Para lá da musicalidade dos seus versos e de um timbre clássico e estético que é transversal a toda sua obra, seja ela ensaio, prosa ou poesia, David Mourão-Ferreira (1927-1996) tinha também a capacidade rara e generosa de admirar os outros poetas e de os divulgar. Não é coisa pouca, neste nosso país. Nos 14 anos da sua morte, lembramos:
A Flor
Entre a erva dos nervos camuflada,
emboscada no túnel de uma veia,
a flor apenas rompe, deslumbrada,
quando o pinhal, à noite se incendeia...
Virá a converter-se em depressão,
enfarte do miocárdio, ou embolia,
no dia em que se apague esse clarão
com que a sua presença se anuncia...?
Mas numa artéria já sem movimento,
ou na erva dos nervos recolhida,
descobrirão a flor feita de vento
que em vida me deu morte e me deu vida...
Hão-de enterrar então a flor e o vaso.
E nunca mais ninguém alude ao caso.
Poema muito lindo.
ResponderEliminarPois é, David fez muito boas traduções de outros poetas, em boa hora publicadas pela Colóquio.
Eu também gosto muito deste soneto à inglesa, MR.
ResponderEliminarAlém disso, quis evitar a transcrição dos poemas mais "óbvios"...
E fez muito bem. Não conhecia este e é, de facto, muito belo.
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