quarta-feira, 31 de maio de 2017

Por que razão se visitam os blogues?



Oficialmente, eu frequento 13 blogues. Três dos quais - creio - congelados ou findos, infelizmente, mas que conservo com estima, na minha lista de seguidor. Sabe-se, e é dos livros, que a maior parte dos blogues dura, no máximo, apenas 4 anos. A persistência (se eu fosse jovem, diria: resiliência) só por acaso resiste às contingências da vida. Por outro lado, há quem se inscreva como seguidor por emoção momentânea ou pensando na reciprocidade, num jogo ligeiro e mercantil de interesses. Se ninguém se tivesse "desarriscado" de seguidor do Arpose, eu já teria mais de cem seguidores, assim tenho apenas 99 (aqui, agradeço aos fiéis e estimados seguidores persistentes!). Que é uma boa conta, e capicua. Seis desertores eram interesseiros... Mas eu não lhes fiz a vontade, por variadíssimas razões pessoais, e eles "desarriscaram-se", cerca de uma semana depois de se terem inscrito. Porque, dos blogues que eu sigo, faço-lhes visita, diariamente, desde que haja coisas novas publicadas. Por fidelidade e coerência. Posso é não comentar.
Serei rigoroso: eu visito, com relativa frequência, mais quatro blogues portugueses, que me atraem pela sua qualidade, irreverência inteligente, pela naturalidade humana, riqueza de conteúdos, originalidade e interesses afins. Dito isto, e sem compromisso especial de benignidade, encontrei, num deles, esta frase, ontem (30/5/2017): O resto, isto é, quem aqui vem, fá-lo por "voyeurisme" voluntário. O re-comentário é do embaixador Francisco Seixas da Costa, no seu blogue Duas ou Três Coisas. E, tenho que dizê-lo: o Diplomata foi injusto, do meu ponto de vista. E redutor, na sua classificação totalitária. Eu sei que uma grande parte das visitas, que o seu Blogue tem, é  também de alumbrados e deslumbrados (que devem frequentar as revistas róseas), gente que tem uma grande sede de ser lida, pelos comentários que faz, alguns iliteratos (bastará ver certos comentários), e  uns (poucos) mas contumazes reaccionários cobardes e anónimos, que o Embaixador, numa enorme gentileza democrática, permite.
Mas também se pode ir a um blogue alheio por estima e afinidade, não só por voyeurisme. Por curiosidade intelectual ou, muito simplesmente, por misteriosas razões, entre as quais pode caber gostarmos de ler um português escrito, escorreito e bem esgalhado, que é algo raro nos nossos dias.
As coisas nunca são tão simples como os taxativos e mecânicos algoritmos. Há mais mundos - como disse, humanamente e para sempre, José Régio. Que nem sequer era sociólogo.

Consortes de PR e PM, em Bruxelas


À força de querermos ser originais e diferentes, corremos o risco de podermos vir a ser ridículos - foi a frase que me ocorreu, ao ver esta fotografia. (Por pudor, evitei incluir o poste na rubrica Comic Relief, do Arpose.)

terça-feira, 30 de maio de 2017

A propósito de Edvard Munch


Curador de uma recente exposição (Mot Skogen = Em direcção à Floresta) da obra de Edvard Munch (1863-1944) - no seu Museu de Oslo -, do escritor norueguês Karl Ove Knausgaard (1968), especializado em História de Arte, apraz-me citar algumas palavras suas, muito perspicazes, e que talvez mereçam uma reflexão:

"Todos temos, mais ou menos, uma vida interior caótica, todos temos pensamentos que nunca expressamos, sentimentos que não gostamos de ter, sonhos proibidos e desejos sem esperança, e estamos cheios de memórias, que existem sob várias formas e feitios, do vago e selvaticamente impressivo, até ao nitidamente lembrado. Todos temos mentiras que se foram transformando em verdades, e estamos repletos de equívocos, confusões, banalidades e defeitos... Mas raramente assumimos uma forma de os comunicar, como Munch fez. Porque os reservamos para nós mesmos."

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Poema berbere (3)


Uma pequena coisa vale o termo
da viagem, no deserto.
Mas chegar, nem sempre
é a pétala mais doce, a taça
ou simples copo
de água fresca do poço
de casa.
Que nos oferece
a mulher
que nos recebe.



Ibn-Rasid

As poucas certezas, que nos chegam de longe


Com os anos que levo, poucas certezas me assistem. Porque, se juventude é certeza (ligeira ou caprichosa, quase sempre), a velhice, na sua eventual lucidez, de experiência feita, é, sobretudo, terreno fértil de dúvidas. Humildemente humanas.
Eu teria muitas hesitações, se me perguntassem, de toda a Literatura (que conheço), qual o romance ou poema que prefiro. E considero como sendo o melhor, entre os melhores.
Mas, se me perguntassem, sobre o conto, ou pequena ficção narrativa, eu não teria dúvidas. Elegeria, categoricamente, esse pequeno (12 páginas), e enorme conto de Jorge de Sena (falei dele aqui, em 13/4/2010), sobre Camões, intitulado: Super Flumina Babylonis. Porque é toda uma vida.

para Margarida Elias que, com o seu comentário no Arpose, me suscitou estas pequenas reflexões. 

domingo, 28 de maio de 2017

Wim Mertens : "The way up"

Nota: os últimos 57 segundos do vídeo são de aplausos...

Nota pessoal: embora a melodia não tenha nada de semelhante, o "crescendo" fez-me lembrar "A day in the life", de The Beatles.

Outros Domingos


A Bíblia sempre foi um dos meus Livros de referência, mesmo depois de deixar de acreditar.
Nas manhãs de Domingo, de infância e juvenis, eu gostava muito de ouvir a leitura dos Evangelhos, mesmo depois de os conhecer e ter lido. Se o padre tinha voz clara e a sua dicção fosse boa, melhor ainda. O problema dava-se, no entanto com as homilias, muitas vezes. Porque havia pastores que gostavam de se ouvir, eram monotonamente prolixos, falavam, falavam, falavam. Gastando, com frequência, na homilia, quase o dobro do tempo, do que tinham usado para ler o Evangelho. E, concretamente, não acrescentavam mesmo nada à concisão perfeita das parábolas dos textos sagrados. Eram, apenas, paupérrimas glosas gaguejantes, repetitivas e desordenadas dos motes essenciais da Bíblia.
Era, por essa altura, que eu, cansado e farto, quase adormecia, na reprise...

sábado, 27 de maio de 2017

A haver


A experiência de cada um é, o mais das vezes, uma transmissão utópica, difícil de concretizar, nobre vontade votada ao fracasso e abandono, quase sempre. Os filhos, sorriem com gentileza ao recebê-la, mas preferem a sua própria aventura humana, liberta de constrangimentos e regras antigas, familiares. É, muitas vezes, preferível doá-la a estranhos parentes, que não chegaremos a conhecer. Pode vir a haver, com eles, uma afectuosa e estranha afinidade. Improvável, se pensarmos que o sangue é a única identidade possível, ao longo do tempo que parece ser interminável, nesta obscura e pobre caminhada humana. A fé pode assistir ao presente, talvez de forma ingénua. Não devemos, dela, desistir, no entanto, mas usá-la de maneira persistente, teimosa e objectiva. E deixar testemunho. Mesmo que não sirva ao futuro. E, assim, apesar de tudo, eu vou, por isso, continuando a escrever...

para a Hanna, que há-de vir.

Citações CCCXVII


Diz-se que o povo é soberano, mas soberano de quem? - aparentemente, dele próprio.

François-Xavier de Maistre (1763-1852).

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Brahms / Levickis

O acordeão não me lembra a França. Antes, outro rio (o Ave) e as tardes de Setembro juvenis, em que ainda não conhecia a música de Brahms. Isso, foi mais tarde e  na Alemanha.

para Maria Franco, que me apresentou este magnífico acordeonista lituano: Martynas Levickis.

Osmose 87


Quando venho para aqui e vejo o rio, inexplicavelmente, as suas águas doces, quase sempre tranquilas (ao longe), fazem-me lembrar águas salgadas antigas, agitadas e irrecuperáveis. De Agosto dos meus anos mais jovens. E as férias eternas, ou simplesmente grandes, como são as de infância, na sua liberdade sem sentido, em que tudo parecia acomodar-se. Ou que se foi arrumando, a bem, na memória. E tudo parecer estar certo, de equilíbrio e felicidade - seja lá o que isso for...

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Não só, mas também


O lado mais popular, e efémero, da visita breve do papa Francisco a Fátima, fez esquecer e obscureceu alguns aspectos secundários que foram propiciados por essa visita, e cuja importância ainda se pode avaliar e fruir.
Falou-se pouco, ou quase nada, das obras de arte que acompanharam a visita pontifícia, vindas dos Museus do Vaticano, e que enobrecem, temporária mas grandemente, duas exposições de Lisboa, que ainda podem ser vistas. Uma, de que aqui já falámos, na galeria de exposições da Igreja de S. Roque, a propósito do pentacentenário do Compromisso da Misericórdia (1516); outra, no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), sob o título ou temática: Madonna.
Visitámos, hoje, esta última mostra. E se a surpresa de encontrar um pequeno Chagall inesperado, vindo dos Museus do Vaticano, me deslumbrou, não fiquei indiferente à cópia da Pietá de Miguel Ângelo, ou às pequenas tábuas de Rafael Sanzio. E pude assim rever, também, o único Da Vinci, nas terras portuguesas, esse, vindo do Porto, da sua Faculdade de Belas-Artes, que muito raramente é exposto, por razões óbvias. E que, se calhar, muito pouca gente conhece...


Pequena história (46)


O Festival de Cinema de Cannes celebra este ano a sua edição 70. Por isso, L'Obs (nº 2740) dedicou ao acontecimento seis páginas, com depoimentos de vários cineastas que ganharam a Palma de Ouro. Lembra também, a revista francesa, alguns dos realizadores agraciados, como por exemplo: Emir Kusturica (Underground), Quentin Tarantino (Pulp Fiction), Martin Scorcese (Taxi Driver). O cineasta francês Claude Lelouch (1937) foi também premiado com a Palma de Ouro, em 1966, pelo seu filme Un homme et une femme, partilhando o galardão com o italiano Pietro Germi (1914-1974).
O realizador francês, no seu depoimento a L'Obs, refere que François Truffaut o felicitou efusivamente, na altura, dizendo-lhe também: Vous êtes l'enfant de la Nouvelle Vague qui a le mieux grandi, j'aimerais qu'on fasse un numero spécial sur vous dans les "Cahiers du cinema". Mas Lelouch não gostou de se ver perfilhado e retorquiu-lhe: Je suis ravi, mais je ne suis pas un enfant de la Nouvelle Vague. Ao que Truffaut lhe respondeu, algo irritado: Vous avez la grosse tête. Uma semana depois, o crítico Jean-Louis Comolli, em artigo nos Cahiers du Cinema, arrasava o filme de Claude Lelouch, pela negativa...

terça-feira, 23 de maio de 2017

Variações sobre as coisas que andam no ar


Não se tinha passado sequer uma semana, depois do meu poste sobre animais domésticos (16/5/2017), e eis que, ao comprar o penúltimo TLS (nº 5954), vejo a sua capa e temática consagradas às relações entre os humanos e os bichos. Na altura do poste, no Arpose, lembrei-me de Gilbert Cesbron (1913-1979), por associação, e dos seus "Cães perdidos sem coleira" (1954), livro que teve um enorme sucesso nos anos 50/60, e que tratava dos padres-operários, experiência piloto que a Igreja católica permitiu e sancionou, pouco antes desse renascimento religioso de dimensões fraternas, mas também realistas, que foi o Concílio Vaticano II, resultado da previdência, e do dinamismo humano e inteligente de João XXIII. A viradeira veio a dar-se, depois, com Paulo VI...
Haverá pioneiros sempre, incompreendidos na altura, mas quem pensa e sente, com verdadeira atenção e humildade o seu tempo, tem, muitas vezes, grandes possibilidades de antecipar o futuro próximo - no fundo, aquilo que já anda no ar do tempo. Para usar as palavras que Nina Ricci deu a um belo perfume feminino (L'Air du Temps), em 1948. E para dar um exemplo mais simples e corriqueiro.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Arquivos, espólios, cartas, fotografias, recortes...


Nem sempre os espólios passam de ser vivo para ser vivo. Naturalmente, a trasladação passa de pessoas desaparecidas para sobreviventes ou herdeiros, ou, noutros casos, para instituições capazes de cuidar desses papéis, de forma técnica e apropriada. Essas heranças dão-se, muitas vezes, por razões de espaço a ganhar, em casas particulares sem grandes dimensões, nem capacidade de armazenamento físico. Noutras ocasiões, os donos desses espólios, por questões práticas, resolvem doar em vida ou vender, a instituições culturais ou regionais, o excedente supérfluo para poderem conservar o essencial, em sua casa.
Passei, recentemente, cerca de 4 dias a desbastar cerca de uma centena de envelopes, que me tinham sido confiados ad eternum, por um Amigo. E, isto, porque eu próprio também estava a necessitar de espaço em minha casa. Ordenado alfabeticamente, o espólio tinha servido de suporte a uma publicação cultural que, já há largos anos, tinha deixado de existir. Nos envelopes, havia de tudo: fotocópias, cartas, recortes de jornais, revistas, fotografias, cartões de visita, C. V., bibliografias... Uma grande parte documental perdera, entretanto e completamente, a actualidade e/ou interesse do que fora, em tempos (15/30 anos, atrás), acontecimento notabilíssimo. A lei do tempo que, como disse Yourcenar, é um grande escultor.
De tudo isso conservei apenas cerca de um quinto do acervo inicial.

para A. de A. M., afectuosamente.

domingo, 21 de maio de 2017

Bibliofilia 153


Os manuscritos têm quase sempre o seu lado interessante e curioso, quando não de mistério insolúvel. Não sendo eu especialista na matéria, os poucos que tenho, na minha biblioteca, proporcionaram-me, no entanto, horas aprazíveis de concentração e entretenimento, depois de os adquirir. Na decifração dos textos e diferenças em relação aos eventuais originais (impressos em livro), na tentativa (por vezes, inglória) de identificação dos autores, na interpretação de pequenas notas também escritas à mão, quando existem, nas margens de páginas envelhecidas e devotadas à perpetuação no tempo, feitas por escribas dedicados e anónimos.

Este manuscrito de 36 páginas inumeradas, que ora se apresenta, tê-lo-ei comprado em finais do século XX, num alfarrabista de Lisboa, mas já não me recordo de quanto paguei por ele. Por várias circunstâncias e indícios, sou levado a crer que deve ter sido escrito na segunda metade do século XVIII, sem grande margem de erro. Desencadernado, provavelmente terá integrado uma miscelânea mais volumosa. Em mediocres condições de conservação, apesar do papel ter marca de água e ser encorpado, ao seu corpo íntegro deverão faltar, pelo menos, as duas folhas iniciais.



O conjunto manuscrito contém obras poéticas (vários sonetos, por exemplo) do vimaranense António Lobo de Carvalho (1730?-1787), poeta boémio e fescenino já referido aqui no Arpose (postes de 14/7/2010 e de 26/10/2011), conhecido pela alcunha de Lobo da Madragoa, bem como quintilhas e outros poemas de Nicolau Tolentino de Almeida (1740-1811). O teor das composições é, maioritariamente, satírico. De algumas outras poesias não consegui identificar os seus autores, e é possível que se trate de escritores menores e/ou ignorados, que não chegaram a ter as suas poesias publicadas. Dá-se, finalmente, a transcrição de um soneto (talvez inédito) dirigido a Alexo Botelho, cujo autor desconheço (A. Lobo de Carvalho?), actualizando a sua ortografia:

Ginja peralta falador Botelho
Potro infeliz que segues as belezas
Não te embasbaquem ainda as gentilezas
Porque amor não faz ninho em tronco velho.

Não de escritos dá-lhe um bom conselho
Não têm preço com rugas as finezas
E se este que te dou néscio dispensas
Tira a peruca, vê-te a um espelho.

Verás polvilhada uma caveira
Em que os ossos nos mostram claramente
Entre caruncho uma alma galhofeira.

Casquilho de um vestido unicamente
Ai se o Manique sabe desta asneira
Prega-te no castelo certamente.

sábado, 20 de maio de 2017

Citações CCCXVI


A família pode ser uma verdadeira casa natal ou um lívido inferno.

Claudio Magris (1939), in Corriere della Sera (15/10/2007).

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Centrão, revisitado


Ontem à noite, na RTP3, após a notícia do nosso PR, em visita à Croácia, ter admitido a hipótese de Portugal vir a crescer cerca de 3,2%, assisti a um diálogo surreal, moderado inteligentemente por Ana Lourenço, entre Marçal Grilo (ex-ministro da Educação de um governo PS) e Nobre Guedes (um ex-ministro do Ambiente, indicado pelo CDS, num governo do PSD).


Pareciam travestis ou hermafroditas políticos. Marçal Grilo, com aquela sua voz de abade beirão, de quem ainda tem sopa de feijões na boca, ao falar, defendia fervorosamente as anteriores reformas do governo de Passos Coelho, que teriam permitido os sucessos do actual governo. E Nobre Guedes, com aquele seu ar ligeiro, fluente, da linha de Cascais, em tom azul cueca (não estranhem, até há um blogue luso com este lindo nome, na Net!...), re-clamava e aplaudia, com grande desportivismo, os resultados económicos presentemente alcançados e previstos, do governo de António Costa.



Fiquei varado. Teriam trocado de camisola? - perguntei-me eu, confundido e perturbado, por estas criaturas tão bem falantes e assertivas, na sua pureza de comentadores.
Caí em mim. Não, com certeza: são os fantasmas do Centrão a funcionar, no seu melhor registo mercenário e permissivo, tentando conservar e assegurar as suas mordomias. 
Ainda bem que, temporariamente pelo menos, nos livrámos deles. Irra!

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Adagiário CCLXXII


1. Onde há redes, há rendas.
2. Aprende chorando e rirás ganhando.


Nota: os dois provérbios foram colhidos no livro Roteiro Sentimental (3), de Manuel Mendes (1906-1969); a fotografia, que encima o poste, pertence ao arquivo da C. M. de Vila do Conde.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Algumas palavras sobre música e poesia


Um diálogo, quer seja material e oral, quer ele surja do silêncio de uma leitura que fazemos, não é necessariamente uma convergência coincidente - desculpe-se o pleonasmo. Nem sempre a sintonia é perfeita, ou por nós aprovado o teor inteiro desse pensamento partilhado. Não estou inteiramente de acordo com grande parte das afirmações que Mário Vieira de Carvalho (1943), conhecido e respeitado musicólogo, faz hoje na sua crónica do jornal Público ( Cantar em português). Mas há quatro frases no seu texto, sublinhadas por mim, em que a convergência é quase completa.
Na eventualidade de alguém não conseguir lê-las, na imagem, aqui deixo a transcrição:

" No poema, porém, as palavras tornam-se música. Ou não haverá poema. Só há poema quando a significação das palavras é transcendida e se franqueia o limiar do indizível. Daí a saudade da unidade ancestral da poesia e música que se perdeu com a instucionalização da dicotomia entre oralidade e escrita."

Idiotismos 41


Consolem-se, que hoje as palavras estranhas, ou regionalismos, vão ser do domínio da gastronomia. E, para mais, do Minho. Alto, quer-se dizer, que as li pela primeira vez num livro de um poeta vianense, que era também bom garfo e apreciava a boa mesa - António Manuel Couto Viana (1923-2010). O volume, que gentilmente me foi oferecido pelo meu bom amigo H. N., com dedicatória do seu autor, tem o título saboroso de Bom Garfo & Bom Copo (Vega, 1997). 
Vamos, então, aos idiotismos. Os primeiros que me apareceram são alcunhas minhotas da estimada Lampreia, ciclóstomo que costuma aparecer por Fevereiro e Março, ciclicamente, para prazer dos gourmets e não só, nas suas mesas. Pois, no Alto-Minho, chamam-lhe também: chupa pedras e flauta de sete olhos, por razões do seu habitat, mas também do seu aspecto físico. Assim seja, à moda minhota, como a provei este ano, ali para os lados do Areeiro, à bordalesa. E boa que ela estava!
Quanto ao pentear do vinho, diz-nos Couto Viana, recorrendo a José Pedro Machado e ao seu Dicionário, que é: deixar "o vinho encorpado estrias e rubis ao longo das paredes internas da tambuladeira ou malga de prova." A tijela, ou malga, claro, serão minhotas.
E, hoje, por aqui me fico.

terça-feira, 16 de maio de 2017

Os animais domésticos e os outros


Aqui, pelas cercanias, já se podem contar quatro cães vadios, ultimamente. A matilha parece capitaneada por um pastor-alemão, de olhar dócil, que permite supor que já terá sido o ai, Jesus! de alguma família que, entretanto, se terá cansado dele não sei por que motivos...
Não sou particularmente afeito a cães: fui mordido várias vezes na infância e começo da juventude. A minha estima, a nivel de animais, vai toda para os sensíveis e nervosos canários que, às vezes, cantam lindamente. Tenho deles recordações inesquecíveis.
A estes cães abandonados, cujas matilhas crescem progressivamente, a Câmara, de tempos a tempos, costuma levá-los para o canil municipal - cumprindo um elementar serviço público, também de higiene. Mas hoje, dei-me a pensar, que tendo sido domésticos, estes animais frequentam, decerto, as redondezas dos seus antigos lares. E pergunto-me se os seus ex-donos, ao vê-los, não experimentam qualquer tipo de sentimento?
Os animais...

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Mercearias Finas 122


A Norte, em tempos imemoriais da minha vida, no Sábado de Páscoa, e depois de vermos a Queima do Judas, ao meio-dia, na rua da Rainha, antes de entrarmos na Praça vimaranense para ir comprar o cabritinho, no talho do Zé Bento, passávamos por duas ou três bancas onde se espraiavam, ao ar livre, sobre imaculados panos brancos, o Pão-de-Ló de Margaride, as Cavacas e uns bolinhos redondos pintalgados de açúcar que, vim a saber depois, se chamavam Bolos de Gemas, e que faziam as minhas delícias de infância com o café com leite do lanche, sorvido em pequenos goles demorados.
Bem os procurei, no Sul, mais tarde, mas em vão, por várias vezes.



Ora, ultimamente, aqui pelos subúrbios, tem havido, embora de forma irregular, umas feiras, aonde acorrem vendedores-produtores de viandas de província e outras guloseimas de fabrico artesanal e de boa qualidade. Vêm do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras. Trazem queijos, produtos de fumeiro, doces regionais, presuntos e, às vezes, vinhos de produção pequena e rótulos desconhecidos.
No antepenúltimo fim-de-semana, a Trafaria acolheu um grupo numeroso destes feirantes regionais, com grande diversidade de produtos. E lá consegui encontrar e comprar os meus apetecidos e saudosos Bolos de Gema nortenhos, com a sua macieza de pão-de-ló interior e a estaladiça cobertura de açúcar, esbranquiçada, por fora. Para matar saudades e  gula.


domingo, 14 de maio de 2017

As palavras do dia (27)


"... A ironia da história faz com que o Papa Francisco tenha sido recebido pela multidão com uma palavra de ordem simbólica do 25 de Abril, Francisco, amigo, o povo está contigo."

José Pacheco Pereira, in Fátima de manhã, futebol à tarde e à noite (jornal Público, 14/5/2017).

P.S.: quando J. P. P. escreveu esta crónica, ainda não se sabia quem era o vencedor do Festival da Eurovisão... Pese embora que uma balada não seja Fado, castiça e necessariamente.

sábado, 13 de maio de 2017

Uma fotografia, de vez em quando (96)


Fátima, 12 de Outubro de 1951.
Todos temos um passado. Não convém omiti-lo, por coerência com a verdade dos factos.
(Para acompanhar, humildemente mas distanciado, a mainstream do dia...)

Altos patamares


Luís Sottomayor (1963) é o enólogo responsável pelas últimas colheitas do Barca Velha, vinho do Douro e de alta qualidade, que foi criado, em 1955 (data recentemente certificada, e com apenas 19 edições), por Fernando Nicolau de Almeida (1913-1998). À colheita de 2008, já orientada por aquele enólogo da Sogrape, foi atribuída, pela Wine Enthusiast, a classificação máxima de 100 pontos, situação inédita na enologia portuguesa. 
Pelo feliz acontecimento, o jornal Expresso entrevistou Luís Sottomayor, de quem eu gostaria  de transcrever a sua última resposta, à pergunta que lhe foi feita:

A maior parte das pessoas nunca provou um "Barca Velha". Como é que lhes apresentaria o vinho?

Pensem numa pessoa por quem tenham respeito e consideração. Alguém a quem reconheçam carácter, personalidade e, ao mesmo tempo, sentimentos. É assim o Barca Velha.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Iris Tree (Inglaterra, 1897-1968)


Disenchantment


Silêncio
- algures na terra
há uma razão que eu desconheço ou esqueci.
As árvores fecharam-se, de pernas para o ar,
como pilares de um templo sem telhado e em ruinas.
Há uma razão no Céu
para mim, porém,
desconhecida.



Iris Tree, in Wheels (1919).

Do rifoneiro castelhano (12)


1. Ida por ida, más vale a la taberna que a la botica.
( Ida por ida, mais vale à taberna do que à farmácia.)

2. Quien  lejos va a casar,  o va a engañado o va a engañar.
(Quem  longe vai casar, ou vai enganado ou vai a enganar.)

3. Ira de enamorados, amores doblados.
( Ira de namorados, amores redobrados.)

Epifania


Não falar hoje de desporto e de música, quero eu dizer, de Futebol e de Fado, será imperdoável e pecaminoso, para a trindade santíssima dos três efes do nacional-porreirismo.
Por isso, aqui cumpro também, devotamente, a minha obrigação, com humildade, como se ainda estivesse ancorado no tempo augusto da velha senhora.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Retro (93)


Três remetentes (Hilda, Júlia e Ruth) para uma única destinatária portuguesa (Sophia), creio que todas jovens. Três paisagens inglesas e a reprodução de um quadro pífio, são as imagens. O mais antigo postal foi escrito a 8 de Junho de 1901, tendo carimbo de recepção lisboeta datado de 12/6/01. O último, único postal circulado apenas em Portugal, tem a data de 28/6/1914. Todos portanto centenários. O pouco e vago espaço para escrita foi profusamente ocupado e ultrapassado por duas das correspondentes, talvez mais excessivas e voluntaristas.
Sophia terá tido, na vida, uma evolução qualitativa: passou da rua de S. Roque, em Lisboa, para a rua dos Navegantes, em Cascais, que, já na altura, seria mais fino, com certeza...
Pelo teor da correspondência, de aérea leveza de espírito, nota-se a vivacidade e a juventude das núbeis correspondentes.

Citações CCCXV


Todas as grandes verdades começam, normalmente, por ser blasfémias.

George Bernard Shaw (1856-1950), in Annajanska (1919).

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Exposição : Compromisso da Misericórdia


Não será do interesse geral, mas de alguns. E poderá despertar, em outros, a curiosidade de saber mais e melhor.
Para celebrar o pentacentenário da primeira edição impressa (1516) do Compromisso da Misericórdia, a Santa Casa de Lisboa inaugurou uma interessantíssima exposição, anexa à Igreja de S. Roque, que estará patente ao público até 10 de Setembro de 2017. O catálogo é precioso, pelos textos especializados e qualidade da iconografia temática. Desta última, destacaria duas obras quatrocentistas: uma que veio do Vaticano e outra de Teruel, sendo que esta última, em imagem, acompanha (parcialmente) a frente do magnífico catálogo. Mas há também um quadro atribuído a Gregório Lopes, numa das salas, que merece ser visto.
A não perder, portanto.

terça-feira, 9 de maio de 2017

BB


O que lhe deve ter custado ter escrito para o CM ultimamente, ele, cuja pergunta sacramental, nas entrevistas, aos interlocutores, era: Onde é que estava no 25 de Abril?... Mas, como dizia Garrett: A necessidade pode muito... E um colega, jornalista também, esclareceu, em depoimento televisivo, que a reforma dele era uma ninharia e que Baptista-Bastos (1934-2017) nunca teve fortuna pessoal, e teve que trabalhar, quase, até à morte, que ocorreu hoje, para ir sobrevivendo. 
No único breve encontro em que falei com ele - erámos 4 - a uma mesa de A Velha Gruta, ao Camões, eram horas de jantar, e eu tive o azar de lhe gabar O Homem em Ponto (1984), conjunto de entrevistas, brilhantes e incisivas, a algumas personagens importantes da cena portuguesa. Ficou fulo... E terá dito qualquer coisa como: "...parece que ninguém se lembra dos meus romances e novelas..." Percebi assim, nessa altura, que esse grande jornalista português prezava, acima de tudo, os seus  trabalhos de ficcionista.

Girouette


Não terá sido o primeiro, mas é dos mais significativos golpes de rins, político. Ora, com um comandante de navio como Hollande percebe-se que os ratos espertos abandonem o barco, antes de irem ao fundo.
(Coitado do PS francês que, depois de Jospin e Mitterrand, se foi transformando, por dentro, num autêntico albergue espanhol!...)
O problema, ou talvez não, é que estes chico-espertos, habitualmente, além de não terem a coluna vertebral muito direita (salvo seja!), também não devem muito à ética, nem à inteligência - quem for ingénuo, que os compre, como hamsters.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Do que fui lendo por aí... (8)


Às vezes, vemo-nos melhor de fora, imersos na realidade de outro país. Apercebemo-nos, com maior acuidade das virtudes e dos defeitos deste nosso povo de portugueses. Estão por aí palavras duras, como punhos, de Jorge de Sena, ou palavras pensadas, maduramente, de Eduardo Lourenço e José Gil, sobre os portugueses, para citar apenas três dos mais recentes escritores da nossa diáspora, crónica. 
Há dias, tive ocasião de ler uma saborosa entrevista de Onésimo Teotónio Almeida (1947), ao  jornal Expresso, em que este açoreano, catedrático da Universidade de Brown, radicado há 45 anos nos E. U. A., também discreteava, com irónica sabedoria sobre os nossos hábitos, virtudes e defeitos.
Na altura, fiz alguns sublinhados nas suas palavras, que vou passar a transcrever:

" A nossa geografia e a nossa arquitetura não são grandiosas, mas são graciosas. Felizmente, graças aos apoios europeus, preservou-se o centro de muitas cidades e vilas históricas. Guimarães é um exemplo, mas também Melgaço, Monção, Valença, Ponte de Lima, Amarante, a Beira está cheia de vilas dessas, o Alentejo também..."
...
" Irrita-me o barulho que se faz à mesa nos jantares, não se consegue conversar. Há pouca curiosidade em conversar sobre assuntos mais sérios, dificilmente se dialoga. Depois, as pessoas aqui sabem tudo sobre o mundo, têm sempre lições e soluções para todas as questões. Fala-se muito e ouve-se pouco."
...
" Quando discuto ideias, discuto-as muito a sério. Em Portugal, acabo a contar anedotas e histórias porque não dá para muito mais. Em vez de me irritar, passa-se um serão agradável entre amigos."

domingo, 7 de maio de 2017

Apontamento 101: Novos Rumos


Os fastios próprios da velhice, além de provações que nos vêm de fora, obrigam-nos a uma “criatividade” diária para acompanhar a “juventude” do mundo.

Assim, fora os passeios por Lisboa, julguei que ainda tinha condição física sem limites. Puro engano.

Como demonstra a imagem acima, não faço melhor figura que a caricatura a andar de bicicleta. Depois de uns “acidentes programados”, como os chamei, resolvi ficar-me aqui por uns terrenos planos, fora do trânsito infernal das Estradas Nacionais [EN], nos subúrbios outrabandistas.


Lá fica o sonho adiado de pedalar junto ao rio Tejo, da Baixa até Belém. Já foi “chão que deu uvas”. Paciência.

Post de HMJ

Schubert / Liszt / Horowitz

Embora muito conhecida e executada, esta pequena obra musical não deixa de ser muito bonita...

sábado, 6 de maio de 2017

Impressionismos


Cada país (nosso conhecido) terá, com certeza, para cada um de nós, uma determinada atmosfera, cheiros e sabores, impressões subjectivas, peculiaridades mais ou menos próprias que lhe compõe, em suma, uma fisionomia de traços bem marcados, favoráveis ou desfavoráveis.
A Áustria tem, no meu arquivo de memória, a imagem longínqua de Christine, os selos, a ideia peregrina de uma pequena nação desfavorecida que precisava de exportar crianças (no post-Guerra), pelo menos, temporariamente; e, depois, um certo barroquismo Habsburgo, desmesurado, a cripta dos Capuchinhos em Viena. Mozart, como antídoto, e Salzeburgo, o crescente emblemático feito pastelaria em cafés requintados e decadentes. Enfim, a fronteira catolicíssima, e neutra, antes do orientalismo otomano. Curiosamente, hoje, ainda sem terrorismos, e profundamente à direita, politicamente.

P. S.: e desculpe-se o mau gosto iconográfico da imagem de postal turístico, algo pesada e claustrofóbica, que encima este poste, mas condizente com a minha ideia desse país europeu, hoje.

Lembrete 58


Este poste poderia, também, intitular-se: a globalização ou a força das corporações... Adiante.
Não deixa de ser curioso e é mais do que significativa a inesperada declaração de apoio do ex-presidente Obama - um pouco na esteira de Schäuble, antes da primeira volta - a Emmanuel Macron, antecedendo a segunda volta das eleições francesas. Jovem pretendente gaulês, a quem alguns chamam, com ironia, "candidato de laboratório", ao alto cargo de Presidente da República Francesa.
Não devemos, entretanto, esquecer que Emmanuel Macron iniciou a sua carreira político-profissional como líder júnior (ou das juventudes), na Fundação Franco-Americana. Ou seja, amor com amor se paga.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Manfred Chobot (Áustria, 1947)


Para meu filho

Contigo eu quisera
construir de novo o mundo,
mudar a ordenação das pedras,
renovar o existente,
mas não sei se prefiro
oferecer-te a realidade
ou dar-te a fantasia
para brinquedo.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Pequena história (45)


Na verdade, era apenas uma aguadilha turva, onde boiavam uns filamentos esbranquiçados, um pouco mais consistentes. Mas quando o Engenheiro recebia, do seu amigo Palma, o cestinho alentejano de primores, era o almece que ele procurava e, encontrando-o, se enchia de prazer. Foi assim, uma vez, em casa do Engenheiro, que às Paiolas rotundas e às Mouras, passando pelas alongadas linguiças, pelos enchidos e queijos de Serpa recebidos, ele preferia e procurava, afanosamente na cordial encomenda, esse sub-produto do leite, sobremesa de pobres, com que eu tomei contacto, pela vez primeira, denominado almece (alentejano).
Recorra-se a José Quitério (1942), para melhor o caracterizar: "...Quando se julga já escorrido todo o soro (com o qual se fará «almece», comido com açúcar amarelo e sopas de pão, ou requeijão) e se dá por terminada esta fase, coloca-se sobre cada queijo..."
A fazer fé, ainda, na sabedoria livresca, chama-se Barriga de Almece ao indivíduo de ventre proeminente que se péla pelo dito. E era assim que o Engenheiro era crismado, pelos detractores, lá nesse Escritório lisboeta.

Pinacoteca Pessoal 124


Com a temática maioritariamente dedicada a William Shakespeare, o penúltimo TLS (nº 5951) apresentava uma capa estilizada, simples, mas objectivamente impressiva, sugerindo de forma linear o mais conhecido retrato do dramaturgo inglês. A interrogação da sobrancelha sublinhava, talvez, as tentativas de fixação de textos da obra, dita, de Shakespeare - recentemente levadas a cabo -, bem como a correcta atribuição de peças de teatro. Esforço de académicos e investigadores para tentar destrinçar o trigo do joio.
Através desta inspirada capa do TLS, foi assim que me deparei, pela primeira vez, com o nome do designer israelita Noma Bar (1973), que a tinha executado.



A colaboração do Designer em revistas de reconhecido prestígio (Time Out London, Esquire, The Observer...) tem sido frequente, pela qualidade do seu traço e pela simplicidade dos meios usados. Deixo por aqui trabalhos de Noma Bar retratando Bob Dylan, Audrey Hepburn, Woody Allen, para se avaliar o seu enorme talento.


segunda-feira, 1 de maio de 2017

Algumas notas soltas para um fim de tarde


Ameníssimo fim de tarde, apenas quebrado pela soada macia das teclas vibrando (Chick Corea) e pelas velozes andorinhas que quebram ao longe no horizonte, de negro, o róseo beira-rio a tender para o acinzentado que antecede a noite.
Quantos anos foram precisos, quantas mortes, desde Chicago, para que o 1º de Maio se celebrasse, alegre e livremente, neste nosso mundo de desigualdades. E, entretanto, pelas notícias, terão morrido 3 pessoas, no mar da Nazaré e da Caparica, hoje...
Para este fim de tarde prefiro, no entanto, e pelas cores, lembrar-me, só intimamente, de algumas aguarelas de Turner, e dispensar, de todo, qualquer imagem neste poste. Que só iriam distrair-me de olhar as águas e as primeiras luzes que se começam a acender no Seixal, num conúbio afectuoso com a primeira noite de Maio.

Adagiário CCLXXI : Maio (8)


1. Maio hortelão, muita palha e pouco pão.
2. Em Maio o calor a todo o ano dá valor.
3. Fiandeira não ficaste, porque em Maio não fiaste.
4. Em Maio, com sono caio; em S. João, por esse chão.