terça-feira, 30 de abril de 2019

Do que fui lendo por aí... 27


"... um passeio no Bois (Paris) para despertar os músculos das noitadas de requinte onde o Jacinto tem brilhado de cabelos brancos apesar de não compreender o Picasso de Versailles para num passeio histórico ver os frangos bezuntados de Luiz XIV e o cheiro..."

Ruben A., in Páginas III (Coimbra Editora, 1956).

Nota pessoal: a torrencial capacidade de associação da escrita de Ruben A. (1920-1975) não deixa de registar inúmeros pormenores. Alguns saborosos, como este dos pequenos frangos, muito apreciados por Luis XIV, que os comia à mão, dispensando o garfo. Predecessor do nosso D. João VI que raramente saía sem levar as algibeiras atafulhadas de frangaínhos assados para seu sustento, durante as excursões...

Citações CD


Eu diria tal como um antigo filósofo... que uma bela face é sempre uma carta de recomendação.

Joseph Addinson (1672-1719), in Letter from Italy.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Uma realidade melancólica



Ainda assim, prefiro a "Il Surpasso" (1962), de Risi, relembrar Jean-Louis Trintignant (1930) em "Rouge" (1994) de Kieslowski, muito embora a Natureza seja quase sempre madrasta. A decrepitude física visível, um cancro (2017), a cegueira, reduziram, de algum modo, à sombra este grande actor, que aqui vemos e ouvimos através das suas humaníssimas palavras.

domingo, 28 de abril de 2019

Shakespeare, outra vez?


O penúltimo TLS (nº 6055) consagra a Shakespeare 11 das suas 40 páginas.
E eu fico pasmado como é que estes ingleses ainda conseguem produzir, com inovação e qualidade, novos estudos sobre o seu maior dramaturgo. E com regular frequência.
As comparações são quase sempre despropositadas, mas eu arriscaria dizer que seria o mesmo que a Colóquio-Letras ( JL e a Ler estão muito abaixo da qualidade do TLS), ciclicamente, abordasse a obra do nosso Camões, com estudos inovadores e originais. Se nos anos 50/70 tivemos uma pléiade de sérios e competentes académicos e ensaístas (Pimpão, Costa Ramalho, Aguiar e Silva, Jorge de Sena...) que estudaram Camões, hoje, os nossos professores universitários de Humanidades parece que meteram todos a viola ao saco...
Tudo isto me faz pena. 

P.S: chamo a atenção para o elegante grafismo da capa deste TLS, representando Hamlet.

Ainda a propósito de corujas


Às vezes, as coisas andam no ar, como as corujas... Se, em liberdade e em toda a minha vida, apenas vi uma, de dia, branca, por alturas do Pragal, em horas mais recentes, e por estranha coincidência, passaram-me pela vista várias imagens delas e textos que falavam dessas aves nocturnas.
Frieda Hughes (1960), poeta e pintora inglesa, tem por si o facto de ser filha de Sylvia Plath e Ted Hughes, já falecidos e ambos poetas. Frieda tem uma particular estima por corujas e escreveu um curioso e interessante texto no TLS (nº 6054) sobre elas (Kitchen owls), de que vou traduzir um pequeno excerto:

As corujas também têm sido identificadas como anunciadoras de morte (na antiga Roma e no Médio Oriente), se cozinhadas, servem de mezinha curativa (Peru), como feiticeiras e mensageiras (Malawi), trazendo má sorte quando vistas à luz do dia (Escócia), como espíritos caridosos (Sibéria), e até já li que os camponeses da Transilvânia costumam, para  assustar e afastar as corujas, passearem-se completamente nus pelos campos.


sábado, 27 de abril de 2019

Retratos (22)


Chamemos-lhe Columbina S., embora ela se assemelhasse mais a uma coruja e tivesse, de rosto, uma assimetria de faces morenas muito pronunciada. De altura bastante baixa, o tom de voz era bem colocado, forte, e dava-lhe vulto, logo no início das conversas. E, apesar de feia, era uma sedutora de simpatias, pelo menos. Cordata, habitualmente, tinha porém um grande sentido de humor - muitas vezes, e com vontade, me ri com ela, às bandeiras despregadas, de coisas que ela me contava ou comentava, num agudo sentido de humor, que possuía intrinsecamente. Sexagenária, era também solteira, mas nunca me pareceu infeliz. No fundo, sempre achei que ela estava de bem com a vida que levava.
Não lhe sabia a profissão, nem o Manuel, meu subordinado, que ma tinha apresentado, mas sei que se dedicava a alguns serviços burocráticos que ia prestando com gentileza a alguns amigos e conhecidos: certidões, preenchimento e entrega de IRS, procurações e quejandos. Nunca cobrava contas nem facturas, mas todos a recompensavam do seu trabalho, naturalmente e bem. Creio que era disso que vivia e das rendas de umas duas ou três casas modestas que possuía na linha de Sintra. Foi assim que uma parte do meu grupo de trabalho foi entregando a Columbina os seus papéis e documentos do IRS, para ela os ir levar às Finanças. Eu próprio também o fiz, durante 3 ou 4 anos.
Não me recordo já dos pormenores, mas sei que a dada altura o Pinheiro recebeu, em casa dele, uma multa do Fisco, por falta de declaração do IRS. E a multa não era pequena. Sucessivamente, mais multas foram chegando a mais 4 ou 5 elementos da empresa que tiveram de pagar coimas elevadas, para a época. Preocupadíssimo, dirigi-me às Finanças, mas, felizmente, tudo estava em ordem quanto a mim. Columbina S. tinha entregado a minha documentação e a do Manuel, apenas. O resto levou descaminho total. E a senhora nunca mais apareceu pela zona - não mais soubemos dela.
Plagiando Eça, eu comentaria para concluir: singularidades duma sexagenária morena... 

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Passeios Outrabandistas 5: Moinho de Maré - Corroios


O passeio de hoje surgiu a caminho e no final de outros afazeres menos prosaicos. Ao entrar na vasta área de implantação do Ecomuseu, a vista fixou-se no próprio edifício que, por fora e com a maré baixa, permite ver por onde a água passa ao encher a pequena baía.


Na entrada do edifício consta a data de 1725, embora o edificado remonte ao ano de 1403, pertencendo a iniciativa da construção ao Condestável D. Nuno Álvares Pereira, conforme documentação exposta no interior do espaço museológico.


Lá dentro, no rés-do-chão, somos recebidos por um diligente funcionário municipal, que fornece os muito didácticos folhetos acima reproduzidos e abrangendo todo o conjunto de espaços  culturais da Câmara Municipal do Seixal.


A imagem captou apenas um dos moinhos em exposição, para além do conjunto de cereais, identificados com os respectivos letreiros.


Por fim fica o convite para um belo passeio, fornecendo até um mapa para quem quiser sair da Fertagus, em Corroios, e deslocar-se, a pé, até ao Ecomuseu Moinho de Maré. Vale bem a pena, até pelos folhetos que nos oferecem.


Post de HMJ

Da riqueza e das dificuldades da língua portuguesa


Comecei a ler Aquilino já tarde. Creio que pelos idos de 70. Mas já me habituara a identificá-lo pelas capas sóbrias das suas obras, editadas pela Bertrand. Na Póvoa e por Agosto, costumava ver um advogado, frente ao mar e reclinado na sua cadeira de lona, absorto em leituras aquilinianas; o pai do meu amigo Chico, que era médico, também não dispensava, nas férias balneares, o seu Aquilino, repimpado frente ao Atlântico poveiro.
Quando me iniciei nas leituras aquilinianas não estranhei muito o seu vocabulário luxuriante. Já frequentava Guimarães Rosa, nessa altura, bem como o minhoto Tomaz de Figueiredo, para não falar de Camilo, que caprichava em usar as palavras exactas. O transmontano, médico também, João de Araújo Correia, veio mais tarde à minha mão. Também ele purista, terrunho, rico em aplicar tesouros e termos quase esquecidos em tudo aquilo que escrevia.
Há dias, comprei mais um livro dele, de contos (23) curtos, distribuidos por 97 páginas. Usado custou-me apenas 2,50 euros. Pequena monta para tanta riqueza lexical. Logo, nas duas primeiras e breves narrativas, me deparei com 6 estranhas palavras de que só conhecia, por vaga ideia, três delas. Que aqui deixo:
1. lambisqueira
2. galhipo
3. madrigueira
4. estriga
5. prear
6. calipígia.
Tenho grandes dúvidas que as novas gerações sejam atraídas para estas leituras, que lhes serviriam de enriquecimento notório da sua limitada língua portuguesa que, resumidamente, praticam. Sempre frenéticos e à procura de qualquer novidade estridente, estas antiqualhas devem parecer-lhes odiosas. Mas, com isso, estarão cada vez mais condenadas aos grunhos quotidianos do costume. E é pena!

para a Maria Franco, que é fã de Araújo Correia, com estima.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Uma fotografia, de vez em quando... (124)


Todo o movimento tem ritmos. Acelerações e pausas. Os ideais também esbarram muitas vezes com prosaicas realidades não previstas, que podem vir a ser caricaturas dos sonhos iniciais ou, pelo menos, esboços inacabados do possível. Talvez, no fundo, a miragem fosse grande demais para o país e os homens excessivamente pequenos para levar a cabo a tarefa. Cansaram-se, pelo caminho...
A esta foto-metáfora, de Alfredo Cunha (1953), eu daria o título de: o repouso do guerreiro. Há 3 apelidos que gostaria de juntar: Maia, Antunes e Cardoso. O militar, o ideólogo e o político que mitificam, para mim, o 25 de Abril. Depois, há mais 6 ou 7 nomes modestos ou anónimos que nem sequer chegaram à História, mas permanecem na minha memória.
Evito a ladainha das canções que, por esta altura se repetem, numa cacofonia babélica e as palavras grandiloquentes que é habitual virem à tona, neste dia. Não há, por aqui, pessimismo, mas a realidade de um país possível, de que falava Ruy Belo (1933-1978), em livro homónimo.

45 de 25


Há, na nossa vida, pessoas que nos ficaram ligadas, para sempre, a determinadas datas.
A 25/4 eu costumava ligar a um amigo, que já não anda por cá, infelizmente. Outro amigo, pontual, telefonava-me nessa data. Ultimamente, já nem sempre o faz.
Que se poderá dizer de novo, ainda? Embora se não tenha esgotado a alegria que essa data suscita.
Restam talvez os historiadores para darem vida ao passado, de forma realista, autêntica, para o futuro. E a nós, que o vivemos, o boca a boca juvenil desfasado, talvez da melhor coisa que nos aconteceu na vida... 

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Em jeito monográfico, uma colaboração amiga de A. de Almeida Mattos



Aqui há umas dezenas de anos a pergunta “És de Ramalde ? “ não seria bem um insulto mas uma provocação.
Ramalde é uma freguesia do Porto, com o nome arcaico de Riamhaldi com origem anterior, uns séculos, à Fundação, quando os monges de S Bento chegaram ao território. 
Só a partir dos anos 50 chegaria o desenvolvimento industrial, com a criação de bairros  económicos ( 12) - um deles chamado Campina, escolas, armazéns.
A par aparecem áreas residenciais de luxo, marginais à Boavista.
Saídas rápidas da cidade, abertas desde então, alteraram completamente a zona de forte ruralidade.
Dominada por três casas: casa e quinta da Prelada, iniciada em 1754, de grande tradição, com um conjunto paisagístico delineado por Nasoni, com um jardim labirinto que dizem ser o maior da península, e onde funciona o Arquivo da Misericórdia.
A casa e quinta do Viso, ou do Rio, por estar junto da ribeira Agrela, com capela votada a St. António, casa apalaçada de 1764, veio a pertencer aos senhores da casa e morgado das Virtudes, ascendentes do escritor Mário Cláudio.
A terceira casa, casa de Ramalde ou Casa Queimada pelo incêndio que sofreu nas invasões francesas, também atribuída a Nasoni, em 1968 foi abrigo do Museu Nacional da Literatura, por alguns anos, dirigido por Mário Cláudio, que dessa experiência guarda saborosas histórias.
Este arrazoado para insistir na ruralidade da zona onde pastavam pacíficos  bovinos, não sei se de raça barrosã ou cachena, mas, como se vê na foto, muito bem armados.
Assim, ser de Ramalde significaria, pelo menos, não caber nas portas...

Nota: o Arpose acolhe, com grato regozijo, esta colaboração de António de Almeida Mattos.


Recomendado : setenta e nove


Acaba de sair o número 5 da revista Electra.
De dois pontos de vista, inatacável: a distribuição profissional e eficiente (até nas bancas de jornais a podemos encontrar) e o bom gosto estético da sua confecção. Mas estes são os aspectos secundários...
Alargada nos temas abordados, não será muito colectiva ou de agrado fácil. Mas puxa-nos para cima, não nos arrasta para baixo... Isto, num tempo em que a cultura, à força de se querer democratizar, pela gentileza  de chegar a todos, acaba por se rebaixar a um populismo sem grandes critérios de qualidade.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Variações


Há o número e a excelência, quero eu dizer, por outras palavras, a quantidade e a qualidade. Pela sua frequência se podem conhecer os perfis de quem os usa e refere, de algum modo.
Podemos ir muito ao cinema, ou raras e escolhidas vezes. Podemos ler vertiginosamente e muito, ou ler de forma pausada, pouco e com critério. Há quem coleccione países e quem os frequente e repita, apenas por afinidades de exigência. Quem fotografe com frenesi tudo e nada, outros usarão de usura elitista, necessariamente, tentando fixar melhor a sua vida. Há quem adore facilmente, quem se arrase de coisas banais, quem desrespeite as palavras de forma debochada e perdulária, mas, por outro lado, há quem as use com excessiva usura, parcimónia reflectida e respeito. Há quem queira abarcar o mundo todo, mas há igualmente quem queira, com sucinta modéstia, conhecer bem e completamente a sua pequena aldeia. Ou a si mesmo, no fundo.
É tudo uma questão de tom ou de grau - a felicidade de cada um assume formas muito diversas. 

Bibliofilia 174


Dia Mundial do Livro - dizem. E dos Direitos de Autor, que se celebram hoje, convencionalmente.
Ora, o livro mais antigo, que eu tenho na minha biblioteca, é ainda do século XV, porque a sua data de impressão é de 1600, considerado o último ano desse século, para efeitos de demarcação, no tempo.
Trata-se de Primeira Parte das Chronicas dos Reis de Portugal, de Duarte Nunes de Leão, impresso em Lisboa, por Pedro Craesbeeck. Uma primeira edição que Tarcísio Trindade (1931-2011) anotou, a lápis, de "raríssima", na sua caligrafia limpa e característica. Ao invulgar volume, falta-lhe infelizmente a folha de rosto e o índice, o que desvaloriza o livro. Mas a obra, de resto, está perfeita e íntegra de texto.
Contextualizando. Por alturas do mês de Julho, nessa época, e depois de receber o subsídio de férias, eu costumava acompanhar, minuciosamente, a entrada de livros, na rua do Alecrim, nº 44, para seleccionar uma obra mais cara e rara, a que a minha bolsa, mais bem recheada, se podia permitir. Depois, desencadeava a pergunta sacramental, que apenas uma vez por ano pronunciava: Sr. Trindade, qual é o menor preço que pode fazer a este livro?
Foi assim que adquiri, alguns dos livros mais importantes da minha biblioteca tais como as Definições e Estatutos...da Ordem de Christo (1628), também impresso por Pedro Craesbeeck, uma rara primeira edição de Rubén Dário, com dedicatória, de 1897, El Parnasso Español... (1652), de Quevedo, a edição original de Clepsydra (1920), de Camilo Pessanha, e alguns, poucos, mais.
Paguei pelas Chronicas..., em 1990, Esc. 15.000$00, ao sr. Tarcísio Trindade. O livro pertencera, anteriormente, ao advogado Abel Maria Jordão Paiva Manso, conforme ex libris. Recentemente (2017), a mesma obra, mas totalmente íntegra, estava à venda num conhecido livreiro-alfarrabista lisboeta, por 1.400 euros.
E esta é a minha história bibliográfica para o Dia Mundial do Livro que, hoje, se celebra.


Salazar e Guterres, em casa de minha Tia


O inconsciente é como um carro sem travões, desgovernado. Anárquico, surreal, inconveniente muitas vezes, liberto de censuras. Se já o nosso filme interior, quando acordados, muitas vezes, nos compromete, que dizer do nosso mundo onírico, frequentemente libertino, despropositado e caótico?
Não é que na noite passada fui sonhar com Salazar e Guterres, tendo por cenário o terraço de uma casa, bem minha conhecida, na Av. Humberto Delgado, em Guimarães? Saudavelmente, a minha Tia tinha-se ausentado dela, talvez por questões de princípio. Ou, quem sabe?, ofendida, com a intrusão...
Entretanto, os dois Primeiros entraram para o interior da mansão, a fim de dar início ao Conselho de Ministros. A que eu, naturalmente, não tive acesso.
E acordei...


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Reflexões de Pascoela, com osmose gastronómica e enológica, naturalmente...


Tenho o passado arrumado, razoavelmente, na cabeça, até porque, sendo emotivo, não sou sentimental. Coisas há que têm o seu tempo e como bem dizia o poeta Afonso Duarte (1884-1958), "voltar atrás é uma falta de saúde...". Não me recuso, porém, a celebrar, algumas datas da tradição portuguesa, que são, em princípio, de enorme contributo calórico...
Dispenso as cavacas, o pão-de-ló, tenho pena de não ter à boca os bolos de gema desta época, mas faço questão de ter à mesa o anho pascal, no Domingo de Aleluia. Que é uma espécie de ressurreição laica atávica e de antanho, na minha vida. Mesmo que me recuse a hipócrita e teatral identificação, bem portuguesa e preguiçosa, de católico não praticante (que será isso? Não ir à missa aos domingos?!!!...)
No nosso almoço de Páscoa, naturalmente, o cabritinho no forno veio à mesa, tenríssimo, com aroma a alecrim e outras preciosidades silvestres. Fi-lo acompanhar de um monocasta de Touriga 2014, rústico de Silgueiros, tinto e ainda com taninos fortes. Sobrante, o cabrito regressou nesta segunda-feira de  antecipada Pascoela, mais apurado e perfeito. Escolhi, desta vez, um Assobio de 2011, produzido no Douro pela Esporão.


Excelente, para não dizer mais. Assim concelebramos a ágape pascal e de pascoela, à nossa maneira.

Em sequência de Simenon, e apoio iconográfico do poste anterior


Há tendência um pouco generalizada para esquecer os roman durs de Georges Simenon (1903-1989), em benefício dos extraordinariamente populares, ainda hoje, Maigret. É entendível e fácil de perceber.
Se os polar do escritor belga estão praticamente todos traduzidos na colecção Vampiro (73 volumes) e pela Bertrand (49 livros), dos durs, só uma pequena parte foi vertida para português.
Também a Bertrand publicou alguns e na colecção Miniatura se podem encontrar (hoje, só nos alfarrabistas, claro!...) quatro títulos (n.º 42, 83, 89 e 107), que aqui vão em imagem.
Agora reparem nas magníficas capas de Bernardo Marques (1898-1962) e comparem com a indigência estética que capeia grande parte dos livros que, hoje, se publicam em Portugal...


Lembrete 67


A notícia é do jornal Le Monde, do passado dia 5/4/2019. Não só o anúncio  da reedição de toda a obra de Georges Simenon (1903-1989), em 10 volumes, com ilustração de capas de Lustral, como a publicação de um guia ilustrado, Maigret. Traversées de Paris, de Michel Carly. Estas iniciativas destinam-se a marcar os 30 anos da morte do escritor belga.

domingo, 21 de abril de 2019

Eugeniana, mínima (4)


No último trimestre de 1977, Eugénio de Andrade (1923-2005) colaborou, com 5 poemas em prosa, no número 3-4 (duplo) da revista Raiz & Utopia. Creio que, por essa altura, já se encontrava aposentado da função pública. Mas morava ainda no pequeno apartamento, da rua Duque de Palmela, 111, 2º (Porto).
Os poemas, referidos acima, tinham os seguintes títulos, sequencialmente: As Cabras, Plaza del Viento, Enquanto Escrevia, Do Outro Lado e Ocupações do Verão


Todos estes poemas em prosa viriam a integrar o livro Memória Doutro Rio, que o Poeta publicou, mais tarde, na editora Limiar, em Abril de 1978. Quatro deles não sofreram qualquer alteração. Mas o quinto, Ocupações do Verão, teve três pequenas revisões, no texto, em relação à versão inicial que fora publicada na revista literária (que sublinhei, parcialmente, a lápis, na imagem).


A vírgula foi substituída pela copulativa e. Quanto ao desviá-las, inicial, Eugénio de Andrade trocou-o pelo verbo distraí-las, no livro; preocupações desapareceu e deu lugar a ocupações. Transformando, talvez, o concreto do verbo pelo abstracto, mais abrangente. Nos substantivos, no entanto, a mudança foi inversa, aparentemente.
Assim veio a aparecer o poema, ne varietur, na edição da sua obra completa (da altura), em 1990.

Missa Salisburgensis (1682) - Heinrich J. Biber (1644-1704)


Se bem que no Arpose já existam pequenos excertos registados desta monumental Missa Salisburgensis, de Heinrich Franz von Biber, eu hesitei. Hesitei, porque sei que a enorme maioria dos visitantes ao Blogue não consegue ouvir mais do que 5 minutos de um vídeo musical seguido. E alguns, nem isso... Ora, desde já previno que a audição completa ocupa cerca de 46 minutos da nossa vida (os 4 minutos finais são de aplausos)...
Mas esta obra-prima de música coral, erudita e barroca merece ouvir-se integralmente para melhor se apreciar, e sobretudo neste Domingo que é de Páscoa. E, se ninguém decidir escutá-la, paciência. Irei ouvi-la eu, mais uma vez, e para meu proveito e deleite.
Boa Páscoa!

sábado, 20 de abril de 2019

Algaravias (7)


De palavras iniciadas por j e l, se compõe o poste, hoje.
Os termos seleccionados foram, como habitualmente, recolhidos e seleccionados da meritória obra Dicionário do falar Algarvio, de Eduardo Brazão Gonçalves.

1. Jantar de couve - cozido de repolho com carne de porco.
2. Jorra - vinho ou aguardente da pior qualidade.
3. Junetia - brincadeira ou partida sem graça, feita com intuitos de tormento e requintes de crueldade; judiaria.
4. Laborda - porcalhão, sobretudo usado para classificar crianças.
5. Larião - rato grande; ratazana; leirão.
6. Lecantina - choradeira, cantilena.
7. Liorna - confusão; enredo; barafunda; complicação; sarilho.
8. Lobeiro - favorável; ameno; agradável.
9. Ludras (águas...) - águas turvas, sujas, lodosas.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Páscoa


Os nossos ovos, do Folar tradicional, eram bem mais maneirinhos, felizmente..:-)
Entretanto, e a quem passar por aqui, os nossos melhores votos de boas férias de Páscoa!


Uma fotografia, de vez em quando... (123)


Nascido na Hungria, o fotógrafo Martin Munkácsi (1896-1963) trabalhou na Alemanha, no período da ascensão do nazismo, vindo a fixar-se, posteriormente, nos E. U. A., tendo trabalhado para revistas de moda. Problemas de saúde levaram-no a abandonar cedo a sua actividade. Passou a escrever, em compensação.



As suas fotos são uma procura de fixação de movimento, não deixando porém de retratar também muitas celebridades de Hollywood, da época, de que se destacam Fred Astaire, Joan Crawford, Katherine Hepburn. Ou o excelente retrato que tirou a Marlene Dietrich.


Da Páscoa, e com amizade


Por entre azul celeste e verde esperança, nos chegam amigos votos. Que nos colhem de surpresa e sem palavras suficientes. Ocorre-me, um pouco a despropósito, inadequada talvez, uma quadra antiga que se aproxima do grato sentimento que experimento. E que endereço, com simplicidade, à Margarida, em retribuição pobre, do que posso:

Foi bom o dia de hoje nas pessoas
de quem não esperava nem palavras:
desconhecidos gritam-me bons dias
e o barco vai firme sobre as águas.

Com grata estima, e cordialmente,
A. S. 

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Pinacoteca Pessoal 149


Eu creio que o trabalho de ilustrador de livros terá que ser, maioritariamente, de pendor figurativo. Mais ainda se os desenhos se destinarem a um público infantil. Fatalmente, esses artistas não ocuparão uma primeira linha, na arte da Pintura e, muitas vezes, serão desvalorizados pelos estudiosos de Arte.
O conhecido e respeitado especialista de arte Kenneth Clark, por exemplo, subvalorizava a obra de gravador e ilustrador de  William Blake pelas pequenas dimensões das suas gravuras, para as obras de poesia que editou...
A menos que essa actividade de ilustração tenha sido secundária e uma pequena parte, acessória, da obra do artista - estou a lembrar-me de Botticelli e do seu trabalho para A Divina Comédia, de Dante.



O pintor e ilustrador norte-americano N. C. Wyeth (1882-1945) tinha isso em conta, quando disse: Painting and illustration cannot be mixed - one cannot merge from one into the other.
Isso, no entanto, não obstou, excepcionalmente, a que a sua obra não tenha vindo a integrar, com o tempo, alguns museus americanos e seja considerada, hoje, de grande qualidade, a par dos trabalhos do seu confrade e contemporâneo Norman Rockwell (1894-1978), que também ilustrou muitas obras literárias.


Wyeth colaborou na ilustração de mais de uma centena de livros, muitos deles sobre o Oeste americano como, por exemplo, O último dos moicanos, de James Fenimore Cooper. E eu gosto particularmente do poster Ore Wagon (1907), com um pormenor do condutor da diligência. Ou desta serena paisagem que, em 1934, N. C. Wyeth pintou sobre a zona marítima da Costa do Maine.
Ainda que conservador na execução dos seus trabalhos e pouco inovador, os seus quadros não deixam de ter um estilo e uma qualidade muito própria.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Do que fui lendo por aí... 26


Li ontem uma boa parte da correspondência diplomática de Almeida Garrett (1799-1854), enquanto representante português em Bruxelas. As cartas lêem-se quase como um romance desesperado, à espera de uma solução airosa, que tarda, sobre o pagamento de salários do nosso cônsul na Bélgica. De 5/8/1834, pelo menos, até 30/9/1835, o nosso homem em Bruxelas implora e reclama o que lhe é devido. Como ele sobreviveu todo esse tempo, não nos é dito. Para além de se endividar, continuadamente. E até o pão adquirir fiado...
O silêncio olímpico da nossa secretaria de Estrangeiros, em Lisboa, provoca, no leitor, perplexidade e revolta, pelo injusto da situação. Por outro lado, a não resolução de algumas questões administrativas e burocráticas, por parte da tutela, aos pedidos de autorização de Garrett, acrescentam e denunciam, de forma flagrante, o laxismo e a indiferença dos burocratas das Necessidades, nessa época.
A minha experiência de salários em atraso é única e curta. Ocorreu apenas uma vez. Data de 1976, quando o meu ordenado se vencia a 29 do mês e só veio a ser pago no dia 5 do mês seguinte. A angústia dessa semana de incerteza ficou para sempre marcada na minha memória profissional...

Ponto de ordem à mesa


Apesar dos avanços da humanidade e do progresso tecnológico, continuamos à mercê dos caprichosos mistérios e poderes dos 4 elementos essenciais: terra, ar, água e fogo.
Muitas vezes ajudados pela incúria dos homens.

terça-feira, 16 de abril de 2019

A arte de rebaixar a Arte


Sabe-se que Rembrandt foi um dos pintores europeus que mais se auto-retratou.
Não conheço, nem sei da qualidade mental do sr. Taco Dibbits que, ao que diz o TLS, será o director do Rijksmuseum de Amesterdão. Onde, até 10 de Junho de 2019, estará patente uma grande exposição (All the Rembrandts) sobre a obra do pintor holandês.
Mas aquele sr. director deve ser um homem propenso a afirmações ambíguas ou infelizes, e o seu pensamento deve puxar-lhe, intrinsecamente, para o chinelo. Bombástico, afirmou tonitroante - também segundo o TLS - que Rembrandt terá sido "o primeiro Instagrammer" (sic). Qualquer dia, e se não o calam de vez, ainda é capaz de dizer que Van Gogh foi o primeiro autor de "selfies"...
Irra!

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Apontamento 124: Manifesto do SNS - CODA



Cansada, confesso, de todo o coro da direita a falar do declínio do SNS, disfarçando as suas responsabilidades enquanto Governo, sucede que, no dia 13.4.2019, encontrei um artigo que acima se reproduz, parcialmente.

Com uma visão objectiva, de profissional conhecedora do funcionamento de dentro, vi, finalmente, um esclarecimento claro e acessível. É pena que o senhor bastonário – ao que parece em representação de médicos – não tenha a mesma clarividência, nem sentido cívico, para transmitir aos utentes uma visão desapaixonada, desígnio que se esperava dele, mas em vão, como temos visto pelas suas prestações paupérrimas.

O restante artigo da Drª Isabel do Carmo pode ser lido, certamente, na versão “on-line” do Público de 13.4.2019. O corte do texto final não foi intenção minha, mas surgiu por imposição do espaço disponível para a digitalização do artigo.

Sublinho, no entanto, que censurei, por imperativo cívico e democrático, a cara do senhor Cavaco e Silva, que acompanhava o artigo. E mais não digo por decoro, palavra que não costuma sair bem da boca de hipócritcas.

Post de HMJ

Mais uma lista...


Um dos divertimentos mais frequentes do ser humano, é fazer listas. Até nos blogues se nota. Umas vezes, sucintas, episódicas, outras vezes, intermináveis e que se prolongam no tempo.
Relações temáticas que permitem enumerar preferências, revelar classificações de qualidade segundo um critério pessoal e subjectivo, excluir desagrados e provocar reacções. De aplauso ou de crítica.
Vi, há dias, a lista dos 10 filmes preferidos de Woody Allen (1935). Que passo a enumerar, arbitrariamente:

- Vittorio de Sica : Ladrões de bicicletas (1948).
- Orson Welles : O mundo a seus pés (1941).
- Luis Buñuel : O charme discreto da burguesia (1972).
- Jean Renoir : A grande ilusão (1937).
- François Truffaut : Os 400 golpes (1959).
- Stanley Kubrick : Horizontes de glória (1957).
- Ingmar Bergman : O sétimo selo (1957).
- Federico Fellini : 8 e 1/2 (1963).
- Federico Fellini : Amarcord (1973).
- Akira Kurosawa : Roshamon (1950).

O que me autoriza a reiterar aquilo que já por várias vezes, aqui, referi: Woody Allen é o mais europeu dos realizadores norte-americanos. Na lista dos 10 +, 6 dos cineastas são naturais da Europa. E Fellini, bisa.
Ainda mais um pormenor de regra, habitual. O gosto humano cristaliza, quase sempre, entre a alta infância e o final da adolescência. São dessa época de vida, as nossas melhores recordações indeléveis ou a fixação de um padrão afectivo e estético. Woody Allen não foge à regra...

Uma questão de género?


A questão não é metafísica e nem terá grande importância, afinal.
Conheço razoavelmente a obra de Simone de Beauvoir (1908-1986), menos, a de Sartre (1905-1980). O mesmo poderei dizer das suas biografias, que se entrelaçam. É sabido que ambos tiveram uma vida amorosa e sexual diversificada, plural, livre e heterodoxa, ainda que dupla, temporariamente, mantendo no entanto constante uma ligação entre si.
A pergunta que me faço é pela diferença do que sei. Não consigo dizer sequer um nome das ligações amorosas de Sartre, embora saiba que teve várias, uma delas até proposta por Simone, numa espécie de ménage à trois. Ao contrário, se me perguntarem o nome de algum dos amantes de Simone de Beauvoir, de imediato me ocorrem logo três apelidos: Bost, Algren, Lanzman.
Pergunto-me a razão do facto e da diferença, embora me ocorram algumas hipóteses possíveis. Não muito satisfatórias, porém, do meu ponto de vista.

domingo, 14 de abril de 2019

Citações CCCIC


Mas, na prática, a Internet conduz não à emergência de um espaço público, mas à tribalização do público.

Boris Groys (1947), em entrevista à revista  Electra 1 (Março 2018).

sábado, 13 de abril de 2019

Bibliofilia 173


Em abono da verdade, devo começar por dizer que, tirando Verlaine e até ao século XX, eu nunca fui grande entusiasta da poesia francesa. Mas o século passado já me trouxe, pelo menos, dois grandes poetas franceses: Saint-John Perse e René Char, de minha frequência estimada, ainda hoje.
Quanto à história, a narração é simples, embora tenha contornos misteriosos que eu nunca descobri.
Aí pelos anos 90, sempre que eu ia à Livraria Artes e Letras (Largo Trindade Coelho, agora, nas Avenidas Novas, Lisboa), namorava e folheava, com particular atenção um volumoso lote de números da revista Po&sie, publicação prestigiada que começara a editar-se em 1977, pela mão do poeta e tradutor Michel Deguy (1930), e que era dedicada a estudos e continha poemas de escritores franceses e estrangeiros, alguns deles traduzidos (Paul Celan, Umberto Saba, Sylvia Plath...). Mas Luís Gomes precificara os exemplares muito caros para o meu gosto: 10 euros os números simples, 15, cada um dos duplos.
Ora, inesperadamente, a Livraria mudou de dono, durante cerca de um ano, passando para a direcção de Carlos Bobone, também ele livreiro-alfarrabista. Que procedeu a rearrumações e à marcação de novos preços dos livros usados, alguns muito abaixo dos antes praticados. E foi assim que eu acabei por limpar a prateleira das revistas Po&sie e, em duas abadas felizes, trouxe de lá 18 números (entre o nº 50 e o 98), ao preço de 3 euros, cada um. E que fazem parte, agora, da minha biblioteca.
Resta acrescentar que, meses depois, a Livraria Artes e Letras voltou a pertencer ao seu anterior proprietário - e aqui é que reside o mistério. No interim, no entanto, eu tinha aproveitado os saldos...


Cenários antecipando a Páscoa


A oliveirinha outrabandista, pressentindo a Páscoa, já ostenta muitas dezenas, ou mesmo centenas de brotos.
O Tejo, quando o atravessámos, tinha as águas tranquilas e mais parecia um lago.
A igreja de Alcântara tinha a porta ladeada por duas grandes palmas, para lembrar a época.
E, para nossa surpresa, fomos encontrar no Chiado, gentil e fruto do labor amigo da Paula, um inesperado coelho Limiano, todo florido a dar-nos as boas vindas e a desejar-nos uma Boa Páscoa.*

* Que, cordialmente e aqui, retribuímos!