que não concorreram a cargos directivos da O. N. U.. Numa das mais conhecidas e ouvidas árias da "Norma" de Bellini.
Da leitura (17)
É frequente, ao lermos memórias de infância e juventude de um escritor, encontrarmos ressonâncias das nossas próprias recordações dos primeiros anos de vida. Das provas de lealdade, das traições e das mentiras, dos amores ingénuos mas fiéis, das amizades sinceras e fortíssimas, das impressões indeléveis e sentidas. Mas também de cheiros originais ou de atmosferas que, de tão intensos e singulares, dificilmente conseguiremos traduzir por palavras.
Ora, há um cheiro a fumo abafado e denso, que me vem de 1951, quando uma noite, uma boa parte do Mosteiro da Costa (em Guimarães) ardeu. Vi as labaredas da janela da sala de jantar e foi o primeiro grande incêndio a que assisti. Nunca mais o esqueci, nessas imagens trémulas e nocturnas, com sirenes de bombeiros, intermináveis, a tocar. E a grande aflição geral.
Lembrei-me disso ao ler Canetti (1905-1994), quando narra o seu primeiro fogo: "Ce spectacle que je n'ai jamais oublié..."
Quem não se lembrará, mais ou menos intensamente, do primeiro incêndio que presenciou?
Em 1977, calcorreei a parte ardida do Mosteiro de Sta. Marinha da Costa, e lá colhi amoras, porque o espaço era um matagal ou silvedo múltiplo entrelaçado e desleixado.
Fizeram, entretanto, obras cuidadosas e conformes. Hoje, há lá uma pousada - cara, mas ilustre. Quem se lembrará ainda desse monstruoso incêndio de há 65 anos. Só os séniores vimaranenses, por certo...
Lembrei-me disso ao ler Canetti (1905-1994), quando narra o seu primeiro fogo: "Ce spectacle que je n'ai jamais oublié..."
Quem não se lembrará, mais ou menos intensamente, do primeiro incêndio que presenciou?
Em 1977, calcorreei a parte ardida do Mosteiro de Sta. Marinha da Costa, e lá colhi amoras, porque o espaço era um matagal ou silvedo múltiplo entrelaçado e desleixado.
Fizeram, entretanto, obras cuidadosas e conformes. Hoje, há lá uma pousada - cara, mas ilustre. Quem se lembrará ainda desse monstruoso incêndio de há 65 anos. Só os séniores vimaranenses, por certo...
Nota: por razões técnicas informáticas não será possivel assegurar, pelo menos nos próximos dias, a regularidade e constância de postes, no Arpose.
quinta-feira, 6 de outubro de 2016
Idiotismos 37
O Dicionário de António Morais da Silva (Livros Horizonte, 1980) regista (pg. 335, vol. V) tramontana como: vento norte; estrela polar...
E António Thomaz Pires, no seu Origem de várias locuções..., já por aqui citado, refere a propósito: "Na antiga navegação, ainda no século XIII, chamava-se tramontana à estrela polar, por onde se orientavam os marinheiros" que, quando a perdiam de vista, se dizia: perdeu a tramontana.
Era uma vez...
Quando eu era pequenino e me liam, ou eu lia, histórias de fadas, habituei-me à tranquilidade do Bem sempre triunfar sobre o Mal, no fim das narrativas. E adormecia descansado. Mas depois, veio o Vincent Price, o Ed Wood, canhestro embora, Somerset Maugham, Simenon, Coetzee, o Scorcese, o Copolla e o Tarantino, o Oliveira Costa e o Salgado, que me destruiram as ilusões, quase completamente, às vezes com a complacência da própria Justiça. Representada por agentes manhosos e marotos, a maior parte das vezes, mal vestidos, ou sem gosto no trajar. Provincianos em suma, mas aparentemente impolutos na sua maneira de ser.
Porém, recentemente, alguns pequenos sinais caridosos me fizeram acreditar que os vilões (a czarina e o grão-duque, maléficos, de que falei aqui, há uns postes atrás) podem ser derrotados, e o Bem talvez possa, de novo, vir a triunfar sobre o Mal.
(Ou será que entrei definitivamente na infância da velhice, melhor dizendo, terei voltado ao princípio da ilusão inteira?)
(Ou será que entrei definitivamente na infância da velhice, melhor dizendo, terei voltado ao princípio da ilusão inteira?)
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Lembrete 34
Para quem se interessa por Enologia, mas também pelos efeitos da Globalização, recomendo, vivamente, o interessante filme Mondovino, de Jonathan Nossiter, que passa hoje na RTP2, pelas 23h38. A não perder.
A memória curta e o parolismo nacional
Deslumbramo-nos com monumentos e paisagens estrangeiros, e esquecemo-nos de ver e louvar os nossos; pomo-nos de cócoras perante acontecimentos que ocorrem lá fora, mas desvalorizamos os que por cá vão acontecendo; endeusamos os artistas de outros países mas, ingrata e parolamente, num terceiromundismo novo-rico, ignoramos os portugueses.
Mário Braga (1921-2016), nascido em Coimbra e falecido em Lisboa, no passado dia 1 de Outubro, teve alguma projecção como escritor, sobretudo de contos, nos anos 50/70, e esteve ligado ao grupo da revista Vértice. E era talvez o último sobrevivente dos neo-realistas e da geração do Novo Cancioneiro (Coimbra).
Pois, no passado domingo, 2/10/16, o meu jornal dedicava 4 ou 5 páginas a 2 escritores norte-americanos (Philip Roth e Saul Bellow). Quanto a Mário Braga e ao seu passamento, não fora o obituário - pago pela família - nada constaria.
terça-feira, 4 de outubro de 2016
Paisagem aérea
Neste recente Outono, pouco marcado, incipiente, o céu tem vindo a arrumar-se, nestes últimos dias, em azuis muito nítidos pontuados por nuvens brancas, esvoaçantes, muito sugestivas nas suas configurações fugazes: flamingos alvos e alongados, duendes fantásticos, ouriços-cacheiros voadores, barbas algodoadas de gigantes inexistentes, eu sei lá!...
Basta a cada um procurar, no recôndito da imaginação, o ponto certo sempre mutante da irrealidade.
Leilão de Outono
Anuncia-se para os próximos dias 17, 18 e 19 de Outubro, no Palácio da Independência (às Portas de Sto. Antão), mais uma almoeda de livros, manuscritos e gravuras, organizada pelo alfarrabista José Vicente.
Destaque-se uma pequena secção de livros para crianças. Eu, pela minha parte, sublinharia 4 lotes, bem como as suas estimativas de venda:
388 - Dantas, Júlio - A Ceia dos Cardeaes. Lisboa, 1902 (1ª edição) ........................ 25/50,00 euros.
863 - Melo, Francisco Manuel - Las Tres Musas del Melodino. Lisboa, 1649............200/400 euros.
1189 - Saa, Mário - As Memórias Astrológicas de Camões. Lisboa, 1940..................35/70,00 euros.
1390 - Vieira, José Augusto - O Minho Pittoresco (2 vols.). Lisboa, 1886/7...............250/500 euros.
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
Simples registo
Valeu a pena ver a coesão dos europarlamentares portugueses (Pedro Silva Pereira, Fernando Ruas, Marisa Matias e uma parlamentar do CDS), em uníssono e com argumentos legais, apelidar e comprovar, contra os carreiristas burocratas senhor Katainen e dona C. Cretu, a ilegalidade do corte dos fundos estruturais a Portugal e a Espanha, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, hoje.
Citações CCXCIX
A Educação produziu uma vasta população que é capaz de ler, mas que é incapaz de distinguir aquilo que vale a pena ler.
George Macauly Trevelyan (1876-1962), in English Social History (1942).
domingo, 2 de outubro de 2016
Mais um poema traduzido, de Eduardo Chirinos
Por estas redondezas, o Outono não é bem-vindo.
Ninguém o espera
na margem de um qualquer rio melancólico
que esconde nos seus fluxos os segredos do mundo.
Mas o Outono reina em outras latitudes:
lá longe, onde os ciclos se cumprem, obedientes, lá longe
onde envelhecem e se renovam as metáforas.
(O Sol afunda-se num charco esverdeado
onde flutua, solitária, uma folha de loureiro).
Mas hoje de tarde nem sequer choveu. As folhas
fincam-se com força férrea aos seus ramos,
heroicamente lutam contra o vento
e pela noite hão-de celebrar a derrota do Outono.
Não sabem que as folhas em queda são escritas
e a árvore um calado e seco poema sem estrias.
para quem não aprecia muito o Outono, como a Margarida, no seu "Memórias e Imagens"; e para Maria Franco, que gosta da obra do Poeta. Cordialmente, esta despretenciosa tradução.