Se por vezes basta um único poema (assim Diotima, de Alberto Lacerda, por exemplo, ou Bucólica, de Torga) para nos fazer lembrar um poeta, para sempre, e respeitá-lo, assim pode também acontecer com um único quadro, que nos desperta e motiva a conhecer a obra de um pintor, que desconhecíamos, até aí. Assim me aconteceu com a tela Lago Keitele, pintada pelo finlandês Akseli Gallen-Kallele (1865-1931), em 1905.
De uma família da média burguesia, Gallen-Kallele, cedo abandonou a Finlândia, fixando-se em Paris, no ano de 1884. Mais tarde, em 1894, vai para Berlim. Apesar de se integrar a escola do Simbolismo, inicialmente, liga-se ao grupo expressionista alemão Die Brücke, que acaba por influenciar a sua obra posterior. São também notáveis os seus trabalhos de ilustrador, nomeadamente, os que foram feitos para o livro Kalevale, do poema épico finlandês. Numa perspectiva nacionalista acentuada, dominante, na época.
Não queria deixar de fixar em registo, finalmente, uma tela que aprecio do período simbolista de Gallen-Kallele, intitulada O Rapaz e o Corvo, executada no ano de 1884.
Creio que por estes exemplos, nas imagens, se pode perceber o meu gosto por este pintor finlandês, talvez pouco conhecido...
sexta-feira, 30 de novembro de 2018
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
A estultícia humana e a inteligência artificial
E já que falei de algoritmos, no poste anterior, em sequência gostaria de dar conta de uma das últimas search words que veio desaguar, estupidamente, ao Arpose.
A (?) cibernauta, muito provavelmente brasuca, prolífica em palavras e desleixada, escreveu ao Google, assim: "eu quero ver o casamento de Fabíola Aguiar do programa de bolo de Maceió".
E o motor de busca, na sua proficiente infalibilidade mecânica, mandou-a dar uma volta por todos os postes do Arpose do mês de Dezembro de 2015...
Juntou-se, deste modo, a fome com a vontade de comer. Ou a palermice com a estupidez.
Comic Relief (145)
A terceira idade e as novas tecnologias, ou a primeira idade dos algoritmos, ou o despontar da inteligência artificial e o operário indiferenciado, ou...
Sem títulos
As imagens sem movimento nem título ou legenda, quando sugestivas, despertam quase sempre a imaginação e o sonhar-lhes uma história alusiva. Porque o mistério procura uma saída ou explicação. Assim acontece com algumas telas e fotografias. A curiosidade aguça o engenho, habituados que estamos a dar nome às coisas.
A pausa final, antes do silêncio?
Todos os anos e por esta altura, o TLS costuma ouvir alguns nomes marcantes da cultura e língua inglesa, para se pronunciarem sobre os livros que consideram mais interessantes, dos que sairam e leram durante o ano em curso. Este ano a obra mais referida é The Collected Letters of Flann O'Brien, escritor irlandês.
Muito raramente há referências a nomes portugueses e brasileiros, ainda que em traduções.
Presença habitual neste inquérito, era George Steiner (1929).
Que, este ano, faltou à chamada...
Que, este ano, faltou à chamada...
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
Bibliofilia 167
Mesmo em bibliotecas especiosas de consagrados e conhecidos bibliófilos podemos encontrar edições desvaliosas e vulgares que, provavelmente, também foram tratadas com desvelo pelos seus anteriores donos. O afecto aos livros não faz discriminação nem despreza exemplares porventura menos nobres...
Foi assim que encontrei, em boníssimo estado, cerca de duas dezenas de volumes, com encadernação do editor (Empreza da História de Portugal) das obras completas de Almeida Garrett, publicadas (1904) sob a orientação de Teófilo Braga. Os livros repousavam na prateleira de baixo das estantes, na loja do meu alfarrabista de referência, sítio que significava terem o preço simbólico de 1 euro, cada um.
Dos vários volumes, muitos deles de Teatro, escolhi apenas 4: um de Poesia e três sobre documentos (cartas, relatórios, projectos...) da vida pública (Parlamento, Governo e Diplomacia) de Garrett. Todos os livros tinham 2 ex-libris interessantes. Do grande bibliófilo Avila Perez e de Fernando Castelo Branco. Que aqui ficam registados por imagem.
terça-feira, 27 de novembro de 2018
Voltar ao princípio
Estou a nove páginas do final dos Cahiers (1997), livro póstumo de E. M. Cioran (1911-1995).
Creio que comecei a lê-lo ainda no século XX. Fui poupando na leitura das suas 999 páginas, petiscando uns bocadinhos de cada vez que lhe pegava, saboreando-os, a pouco e pouco, para que durasse muito tempo. A sua natureza fragmentária também ajudava às pausas, para eu melhor reflectir sobre as palavras sempre estimulantes do escritor de origem romena, que escreveu a maior parte da sua obra em francês.
E, no meio do deserto de ideias e de pensamento que são os livros que se publicam hoje em dia, deu-me gosto pensar que, quando o acabar, poderei vir a relê-lo. Talvez com o mesmo prazer da leitura inicial...
Osmose 99
O mal é, normalmente, absolvido pelo tempo, mas o bem nem sempre é compreendido. E não será preciso, em abono desta afirmação, referir Fidel ou citar Hannah Arendt: a História confirma-o, quase sempre.
Uma revolução tem, na minha opinião, qualquer coisa de ingénuo e qualquer coisa de cruel. Aspectos que, na sua evolução, criam à maioria das pessoas algum incómodo interior. E que, consoante a sua capacidade de manobra ou de poder, tentam modificar a seu gosto ou mesmo neutralizar. Para conservar a sua rotina tranquila de viver, ainda que banal. As necessidades são sempre básicas, os ideais, difíceis de descrever ou concretizar e o cepticismo nem sempre se compadece com o sonho.
Uma revolução tem, na minha opinião, qualquer coisa de ingénuo e qualquer coisa de cruel. Aspectos que, na sua evolução, criam à maioria das pessoas algum incómodo interior. E que, consoante a sua capacidade de manobra ou de poder, tentam modificar a seu gosto ou mesmo neutralizar. Para conservar a sua rotina tranquila de viver, ainda que banal. As necessidades são sempre básicas, os ideais, difíceis de descrever ou concretizar e o cepticismo nem sempre se compadece com o sonho.
A alegria adulta, porém, passa quase sempre pelo sobressalto, pela medida das coisas impossíveis ou improváveis. No fundo, por viver de outra maneira.
para AVP, com um piscar de olhos...
para AVP, com um piscar de olhos...
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Divagações 137
Hesito em acrescentar o obituário do blogue, com mais um nome. As memórias são poucas, talvez de apenas dois filmes medianos, para a minha bitola. Falar por falar não faz o meu ideal. O enquadramento parece-me sempre essencial, num poste. Salvo quando se trata de música, de alguma citação suficiente, porventura. Ou, então, acrescentar ao título, alguma coisa de pessoal que exceda a menção corriqueira e a imagem previsível. É melhor ficar por aqui...
No fim de contas, não preciso de marcar o ponto nem a presença. A liberdade de um blogue passa por aqui.
domingo, 25 de novembro de 2018
Citações CCCLXXXII
Richard Sugg (1969), in Fairies (2018).
Retratos (21)
São rostos sem nome, mas eram muito jovens. Lembro-me bem.
A 26 de Novembro de 1975, coordenei uma reunião, ali para os lados de Alcântara, sobre um qualquer assunto importante para a empresa a que eu presidia. E eles dois, insones, estavam presentes.
De cada vez que tinham que intervir, faziam-no, mas quase rompiam em lágrimas, que nada tinham a ver com o que se discutia, à mesa da reunião. É que eles tinham passado a noite de 25/11 a levantar barricadas ou a escavar trincheiras, ali para as bandas da Ajuda, fervorosamente.
E foi, depois, que se lhes acabou toda aquela alegria, que é própria e natural de cada juventude.
Militária
A panóplia temática da I Grande Guerra é vasta. As ilustrações podem chegar ao humor, à propaganda, mas também há toda uma iconografia inventariando os desastres e destruições provocados pela guerra, na senda do que Goya fizera, em arte, cerca de 100 anos antes.
Escolhi estes dois postais que, não deixando de ser bélicos, ilustram o vestuário militar de dois países: a Inglaterra e a Alemanha.
sábado, 24 de novembro de 2018
Últimas aquisições (9)
Até posso concordar que os livros estão caros. Mas, com um pouco de sorte e outro tanto de paciência, pode acontecer que os compremos baratos ou, pelo menos, a bom preço. É preciso é saber esperar. E tirando 4 ou 5 nomes de escritores de que eu não prescindo de ler na primeira altura, e aquando da saída, dos restantes aguardo, sempre, uma oportunidade, para os adquirir ou em saldo (destino habitual dos pretensos e proclamados "best-sellers", quando não são guilhotinados pelas editoras...), ou usados. Foi o caso destes dois últimos que comprei e que me ficaram por 5 euros.
Destas conversas entre Goethe (1749-1832) e Eckermann (1792-1832) já eu lera inúmeras referências elogiosas, mas nunca sequer tinha visto qualquer edição à venda. Sendo embora uma selecção de textos escolhidos, este livro de 1947 dar-me-á, no entanto, a possibilidade de avaliar e fazer uma ideia geral desta relação amistosa e de afinidade de espírito entre os dois poetas. Quanto a Zafón (1964), tenho ouvido muitos elogios, quanto à sua escrita e qualidade. E, embora eu não embarque na última moda, com facilidade, decidi trazê-lo para me certificar da qualidade, ou não, do escritor catalão. Creio que não me vou arrepender da compra - até pelo preço da aquisição.
Destas conversas entre Goethe (1749-1832) e Eckermann (1792-1832) já eu lera inúmeras referências elogiosas, mas nunca sequer tinha visto qualquer edição à venda. Sendo embora uma selecção de textos escolhidos, este livro de 1947 dar-me-á, no entanto, a possibilidade de avaliar e fazer uma ideia geral desta relação amistosa e de afinidade de espírito entre os dois poetas. Quanto a Zafón (1964), tenho ouvido muitos elogios, quanto à sua escrita e qualidade. E, embora eu não embarque na última moda, com facilidade, decidi trazê-lo para me certificar da qualidade, ou não, do escritor catalão. Creio que não me vou arrepender da compra - até pelo preço da aquisição.
sexta-feira, 23 de novembro de 2018
Do palavrão, como inefável banalidade
Devo confessar, embora com alguma relutância e pudor, que em tempos de ingénua meninice, e por volta dos 11/12 anos, na ânsia de ser homem mais depressa, comecei a fumar, a escarrar para o chão e a dizer palavrões - passou-me depressa, felizmente, excepto o vício do fumo, que ainda hoje tenho.
Assisti, com bonomia, nos anos 80, instalada que foi e consolidada a liberdade e democracia, a alguns publicistas (bragas, cardosos, pimentas...) portugueses, em busca de fácil notoriedade, a usarem, a torto e a direito, uma linguagem que eles julgavam desbragada, para chamar a atenção dos puritanos leitores...
Esqueciam-se, porventura, das cantigas de escárnio e maldizer, do Cancioneiro Geral, de Lobo de Carvalho, de Bocage, Botto, do "merda" de Álvaro de Campos, de tantos outros, no entretanto português. Porque eles não eram, de maneira nenhuma, pioneiros. Depois, chegou a vez dos autores de alguns blogues vituperarem pessoas e coisas, de forma soez. Por exorcismo, catarse ou exibicionismo, quem sabe?
Pelo que li, hoje, na ípsilon, chegou a vez das senhoras donas romancistas (?). E de uma jovem que se platinou recentemente (o seu look, anteriormente, era bem mais modesto...). Que se desbrague à solta e lhe faça bom proveito! (Não será isso, de certeza, que a fará ombrear com Sade ou Miller, em qualidade - e nós já estamos habituados.)
Da guerra, a I G. G., em particular
O penúltimo TLS (nº 6032) dedica um extenso e importante dossiê à literatura originada pela I Grande Guerra, por ocasião do centenário do seu término. Na parte iconográfica alusiva à temática, achei particularmente interessante a ilustração de Ella Baron (1995) e a legenda que a acompanha, retirada da obra The Things They Carried, do escritor norte-americano Tim O'Brien (1946). Muito embora as suas palavras partam da experiência bélica no Vietname, as suas recordações reflexivas, podem aplicar-se a todas as guerras e à memória que delas ficam, em cada ser humano.
Por esse motivo, decidi traduzir, em versão muito livre, a legenda de Tim O'Brien, que sublinha o desenho sugestivo de Ella Baron.
Como se segue:
Como se segue:
" À hora do entardecer, sentamo-nos na nossa toca de raposa... e, embora amanhã de manhã, devamos ter... que fazer coisas terríveis e até talvez possamos morrer, mesmo assim... sentimos a maravilha e o temor do pôr-do-sol... A guerra já ocorreu há muito tempo, mas a sua recordação regressa de novo. E, algumas vezes, isso leva-nos até uma história que a torna eterna. É para isso que as histórias servem. As histórias são para religar passado e futuro."
Lembrar Eugénio (1923-2005)
Em abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não lhe tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhor dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo.
Eugénio de Andrade, in O Sal da Língua (1995).
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
Regionalismos ilhavenses (8)
Para lá das falas regionais, muitas vezes demarcadas, existem linguajares em algumas profissões especializadas que, de algum modo, só fazem sentido no seio das próprias corporações. O contacto com outras gentes, países e línguas, contamina com frequência o falar original, também. É o que se verifica em alguns vocábulos ingleses, que deturpados e adaptados, se foram infiltrando no falar das gentes de Ílhavo, mercê dos contactos marítimos dos pescadores do bacalhau, pelo Atlântico Norte, sobretudo. E que vêm referidos na obra Palabras co bento no leba, que Domingos Freire Cardoso, laboriosamente, levou a cabo. E a bom porto...
É desse mesmo livro que, hoje, vamos transcrever, em selecção, algumas palavras começadas por j e l, na senda do que temos vindo a fazer, ultimamente:
1. Jàja - buraco existente no fundo de uma embarcação ou vasilha por onde se faz o escoamento.
2. Jorça - coisa reles e sem valor; coisa desajeitada.
3. Jurdição - variedade ou qualidade; baralhação; complicação; muita criança junta a fazer barulho.
4. Lã branca - ingénuo, simplório.
5. Labacheira - poça de água, geralmente da chuva, nas ruas de terra batida.
6. Laberca - pessoa magra; fome; espécie de cotovia.
7. Lambiso - trombudo, pessoa que anda sempre de má cara.
8. Lêbas - os fígados do bacalhau (do Inglês "liver" - fígado).
9. Lebes - vísceras do porco (pulmões, coração, rins, fígado) usadas para fazer guisado ou pôr no arroz de fressura.
10. Luxado - sujo, conspurcado, desarticulado.
Má língua, linguadinhos e panachê
No velho Animatógrafo, logo após o Arco de Bandeira, aglomerava-se uma dúzia de turistas ansiosos, à porta, para ver o peep show seguinte... Já não chovia, e como estávamos por ali e eram horas de almoço, optámos pela Merendinha do Arco, que tinha Dobrada e Linguadinhos com Arroz de Feijão malandrinho, entre outros pratos do dia. O restaurante, embora tenha boa cozinha e serviço, é exíguo de espaço e as mesas são contíguas e apertadas entre si. Não há discrição possível para as conversas da mesa ao lado...
As tias alfacinhas, que nos calharam como vizinhas, deviam ser monárquicas, porque a despesa da conversa se processou, exclusivamente, por entre Jorge VI e a rainha Sofia. Do monarca inglês, serviu de pretexto o ainda recente filme "O Discurso do Rei", quanto à monarca emérita espanhola foram exploradas, até à exaustão, as tensões com a nora Letizia. Desfilando, por acréscimo, os comportamentos de Juan Carlos e de Filipe VI, referidos na Caras e Nova Gente, que as sexagenárias alfacinhas referiam e acompanhavam, piedosa e solidariamente. Ao sairmos, tinham começado a falar do padre Tolentino.
Foram as duas senhoritas nos Linguadinhos, uma acompanhou com o arroz malandrinho, a outra preferiu açorda. Mas ambas beberam o típico e lisboeta panachê*.
Nós escolhemos um duriense Fraga da Galhofa, tinto, com um rótulo horrível, mas lotado com a nobre Tinto Cão e a estimável Bastardo. Para além da Touriga Nacional, Tinta Roriz e Barroca, num lote que resultava bem.
* para quem não saiba, o panachê é uma mistura de cerveja com gasosa.
P. S.: e fiquei-me a pensar donde provirá este "panachê"... Será do francês "panache"? Não creio...
quarta-feira, 21 de novembro de 2018
A errática fama de um Nobel
Se há personagem controversa, no mundo da literatura, creio que Alexander Soljenítsin (1918-2008) leva a palma, muito provavelmente, neste particular.
Tudo terá começado por uma carta, que escreveu a um amigo, em 1945, em que fazia duras críticas a Stalin. A missiva foi apreendida pela polícia política soviética e o escritor foi preso. Por aqui se iniciou a peregrinação dolorosa e a sua fama errática. E a sua carreira de romancista.
Tempos da Guerra Fria, o Ocidente, a partir dos primeiros livros publicados, sempre o amimou, enquanto na URSS a sua figura ia passando por altos e baixos. Conservador, para alguns, inovador para outros, Soljenítsin sempre pensou pela sua própria cabeça e em liberdade. Premiado com o Nobel, em 1970, só em 1974 o veio a receber. Mas neste mesmo ano foi expulso da sua pátria e foi-lhe retirada a nacionalidade soviética.
Em 1994 regressa à Rússia e, no ano de 2007, conhece e simpatiza com Putin. Sentimento recíproco, da parte do político. Que, neste ano da graça de 2018, acaba de assinar um decreto presidencial, para que o centenário do seu nascimento possa ser celebrado condignamente.
Ironias do destino, o poder acaba sempre por capturar, aproveitar e rentabilizar os ícones simbólicos que lhe possam trazer mais valias...
Ironias do destino, o poder acaba sempre por capturar, aproveitar e rentabilizar os ícones simbólicos que lhe possam trazer mais valias...
Citações CCCLXXXI
Margaret Mead (1901-1978), in Male and Female (1949).
Clonagem operática
Não sendo o Arpose uma delegação do I. N. E., posso dar-me ao luxo de não me dar ao rigor escrupuloso do tipo de exercício e trabalho daquela instituição nacional de reputado crédito. Podendo assim permitir-me a algumas considerações que pecam, talvez, pela sua relatividade e serão, eventualmente, excessivas na sua generalização.
Dito isto, abordemos o caso da utilização de vídeos de música erudita, nos Blogues que a privilegiam.
As correntes dominantes não serão muitas, nem diversificadas. E menos ainda se focarmos, apenas, as árias de óperas, registadas pelos administradores e colaboradores, quando os blogues são colectivos. Iremos deparar com uma cacofonia estereotipada. E, nalguns casos, em que o administrador é mais distraído ou desleixado, as árias até se repetem: 2, 3 e 4 vezes, ao longo do mesmo blogue...
Aceito de bom grado que o Arpose possa não ser excluído, em absoluto, desta clonagem tanta vez verificada por aí. E arrisco, com a tal relatividade de que falava acima, que os compositores mais repetidos, por esses blogues além, sejam, sem dúvida, Giacomo Puccini (1858-1924), logo seguido por Gaetano Donizetti (1797-1848). Não saberei, no entanto, explicar a razão desta multiplicação de lugares comuns. Talvez um limitado conhecimento musical, preguiça ou um contágio estereotipado de gosto.
Passando à prática, vou enumerar 9 (das dez canónicas, deixando 1 em desafio, às visitas, por preencher) árias de ópera, que mais aparecem e se repetem, nos blogues. Não refiro os intérpretes, por variarem, às vezes. Cito apenas, os compositores, a ária e a ópera, sem preocupação de progressão ou ordem de grandeza, na enumeração. Uso a ordem alfabética do apelido dos autores-músicos.
Aqui vão as 9 mais:
Aqui vão as 9 mais:
1. Vincenzo Bellini - Casta Diva - Norma.
2. Georges Bizet - Habanera - Carmen.
2. Georges Bizet - Habanera - Carmen.
3. Gaetano Donizetti - Una furtiva lacrima - L'elisir d'amore.
4. Ruggero Leoncavallo - Vesti la giubba (Ridi pagliaci) - Pagliaci.
5. Wolfgang A. Mozart - Papageno - A Flauta Mágica.
6. Giacomo Puccini - E lucevan le stelle - Tosca.
7. Giacomo Puccini - Nessun dorma! - Turandot.
8. Giacomo Puccini - Vissi d'Arte - Tosca.
9. Gioacchino Rossini - Cavatina de Figaro (La, la, la...) - O barbeiro de Sevilha.
(Não querem arriscar mais 1?!...)
4. Ruggero Leoncavallo - Vesti la giubba (Ridi pagliaci) - Pagliaci.
5. Wolfgang A. Mozart - Papageno - A Flauta Mágica.
6. Giacomo Puccini - E lucevan le stelle - Tosca.
7. Giacomo Puccini - Nessun dorma! - Turandot.
8. Giacomo Puccini - Vissi d'Arte - Tosca.
9. Gioacchino Rossini - Cavatina de Figaro (La, la, la...) - O barbeiro de Sevilha.
(Não querem arriscar mais 1?!...)
terça-feira, 20 de novembro de 2018
Memória 126
Desculpe-se este "bis" recente de Paco Ibáñez (1934), aqui no Arpose, mas ele faz hoje 84 anos. E, por outro lado, canta aqui uma interessante canção de Georges Brassens (1921-1981). Assim se celebra a memória de dois grandes cantautores.
Uma fotografia, de vez em quando... (114)
Eu creio, firmemente, que se a qualidade e engenho do fabbro é grande, ainda que a sua arte seja engajada ou comprometida, pode sempre ter altura estética.
Nascido no Soweto (África do Sul), o fotógrafo Ernest Cole (1940-1990) teve que se exilar, cedo na vida, depois da publicação do livro House of Bondage (1967) em que, através das imagem (fotografias), denunciava as condições desumanas do apartheid. Com intenso espírito religioso e convicções arreigadas de justiça, Cole foi ganhando a sua vida como fotógrafo freelancer de várias publicações estrangeiras, que o acolheram.
De forma muito simples, ele soube definir, objectivamente, a sua perspectiva sobre a injustiça do sistema político sul-aficano dessa altura. Por estas certeiras palavras:
" A crueldade essencial desta situação (apartheid) é que nem todos os negros sendo virtuosos, todos os brancos estão condicionados em não ver quão cruéis são as injustiças que eles próprios impõem aos seus vizinhos cor."
Convenhamos que foram imagens e palavras de sabedoria, aquelas que Ernest Cole usou, em defesa da sua causa e luta, pela igualdade e pela justiça.
segunda-feira, 19 de novembro de 2018
Exposição no M. N. A. C.
No Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), em Lisboa, decorrerá, a partir de 22/11/2018, uma exposição de Miguel Soares (1970). Estará patente ao público até 24/2/2019.
domingo, 18 de novembro de 2018
Paco Ibáñez (1934) canta Jorge Manrique (1440?-1479)
Este poema maior da literatura castelhana, intitulado Coplas por la muerte de su Padre, de Jorge Manrique, era - diga-se, por uma questão de curiosidade - um dos preferidos do nosso rei D. João II que, normalmente, trazia consigo, no bolso, uma cópia manuscrita destas Coplas.
Público, em edição estrangeira
Provavelmente, hoje em dia, a direcção dos jornais já nem sequer vê as provas, antes de pôr na rua a edição matutina dos ditos. E os revisores foram dispensados por obsoletos, ao que parece...
No jornal Público de hoje (18/11/2018) deparei-me com esta legenda estranha, na página 14. Terá sido escrita nalguma língua novi-latina? Em esperanto? Ou em grunho incompetente?
Venha o diabo, e escolha!
Pinacoteca Pessoal 141
Talvez pouco conhecido a nível nacional, e circunscrito mais a um âmbito regional, Abel Cardozo (1877-1964) foi, porém, um pintor vimaranense estimável e de mérito. Ainda o conheci de vista, pelas ruas de Guimarães, com o seu ar garboso, embora envelhecido pelos anos.
Quando em 1969, cinco anos após a sua morte, a Sociedade Martins Sarmento resolveu celebrar a sua obra e memória, os promotores da exposição comemorativa viram-se em dificuldades para reunir cerca de 60 dos seus quadros, que se encontravam, sobretudo, na posse de famílias de Guimarães. Mas também dispersas pelo Porto e Lisboa, sobretudo.
Na altura da inauguração da mostra, o também pintor Carlos Carneiro (1900-1971) traçou-lhe assim o perfil:
" Logo a sua figura me impressionou muito; um Homem enorme, forte, atlético, com uma barba moira, um olhar luminoso e um sorriso que nos entrava logo no coração. Recordo-o como se fosse hoje, - o seu chapéu negro de abas largas, a sua gravata romântica, à Lavalière, hábito que guardava dos seus tempos de Paris, e a sua pele rosada e fresca como a dos meninos... Uma boca carnuda, rósea, e uma simplicidade extrema, essa rudeza feita de pureza dos homens autênticos! "
Nascido em Guimarães, Abel Cardozo frequentou a Escola de Belas Artes do Porto e tendo acabado o curso, com cerca de 20 anos, rumou a Paris onde veio também a inscrever-se na Escola homónima parisiense. Aí tomou contacto directo com os impressionistas, que não o terão influenciado muito. Ainda esteve no Brasil, regressando depois à sua cidade natal, onde se fixou e exerceu a sua profissão de professor, primeiro na Escola Industrial e, depois, no Liceu. Mais tarde, e como professor, exerceu em Lisboa, também, durante cerca de 16 anos. Aposentado aos 70 anos, voltou a Guimarães, onde viria a falecer, com 87 anos de idade.
A sua obra, embora não seja a de um inovador, revela bons dotes de retratista, de que eu destacaria o retrato a carvão de Martins Sarmento, executado por volta de 1900. Mas também pintou excelentes paisagens como as Dunas, em 1923, fixando um cenário da região de Viana do Castelo.
Na altura da inauguração da mostra, o também pintor Carlos Carneiro (1900-1971) traçou-lhe assim o perfil:
" Logo a sua figura me impressionou muito; um Homem enorme, forte, atlético, com uma barba moira, um olhar luminoso e um sorriso que nos entrava logo no coração. Recordo-o como se fosse hoje, - o seu chapéu negro de abas largas, a sua gravata romântica, à Lavalière, hábito que guardava dos seus tempos de Paris, e a sua pele rosada e fresca como a dos meninos... Uma boca carnuda, rósea, e uma simplicidade extrema, essa rudeza feita de pureza dos homens autênticos! "
A sua obra, embora não seja a de um inovador, revela bons dotes de retratista, de que eu destacaria o retrato a carvão de Martins Sarmento, executado por volta de 1900. Mas também pintou excelentes paisagens como as Dunas, em 1923, fixando um cenário da região de Viana do Castelo.
Na Sociedade Martins Sarmento (Guimarães) poderá encontrar-se e ver-se uma parte significativa do acervo da obra do Pintor.
sábado, 17 de novembro de 2018
A evolução da espécie
Tenho uma visão peregrina, excessivamente subjectiva talvez, em relação ao progresso, que não terá nada de científica. Se o avô era um rural, o pai foi comerciante e citadino, o neto se licenciou, imagino sempre que o bisneto terá a obrigação de ir mais longe... É essa, no fundo, a minha perspectiva da evolução das espécies.
Admito, no entanto, a hipótese de algumas razões exógenas que possam prejudicar esse progresso: guerras, epidemias mortíferas, cataclismos imprevisíveis. E um mau trabalho educativo dos pais, em relação às suas crias.
No tempo em que
Sou do tempo em que havia críticos sérios e competentes. Óscar Lopes, Gaspar Simões, Mário Sacramento, por exemplo, cada um à sua maneira, dizia o que pensava, subordinado apenas a um critério estético de qualidade. Não faziam favores nem fretes, não recebiam subvenções das editoras, não se curvavam a amiguismos - em suma, tinham a consciência limpa de julgar, com isenção, os livros que iam saindo. A sua palavra era uma garantia segura, que nos prometia, à partida, uma boa leitura.
Hoje, não. Há revistas que, como os folhetos das grandes superfícies, tentam é vender os seus produtos, neste caso, as suas publicações, há críticos nitidamente enfeudados, há por aí uns blogues que se auto-intitulam de blogues literários (?) administrados por umas costureiras de retalhos, que dizem sempre bem das obras de que falam e ainda têm tempo para produzir receitas culinárias pindéricas, normalmente vegans, ou de nouvelle cuisine de paróquia interior. É a nova crítica...
Às vezes, porém, a excepção vem confirmar a regra, e eu sou surpreendido por um critério isento, na apreciação crítica de um livro. Na ípsilon, de ontem, Mário Santos, sobre uma obra de um autor muito badalado, escreveu assim: "...o autor conseguiu fundir numa única obra, e com indesmentível e insuperável eficácia, as melhores qualidades de uma historieta de aventuras do Major Alvega e as de uma novela cor-de-rosa de Corín Tellado (que só agora li para poder comparar). Com uma única desvantagem: a ausência das vinhetas da banda desenhada."
A quem me ler, aqui, lanço um repto ou adivinha. De quem falaria Mário Santos: de Paulo Coelho? De Rodrigues dos Santos? De Rosa Montero? De John Fante? De Modiano? De Margarida Rebelo Pinto? Do valterzinho mãe? De Dan Brown?
Prometo a solução, oportunamente...
A quem me ler, aqui, lanço um repto ou adivinha. De quem falaria Mário Santos: de Paulo Coelho? De Rodrigues dos Santos? De Rosa Montero? De John Fante? De Modiano? De Margarida Rebelo Pinto? Do valterzinho mãe? De Dan Brown?
Prometo a solução, oportunamente...
Citações CCCLXXX
Há várias línguas em que uma dupla negativa pode valer por uma afirmação positiva, mas não existe nenhuma em que uma dupla positiva possa significar uma negativa.
Anthony Kenny (1931), filósofo inglês.
sexta-feira, 16 de novembro de 2018
A Canja
Dizia o ditado, em tempos recuados de penúria, que: Quando o pobre come galinha, um dos dois está doente . E era verdade. Porque julgo que a primeira canja que provei foi em estado de dieta. Era aconchegante, aquele caldo enxundioso com massinhas de letras e 2 ou 3 gemas, muito pequenas, de ovos que ainda se não tinham desenvolvido. E as pequenas olhas de gordura e azeite a sobrenadar a canja, com o seu aroma doméstico e salutar. De galinha que não era preciso chamar-se do campo, nessa altura...
Pois ontem a canja teve um toque internacional, porque os ovos (inteiros e desenvolvidos, desta vez) foram escalfados nuns apetrechos especiais apropriados, mas simples, que tinhamos comprado em Inverness Terrace (Londres), em Outubro passado. E a canja de galinha, tal como as antigas, estava deliciosa!...
Pois ontem a canja teve um toque internacional, porque os ovos (inteiros e desenvolvidos, desta vez) foram escalfados nuns apetrechos especiais apropriados, mas simples, que tinhamos comprado em Inverness Terrace (Londres), em Outubro passado. E a canja de galinha, tal como as antigas, estava deliciosa!...
Bibliofilia 166
Com 7 números (dois deles, triplos) dispersos e com a capa do nº 1, em mísero estado, a que um restauro não bastou, adquiri estes exemplares de A Águia no início dos anos 90, por preço módico, dado o estado de conservação do lote, que não era famoso. A revista é, surpreendentemente, uma das mais longevas, em tempo de duração, das publicações nacionais, só comparável, creio, à Seara Nova, que tinha um pendor mais político do que literário e contava com alguns dos mesmos colaboradores (António Sérgio, Raul Proença...).
Com início de publicação em Dezembro de 1910, pouco após a implantação da República, e até 1932, A Águia foi dirigida, ainda que discretamente, por Teixeira de Pascoaes (1877-1952), tendo direcção artística do pintor António Carneiro (1872-1930). A revista, editada pela Renascença Portuguesa, no Porto, deu voz ao Saudosismo, corrente literária muito difundida na época. Teve a sua ressurreição em anos mais recentes (2008), mas creio que, dificilmente, virá a ser tão longeva como a sua progenitora...
Nota: a única colecção completa de "A Águia" vendida, de que tive conhecimento, foi num leilão, no Porto, em 2007 e atingiu o valor de 4.500 euros. A variação de preços em exemplares soltos é totalmente desordenada: já vi números duplos (nº 17/8 e 19/20) precificados a 63,60 euros, cada. Bem como um exemplar triplo (nº 109/110/111), de 1924, anunciado ao preço de 15 euros. Por aqui se podem imaginar os critérios e despautérios de alguns alfarrabistas.
Nota: a única colecção completa de "A Águia" vendida, de que tive conhecimento, foi num leilão, no Porto, em 2007 e atingiu o valor de 4.500 euros. A variação de preços em exemplares soltos é totalmente desordenada: já vi números duplos (nº 17/8 e 19/20) precificados a 63,60 euros, cada. Bem como um exemplar triplo (nº 109/110/111), de 1924, anunciado ao preço de 15 euros. Por aqui se podem imaginar os critérios e despautérios de alguns alfarrabistas.
quinta-feira, 15 de novembro de 2018
Revivalismo Ligeiro CCXXXVIII
Eu gosto é sobretudo do caracolinho na testa de Bill Haley... E não quero deixar de fazer uma pequena menção às duas piquenas marcanas adolescentes a ruminar pastilha elástica, de boca aberta, quase logo ao início do vídeo...
3 quadras populares de Areosa (Viana do Castelo)
Os olhos do meu Amor
são duas azeitoninhas;
fechados são dois botões,
abertos, duas rosinhas.
...
Estou rouca, enrouquecida,
não é do comer azedo,
é de falar ao Amor
pela manhã muito cedo.
...
Salsa verde bate à porta,
alecrim vai ver quem é;
é o cravo mais a rosa
com uma açucena ao pé.
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
Do que fui lendo por aí... 23
O que faz de Oliveira Martins (1845-1894) um caso e pessoa singular da geração de 70, é o facto de ter exercido, ao longo da sua vida, algumas funções de direcção e gestão em empresas privadas, apesar de ser um autodidacta. Assim a sua ancoragem na realidade e a sua experiência foi sendo feita de situações concretas e de problemas práticos a resolver, no dia a dia. Isso não prejudicou, antes enriqueceu, a sua obra de intelectual.
Mas, por outro lado, talvez tenha deixado a marca e o rasto, da economia e dos números, em alguns dos livros que foi publicando.
Ando a ler A Inglaterra de Hoje (1893). E, em abono do que disse acima, vou transcrever, desta sua obra, dois pequenos excertos amplamente comprovativos desse facto referido atrás.
Seguem:
" Ouvia o palpitar gigantesco, o trovão surdo do movimento n'essas vinte mil ruas que tem Londres, e medem tres mil milhas, e dão acesso a novecentas mil casas, e correm por ellas rios de gente em mais de dez mil cabs, fóra um milhar de tramways, fóra dois milhares de omnibus, fóra as estradas ferreas de accesso, e o underground que vae a toda a parte debaixo das ruas. Só cocheiros e conductores, ha um exercito de trinta mil homens. Só na City, amendoa d'este immenso fructo chamado Londres, creada com a substancia do mundo inteiro: só na City, entram por dia, todos os dias, salvo os domingos, noventa mil vehiculos e mais de um milhão de pessoas. E n'um raio de seis ou sete milhas, a partir de Charing Cross, ha dentro do perimetro de Londres mais de quatrocentos kilometros de vias férreas em movimento."
...
" Esta grande colmêa (Londres) de gente voraz engurgita por anno dois milhões de quarters de trigo; oitocentos mil bois; quatro milhões de carneiros, vitellas e porcos; nove milhões de aves; cento e cincoenta mil toneladas de peixe; duzentos milhões de quarters de cerveja, trinta de vinho, vinte de aguardente, que é o lume com que internamente se aquecem, queimando doze milhões de toneladas de carvão para se aquecerem contra o frio do ar, para se servirem, para se agitarem, transformando o lume em vapor, no seio de um ambiente hostil."
" Ouvia o palpitar gigantesco, o trovão surdo do movimento n'essas vinte mil ruas que tem Londres, e medem tres mil milhas, e dão acesso a novecentas mil casas, e correm por ellas rios de gente em mais de dez mil cabs, fóra um milhar de tramways, fóra dois milhares de omnibus, fóra as estradas ferreas de accesso, e o underground que vae a toda a parte debaixo das ruas. Só cocheiros e conductores, ha um exercito de trinta mil homens. Só na City, amendoa d'este immenso fructo chamado Londres, creada com a substancia do mundo inteiro: só na City, entram por dia, todos os dias, salvo os domingos, noventa mil vehiculos e mais de um milhão de pessoas. E n'um raio de seis ou sete milhas, a partir de Charing Cross, ha dentro do perimetro de Londres mais de quatrocentos kilometros de vias férreas em movimento."
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" Esta grande colmêa (Londres) de gente voraz engurgita por anno dois milhões de quarters de trigo; oitocentos mil bois; quatro milhões de carneiros, vitellas e porcos; nove milhões de aves; cento e cincoenta mil toneladas de peixe; duzentos milhões de quarters de cerveja, trinta de vinho, vinte de aguardente, que é o lume com que internamente se aquecem, queimando doze milhões de toneladas de carvão para se aquecerem contra o frio do ar, para se servirem, para se agitarem, transformando o lume em vapor, no seio de um ambiente hostil."
terça-feira, 13 de novembro de 2018
Apontamento 117: Introdução da Receita Médica electrónica, na Alemanha
Lembram-se da “vaquinha voadora” ? Pois, agora, ainda sem sair do Centro
de Saúde, já “cá canta”, como dizia a outra, a Receita Médica electrónica no
meu telefone móvel. António Costa, na imagem acima, deve ter falado deste feito,
do seu Governo, ao Ministro de Saúde alemão, de nome Jens Spahn.
[Spahn plant Einführung des digitalen Rezepts,
in: Der Spiegel]
Certamente, saindo, bastante apressado, como dizem ser seu estilo, de um
encontro com o Primeiro Ministro António Costa na sua recente deslocação a
Berlim, o Ministro alemão não hesitou e convocou uma conferência de imprensa
para anunciar que “planeia a introdução, para 2020 [sic], da receita médica electrónica” na Alemanha.
É a notícia, hoje, em vários jornais da Alemanha. Ou seja, ganhou, mais
uma vez David frente ao Golias.
Post de HMJ
segunda-feira, 12 de novembro de 2018
Divagações 136
Dificilmente um suicídio se explica, ou justifica. Menos ainda por uma única razão, como Albert Camus defendia, apoiando a hipótese de que a imolação própria é originada por mais do que um motivo pessoal.
Após o suicídio de Sylvia Plath (1932-1963), o marido, também poeta, Ted Hughes (1930-1998), directa ou indirectamente, foi acusado, nos meios intelectuais ingleses, de ter sido o responsável moral pela morte da mulher, que tinha abandonado, pouco tempo antes.
O facto de ter destruido parte do diário da Mulher, corroboraria o sentimento de culpa. Com o tempo, porém, esta ideia de culpabilidade indirecta foi-se atenuando, tendo ganhado força o aspecto de Sylvia ser dada a depressões e, já anteriormente, se ter tentado suicidar.
A recente publicação da correspondência da poetisa coloca novas hipóteses. O penúltimo TLS (nº 6031), em relação ao livro, e, numa recensão de Hannah Sullivan, obriga a repensar o assunto, reforçando com peso, ambas as possibilidades e motivos.
A pergunta mantém-se, por isso: porquê o suicídio?
O mistério rodeia sempre este acto humano capital. Se somos capazes de ensaiar razões bastantes para o suicídio de Camilo, já a morte de Antero de Quental, por exemplo, deixa-nos em quase total obscuridade. Pelo menos, a mim.
O facto de ter destruido parte do diário da Mulher, corroboraria o sentimento de culpa. Com o tempo, porém, esta ideia de culpabilidade indirecta foi-se atenuando, tendo ganhado força o aspecto de Sylvia ser dada a depressões e, já anteriormente, se ter tentado suicidar.
A recente publicação da correspondência da poetisa coloca novas hipóteses. O penúltimo TLS (nº 6031), em relação ao livro, e, numa recensão de Hannah Sullivan, obriga a repensar o assunto, reforçando com peso, ambas as possibilidades e motivos.
A pergunta mantém-se, por isso: porquê o suicídio?
O mistério rodeia sempre este acto humano capital. Se somos capazes de ensaiar razões bastantes para o suicídio de Camilo, já a morte de Antero de Quental, por exemplo, deixa-nos em quase total obscuridade. Pelo menos, a mim.
Últimas aquisições (8)
Desta conhecida série Antologia da Terra Portuguesa, editada como é frequente sem indicação de data - talvez por razões obscuras e inconfessáveis - pela Bertrand, mas que julgo ter sido publicada nos anos 60, consegui adquirir por preço módico mais dois volumes (em imagem). Ficam assim a faltar-me apenas 5, dos 19 livros por que era composta a colecção.
Compreendendo textos em prosa e verso, à excepção de Lisboa, que foi desdobrada em dois (verso e prosa) livros, estas antologias têm como seleccionadores figuras de relevo e particularmente conhecedoras da região, província, cidades ou ex-colónias que são abordadas, com transcrições, por vezes, de autores menos conhecidos e locais, mas sempre interessantes no teor dos seus escritos.