sábado, 30 de abril de 2016

Uma fotografia, de vez em quando (81)


As fotografias antigas, mesmo que de uma antiguidade recente, têm uma espécie de autoridade sobre nós. Ou fascínio, porque as cores são outras, o ritmo das figuras é quase sempre mais tranquilo, e acabam por nos dar uma imagem fixa e precisa de um tempo que não vivemos. Para além disso, poderá haver a qualidade estética do instantâneo e a capacidade técnica do fotógrafo, mas sobre isso eu não gostaria de falar, agora...
Ainda da Lituânia, o meu amigo António teve a gentileza de me mandar, a mim que raramente lhe escrevo, um postal com uma foto de Algimantas Kuncius (1939). Sobre a praia de Palanga (em 1966) que, diz-me também o meu Amigo, é muito bonita. Pouco consegui apurar sobre o fotógrafo lituano. Mas posso imaginar que Palanga é para Kuncius aquilo que a Póvoa de Varzim é, ainda hoje, para mim. Uma espécie de oásis da infância e adolescência, que é o tempo essencial donde os sonhos e mitos costumam nascer para o resto da vida. Mesmo nos homens mais empedernidos.
Ainda sobre a foto abaixo, o António chamou-me a atenção sobre as parecenças do fumador da esquerda com o nosso anterior PR, de má memória. Era um bónus dispensável, mas aqui fica exarado, para que conste Boliqueime na etiqueta do poste...


abraço muito grato a A. de A. M..

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Comic Relief (123)

Por imposição de géneros...


agradecimentos a AVP.

As favas de Constância


Lá voltámos às favas, que vem aí o tempo delas. Dadivosas primícias de um casal amigo que as trabalham lá para os lados de Constância, terra que se arroga ao privilégio de ter acolhido Camões, em tempos de juventude e de desventura amorosa. Frescas, macias e temporãs, deram uma favada deliciosa, à mistura com uns enchidos pecaminosos de gula, mais uns bocados generosos de entrecosto, de reco luso.
Estava eu a guardar um vinho, que trouxera do Fundão, para um momento auspicioso. E isto porque era lotado com as duas castas tintas minhas preferidas: a Tinta Roriz (Aragonez) e a Jaen. Mas eu podia lá esperar, tanto tempo!?... E abri-o, para ver no que dava a companhia. Perfeita.
É um vinho capitoso, nos seus 8 anos e 14º. E não digo mais nada, porque o silêncio é de ouro e o almoço foi soberbo...

Primavera desejada


A aragem, que vem da janela aberta, ao que parece, traz saudades da estação antiga - ainda é fresca. E o azul alto ainda não é firme e decisivo, embora também não seja aquele anil anémico que os dias de Novembro, quando límpidos, sabem trazer consigo num último esforço de beleza ténue.
Nem os morangos, apesar de grandes e bonitos, pelo sabor me não lembrem os que a minha Tia Ermelinda me mandava, numa cesta, em finais de Maio, pelos anos. Tão pequeninos eles eram!... E que saborosos, entre terra e céu, divinos. Será que ainda se criam, nesse grande quintal vimarenense, da antiga rua dos Palheiros?
O desejo humano ultrapassa, por impaciência, aquilo que a Natureza pode e quer dar, muitas vezes. Mas ela nunca transige, nem abdica do seu tempo próprio, no florir.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Citações CCLXXXIV


Eu devo todo o meu sucesso, na vida, a ter chegado um quarto de hora antes do tempo.

Horatio Nelson (1758-1805).

Uso Pessoal 13


Ponto de honra e para memória futura, deixo exarado que, nestas errâncias portuguesas de Norte a Sul de Portugal, tive a sorte e o acaso de ver uma lindíssima imagem (séc. XVIII?) de Sta. Iria, na sacristia da igreja da Misericódia de Faro. Em talha dourada de fino recorte e panejamentos ondulantes, apesar de um pouco arrebicados, não desdenharia eu de tê-la, para melhor a admirar...
Não excluo imagens votivas ou os Santos, da minha convivência. Neste particular, não sou um laico puritano e ortodoxo, antes, um liberal. Vem-me de infância o gosto de tê-los por perto, ainda quando gostava de coleccionar santinhos, alguns em pergaminho, muito bonitos. Mas também pela hipótese de alguma hesitação tardia, ou dúvida final que ocorra, na hora da morte. Haverá por aqui - dirão alguns - oportunismo. É possível...
Dos domésticos, em estatuária bisonha e tosca de santeiro de província, o meu preferido é o Menino Jesus de Praga, de cabelo de poupa levantada e com o orbe em sua mão pequena. Oferecido e comprado em Esposende, por pessoa já falecida, e de minha grande estima e memória. Depois, uma Senhora das Angústias (é assim que eu lhe chamo), na sua porcelana já um pouco erodida. Estupidamente caro, comprei, há talvez quase três décadas, a um santeiro de Belmonte, grande negociante (cigano? cristão-novo?), um interessante e bem trabalhado S. Tiago em faia, a que não falta a icónica vieira e o cajado de viandante.
Finalmente, dois Cristos mutilados e crucificados, a que já faltam as cruzes. Que instalam na casa uma ponderação sofrida, mas também, com as suas chagas ensanguentadas, uma estridência anti-junqueiriana, que me lembra sempre José Régio...

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Receitas de Conservas de Peixe: Timbale



Hoje encontrei o Livro de Receitas, em Francês, dedicado às conservas de peixe, reproduzido acima. Comprei-o para uma amiga, contribuindo para a sua colecção de Livros de Culinária.

E como noutro dia falei com outra amiga, também ligada aos Livros de Receitas, sobre a receita de Timbale, que costumo fazer com restos, de peixe ou de carne, vai aqui uma outra vertente que não conhecia. Timbale de arroz.

Post de HMJ, dedicada a MR

A par e passo 165


O grande pintor Degas falou-me muitas vezes de uma observação de Mallarmé, que é muito apropriada e simples. Degas, às vezes, escrevia versos, e deixou alguns deliciosos. Mas tinha grandes dificuldades nesse trabalho acessório da sua pintura. (Aliás, ele era pessoa para pôr em qualquer arte, que praticasse, inúmeras dificuldades.) Disse ele um dia a Mallarmé: "O seu ofício é infernal. Eu nunca consigo fazer aquilo que quero, embora tenha imensas ideias..." E Mallarmé respondeu-lhe: "Não é com ideias, meu caro Degas, que se fazem versos. É com palavras."

Paul Valéry, in Variété V (pg. 141).


Mais um leilão de Primavera


Como habitualmente. no Palácio da Independência (às Portas de Sto. Antão, em Lisboa), José Vicente (Livraria Olisipo) vai realizar, nos próximos dias 9, 10 e 11 de Maio, um leilão de livros, manuscritos, mapas e gravuras.
De realçar uma extensa camoniana, embora de edições não muito antigas, e uma queiroziana que integra a rara primeira edição de O Mandarim (1880), com uma estimativa de venda entre 80 e 150 euros.
Destacaria ainda uma colecção completa dos 4 números da revista Árvore (lote 78), com previsão de venda oscilando entre os 150 e 300 euros; bem como 2 dos 4 fascículos da Caliban (lote nº 232), editados em Lourenço Marques, no ano de 1971, por Grabato Dias e Rui Knopfli, com colaborações de Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Herberto Helder, entre outros conhecidos poetas portugueses. O lote aponta para uma venda estimada entre 40 e 80 euros.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Balanço das terras interiores


Arrumadas as impressões mais vivas e passadas as sensações pelo crivo analítico dos dias que, entretanto, foram decorrendo, havia que extrair uma suma destas errâncias que, tirando Faro com mar à vista, foram todas pelas terras do interior.
A primeira palavra que me ocorre é afabilidade, das gentes, e a compostura agradável das vilas e cidades. Mais uma vez Faro é excepção, na sua desarrumação quase caótica. A juventude do ar de Évora (a Universidade ajuda...) surpreendeu-me, muito embora o Fundão, que também tem um pólo de ensino superior, me tenha parecido sonolento e envelhecido. Destaque para a vivacidade dinâmica de Viseu, apesar das suas dezenas de rotundas absurdas. Confirmei o meu gosto por Evoramonte, apesar de adormecida no tempo. Como entorpecidos, e menos belos, me pareceram Fronteira, Ourique, Cabeço de Vide ou, até, Montemor-o-Novo.
E como o nosso percurso tivesse objectivos muito precisos (ver os Compromissos da Misericórdia, na sua impressão de 1516, de Valentim Fernandes  e Hermão de Campos), tive a noção real de quanto esta Instituição (Misericórdia) é importante, e a sua função é nobilíssima, para estas terras interiores tão carecidas de infra-estruturas sociais de apoio às populações mais desfavorecidas. Destaque, mais uma vez, para Evoramonte, cuja Misericórdia me pareceu funcionar em moldes de grande profissionalismo.
Respira-se, no entanto, um ar parado por estas regiões, que parecem sem futuro, na maior parte das zonas visitadas. Uma última palavra simpática para a gastronomia regional que, mesmo em restaurantes modestos e despretensiosos, era de muito boa qualidade e paladares.

Um entrevista para não esquecer


Pena que se não possa recuperar, ou repetir, a notável entrevista, que Eduardo Lourenço (1923) deu ontem à RTP 1, para quem a não viu. Três países referidos, abundantemente: Portugal e França, como seria natural; mas também o registo da alma russa, em confronto com a moleza europeia, e como único país (europeu) com estratégia nacional e internacional. Apesar de Putin...
Na entrevista couberam também as seis gerações circundantes de qualquer ser humano. Do silêncio sage da avó, que apascentava cabras junto à fronteira espanhola, até à alegria que lhe provocam as três bisnetas, saudosamente habitando a França. Pese embora a tonalidade pessimista das suas palavras, até porque falou da Morte e do Nada, as suas reflexões foram de um clareza magistral.

Pinacoteca Pessoal 111


Eu não saberia nada sobre o pintor norueguês Nikolai Astrup (1880-1928), não fora uma exposição na Dulwich Picture Gallery (Londres), de que o TLS dá notícia. Homem com grande atenção à Natureza e de saúde débil desde criança, faleceu com 47 anos de pneumonia, numa quinta (em Jolsten) que habitava com a mulher e numerosos filhos. Era filho de um Pastor protestante que ambicionava que Nikolai lhe seguisse as pisadas, mas o Pintor tinha outros sonhos, mais artísticos. Na França, onde também estudou, ficou entusiasmado com a obra de Douanier Rousseau.
Sendo considerado, na Noruega, como um dos grandes pintores nacionais, nos restantes países da Europa é pouco conhecido. É classificado, habitualmente, como neo-romântico, mas é também muito persistente, na sua obra, uma certa ideia de humanização da Natureza, de que a tela, representando uma árvore (imagem abaixo), é um significativo exemplo. O quadro pertence ao acervo da casa real norueguesa. O seu retrato, que encima este poste, foi executado em 1900, pelo pintor Henrik Lund (1875-1935).

segunda-feira, 25 de abril de 2016

As variações com sentido


Ao ver, talvez pela terceira vez embora de modo zapeante, o filme "O paciente inglês" (1997), de Anthony Minghella, baseado no romance homónimo de Michael Ondaatje, dei-me conta de como a música do já centenário compositor Harry Rabinowitz (1916) acompanhava, sinestésica e bem, as imagens. Mas também as emoções de quem via o filme. Neste caso, eu. Num triângulo, que eu diria, equilátero e perfeito...


Idiotismos 35


Expressões há que já nem damos por elas, de tanto as usarmos no dia a dia, outras que se foram desapropriando do tempo, e é com surpresa que as vamos encontrar nos clássicos, sob a pátina respeitável dos séculos. Outras ainda que, de súbito, nos interrogam a meio de uma conversa, perguntando-nos a nós mesmos a sua origem e razão. 
Ao ver tanta ave pelos céus e campos alentejanos, dei-me a pensar que até os pássaros têm o seu destino traçado, de nascença. Às águias e às gaivotas, ou mesmo às cegonhas, ninguém as caça e mata para comer. Outro tanto não acontece às perdizes que nos caíram no goto, como prato de eleição, ou aos tordos, infelizes, que os caçadores perseguem incansavelmente.
No meio destas variações, gastronómicas ou não, se estabelecem também oposições curiosas. Se cair no goto significa engraçarmos com, ou gostarmos de, a expressão entrou-me no goto pode ser uma aflição, porque nos engasgamos e podemos sufocar, já que goto é a forma popular de glote, que é o local da faringe com a função de saída e entrada do ar nos brônquios e pulmões.

Nota complementar: a primeira vez que a expressão cair no goto aparece, em literatura, data de 1555, na Comédia "Eufrosina", de Jorge Ferreira de Vasconcelos. Herculano utilizou-a também em "O Monge de Cister" (1848), bem como Camilo no romance "Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado" (1863).

agradecimentos a A. de A. M., pela colaboração e ajuda.

25 de Abril


Corremos sempre o risco de nos repetirmos e gastarmos para sempre as memórias de alegria, de que falava Eugénio de Andrade a propósito de Coimbra, se constantemente as lembrarmos.
Em tempos, destaquei três figuras que para mim representavam o 25 de Abril: Salgueiro Maia, Lopes Cardoso e Melo Antunes, nos seus respectivos aspectos. A frio, hoje, creio que a figura que não se apagou de todo foi a de Salgueiro Maia, pelo menos, para a minha geração. Os outros dois creio que já estarão mais esquecidos, infelizmente.
Mas não ficaria de bem comigo se não assinalasse, no Arpose, mais um aniversário da data libertadora.

domingo, 24 de abril de 2016

Os pestíferos enfumarados


Quando me posicionei debaixo do amplo toldo exterior de "O Escondidinho", já o sr. Laureano lá estava a fumar, e a chuva caía, abundantemente. Eu vinha de umas espantosas migas (interiores) com espargos verdes que acompanhavam a carne de alguidar bem temperada. Já não me lembro qual de nós abriu o jogo sobre madeiras, acrílicos, proibições, tabaco e fado. E íamos fumando, com gosto, quando se nos juntou, nesse improvável retiro de pestíferos, o sr. Rodrigo, de 80 anos, já com setenta bem medidos de tabaco. Mas foi sempre o Laureano o orador principal. Com 63 anos, fora amigo de peito da Hermínia Silva e, embora carpinteiro de profissão inicial, conhecera Fernando Farinha e tinha chegado a cantar à desgarrada com o Marceneiro. Que até lhe dera, disse-me, um fado (do Cavador?), para ele interpretar. Benavente e Lisboa tinham sido terreiro da sua voz limpa e clara. Quando falava de Hermínia, porém, os olhos verdes de Laureano toldavam-se de mágoa. Quase como a chuva que caía. Neste mês de Abril e em Montemor-o-Novo.
Despedi-me deles, com pena. Desejando-lhes muitas e boas cigarradas, assim também, em amena companhia e cavaqueira. Apesar da chuva.

sábado, 23 de abril de 2016

Algoritmos


Eu não quero causar polémica, mas acho que o problema é que os algoritmos são feitos para contentar a maioria. E não conseguem distinguir o parvo do inteligente, o selectivo, do volúvel promíscuo da corrente dominante, o preciosista, do abandalhado curioso. Não reconhecem a qualidade e guiam-se, religiosamente, pela quantidade. São cegos, rombos, surdos na sua essência mecânica. E têm ADN norte-americano, na sua origem pragmática, de cheiro rural a faroeste - dispara primeiro, e pensa depois...

Bibliofilia 133


Toda a arte é feita dum ponto de vista. Toda a história é feita dum ponto de vista. Toda a crítica é feita dum ponto de vista. E, em cada momento, há arte, há história, há crítica de pontos de vista contrários. ...

Quando li estas palavras iniciais do livro "Ensaios de Domingo", de Mário Sacramento (1920-1969), disse para comigo: este homem fala no comprimento de onda do meu tempo. Ou seja, com a linguagem da época de formação do meu sentido crítico. E fiquei satisfeito por ter comprado a obra que, hoje em dia, já não é muito frequente aparecer à venda, nos alfarrabistas. Por outro lado, esta forma de abordar escritores e literatura já não se usa. Porque as recensões que aparecem (ou são encomendadas...), são de água chilra ou "em forma de assim..." Para, acriticamente, incitar à compra indiscriminada dos desprevenidos leitores, de obras de duvidosa qualidade.
Médico e ensaísta, Mário Sacramento, nascido em Ílhavo, distinguiu-se sobretudo pela oposição coerente que manteve, sempre, contra a ditadura estadonovista. E pela forma apurada como exerceu o seu magistério crítico, distinguindo, apontando e separando o trigo do joio, nos livros que foi lendo ao longo da sua curta vida exemplarmente cívica.
O livro, que tem aposta uma dedicatória manuscrita, comprei-o recentemente num alfarrabista de Campo de Ourique, e dei por ele 5 euros. Está em muito bom estado e é uma primeira edição (1959), mas creio que veio a ter uma segunda tiragem. Pena é que, nos dias de hoje, o nome de Mário Sacramento seja conhecido por tão pouca gente.

Anote-se que se celebra hoje, dia de aniversário das mortes de Shakespeare e de Cervantes (em 1616), o Dia Internacional do Livro.

Por ser Sábado...


Não tem sido apanágio do Arpose, e muito menos preocupação, a inclusão de anedotas no Blogue. Não é que eu as desconsidere ou não leve em conta para a animação da vida. Um dos grãos de sal que lhe dá gosto e descompressão saudável. Simplesmente não tem calhado, até porque recebo muitas, através de e-mails amigos. Por esse mundo de Palopes, os blogues andam cheios de anedotas, sobretudo brasileiras, e os bloggers, muitas vezes por preguiça, nem sequer se dão ao trabalho de as transcrever para português de lei, de forma gramatical correcta e escorreita. Assim se nota, muitas vezes, a sua origem...
Acontece que recebi, da parte de um dos meus mais antigos amigos, e dos mais estimados, uma enorme quantidade de anedotas sobre alentejanos. Por outro lado, regressei há pouco do Alentejo, província portuguesa de que gosto muito, assim como dos seus habitantes. Ora seria pena que eu não partilhasse, aqui, alguns momentos de bom humor, que sempre ajudam a viver melhor. Aqui fica, por isso e porque hoje é Sábado, um pequena antologia das anedotas que achei mais bem esgalhadas. Seguem:

1. Um dia, um alentejano diz, prazenteiro, para a mulher:
- Maria, põe a mesa no quintal, que hoje vamos comer fora.

2. Por que é que, no Alentejo, é proibido vender carros com limpa-vidros na retaguarda?
Porque foram apanhados alguns alentejanos a conduzir ao contrário.

3. O que é que os alentejanos fazem ao fim de um dia de trabalho?
Tiram as mãos dos bolsos.

4. Por que é que os alentejanos semeiam alhos na berma das estradas?
Porque o alho faz bem à circulação.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Atracções fatais


O título é uma pequena ironia ou uma ligeira provocação de alerta. Mas é certo que, atingida a maturidade, quase todos nós cultivamos alguns ódios de estimação, bem como algumas fiéis adorações que, haja o que houver, sempre mantemos.
No que à arte diz respeito, Alberto Pimentel (1849-1925), no seu estudo sobre o Poeta Chiado, tem algumas palavras lúcidas e esclarecedoras sobre esta matéria, que vou, em parte, transcrever:
"...Affeiçôa-se a gente a um escriptor, a um maestro, a um pintor ou a um estatuário, que morreu ha muitos annos ou ha longos  seculos, e não deixamos apagar nunca a lampada do seu culto: colleccionamos-lhe as obras sem olhar a dinheiro, por mais raras que sejam; conservamol-as em grande veneração como thesouros que um avarento aferrolha a sete chaves; e estamos sempre promptos a combater de ponto em branco pela gloria e beleza das suas producções, quando apparece algum zoilo a menosprezal-as com azedume.
(...)
O meu fallecido amigo visconde de Alemquer, que era um gentleman distinctissimo, primoroso em maneiras e acções, além de ser um biblióphilo digno de apreço e consulta, tomou tanto gosto pelas obras do padre José Agostinho Macedo, que passou a maior parte da existencia a colleccional-as por bom preço e a muito custo.
Comtudo, havia tanta disparidade entre o caracter de um e do outro, porque o auctor dos Burros foi o mais attrabiliario, inconstante e perigoso homem de letras de todo o nosso Portugal, que o visconde de Alemquer, se houvesse sido contemporaneo do padre José Agostinho, nunca teria podido ser seu amigo, nem seu defensor, nem jámais o quereria vêr em intimidade de portas a dentro. ..."

E, ora aí está, porque, ao contrário do visconde de Alenquer, eu quase tenho um desamor de estimação pelo padre Macedo, e se possuo os Burros, porque integrados no Parnasso Lusitano, coligido por Garrett, não lhe aprecio a obra, nem nunca comprei nenhuma das suas numerosas publicações, embora tivesse tido várias oportunidades de o fazer. E a bom preço, que algumas são bem raras.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Adagiário CCL


A nódoa que põe a amora com outra verde se tira.


Obs.: mais do que provérbio, será um conselho útil, porque já vi tirar nódoas de vinho tinto, em toalhas de mesa, esfregando a zona com um pano embebido em vinho branco. E resultou...

Mercearias Finas 112


O arroz de carqueja minhoto pouco mais é do que um arroz branco, simples, levemente sombreado pelo combustível vegetal que lhe dá gosto. Mais um raminho de salsa fresca, por cima, para lhe dar cor e sabor. Mas na Beira Interior fia mais fino e é mais rico. É, por si só, uma refeição suculenta onde entra o fumeiro regional: farinheira, chouriço de sangue, presunto, toucinho, chouriço corrente de boa cepa. Se bem composto, é uma delícia de sabores, como aquele que eu comi num restaurante do Fundão, há duas semanas atrás. Caldoso, de preferência, como era o caso.
Quanto ao acompanhante vínico, eu tinha as melhores lembranças da Adega Cooperativa da Covilhã. Fora seu cliente fiel e obrigado, no final dos anos 70, num restaurante de uma rua paralela à Almirante Reis em que, por razões pessoais, refeiçoei, com frequência, em Março de 1978. Nunca me decepcionei com esse vinho tinto beirão. E foi por isso que, para acompanhar o Arroz de Carqueja, no Fundão, escolhi, sem pestanejar, um Piornos, lotado com Jaen e Trincadeira, de 2011.
Se a Jaen é uma das minhas castas fetiche, a Trincadeira nem sempre goza da minha preferência. Mas esta aliança, da Adega da Covilhã, é soberba. Há muito que não provava um vinho que me agradasse tanto. Na maturação, no aroma e no sabor. Este tinto leva uns meses em barricas de carvalho e sai de lá esplendoroso.
Afortunado será quem o puder provar...

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Adriano Correia de Oliveira / Conde de Monsaraz / José Niza


Vi muitos morzelos, mas nenhum morgado latifundiário. É certo que estava muita chuva, pelo Alentejo, donde vim. E os morgados são muito mimosos com a sua saúde. Mas que eles existem, existem, ainda hoje...

terça-feira, 19 de abril de 2016

A ideia do dia, ou: pela boca morre o peixe


Pressagiei, em tempos, que o consulado de Marcelo Rebelo de Sousa poderia vir a ser flamboyant...
Carlos Reis, hoje, no jornal Público, efabula sobre o pastor e o lobo, a propósito do frenesi do PR. Refere: " Não há dia em que o nosso Presidente não surja nas televisões e nas rádios ( e depois nos jornais) a declarar, a comentar, a discursar, a dissertar, a responder e a opinar. ..." A crónica (O Presidente e o lobo), do catedrático de Coimbra, merece ser lida na íntegra, pela sua lucidez e pertinência.
Também me parece que Marcelo corre o risco, no futuro, de vir a falar para as paredes ou, pior fim, a vir a ser comido por algum lobo...

Cegonhas


Aqui há trinta anos, habituei-me a vê-las a partir de Alcácer do Sal, e a Sul. Há dois ou três anos consegui avistar algumas sobre o Mondego, pouco antes de Coimbra, e fiquei surpreendido por vê-las tão a Norte. Nesses tempos, era sobretudo nos campanários das igrejas que as cegonhas faziam os seus ninhos. Alguém as foi ajudando, entretanto.
Ontem, em redor da Marateca, pelas terras do Sado, vi imensos ninhos de cegonha, artificiais mas a servir o nobre exercício de berçários, colocados nos postes de alta tensão da REN. E quase todos me pareceram habitados, pelos longuilíneos pescoços que assomavam. Pareciam um bairro social aéreo, nascido da solidariedade humana para com as aves.

Bizantinices, ou como agarrar o leitor logo na primeira página


Para os estudiosos de literatura inglesa, particularmente da escritora Jane Austen (1775-1817), é sobejamente conhecido e um case study célebre, o início da sua novela Emma (1815). O núcleo, que tem fascinado ensaístas e investigadores, é composto pelas seis primeiras palavras do início do romance referido e reza assim: "Emma Woodhouse, handsome, clever, and rich,".
Perguntam-se os académicos porquê handsome e não beautiful, por que razão clever e não  intelligent; finalmente, porquê rich e não wealthy?
Ora vá-se lá perguntar a Camilo, por que motivos entendeu começar as suas Cenas Contemporâneas, assim: "Os meus amigos de certo não sabem o que é caçar coelhos na neve?..."

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Divagações 110


Quase sem dar por isso, as pessoas vão-se enredando no lodo dos dias. Dos menus repetitivos, onde constam irremediavelmente, se querem peixe, a dourada, o salmão, a perca do Nilo ou o robalo que, graças à moda, à aquicultura e às rações industriais, sabem de forma medonha a limo e  à poeira marítima.
Isto, quanto a gastronomia, porque no que diz respeito à indumentária ou à cultura, os padrões são ainda mais exíguos, invariáveis na escolha, seguindo acarneiradamente a mainstream vigente, num receio pueril de destoar dos rebanhos clonizados pelas agências de propaganda. Porque aos poderes importa, sobretudo, a padronização colectiva, para poderem dominar melhor. Quando muito, criam uma ficção de rivalidade dual que também divide, artificialmente, para simular a liberdade e a opção de escolha. Falsas, todavia.
Matou-se um pouco, nos tempos que correm, a irreverência e a frescura criativa da juventude, que hoje é muito mais capturável. Dir-me-ão que ainda há o califado islâmico e a igreja universal do reino de deus - e é verdade. Como há Dior e Prada, o Paulo Coelho e a Rosa Montero, o Possolo do Cavaco e a Landau, o Rieu da música clássico-pimba, a Lady Gaga e outros quejandos entreténs anódinos e inúteis. Enfim, uma enormidade de abstracções inócuas que conservam uma boa parte da juventude na quietude absoluta e hibernante. E calada, até para não perturbar o exercício tranquilo e sacrossanto das off-shores. Por onde andarão agora as adolescentes e cristalinas Primaveras Árabes e os jovens correspondentes aduares europeus de imitação? E será que os Indignados, que tantas capas de jornais fizeram, já se tornaram dignos? Tão puros, tão autênticos que eles eram, na sua indignação!... Entretanto, no Brasil, os caboclos vão-se entretendo com o impeachment da sra. Dilma. A cada um, a sua chinela ou alpergata, de marca original ou contrafacção. Como diria o João César Monteiro: "Dêem-lhes trabalho, dêem-lhes trabalho..."
Amém.

domingo, 17 de abril de 2016

O vazio e sossego dos dias inúteis


O Domingo tem destas coisas: o vazio ressonante dos blogues...
E montes de donas de casa desesperadas, por falta de impulsos motivadores que lhes dêem forças para iniciar as lides domésticas. Como também os desanimados cibernautas suspensos no vazio, à espera de um primeiro poste matutino.

Filatelia CXIII


Não é todos os dias que se recebe um postal dos Países bálticos, nomeadamente da Lituânia, cuja capital dá pelo nome de Vilnius, onde esteve um bom amigo meu. Que de lá me mandou notícias. A ideia imaginada que eu tinha era de que eram repúblicas com bastante claridade atmosférica e frequentemente invadidas pelos povos próximos ou vizinhos: polacos, alemães e russos... Daí o facto da Lituânia ter tido selos próprios apenas em 1918 (até esse ano, eram estampilhas russas que tinham curso no território). Durante a II Grande Guerra, e com a invasão nazi, passou a usar selos alemães; tornou a usar selos soviéticos depois da Guerra para, finalmente, voltar a ter selos próprios somente em 1990, e até aos nossos dias.
O meu amigo confirma a claridade do ar da Lituânia, pelo menos em comparação com a Polónia. É possível que não passe de impressão nossa. Mas parece que os habitantes são afáveis e simpáticos.
O postal motivou-me a que fosse revisitar os selos que tenho da Lituânia. São muito poucos (apenas 9) e, desses, escolhi 5 dos mais bonitos para deixar em imagem, a acompanhar o postal recebido de Vilnius.

sábado, 16 de abril de 2016

De Rigoberto Paredes (Honduras, 1948-2015), um poema


Elogio da gordura


Louvada seja a gordura e o seu unto
cheio de graça, a curva
tensa e reluzente dos refegos.
Ditosos sejam os seres de densa folhagem
onde tudo o que queira
pode encontrar abrigo e passar a noite.
Que gozem de boa fama
esses flamejantes seres, exagerados,
vivos retratos da abundância.
Abram alas por onde eles passarem;
não os façam perder
no tempo, o peso e a vida.
Convidem-nos para a mesa e para a cama
(sem grandes recatos ou prévias condições)
e celebrem em público os seus amplos,
da gordura, gloriosos fastos.


Rigoberto Paredes, in Fuego Lento.

Uma fotografia, de vez em quando (80)


Creio que é o segundo nome português a surgir nesta rubrica, depois do consagrado Eduardo Gageiro. Esta Senhora fotógrafa, nascida em Lisboa, no ano de 1934, é porém menos conhecida. Helena Almeida tardou a entrar, decisivamente, na sua arte, pois apenas em 1967 fez a primeira exposição. E os temas, que aborda, são circunscritos, muito embora não se esgotem na fotografia, pois convoca, frequentemente, o desenho e a pintura para alargar e compor o espaço de intervenção, numa multi-disciplinaridade a que nunca falta um grande sentido estético. Modelo de si própria, uma vez referiu, com propriedade: "O meu trabalho é o meu corpo, o meu corpo é o meu trabalho."




sexta-feira, 15 de abril de 2016

Interlúdio 55


Este Berliner Luft, de Paul Lincke (1866-1946), para contrabalançar esta penumbrosa Sexta-feira...

Má língua...


De Henry James (1843-1916) disse George Eliot (Mary Ann Evans[1819-1880]):

"...um espírito tão fino que nenhuma ideia o podia violar."


Pequena história (41)


É um factor dissonante, talvez de um ponto de vista um pouco preconceituoso, mas a desproporção de alturas em casais, que vemos, causa sempre alguma perplexidade, sobretudo quando a mulher é mais alta. O caso recente de Sarkozy e Carla Bruni, por exemplo. Mas, por cá e em tempos mais antigos, era também visível a diferença de alturas entre o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia, mulher excepcionalmente alta, para a época.
Um equilíbrio notável, em proporção, era o que existia entre  Pedro de Freitas Branco (1896-1963) e a sua esposa, a pianista de origem francesa Marie-Antoinette Lévêsque (1903-1986): eram ambos muito altos. O maestro português media 2 metros, e a mulher atingia 1m99. Por graça, quem os via, na rua, costumava dizer: "Lá vão as duas antenas da Emissora Nacional!..."


quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ritmos


Julgo que qualquer pessoa é capaz, ao vê-los evoluir, de distinguir a diferença entre um mau dançador e um bom bailarino. Leveza, elegância, entre outros aspectos, os separam. Mas também o ritmo.
Muitos de nós terão assistido a desgarradas. E admirado a capacidade e rapidez de resposta apropriada que os cantadores evidenciam, com maior ou menor imaginação. São os repentistas.
Na arte da poesia, também os há. O encadeamento dos versos e a justa medida saem-lhes naturalmente e com enorme facilidade. Estou-me a lembrar de António Botto ou de Pedro Homem de Melo. Os seus versos abrem-se escandidos e certos, na perfeição. Outro tanto não acontece, quase nunca, com os poemas de Jorge de Sena. Ou, se quisermos ir mais atrás, com a "frauta ruda" de Sá de Miranda. De forma não aprofundada, eu diria que há um ritmo natural e um ritmo trabalhado.
Como se, num caso, o bater do coração conduzisse à medida certa, e, na outra circunstância, houvesse uma original arritmia que só pela razão pudesse vir a ser corrigida, depois, nos versos.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A par e passo 164


Saí de minha casa para espairecer através da marcha e dos olhares variados que ela traz consigo. Quando avançava pela rua onde moro, fui subitamente possuído por um ritmo que se impunha a mim próprio, e que me provocava a impressão de um funcionamento estranho. Como se alguém se servisse da minha máquina de viver. Um outro ritmo veio então acrescentar-se ao primeiro e combinar-se com ele; e aí se estabeleceram não sei que tipo de relações transversais entre estas duas leis (tento explicar-me o melhor que posso). Este combinava o movimento das minhas pernas andantes com não sei que canto que eu ia murmurando ou, antes, que se murmurava por meio de mim. Esta composição tornou-se mais e mais complicada, e ultrapassou em breve na sua complexidade tudo aquilo que eu poderia, racionalmente, produzir segundo as minhas faculdades rítmicas normais e úteis. Então, a sensação de estranheza, de que falei, tornou-se penosa, quase inquietante.
Eu não sou músico; ignoro inteiramente a técnica musical; e eis que eu estava em vias de um desenvolvimento em várias partes, de uma complicação que mesmo um poeta tem dificuldade em imaginar. Dizia-me que deveria ter havido um erro na pessoa escolhida, que esta graça se enganara no ser, porque eu nada poderia fazer desse dom - que, num músico, teria o seu valor próprio, forma e duração, enquanto que estas partes, que se misturavam e delineavam, me ofereciam, inadequadamente, uma produção cuja sequência sábia e organizada me maravilhava, mas desesperava também a minha ignorância.

Paul Valéry, in Variété V (pgs. 139/40).


Nota: na minha leitura, este texto de Valéry tenta tornar consciente e compreensível o fenómeno da criação poética. Nas suas duas formas, de algum modo, inconscientes: do ritmo e também das palavras nascentes.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Osmose 82

                                                                                                                                     para a Fernanda 


As palavras entalam-se entre a boca e o coração, sem solução à vista. Todas são pequenas e todas são excessivas para definir esse buraco negro que é a morte. Que é sempre dos outros, porque o silêncio eterno e definitivo nunca permitirá que falemos da nossa.
Os poetas mais dotados serão talvez capazes de a imaginar e antecipar em versos densos, mas indecisos, provavelmente errados, não na rima, mas na conclusão. O silêncio tem sempre pouco a dizer, mesmo que cheio de memórias, que se apagam.
Porque continuaremos a comer, a adormecer, talvez com mais insónias, por entre os pesadelos, a sorrir, talvez com menos vontade, a amar pequenas coisas, na sucessão dos dias. A viver, finalmente, embora com menos verdade - porque chamam por nós, não sei de onde. Talvez da terra.
Mas ninguém regressa, nem se reencontra mais. Por isso são frustes os sinais de afecto entre os sobreviventes: um beijo, um abraço apertado, uma carícia terna. E todas as palavras são inúteis. 

Abrantino, pequeno, mas arranjadinho


Em abono da verdade, eu teria de dizer que, entre mim e os habitantes da cidade, houve alguns equívocos locais. Quando eu saía da igreja degradada, no centro da cidade, uma senhora fulva, que parecia celta, e de cabelos inflamados pelo vento, perguntou-me, sardenta: "Sabe se o Padre está lá dentro?!" Eu respondi, intimidado, e confuso: "Não sou de cá. Só vi 6 mulheres a entoar o Pai-Nosso..." Pouco depois, no Largo a seguir, uma nativa de óculos, interpelou-me, concisa: "Por onde é que eu posso ir à Brancolina?". Envergonhado, voltei a repetir: "Desculpe, mas não sou de cá..."
No fundo, foi uma espécie de paga, porque para chegar ao Museu (afinal, inserido numa bonita igreja do Castelo de Abrantes) foi preciso perguntar a 4 abrantinos a direcção do dito. Dois não sabiam, o terceiro tinha apenas uma vaga ideia; só o quarto me foi útil e preciso, na informação... Lá subi penosamente até à fortaleza e fui dar ao Parque Radical, para crianças, nessa altura deserto das ditas. À esquerda, porém, havia mais escadas que, embora íngremes e de degraus mais altos, eu galguei, esperançado pela recompensa museológica. Depois da sala dos Governadores, lá a tive, finalmente.
A igreja de Sta. Maria do Castelo foi o panteão dos primeiros marqueses de Abrantes. Os túmulos iniciais, sumptuosos, do séc. XV, têm traça gótica a exemplo dos da Batalha. O último, mais discreto, é renascentista. Na igreja se constituiu, em 1921, o museu da cidade. Pequeno, mas cuidado, com algumas imagens em pedra de Ançã, paramentos religiosos e uma vitrine numismática, com moedas que vão da época romana até ao século XIX. Saindo e subindo mais um pouco, vale a pena desfrutar o horizonte magnífico e amplo, do alto do castelo.
Depois, desci. Num dos largos da cidade calhou assistir a uma cerimónia evocativa do Dia do Combatente, lembrando a batalha de La Lys. Tive direito a ouvir o Hino Nacional, o toque a silêncio e o toque de alvorada, executado pelo corneteiro militar. Como se diz, desde as invasões napoleónicas: "Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes"...

Adagiário CCXLIX


Uma raposa adormecida conta galinhas nos seus sonhos.

(Provérbio russo.)

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Das singularidades da toponímia


Há poucas horas, o Arpose recebeu uma visita oriunda da Toscânia (Itália), mais concretamente de um lugar que dá pelo nome de: Impruneta. Fiquei a pensar, porque achei o nome muito curioso.
Terras há, cujos nomes desencadeiam desencontradas sensações, não só de ordem cultural, mas também por impressões fonéticas e pelo arrevezado da toponímia que, às vezes, até tem lógica local. Da primeira ordem, eu destacaria, por exemplo, Trieste e Veneza.
Destas recentes vadiagens por terras portuguesas interiores, anotei algumas referências toponímicas, como o Rio Diz, na região da Guarda. O Centro Oeste parece-me, no entanto mais rico. Refira-se, por exemplo: Papagovas, A-da-Gorda ou Toxofal de Baixo. A praia da Areia Branca tem, normalmente, um nome claro e consensual, mas hoje pareceu-me muitíssimo contraditório. Com a força bruta das marés vivas, a areia estava claramente negra...

A tentação da máxima mínima


A arte pode ser uma actividade egoísta, sobretudo para quem a pratica, em relação aos mais próximos. Mas, para quem a vem a usufruir, depois, pode muito bem ser um partilha solidária, uma herança gratuita. E é por aí que se dá o equilíbrio, a reposição ou, melhor, a absolvição do pecado original.

domingo, 10 de abril de 2016

Estado do mar


Carregado, borrascoso e com carneirinhos agressivos ao longe. Mas que não chegam às Berlengas, envoltas num halo vago de penumbra.
O vento estende uma toalha branca de espuma até à praia. Em planos altos de cinco vagas rítmicas constantes. Nem os surfistas se servem...

Nota: a foto não é do dia de hoje.

Em contraponto divagante, moral e coscuvilheiro


Não será frequente, mas também não é surpreendente, encontrarmos subitamente uma sumidade da capital a refeiçoar, tranquilo, o pequeno almoço, em buffet, num pequeno mas cómodo e bem situado hotel de província. Esta gente vem para dar cor às manifestações culturais das pequenas cidades do interior: o lançamento de um livro, um colóquio sobre um escritor local, uma celebração... E, como "santos da porta não fazem milagres", estas personalidades das grandes cidades são convidadas pela edilidade regional para abrilhantar e atrair mais gente aos acontecimentos. Não é coisa nova: foi assim que eu conheci e ouvi Gaspar Simões, Óscar Lopes, Cochofel, no início dos anos 60, pela primeira vez. Convidados que tinham sido pela Associação Académica de Coimbra. E a urbe universitária, até pelo seu espírito conservador, era, na altura, uma mera cidade de província (provavelmente, ainda hoje será). Estes colóquios, devo notar, não dispensavam a gravata aos conferencistas...
Ontem, sábado, matinalmente, surpreendi-me ao ver, em traje muito desportivo, uma destas celebridades da capital a tomar o seu abundante pequeno almoço, que bisou, num hotel da Beira Interior. Figura de proa de quanto é jornal e revista literária, o homem colabora em tudo o que seja Cultura (não sei é onde arranja tempo). Despenteado, de ténis, pareceu-me inicialmente vestir um pijama. Firmei melhor a vista e acabei por concluir que usava um fato de treino. Nem tudo se perdeu, de compostura, felizmente!...

As virtudes da Província


Ora eu que nem sabia da saída, quase um ano depois, deste voluminho precioso de cartas de Eugénio de Andrade para Jorge de Sena!... Foi preciso ir ao Fundão, entrar no posto de Turismo da cidade, para HMJ dar por ele e mo apontar. Fiquei pasmado, como é que os jornais literários, as revistas da especialidade e quejandos o ignoraram, sem dele dar notícia, ostensivamente. Será que não era importante, no meio de tanta ninharia que é editada e recenseada?
Culpo também as Câmaras de Gondomar, Fundão e Santo Tirso, que em parceria publicaram o livrinho, em 2015, de não lhe darem a divulgação que merecia. Só por isso valeria a pena termos ido à Cova da Beira. A província tem destas virtudes escondidas, que é preciso descobrir, fora dos holofotes parolos das grandes urbes e das montras exibicionistas das correntes dominantes. Organizado por António Oliveira, com o precioso contributo de Dario Gonçalves, o livro foi-me de extremo proveito e grande prazer de leitura.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Fundamente


Pouco, ou quase nada se passa nestas terras interiores. O andar é comedido, o falar, tranquilo, pelas ruas parece nunca haver pressa de chegar, para que o tempo não sobre em demasia. Por aqui andaram o arquitecto Raúl C. Ramalho (1914-2002) e o poeta Eugénio de Andrade (1923-2005), nas suas juventudes inquietas; e deixaram obra: um, em pedra, outro, em palavras que ainda se podem ler. Mas a, hoje, cidade seria, na altura, estreita para os seus sonhos desmedidos. Talvez por isso, o primeiro rumou a Sul e o segundo, a Norte, para horizontes mais largos e propícios.
À entrada, fomos recebidos pelas cerejeiras já floridas. Nupcialmente - como diria o Eugénio. No horizonte e nos píncaros mais altos, a pedra recobria-se, nas covas, de puríssima neve residual e esparsa - predominava a brancura. Mas no edifício, projectado por Raúl Ramalho, era o cinzento granítico que pontificava, por contraste. Que me pareceu a ameaça de um  destino exíguo e futuro, para sempre. Salvem-se as cerejeiras primaveris na sua ânsia eterna de florir.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Só para marcar o ponto...


É evidente que Vasco Fernandes (1475-1542) domina a cena, com o seu monumental S. Pedro, em Viseu. E tenho que destacar uma magnífica marinha de mar bravo, pintada por António Carneiro (1872-1930). Mas o acervo de Columbano (1857-1929) não é de desprezar, no Museu Grão Vasco. Do atelier (em imagem) aos estudos para as pinturas do Parlamento, mais o excelente retrato de Ramalho Ortigão. E ainda umas 4 tabuínhas, com paisagens de Bruges (?), que me ficaram na retina...

quarta-feira, 6 de abril de 2016

"Não corras para o mar, Tâmega, tanto..."


Para quem vem de Lisboa, Chaves é um sossego inesperado. Mesmo que se venha em busca de um "Compromisso (...) da Misericórdia", de 1516, que poucos sabiam existir. Existe, realmente, e embora lhe falte uma gravura, encontra-se em razoável estado de conservação. Passados 500 anos.
Ocorreu-me o início do soneto de Jazente (1719-1789), para título do poste, ao saber das quatro pontes sobre o Tâmega, em Chaves, pese embora, por aqui, ele passar pachorrento, como o vi, hoje. Talvez por Amarante e nos tempos do Abade poeta, o rio fosse mais lançado e jovem. Mas cruzam-se assim os diversos tempos, desde a ponte romana até à que nos anos 50, do século passado, foi construída para as gentes de Aquae Flaviae. Como se cruzam no largo equilibrado e simpático, que terá sido Forum romano, os maneirismos tímidos com a renascença clara, mesmo quando absorve uns restos quase apagados do que foi uma igreja românica.
O núcleo museológico é que deixa muito a desejar. Já de si diminuto, ainda se divide por três  pólos distintos, embora próximos: arqueológico, arte sacra e militar, na torre que foi de menagem do primeiro duque de Bragança, D. Afonso. Tirando a parte castreja, o resto é prontamente esquecível, pela banalidade das peças. Valeu-me para memória futura a Vénus de Vidago, tosca escultura insólita, mas pessoalíssima, de algum ignorado artista de outras eras. Destaque para a sua pétrea gravidez, com uma posição de pés, impossível, que o escultor, na sua primitiva liberdade de criação, assim projectou para lhe melhorar a base de sustentação...


Memória (108) : Hermínia Silva (1907-1993)

Segunda melhor classificada no poste anterior, por volta de 1945...

Curiosidades 55


Lembro-me bem que, aqui há uns anos, das artistas de cinema a nível mundial, a mais bem paga era Julia Roberts. Há dias, tive oportunidade de ler e ver os salários mensais mais altos das artistas portuguesas, em meados da década de 40, do século passado. Aqui deixo a lista das 7+  para cotejo e por curiosidade:

-  Madalena Sotto........ 15.000$00.
-  Hermínia Silva...........  7.500$00.
- Mirita Casimiro..........  7.000$00.
- Irene Isidro................  5.000$00.
- Palmira Bastos...........  5.000$00.
- Brunilde Júdice..........  4.500$00.
- Lucília Simões...........  4.500$00.

E, hoje, como será?