segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Como lagarto ao Sol


Poderia começar a semana a falar da Justiça à portuguesa, ou dos seus promíscuos e sinuosos caminhos, por onde alguma dela se meteu; das artes perdidas de que Manuel Mendes (1906-1969), tão bem e sugestivamente, fala no seu Os Ofícios (oleiros, rendeiras, santeiros...); da falsa erudição e de quem a alardeia, da vaidade e da superficialidade; poderia falar dum Espadeiro saboroso, minhoto e vimaranense, que tenho no frigorífico a refrescar e que, provavelmente, vai acompanhar uma alheira de Mirandela, hoje, ao almoço.
Poderia, mas talvez não o faça. Preferindo, como aqueles lagartos e sardaniscas, depois de dias e dias de chuva, ficar por entre as pedras, e assomar com preguiça e langor, para gozar esta luz amena e o azul puríssimo destes pequenos dias de Novembro, que S. Martinho, caridosamente, trouxe consigo.
E assim ficar calado e morno, ao Sol.

domingo, 29 de novembro de 2015

Filatelia CIX


Onde a cultura milenar era forte e nativa, a língua portuguesa nunca entrou intensamente, e perdeu-se, em grande parte, nessas colónias distantes, após a libertação e integração territorial nas nações matriciais. Quero eu dizer: em Macau (China) e no chamado Estado da Índia, ou Índia Portuguesa (Goa, Damão e Diu). Restaram alguma arquitectura introduzida, religiosa principalmente, com uns aromas cristãos, algum léxico adaptado do português, e pouco mais. Lembrei-me disso, porque anda por lá (Goa) um grande Amigo meu, nesse Verão Indiano, onde as águas do mar vão aos 32º e, em terra, persistem os 35º.
A dita Índia Portuguesa sempre teve um tratamento à parte, do ponto de vista dos Correios portugueses, no conjunto das colónias, desde os selos nativos, toscos mas síngularíssimos (de que já por aqui falámos), até às emissões comemorativas, algumas de rara beleza, como a série dos Vice-réis e os seus brasões e símbolos heráldicos. Que ficam em imagem para quem os não conheça. Ou para os lembrar, nesta rubrica do Arpose. As emissões são dos anos de 1956 e 1958, respectivamente.

Laura López Morales (Argentina, 1976)


A estas praias
chegam os Domingos
e o que fica nas areias
para sempre

já não conseguiu voltar
aos seus antigos nomes

pequenos olhos de água
que a lua torna brancos.


in Las desperdigadas minucias (2013).

Divagações 103


O missionar do gosto é uma actividade nobre, mas também uma tarefa vã e inútil.
Há-de haver sempre música pimba, versinhos provincianos, pintores de domingo, economistas cristãos, fotógrafos de ocasião, prosadores paroquiais, costureiras de opinião.
E aplausos.

sábado, 28 de novembro de 2015

Apontamento 74: 1º Dia de Advento




Amanhã, 29 de Novembro, podemos acender a primeira vela da coroa do Advento e abrir a primeira portinha do respectivo calendário.


Por acaso, já tinha comprado um calendário – mais pobrete – quando nos veio, pelo correio, o exemplar reproduzido, cheio de “pralinés”, em vez dos pequenos bonecos de chocolate da versão anterior.

A condizer com o início do período natalício, também já ficaram prontos os “Christstollen”, ou seja, a versão alemã do bolo de Natal, que precisam, agora, de repousar uns quinze dias.



 Post de HMJ

Cruzamentos e encruzilhadas


Há cruzamentos e encontros humanos altamente imprevisíveis. Literariamente, quem primeiro terá abordado o assunto foi Aldous Huxley (1894-1963), que deu notícia original em Pointcounterpoint (1928). Érico Veríssimo (1905-1975) seguiu-lhe o exemplo, em 1935, com Caminhos Cruzados, em língua portuguesa.
Era pouco provável que o importante historiador autodidacta J. Lúcio de Azevedo (1855-1933) se tivesse cruzado com o pintor Eduardo Malta (1900-1967). Além de serem ambos portugueses, apenas o seu pendor conservador e avesso à inovação, os poderia irmanar.
Mas houve uma neta de Lúcio de Azevedo, Maria Joana de Azevedo Barbieri, que, mais tarde (1959), fez cruzar as suas vidas, episodicamente. Posso imaginar que o pintor leu as Novas Epanáforas (1932). Muito provavelmente, com proveito, porque é um livro que posso recomendar, para quem o não conheça.


Adagiário CCXXXVII


Tudo lembra no seu tempo, até o nabo no Advento.

Insuficiências humanas


A grandeza (de uma obra) tem o condão de fazer esquecer, ou perdoar, os pequenos crimes da personagem criadora, nas suas cumplicidades diversas. É um aspecto estranho e inexplicável, quer em política, quer em literatura. Goethe e Napoleão, Pound e Mussolini, Heidegger e Hitler, Cela e Franco, e até a complacência de Borges para com Pinochet...
Não há nada, aparentemente, que o justifique, do ponto de vista ético e racional. E este perdão tácito só poderá explicar-se por uma dicotomia estanque entre a obra e o homem. E será que ela existe, de facto? Ou somos nós que forçamos a sua existência?

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Osmose 58


Transforma-se o amador na coisa amada. (Camões)

Sinto as escadas que se abatem sob a minha subida lenta dos degraus - trago alguns anos comigo -  e, a meio, ouço a voz que reconheço de há muito, na sua frescura louçã.
É quando os olhares se cruzam que me vejo a subir e a assomar: primeiro, a cabeça, depois, os ombros; gradualmente, o corpo todo, inteiro e de outrora. Reflectido por outros olhos, em mim. Como se fora um espelho real. Todavia, inexistente.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

C. H. Sisson (Bristol, 1914-2003)


Antes de mais

Nada do que é dito ou feito
Se compara, no fundo,
Às primeiras noções do amor.
Assim será para sempre.
Fala, Deus, para o embaraçado
Servo que eu sou. Serão boas novas
Se me disseres que estou salvo.

Citações CCLXIX


O treino é tudo. O pêssego foi inicialmente uma amêndoa amarga; a couve-flor não é senão uma couve, mas com uma educação colegial.

Mark Twain (1835-1910).

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A par e passo 153


Concluí que nós não vemos de uma forma geral, e que somos apenas fragmentos da existência, e que a nossa vida vivida não ocupa toda a capacidade simétrica que nos é possível sentir e conceber. Por consequência, quando nós atribuímos a alguém determinados gostos, opiniões, crenças e negações, não fazemos senão destacar aqueles aspectos do espírito que foram, para nós, mais visíveis por uma série de circunstâncias do acaso...

Paul Valéry, in Variété V (pg. 112).

Adagiário CCXXXVI


O momento histórico que nos atravessa, com o seu lado patético de farsa, fez-me lembrar João César Monteiro (1939-2003) e, mais concretamente, o seu filme Vai e vem (2003). Mas para o efeito, novo, seria oportuno, talvez, criar um provérbio, que sugiro seja assim:

Não te convém ou não percebeste bem? Pois, vai e vem a Belém!

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Apontamento 73: Notícias de Guimarães



Da nossa última visita a Guimarães ficou a impressão de uma cidade animada, tanto de dia como de noite.

E, também, de uma cidade cheia de recantos em que quase ninguém repara como a capela de S. Lázaro, na Rua D. João I, com as imagens que reproduzimos.




E, hoje, ao concluir as nossas notícias sobre Guimarães, soubemos que um agricultor apresentou queixa na GNR - e com razão - porque lhe furtaram 400 couves, no valor de 200 euros.


Ora, roubar couves tão bonitas, não se faz ! 
Andei eu pelos lados de S. Lázaro à procura de couves, no Mercado, para as trazer junto com outros produtos da terra! Não trouxe nada, porque o Mercado estava fechado ao Domingo. Devia estar tudo na missa !

Post de HMJ

Quem se lembra, hoje, de Herberto Helder?


" Os inocentes são por assim dizer as musas dos criminosos. Mas há poucos inocentes, não conheço nenhum, e não se busque sobretudo entre crianças: as crianças são monstruosas, eu sei, fui criança muito tempo, e o meu talento era monstruoso, o talento visívelmente simples de respirar, mexer-se, propor uma palavra, uma frase, interpretar as coisas segundo a lei inspirada. A inocência é a tarefa de uma vida e essa vida deve ser então redonda, completa. Não sei de vidas completas. ..."

Herberto Helder (23/11/30 - 23/3/2015), in Telhados de Vidro (nº 4 - Maio 2005).

( Adenda a ) Mercearias Finas 107 : a terceira prova


Perdido. Decantado, e apesar do pequeno depósito, o vinagrinho não deixava enganar a deterioração inexorável, mas também é verdade que 50 anos de idade, num vinho mediano, ainda para mais branco, são quase sempre mortais - já só merecem a certidão do óbito.

De nada valeu ao sr. conde d'Águeda (Manuel José Homem de Mello), no contra-rótulo, ter mandado estampar os pergaminhos e medalhas de ouro, para que o seu Quinta d'Aguieira, branco de 1965, não se estampasse, também, com o tempo e a sua provecta idade.
Irá para vinagre, que nem tudo se perde!...

domingo, 22 de novembro de 2015

Pequena história (38)


Ao que parece, Goethe (1749-1832) não morria de amores pelos festejos carnavalescos. Na sua "Viagem a Itália" (1788), anotou: "É preciso ver o Carnaval de Roma, para nunca mais o querer ver."
Em 1825, porém, a organização do Carnaval de Colónia solicitou-lhe um poema para a festa, e Goethe não resistiu a corresponder ao pedido. Fez, no entanto, acompanhar a poesia da recomendação de que os festejos fossem breves e decorressem em boa ordem.
A organização colonicense, grata, enviou-lhe, depois, um diploma de Jeck (bobo ou rei de Carnaval), como era de norma fazer com aqueles que colaborassem no acontecimento.
Goethe meteu o sobrescrito com o diploma num envelope maior, para o seu arquivo, escrevendo por fora: Absurdidades Renanas.

Desabafo (7)


Nos últimos dias, o Palácio de Belém foi o palco de mais de 30 audições e/ou audiências.
A Presidência da República mais parece uma casa de passe.

Herberto / Eugénio


É timbre das corporações, sejam elas profissionais ou de interesses, uma certa omertà que, tacitamente, inibe os seus membros de revelar métodos, de criticar outros membros dessa mesma sociedade, denunciando-os ou referindo as suas fraquezas. Protegendo-os assim de perigos exteriores.
Herberto Helder completaria amanhã (23/11) 85 anos, não fosse ter falecido a 23 de Março passado. Não é demais lembrar a notável evolução ( na minha opinião, positiva ) que se processou nos seus últimos livros publicados, e que engrandeceu muito a sua obra poética. Coisa rara, na velhice dos poetas.
Mas além de notável artífice, nesta carta manuscrita que dirigiu a Eugénio de Andrade, pelo Natal do ano 2000, revela um apurado sentido crítico, sem papas na língua, ao abordar a obra poética de alguns confrades, de forma desapiedada, mas muito certeira. Coisa, também, muito rara nos tempos que correm.

Nota: a carta manuscrita de Herberto Helder, para Eugénio de Andrade, não é inédita. Foi publicada no "Jornal do Fundão" em 17 de Junho de 2005. Reproduzimo-la, em memória dos 2 grandes poetas do século XX português. E para os relembrar.

sábado, 21 de novembro de 2015

Retro (79)


Impensável, este anúncio nos dias de hoje, quando o politicamente correcto aconselha moderação ou mesmo abstinência total, para quem vai conduzir.
Este Auto-bar, produzido e difundido pela Bock Auto Bar Company em reclamo, surgiu nos anos 40.
Não sei se estes barris-automóveis de cerveja tiveram muita saída e clientes, na altura, mas surprende que tenha sido nos puritanos Estados Unidos da América, que eles apareceram. Creio que não chegaram à Europa...

Para um fim-de-semana bem disposto...


Valha-nos isso!
(Mas é melhor ler a crónica de J. P. P., por inteiro.)

Comic Relief (116)


Não há nada de mais democrático, do que ser pluralista e liberal...


com agradecimentos a C. S..

Ideia(s) fixa(s) 3


A intensificação de turistas por Lisboa, nos últimos tempos, permite-me chegar a algumas conclusões. Uma delas, é sobre a intensidade dos vozeirões femininos, que ouço pelas ruas da Capital portuguesa. Assim, por ordem de intensidade descendente, as mulheres mais ruidosas são:
1. As espanholas (castelhanas, sobretudo).
2. As africanas (da costa ocidental do continente, principalmente).
3. As norte-americanas.
4. As italianas.
Quanto às portuguesas, haverá de tudo, mas creio que não entrarão na lista das 10 primeiras mais barulhentas e estridentes, do ponto de vista estatístico...

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Os trabalhos e os dias (8): Culinária



Um novo livro de culinária, a aumentar e engrandecer a nossa colecção, é sempre um dia de festa. Coincide, no dia, com um leilão que se realiza e que põe à venda livros de culinária do acervo do Dr. Cancela de Abreu. Fica a notícia para quem queira espreitar o catálogo electrónico da Leiloeira Correio Velho. 



Coincidiu a felicidade com um amargo de boca – real e metaforicamente. O almoço tinha sido uma infelicidade. Comi um prato que insisti em experimentar: QUINOA. Diziam maravilhas do grãozinho, mezinha caríssima, sem sal nem sabor. Como diriam os escritores do século XIX, uma SENSABORIA.

Gosto de experimentar e costumo ouvir os conselhos de uma amiga, vegan, mas não fundamentalista. Aliás, é a pessoa com uma biblioteca de livros de culinária invejável. Já comi, na casa dela, pratos vegetarianos com gosto e sabor.

No entanto, o apelo para experimentar a quinoa foi recente, e veio através da publicidade nacional e certamente enganosa, levando-me a uma experiência única e não repetível.


Não são enganos de alma, mas enchentes de publicidade que quase nos levam a “vomitar”, tal como a invasão publicitária do Metro de Lisboa numa agressão frenética ao utente.

Post de HMJ

Mistérios...


Não será caso único e, para quem tenha, por casa, em caixas de cartão antigas, velhas fotografias, a pergunta, sempre a mesma pergunta, repetir-se-á: Quem será esta pessoa? Porque, a não haver, no verso, uma indicação do nome ou nome dos retratados, essas personagens sumir-se-ão na obscuridade do tempo, para sempre, a partir, talvez, da terceira geração. Às vezes, mesmo antes.
Do alto do seu colarinho cavalheiresco, este jovem fita-nos com um olhar algo irónico (ou tímido?) na sua risca a meio do cabelo bem penteado, mão direita longa e esbelta, num ambiente de casa suavemente decorada, talvez dos anos 30. O vaso, à esquerda, revela a ausência de uma mão feminina que por lá terá andado, mas não consta da imagem.
Encontrada a marcar o livro La mort de la tragédie, de George Steiner, pelo meu amigo H. N., quando o comprou, a foto acompanhou o empréstimo da obra, quando me chegou às mãos. Está agora à minha frente, e eu vou especulando, sem bússola...

Bibliofilia 128


Nas últimas semanas, a oportunidade e a tentação da compra de livros usados tem sido mais que muita, ultrapassando largamente a minha capacidade de leitura e criando uma indisciplina quase caótica por sobre mesas, sofás e mesinha de cabeceira. Acalmo-me, ilusoriamente, pensando que haverá períodos de defeso em que nada haverá que mereça ser comprado. Mas o certo é que Steiner, Beauvoir, A. J. Saraiva, J. Pacheco Pereira, alguns livros de poesia inglesa, aguardam, numa já enorme lista de espera, o tempo de serem lidos.
Nos anos 50 e 60 do século passado, proliferou pelas editoras a publicação da temática: viagens. Era uma altura em que, por questões económicas, poucos se podiam dar ao luxo de viajar, pelo menos, para longe. E, por isso, a temática tinha muita procura e leitores. Também, para os intelectuais de esquerda, era de bom tom e norma visitar a U. R. S. S., tal como para os crentes do Islão, ainda hoje, é importante ir a Meca. Dessas viagens ao Leste comunista, ficaram livros de Gide, Sartre e Beauvoir, Tavares Rodrigues, por exemplo.
Graciliano Ramos (1892-1953) é um dos meus autores de referência. E, por isso, este Viagem, de 1954, obra póstuma do grande escritor brasileiro, logo prendeu irresistivelmente a minha atenção, no alfarrabista. O preço era módico e, ainda por cima, a capa do livro era de Portinari (1903-1962). Lá veio para casa e ficou a encimar uma das torres de leitura, a haver...

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Para a iconografia de Verlaine


É muito rica e variada a iconografia do poeta francês Paul Verlaine (1844-1896). Quer fotográfica, quer pictórica. Alinhámos alguns retratos que colheram a nossa preferência, começando pela foto de 1892, tirada por Paul Cardon, num café parisiense, que encima este poste.
Em sequência e do mesmo ano, o quadro de Fréderic-Auguste Cazals. E, finalmente, o retrato póstumo de Verlaine, executado por Édouard Chantalat, em 1898.


Recuperado de um moleskine (17)



A ausência de interesses secundários, ou hobbies, é fatal para a velhice. O horizonte reduz-se ao espaço corporal e ao olhar, quando vê ou observa, do horizonte contíguo, ou mais próximo. Há, talvez, uma letargia, ou hibernação que vai alastrando com o desinteresse mundano. Não há muito a fazer, porque o despertar é, apenas e quase sempre, para necessidades imediatas, momentâneas. O monossílabo acaba por ser a palavra de ordem, num resumo de tudo, mesmo que a vida tenha sido pujante de movimento, intensa, interessante de contrastes. E rica, na sua humanidade inteira, passada.

Citações CCLXVIII


Um arqueólogo é o melhor marido que uma mulher pode ambicionar. À medida que ela vai envelhecendo, mais ele gosta dela.

Agatha Christie (1890-1976).

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Curiosidades 49


Será mais uma das gentilezas da Democracia, falar da criação de mais emprego, no momento em que se sabe que não o haverá, no futuro. E, se isso for utilizado, por estratégia eleiçoeira, mais criminoso se tornará esse facto. Indesculpavelmente condenável.
Se a Revolução Industrial trouxe braços humanos, durante mais de um século, da Agricultura para as cidades, a Tecnologia, ultimamente, vai abatendo postos de trabalho, inexoravelmente. Não sei se o facto, em si, é positivo, mas sei que é essa a realidade e o futuro. Não vale a pena ignorá-lo.
Com a Revolução Industrial foram criadas muitas novas profissões. Uma das mais ignoradas é a dos Knocker-up, de que Dickens fala, no seu prólogo a The Great Expectations (1860). Até cerca de 1920, foi uma profissão rentável e muito útil, nas zonas fabris da Inglaterra. Aos Knocker-up, eu chamar-lhes-ia, em português, Despertadores humanos, sem ironia. Eram pessoas que, de manhã cedo, iam, pelas ruas dos bairros operários, acordar os trabalhadores, para que eles não faltassem ao trabalho, nas fábricas. Usavam meios sonoros para despertar os dorminhocos: canas altas para bater nas janelas e até instrumentos de sopro, algo estridentes. Não abandonavam os locais, até que os operários assomassem à janela, estremunhados, ou à porta de casa. Recebiam, por semana, uns quantos pence pelo seu trabalho.
Mas isso foi no tempo em que cada vez havia mais empregos. Não é o caso, seguramente, hoje em dia, nem no futuro mais próximo...



agradecimentos cordiais a ms.

Elizabeth Barrett Browning (1806-1861)


Soneto XLIII

De que forma te amo? Deixa-me contar as maneiras.
Amo-te em profundidade, respiração e altura
A que pode chegar a minha alma, até perder de vista,
Com todas as forças do meu Ser e da Graça ideal.
Pelo nível mais alto a que se chega em cada dia
Na sua necessidade mais tranquila, ao Sol, mas também
pela treva iluminada, livre, como se luta p'la Justiça,
Da forma mais pura, como se prescindisse de qualquer louvor,
Amo-te com a paixão inteira com que me entregava
Às minhas dores mais fundas ou com a fé das crianças;
Eu amo-te com todo o amor com que se perdem os Santos
Mais queridos. Amo-te da mesma forma que respiro,
Com risos e lágrimas de toda a minha vida. E, se Deus quiser,
Hei-de amar-te ainda mais, depois da minha morte.


Elizabeth Barrett Browning, in Sonnets from the Portuguese.

Abusos


É certo que ninguém está livre de lhe usurparem o nome, ou de se apropriarem dele, de forma soez, mas comigo tem sido demais, embora eu o ache banal e pouco impressivo e, talvez por isso mesmo, goste dele, como coisa própria, identificativa e muito pessoal. Mas é melhor eu dizer ao que venho. Primeiro, foi o Pessoa que me usou o primeiro nome e último apelido, para um heterónimo insignificante e de obra breve e curta. Depois, veio o Vergílio Ferreira que, sem me dar cavaco, me meteu num romance (Aparição, 1959), como protagonista. Há uns anos (1979), ainda, Cardoso Pires enfiou-me à força num conto (de O Burro em pé), sem me pedir licença - fiquei fulo!...
Mas o pior ainda está para vir, e vou, nitidamente, baixar de categoria literária. Tive hoje notícia que uma senhora light da literatura (?) portuguesa, que eu não conheço de lado nenhum, se prepara para lançar um romance, em Dezembro próximo, em que eu apareço, nominalmente, como lorde Marçal (eu que até sou republicano!), e que ao meu último apelido acrescentou, pomposamente, de Mello (com 2 eles), imaginem!!! Não fora a idade e o gosto que tenho em me chamar como chamo, eu ia era crismar-me.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Maldades


Às vezes, e por maldade, a nossa alma fica em paz, com uma coscuvilhice, ou uma apreciação menos abonatória acerca de alguém, quando condiz com a nossa opinião.
Ora, eu nunca gostei dos quadros do pintor espanhol Francisco de Zurbarán (1598-1664), quer os do Prado, quer os que vi em Portugal. A escuridão que deles emana, nunca me convenceu...
E, hoje, li o que Duncan Wheeler, no TLS, dele diz: "...ostensivamente um artista de segunda-divisão como é Zurbarán." (sublinhado na imagem). Fiquei em paz com a minha má consciência...

Nota: não confundir com o quadro que também aparece na imagem e que é um auto-retrato de Goya. Também não sou grande apreciador dos quadros de Goya, mas não deixo de reconhecer qualidade à sua obra.

Alta cultura, pop e baixa cultura, nimbadas por ironia


Numa sua recensão crítica, no TLS (nº 5875), o escritor e filósofo inglês Roger Scruton (1944), professor convidado da Universidade de Oxford, ao abordar o volume (traduzido) de Vargas Llosa, Notes on the death of Culture, epígono da obra de T. S. Eliot (Notes towards a definition of Culture, 1948), permite-se um tom irónico, muito british na sua essência, ao caracterizar as diferentes formas de cultura. Porque o texto me divertiu imenso, vou traduzir, de forma livre, um pequeno excerto dessa recensão bem humorada. Assim:
"... Há segredos que é preciso saber descriptar, ao contrário de outros, que são permissivos livros abertos. Ao contrário da cultura pop, a alta cultura é algo que não se pode consumir. É alguma coisa em que apenas somos iniciados. E que tem um efeito transformador na nossa vida, e uma vez partilhada, tudo muda - amigos, amantes, companhias, actividades, dia a dia e lazer. Algumas vezes, é verdade, acontecer beijarmos uma rapariga, mesmo quando ela não saiba distinguir o prelúdio menor do Livro primeiro de Bach, da Opus 48 do Livro II; mas esses beijos não foram verdadeiros beijos: eles pertencem ao mundo da ephemera, e não à vida autêntica que deve ser vivida. Bem assim como à diferença entre a pop e a clássica aplicada a beijar como deve ser. Não reconhecer isso, é trair tudo aquilo que aprendemos com F. R. Leavis, Eliot e D. H. Lawrence. ..."

Livrinhos 24


Os quatro voluminhos, em imagem, pertencem todos à mesma colecção da Penguin Books, que os editou a partir de 1995, para celebrar o 60º aniversário da sua actividade como editora.
A série abrange várias temáticas: biografias, livros para crianças, viagens, gastronomia, clássicos, propriamente ditos, tema, este, onde se inserem os 4 livrinhos. Cada um deles custava 60 pence.
Todos têm a dimensão de 10,5 cm. de largura, por 14,8 cm. de altura. Quanto a mim, o seu grafismo e apresentação de texto são de cuidada e grande qualidade. 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Variações tangenciais, em volta


Penso que não há sino que, ao ouvir-se, não nos convoque para sons semelhantes na memória de outros locais e idades. Quem traga consigo Pessoa ou Donne ("...que ele também dobra por ti."), estenderá, decerto, mais longe o seu alcance e a humana tentação de compreender. 
Entre a voz do muezin, do alto do seu minarete (tecnologicamente amplificada por microfones, ou não) e o som puro, metálico dos sinos, há a diferença de grau que vai da voz humana até à música, mesmo que em estado primitivo. Que se me perdoe pensar que, neste caso, existe uma evolução cultural. Não tanto, é certo, como entre a barbárie e o século das Luzes.
Não é preciso evocar Nietzsche (1844-1900) e o seu anúncio da morte de Deus. Ocidental, de facto.
Mas é útil, sempre, ter fé. Nem serão preciso velas ou flores, nem câmeras de televisão e palavras compungidas, normalmente primárias e redundantes, ordenadas em coro mediático estandardizado. Bastará uma fé discreta, íntima e silenciosa, moderada, talvez. Laica, de preferência.

Uma fotografia, de vez em quando (73)


O fotojornalista britânico Don McCullin (1935) iniciou, despreocupadamente, a sua actividade quando foi mobilizado para o Suez, em 1956. A partir daí, e apesar da sua dislexia, empenhou-se, séria e profissionalmente, na cobertura de diversas guerras: Biafra, Vietname, conflito da Irlanda do Norte, tendo sido galardoado com o World Press Photo Award, em 1966. Trabalhou para o Sunday Times e, aquando da Guerra das Malvinas, foi-lhe recusado o visto para cobrir a intervenção, com a desculpa de que os barcos já estavam todos cheios...



Para além das suas fotos de guerra, McCullin fixou muitos instantâneos insólitos da vida quotidiana, de que talvez um dos mais curiosos seja o retrato de "Snowy", vagabundo de Oxford, com um rato na boca; vários retratos interessantes dos Beatles são também da sua autoria. Em anos mais recentes tem-se dedicado a fotografar paisagens.