quinta-feira, 31 de julho de 2014

Os anjos e os arcanjos


O descalabro, sem fim à vista, do grupo BES permite ver, claramente e à saciedade, a ineficácia e cegueira, para não dizer presunção asnática de economistas gurus, de comentadores dos media, e dos orgãos de fiscalização, nacionais e estrangeiros. Do Banco de Portugal do sr. Costa à Troika, passando pelos opinadores televisivos, ninguém terá previsto, metereologicamente, a tempestade...
Esse facto é o melhor atestado de incompetência total dessas entidades angelicais. E, estou convencido, que o tonsurado Bento, que agora preside à instituição, se meteu numa camisa de onze varas. E nem o amigo de Belém lhe vai valer, porque o vago economista que por lá anda, também já demonstrou que pouco percebe do assunto. É como o Jesus Cristo, de Pessoa: "não sabia nada de finanças, nem consta que tivesse biblioteca..."

Osmose (49)


Vieram, passaram. Cruzámo-nos, mas eles foram à frente, e deixaram memória: generosos momentos, luminosas palavras, passos conjuntos. Por vezes, alguns pequenos objectos preciosos, que guardámos. Depois, nós iremos também. E mais ninguém se há-de recordar, vivamente, destes cruzamentos fortuitos que, por agora, ainda nos parecem tão reais e inesquecíveis.

A par e passo 100


Eu não me sinto muito à vontade na filosofia. É sabido que não a podemos evitar, e que não se pode abrir a boca sem lhe pagar algum tributo. Como é que nos poderemos defender quando ela própria não nos consegue esclarecer completamente sobre aquilo que ela é? (...) Mas eu sinto-me na filosofia como um bárbaro se sentia em Atenas, onde reconhecia os preciosos objectos do cenário e tudo aquilo que havia de mais respeitável; mas no meio dos quais ele se perturbava, experimentava algum aborrecimento, misto de incómodo e veneração, e de fé supersticiosa, mas acompanhados por vontades incontroláveis de destruir tudo ou lançar fogo a tantas maravilhas misteriosas, e de que ele não conseguia reconhecer nada de semelhante na sua alma.

Paul Valéry, in Variété II (pgs. 16/7).

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Regionalismos transmontanos (47)


1. Jalapa - café fraco.
2. Jambelo - pequeno presunto.
3. Jarretos - crostas de lama na lã das ovelhas.
4. Jimbrinhas - homem de pouco valor. Homem fraco, homem magro.
5. Jota - bocado, nico, pouca coisa. Gota.
6. Juco - mulher de mau porte. Prostituta.

Retro (52)


Para celebrar a próximidade do pico mais alto da época balnear - o mês de Agosto - aqui fica esta imagem refrescante. Atente-se, no entanto, na elegância do cavalheiro da esquerda, que só terá perdido a compostura das ancas para baixo, mantendo-se inteiramente formal, para cima...

com agradecimentos a A. de A. M. .

terça-feira, 29 de julho de 2014

Eugénio na BPP


Na Biblioteca Pública do Porto, ao Jardim de S. Lázaro, bem próximo, aliás, da casa que foi a sua mais longa residência (R. Duque de Palmela, 111), encontra-se patente, na Sala de leitura dos Reservados, uma pequena, mas bem organizada, exposição evocativa sobre Eugénio de Andrade (1923-2005).
Do raríssimo "Narciso", seu primeiro livro (renegado, mais tarde) ainda subscrito pelo seu próprio nome (José Fontinhas), a cartas de Cocteau e Cernuda, passando por um vasto conjunto de fotografias do Poeta, algumas pouco conhecidas, é uma mostra que vale a pena ser vista, com atenção.
Embora o seu espólio não se encontre totalmente tratado e classificado, estou confiante que a BPP dará boa conta do recado. Ao contrário da ex-Fundação com o seu nome que se extinguiu, sem honra nem glória e que serviu apenas para dar notoriedade breve a uns quantos sujeitos de que já ninguém se lembra... Porque esses só gostavam de si, e Eugénio de Andrade foi, para eles, um mero acidente.
Dêmos a Eugénio, as últimas palavras deste poste: As cidades são como as pessoas, têm os seus segredos, e às vezes guardam-nos bem guardados. Há quem goste muito do Porto e há quem o deteste. ...

2 dos "Academic Graffiti", de W. H. Auden


Henry Adams
Tinha um medo terrível das mulheres:
Numa casa bem desarrumada
Sentava-se mais quieto do que um gato.
...
Quando ao jovem Kant
Disseram que beijasse a tia
Ele obedeceu à expressa ordem
Mas à justa.

W. H. Auden, in Homage to Clio.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Modos de ler


A fazer fé num texto a que tive acesso, recentemente, a leitura, mesmo quando individual, e até por volta do século IX, fazia-se em voz alta, motivando por isso inflexões de voz e pausas marcadas correspondentes à pontuação do texto. 
Sobretudo com a invenção da Imprensa, a leitura foi sendo, cada vez mais, um acto silencioso e intimista, além de individual. Apenas o movimento dos olhos e, nalguns casos, dos lábios indicia, para o observador, a actividade cerebral de quem lê.
As novas tecnologias vieram introduzir, mais recentemente, uma nova forma de leitura, com implicações, porventura singulares mas que, para já, desconhecemos na totalidade da sua extensão.

3 máximas não localizadas, de autores anónimos ou desconhecidos


1. O que não sabes, não te pode magoar.

2. Onde há uma vontade, haverá sempre um caminho.

3. O mito desenvolve-se melhor longe do lugar onde foi criado.

domingo, 27 de julho de 2014

A norte


Há que dizê-lo, de uma vez por todas: para além da língua (ainda que mais nasalada e, de quando em quando, mais áspera e despudorada), o Porto, na sua essência mais íntima, pouco tem a ver com Lisboa. Terá mais a ver com Antuérpia, que não Bruxelas, e com outras cidades do norte da Europa, nas cores e no feitio. Lisboa, luminosa, nos dias soalheiros e mediterrânicos, tem mais preguiça e sensualidade.
Neste Verão atípico, de fim de Julho, em que a humidade abafa o rio e até os altos e luminosos candeeiros da Batalha e de S. Lázaro se obscurecem envolvidos por nuvens diáfanas de cacimbo, teremos de regressar a Eugénio para sentir e entender o Porto. Ou a Jorge de Sena, que há pouco me ocorreu, na friagem do começo da noite, com a sua estóica e dura melancolia:

 Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio... 

É por aí que teremos de recomeçar.

sábado, 26 de julho de 2014

De novo, as agências de ratos


Há muito que não falo, aqui no Arpose, das agências de ratos (rating agencies), que são uma espécie de organizações terroristas a soldo do capitalismo mais selvagem e que, segundo Paul Krugman, empregam um bando juvenil de cocainómanos e alcoólicos anónimos. Aparentemente, a racionalidade e a lógica dos factos não predomina nestes ratos da finança, mas eu suspeito que, no fundo, terão agendas escondidas com objectivos pré-determinados.
Ora, esta semana houve uma notícia que me surpreendeu. Então, não é que a Moody's nos subiu a nota de rating (muito embora ainda nos mantenha no lixo)?  Com as exportações a diminuir e as importações a aumentar, com o caso BES em desenvolvimento, com as anunciadas greves da TAP, isto é de doidos...  Ou talvez de drogados ou bêbados irrecuperáveis, que já nem conseguem raciocinar sobre a economia portuguesa.
(Na imagem, aparece o patrão da Moody's que, ao que parece, sofre de acne.) 

Uma fotografia, de vez em quando (43)


Nascido em Hamburgo, de pai inglês e mãe alemã, Bill Brandt (1904-1983) é considerado um dos fotógrafos ingleses mais importantes do século XX. A sua marca de água mais reconhecível são os nus distorcidos e alongados, numa temática de grande fascínio estético. Mas também fotografou paisagens de forma muito pessoal. E não se devem esquecer os magníficos retratos que tirou a Lowry, Ezra Pound, Francis Bacon, Henry Moore...

Citações CLXXXIX


As 3 citações, que vão seguir-se, foram retiradas da obra Elucidário de conhecimentos inúteis (Edições Salamandra, 1991?), de Roby Amorim, de que constituíam tripla epígrafe. Vêm em boa sequência do poste com o poema de Auden. E seguem:

"Na palavra verdadeiramente dita (...) existe a verdade primitiva, que é a origem de tal palavra, e logo, se desta Origem, é certo que, de idioma e de translacção em translacção, ou de participação em participação, iríamos dar na língua primitiva, da qual, diz a Eucarístia Santa, e infalível, «Omne enim, quod vocavit Adam animae viventis, ipsem est nomem e jus.»
Tratado da Ciência Cabala
D. Francisco Manuel

Perguntando a Lao Tseu o que pensava ser o mais urgente a construir, logo o sábio respondeu sem hesitar: «É encontrar o verdadeiro sentido das palavras».
Do Pensamento Chinês

«Saber é dizer o que é.»
Garcia de Orta.

Variações espúrias sobre um poema de W. H. Auden


A palavra cabelo pode ter inúmeros significados, embora o primeiro que nos ocorra não seja: "mola de aço finíssima, enrolada em espiral e que serve para regular o movimento de certos relógios" (Morais, I, 420).
Menos canónica não poderia ser esta versão, que trabalhei em português, sobre o poema Parable, de  W. H. Auden (1907-1973), inserto no livro Homage to Clio (Faber, 1960). Sabe-se como o Poeta raramente abandonava a rima, o que conferia, aos seus versos uma autoridade própria e tradicional, pelo menos, na forma, que não no conteúdo. Mas que dificultava bastante a sua tradução para outras línguas, se se pretendesse uma fidelidade literal, na versão dos seus poemas. Por uma questão de honestidade, e ao contrário do que é habitual, vou reproduzir a quadra original (em inglês) e a versão a que cheguei. Que Auden me perdoe o sacrilégio!

Parable

The watch upon my wrist
Would soon forget that I exist,
If it were not reminded
By days when I forget to wind it.

Parábola

O relógio por cima do meu pulso
Depressa se esquecerá que existo,
Basta que eu me não lembre,
Por uns dias, de lhe afagar o cabelo.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

A arte da tragédia


É sabida a propensão e política de sigilo que os regimes ditatoriais têm para escamotear, aquando de catástrofes naturais, o número de vítimas resultantes. Aconteceu assim com as inundações gigantescas em Lisboa, em Novembro de 1967, em que só muito mais tarde se veio a saber que terão morrido cerca de 700 pessoas; assim acontece na Coreia do Norte, como na China aconteceu, em Maio de 2008, com o tremor de terra na região de Sichuan, em que terão sucumbido 90.000 pessoas, 5.000 das quais eram crianças que ficaram soterradas nos escombros das escolas.
Não sou grande apreciador da obra do artista e dissidente chinês Ai Weiwei (1957), até por ser um homem controverso em muitas das suas atitudes. Mas vou acompanhando o seu percurso. O Brooklyn Museum, de Nova Iorque, consagra-lhe uma exposição, até 10 de Agosto, das suas obras mais recentes. Uma das peças mais curiosas, em imagem, Snake ceiling foi construida com o material das malas escolares de uma parte das crianças que morreram no terramoto de Sichuan. Foi Ai Weiwei que recolheu esses despojos e criou essa escultura, em homenagem às vítimas infantis. A simbologia decorre da voracidade da serpente, mas também da perspectiva de nova vida que a queda e rejuvenescimento da pele do réptil representa.

Bibliofilia 107


A diminuição acentuada, em Portugal, do domínio da língua francesa explica, porventura, o baixo preço por que adquiri, ontem, os 6 volumes de L'Histoire de l'Empereur Charles-Quint (1788), de William Robertson (1721-1793), na sua versão para a língua gaulesa, impressa em Amsterdão. A edição original (em inglês) é de 1769.
Os volumes, em inteira de pele, encontram-se em bom estado e apenas o segundo livro tem vestígios de bibliófagos, mas que não afectam o texto. Não irei referir o preço da obra para não ofender alguns alfarrabistas briosos, nem provocar a  inveja desnecessária de quem se interesse por obras de História, em particular, pela figura singular de Carlos V - como é o meu caso. Mas posso adiantar que não dei mais pelos 6 volumes do que daria por um único daqueles tijolos berrantes que se vêem na montra da Bertrand, ao Chiado.
Numa busca breve, pela net, encontrei 3 alfarrabistas que também tinham esta obra (completa) para venda: na Suiça (Harteveld Rare Books), por 220 euros, em França (Libraire ancienne & Moderne Éric Castéran), ao preço de 230 euros e, finalmente, em Paris (Libraire de Sèvres), por 450 euros. A discrepância de preços talvez se possa explicar pelo estado de conservação dos livros.
Resta-me referir que William Robertson ( o chauvinisme francês é patente pela tradução do nome do autor, na versão gaulesa: Guillaume Robertson...) foi um probo historiador escocês e um iluminista importante, bem considerado, ainda hoje. Justificado pelas inúmeras edições desta obra, a última das quais foi publicada em 2010.

Régis Debray a "Le Monde"


São palavras de um homem zangado, que terá dado, ao longo da sua vida, para o peditório de um mundo melhor, talvez inutilmente. Que investiu em causas que, entretanto, perderam significado, que olha em volta e não gosta do que vê. Mas as suas palavras, em entrevista a "Le Monde"(18/7/2014), envoltas numa cortante e seca ironia, não deixam de ser objectivas, realistas e sábias. Por isso, traduzindo alguns excertos, aqui partilho algumas das respostas e reflexões de Régis Debray (1940). Como se segue:
- No Oriente, inventam a pólvora e criam os fogos de artifício. No Ocidente, fabricam canhões.
- Por outro lado, a França republicana tendo renunciado ao seu sistema de valores e à sua autonomia diplomática, acabou por integrar os comandos da OTAN, decisão anedótica mas simbólica do presidente gallo-ricain Sarkozy, imitado pelo seu sósia Hollande. Eis-nos, por isso, de regresso à "família ocidental". A dupla morte histórica de Jaurés e De Gaulle que deu a esta abdicação o sentido de um regresso à normalidade.
- ...uma coesão, sem precedente sob a égide de Washington, aceite, em definitivo, por todos. Num mundo multipolar, o Ocidente é o único conjunto unipolar. Jamais um Chinês se deixaria representar por um Indiano, e vice-versa. Jamais um Brasileiro por um Argentino ou um Nigeriano pela Áfica do Sul. O Ocidente não tem senão um número de telefone em caso de crise, o da Casa Branca.
- O Ocidente de Montaigne, de Levi-Strauss, de Zeev Sternhell e de Snowden, eu estou pronto a bater-me por ele. O Ocidente dos etnólogos, da curiosidade, da coragem cívica, para que o Outro exista, é aquilo que é preciso defender. O canto do mundo onde é permitido duvidar. Nós temos até o privilégio de poder absorver a negatividade crítica. Quando temos um dissidente, cooptámo-lo. Quando há um opositor, reintegrámo-lo. Repare, fizeram de Daniel Cohn-Bendit a grande celebridade da Europa neo-liberal.
- É preciso termos a noção de que a modernização é regressiva e que a mundialização é uma espécie de balcanização. Quanto mais o mundo se uniformiza pela técnica e pela economia, mais necessário será recuperar as identidades perdidas.

com agradecimentos a H. N..

quinta-feira, 24 de julho de 2014

De uma crónica do jornal de hoje


"...Os media (veja-se o Huffington Post, 13.7.2014) mostram os moradores das colinas próximas de Gaza sentados em cadeiras de praia a aplaudir o espetáculo dos aviões e drones que bombardeiam Gaza. Trazem pipocas, fumam cachimbos de água - enquanto a poucos quilómetros de distância famílias inteiras ficam soterradas debaixo dos escombros, crianças são levadas em desespero para hospitais bombardeados, onde se operam feridos num corredor. ..."

Manuel Loff, in Gaza, o cinismo e os mortos (jornal Público, 24/7/2014).

Interlúdio 49


Brincando com o perigo...

Sonho, emoção e imaginação


Os sonhos têm, maioritariamente, uma natureza emocional. Dos pesadelos aos sonhos agradáveis, a razão pouco ou nenhum controlo neles exerce. Porque tudo se passa numa ficção do inconsciente, que parece originar-se, a maior parte das vezes, de forma autónoma, retendo do real apenas a hipótese da probabilidade envolvida por uma vaga verosimilhança possível. O sujeito-produtor faz parte do cenário e a sua vontade pouco ou nada interfere no desenrolar da "narrativa", pelo menos, de forma consciente.
Numa recensão, do TLS (nº 5807), ao livro Emotion and Imagination, de Adam Morton, Adrienne Martin refere, parafraseando o autor da obra: "emoção é um estado mental que liga uma representação da actualidade com representações de possibilidades. Para usar um dos exemplos de Morton: o medo é o elo de ligação entre a representação de uma criança que se aproxima de um precipício e o imaginar-se a criança caindo."
Destes dois postulados ressalta o papel da imaginação. E é legítimo inferir, ainda que numa conclusão ligeira, que a razão adormece no sono, mas a imaginação e a emoção se mantêm despertas no sonho.

Citações CLXXXVIII : Rivarol (3)


O medo é a mais terrível das paixões, porque ele exerce os seus primeiros esforços contra a razão; ele paralisa o coração e o espírito.

Antoine de Rivarol (1753.1801).

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Recuperado de um moleskine (8)


Convenço-me, às vezes, que as gaivotas não dormem. Porque, em Lisboa, se acordo a meio da noite, com frequência lhes oiço os seus pios glaucos e desagradáveis, para não dizer: plangentes e agressivos.
Por agora e por aqui, na região outrabandista, passam no céu limpo pequeníssimas nuvens levemente afogueadas, quero eu dizer: de um laranja tímido flutuante, em direcção ao sul. Altas, as gaivotas vão caladas.
Mas será que eu vejo, com a atenção devida, o maravilhoso voo das simples andorinhas?
Uma, muito jovem com certeza, ensaiou com precaução um voo raso e, depois, a pouco e pouco, foi subindo, confiante. Outra, talvez mais velha, maior, ia alta, mas nervosa no seu voo tremido. Mas os pais (?) quase pairavam, numa calma magnífica e serena, num voo seguro, entrecruzado por afecto, mas sempre tranquilo.
De súbito, um bando indisciplinado de pardais "cruzou o céu azul num assobio", como o Eugénio disse, para sempre, e eu não saberia dizer.

As diferentes perspectivas


Por mero acaso, e num espaço de pouco mais de 24 horas, tive conhecimento noticioso de 4 métodos ou perspectivas de encarar os reclusos: em Portugal, no Brasil, em França e na Inglaterra. Países que, todos eles, se debatem com o problema da sobrelotação das cadeias. E que o procuram mitigar. Assim:
1. o jornal Público, na sua edição de ontem, como se pode ver pela imagem, titulava a questão logo na primeira página. O título é que me parece mal enjorcado e presta-se a confusões de interpretação...
2. no "Obs." (nº 2593) colhi a informação de que, pelo menos numa prisão brasileira (Catanduvas), os reclusos são desafiados a ler um livro por mês e fazer o seu resumo respectivo. Por cada livro lido e resumido, terão uma redução de pena de 4 dias;
3. na mesma revista, dá-se notícia que a ministra da Justiça francesa, Christiane Taubira, apresentou, no Parlamento, um projecto de reforma penal em que se propõe, em relação aos presos que aceitem participar em actividades culturais, nomeadamente, leitura, que, em contrapartida, venham a ter, também, uma diminuição de pena;
4. ainda do "Obs.", em Março último, Chris Grayling, ministro da Justiça britânica, proibiu expressamente que os reclusos recebessem de ofertas ou encomendas exteriores os seguintes produtos: livros, selos, lápis e papel. Podendo, no entanto, adquiri-los no interior das prisões. "Para acelerar a sua reabilitação" - justificou-se ele.
Não quero fazer qualquer juízo de valor sobre a bondade destas diferentes medidas. As diversas perspectivas, que estão por trás destas decisões, parecem-me óbvias e decorrentes de formas de pensamento político e humano muito singulares.

Oficiais do mesmo ofício


Tenho, afortunadamente, cópia de uma carta pessoal de Herberto Helder, enviada a Eugénio de Andrade, em Dezembro de 2000, onde aquele faz observações pertinentíssimas e justas sobre a poesia dos, na altura, seus confrades poetas portugueses. De uma forma sucinta, mas arguta, classifica-os, através das suas qualidades e dos seus defeitos. É um texto precioso para uma melhor compreensão da poesia portuguesa da segunda metade do século XX.
Saíu, recentemente, na Yale University Press, um volume de 606 páginas, da correspondência entre Leonard Bernstein (1918-1990) e Aaron Copland (1900-1990), intitulado The Leonard Bernstein Letters. As cartas combinam, harmoniosamente, um tom respeitoso com um registo sempre muito afectuoso. Mas que não deixa de lado a reflexão crítica e racional sobre outros compositores da época. Quem sai um pouco "chamuscado", desta correspondência, é George Gershwin (1898-1937), que Bernstein refere como sendo um autor de músicas descosidas (o adjectivo é meu) e sem unidade - em suma, com pontos altos, mas fragmentados e sem consistência de unidade.
Em determinadas áreas - e a Música e a Poesia são, porventura, dos melhores exemplos - não há nada como os próprios oficiais do mesmo ofício, para as avaliarem como deve ser. Ao leigo cabe, apenas, gostar ou não gostar.

A par e passo 99


O acidental, o superficial e as suas mais vivas variações excitam, iluminam o que há de mais profundo e de constante numa pessoa verdadeiramente destinada aos altos voos espirituais. Tem-se prazer na independência da alma e no gozo de existir para ver melhor e mais claramente. Tudo aproveita à consciência organizada. Tudo se destaca, tudo converge; ela nada recusa. Quanto mais ela absorve ou se reflecte das relações, tanto mais ela se reforça em si mesma e ainda mais se liberta e dilui. Um espírito inteiramente religado será bem, até ao seu limite, um espírito infinitamente livre, uma vez que a liberdade não é, em suma, senão o uso e fruição do possível, e que a essência do espírito é um desejo de coincidir com o seu todo.

Paul Valéry, in Variété II (pg. 15).

terça-feira, 22 de julho de 2014

Divagações 70


"Perdigão perdeu a pena  / não há mal que lhe não venha...", dizia Camões que, pelas medidas de hoje, não morreu velho - atendendo aos dados de que dispomos, não terá chegado aos 60 anos. Sena, que morreu com 58, no seu magistral conto Super Flumina Babylonis, deixa supor que Camões sofria de dores na próstata, ou que alguma blenorragia, mal curada, lhe afectava as partes, de forma dolorosa e cruel, nos seus últimos dias.
Conto a generosidade das primaveras e verões, pelos fins de tarde que passo na varanda a leste. E, este ano, tenho de concluir que o tempo foi avaro. Porque posso enumerar pelos dedos, os dias que vi a esvairem-se, pela noite dentro, e as aves, em voos finais, a despedirem-se da luz. E já vamos no fim de Julho, com dias cada vez mais pequenos.
Terminaria, um pouco a propósito, com a epígrafe de um livro que não há:

Aqueço-me ao vagar da minha sede
por onde a arte é mais triste...

Regionalismos transmontanos (46)


1. Impolborar - empoeirar.
2. Impontar - despedir, pôr na rua.
3. Indébem - frágil, franzino.
4. Inguarina - vestimenta semelhante a uma blusa. Sobrepeliz, opa.
5. Intojado - entusiasmado. Antojado, entejoado, desejoso, com grande apetite.
6. Inzoável - pessoa afectável na forma de falar, pessoa pretensiosa.

Retratos de noivas régias


Não seria tarefa fácil, em tempos antigos, para um pintor, manter a estima dos seus mecenas régios, ao retratar as filhas e princesas casadouras. E, isto, porque normalmente o noivo, antes de se comprometer, em definitivo, pedia ao eventual e futuro sogro que lhe enviasse o retrato pintado da pretendida. Tal facto poderá ser visto sob diversas perspectivas: se a noiva fosse feia, a tentação, para o artista, seria aformoseá-la para agradar ao pai-mecenas e convencer o futuro noivo; mas incorreria, certamente, na fúria futura do pretendente régio, quando descobrisse o logro e o estratagema para o convencer a casar, quando visse, ao vivo, a princesa...
Hans Holbein (1497-1543), ao que parece, era intransigente: se a princesa era feia, feia a retratava. Mas nem todos os pintores assim procediam.
A terceira mulher do nosso D. Manuel I, Leonor de Áustria (1498-1558), irmã mais velha de Carlos V, que, além de rainha de Portugal, o foi também de França quando, depois de enviuvar, se consorciou com Francisco I, em 1531, foi retratada por várias vezes e por diversos pintores. O retrato, que encima este poste, foi executado por Joos von Cleve (1485-1541), por volta de 1530, e antes de Leonor se ter casado com o rei de França. E é possível que Francisco I o tivesse visto, antes do casamento. Não sei, também, se o Venturoso requereu um retrato da irmã de Carlos V, antes de tomar uma decisão. Devo lembrar que, a princípio, ela fora escolhida para noiva de D. João III, mas o rei viúvo enamorou-se dela, e foi ele que a desposou...
Mas D. Manuel I era arguto e pediu informações a  quem confiava, sobre a fisionomia, maneira de ser, e aspecto de Leonor de Áustria. O nosso embaixador em Espanha, Pedro Correia, escreveu-lhe assim:
"...Madama Leonor não é muito formosa, nem lhe podem chamar feia; tem boa graça e bom despejo, e julgo-a de condição branda e avisada; não tem bons dentes, é pequena de corpo, parecendo-o ainda mais porque usa chapins só da altura de dois dedos; e é grande dançadeira."
Era um diplomata, este Pedro Correia!...

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Para MR e Artur Costa, e em resposta aos seus comentários no poste "Nada se perde, tudo se transforma"


Os dois postes de hoje (Manguel/Koons) tinham, propositadamente, embora de forma pouco perceptível, uma relação reflexiva e umbilical, de denúncia do mercado e seus agentes, na sua venalidade oportunista e  actual. O medo, a insegurança e a falta de sentido crítico permitem que o "rei vá nu", mas todos, ou quase todos, se calem.
No fundo, e de forma rude eu diria que se quer, por motivos óbvios, mas inconfessáveis, confundir estética com consumo, quantidade com qualidade. A arte que, na sua essência, deveria "elevar" e fazer pensar, desceu ao "lumpen" da facilidade literal, à indigência banal de poder ser compreendida por todos, sem ajuda nem explicação, porque a sua superficialidade não o exige. E o motivo é simples: vender, vender sempre e mais a toda a gente. As editoras fazem o mesmo... E os meios não importam. Cicciolina foi uma forma de Koons chegar a um nicho de mercado de difícil acesso e onde a "arte" não ia muito além do chinelo e da colorida lingerie. Com isso alargou, grandemente, o seu leque de clientes.
Depois, há uma legião de curadores, marchands, editores e "artistas" que precisam de ganhar vida, mesmo que seja a vender banha da cobra.
A benefício de inventário, há que dizê-lo: no panorama de desemprego e miséria actuais, Koons e J. Vasconcelos dão trabalho a muita gente e são uma espécie de mini-centro-de-emprego. Leve-se isso em conta dos seus pecados, até porque, se eu fosse elitista, teria que dizer que a Arte ou a Literatura são outra coisa...

Citações CLXXXVII


Do estratega dos departamentos de marketing editorial ao comprador para as grandes cadeias livreiras e também, talvez menos conscientes da sua responsabilidade, aos editores e professores de escrita criativa, quase todas as partes da indústria livreira se tornaram, em grande medida, peça de uma linha de produção visando a criação de artefactos para um público, não de leitores (no sentido tradicional), mas de consumidores.

Alberto Manguel, in O Monitor de Hal (pg. 123).

Nada se perde, tudo se transforma


Com uma restrospectiva, no Whitney Museum, que seguirá depois para o Centre Pompidou, Jeff Koons (1955) soma e segue... Em imagem, Split-Rocker, uma espécie de escultura-brinquedo gigantesca, composta de cinquenta mil flores.
A aceitarmos Koons, teremos que ser complacentes para com Joana Vasconcelos (1971).

domingo, 20 de julho de 2014

Marcadores 22


Já foi mais verdadeira esta epígrafe: Gutenberg lebt! (Gutenberg vive!), em branco, sobre o fundo vermelho do marcador, em imagem. Porque o livro deixou de ter apenas suporte no papel. E para as novas gerações, que hão-de nascer, o lado manuseável do objecto singular e "precioso" deixará de ser o mais comum, sendo apenas a imagem visual o elemento essencial e conhecido. Eu não quero tomar partido, porque nunca serei isento. 
Este marcador simples, mas digno, acompanhava um dos anuários da Sociedade Gutenberg (Mainz), que saem pela época do Verão, divulgando estudos novos sobre livros antigos.

E para não dizerem que eu sou elitista, que siga a dança!...

Escolhi este vídeo, porque coloca dois ou três problemas metafísicos bem importantes... E tem mensagem, e tudo.

A sociedade lisboeta do sempre em festa & companhia


Quem está triste ou preocupado que não salte, nem se levante do chão! Que a leveza é dos felizes e aéreos saltitões.
Ontem, à tarde, foram as bifanas populares do porco assado, à porta do S. Luís. Com rancho folclórico e tudo. À noite, foi música erudita, promovida por várias instituições da Capital. E, hoje de manhã, cerca das 10 horas, irrompeu do Largo do Camões a música pimba sul-americana, para fazer dançar aí uma vintena de adolescentes, numa aeróbica tonitroante e desenfreada, patrocinada pela Misericórdia de Lisboa.
Dois sem-abrigo, deitados nos bancos de pedra do Largo, acordaram estremunhados, sobressaltados e espavoridos. Mas, ingratos, nem saltaram, nem acompanharam a dança matinal... 

Considerações (talvez) abusivas sobre a condição feminina


Ontem, durante o Festival ao Largo, e enquanto ouvia a talentosa Elisabete Matos em excertos da "Tosca" e da "Turandot", dei-me conta de que o bombo, os timbales e correlativos estavam a cargo de uma frágil e jovem música que, com alegre e intensa energia, os percutia com duas imparáveis baquetas.
Depois, também as harpas (2) eram dedilhadas por mulheres. E, pelo menos, um dos violoncelos era tocado por uma senhora música, de meia-idade. Confesso que não reparei no piano... E, talvez, a conclusão tivesse sido um pouco precipitada, mas pensei que os instrumentos musicais maiores e mais pesados tinham cabido às senhoras. Porque os flautistas eram quase todos homens.

Oaristo(s) 2


Fecha, quiçá, com chave de ouro, esta curta rubrica (Oaristos) iniciada a 17/7/2014, através deste postal da pombinha mensageira. Que o Luís enviou a Mademoiselle Fátima, em 16/1/1904.
De conversas com H. N., de perguntas de MR, e de uma ligeira investigação, talvez seja legítimo concluir que o emissor das missivas tenha sido o major Luiz Alberto de Oliveira (Coruche, 1880-1956), irmão do Presidente do Conselho que antecedeu Salazar: o general Domingos Oliveira (1873-1957). A donzela Fátima Tamagnini Barbosa seria sobrinha (por afinidade?) do político que foi, por 3 vezes, governador de Macau. Iconograficamente, Luiz e Fátima estão representados na fotografia abaixo, embora numa fase já mais avançada das suas vidas, e casados.
Este último postal diz assim, em jeito de oaristo: "L'amour a eté donné a l'homme pour savoir ce qu'il peut souffrir au monde" (sic). Não se pode dizer que o Militar não tivesse um estro poético...

Uma vez mais, o grato reconhecimento a H. N., que permitiu estas revelações ternas e românticas.

sábado, 19 de julho de 2014

Impromptu (6)


Eu devia ter desconfiado...
Primeiro, passou sub-reptício um alto autocarro da Câmara de Valença, cheio de gente no interior.
Depois, no Chiado, começou a cheirar a queimado e, para meu espanto, apercebi-me que estavam a assar um grande porco, num espeto, junto ao S. Luís.
Finalmente, estava eu em casa "posto em sossêgo", quando as vozes, os instrumentos e as socas do Rancho atroaram os ares com a sua música alacre e minhota.
Então, é que se me fez luz, no espírito. E foi mais ou menos assim:

Relíquias...


Improvavelmente encontrado no fundo de uma gaveta, este horário escolar do ano lectivo de 1955-56, permite-me concluir que, neste preciso momento, há 58 anos atrás, se ainda houvesse aulas (pouco provável), eu estaria numa aula de Francês, orientada pelo Dr. Carvalho. Que era de Braga, e um excelente professor que usava uns óculos de aros dourados.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

De três palavras que aprendi hoje


Os últimos raios de sol marmoream de branco, ao longe, o casario do Seixal, em contraste com o azul quase cinzento, ao fundo, da Arrábida. O Tejo vai de verde, para o mar.
E eu aprendi hoje o significado de mais três palavras, que encontrei pela leitura de Histórias de Reis e Príncipes, de Alberto Pimentel. Como as não conhecia, foi ao dicionário saber-lhes o significado. Assim:
- Barjoleta - bolsa grande ou mochila;
- Alcoveta - alcoviteira (desta suspeitei o significado);
- Apolegar - premir com os dedos, palpar. 
Não se pode dizer que delapidei o meu tempo, por inteiro...

Pinacoteca Pessoal 81 : Sigmar Polke


Considerado um dos pintores mais significativos do post-guerra alemão, Sigmar Polke (1941-2010) tem, presentemente, no MOMA, uma exposição retrospectiva da sua obra, que seguirá para a Tate, no Outono.
Influenciado pela Pop americana (Andy Warhol, Lichtenstein...) soube reconstituir uma identidade própria, onde a provocação andava paredes meias com um libertário anarquismo de expressão, servido por um profissionalismo e cultura exemplares. Na década de 70, passou a dedicar-se à Fotografia, regressando, na década seguinte, à Pintura, parecendo, com isso, querer sublinhar a sua inteira autonomia, bem expressa pela sua frase provocatória: Wir wollen frei sein wie die Väter waren (Queremos ser livres como os nossos Pais foram) - numa alusão cruel e irónica à geração alemã que viveu e acompanhou o nazismo. 
O quadro Frau Herbst und ihre zwei Tötcher (A senhora Outono e as suas duas filhas), da segunda e terceira imagem do poste (conjunto e pormenor), pintado por Sigmar Polke no ano de 1991, em que a Mãe corta papel com uma tesoura e as filhas lançam os pedaços como se fosse neve artificial, parece, no entanto, querer expressar uma reconciliação entre tradição e modernidade, a que um cenário, confundível de esboços-paisagens à Turner, cauciona uma estética fragmentária, mas muito singular.

Ainda a língua portuguesa, e seus derivados (alguns, tóxicos...)


Falam-se crioulos de base portuguesa em Cabo Verde (onde têm servido de instrumento a uma literatura de importância considerável, há mais de 50 anos), na Guiné-Bissau, numa pequena zona do Senegal (Casamance) e nas ilhas de S. Tomé, Príncipe e Ano Bom (antiga Guiné Equatorial)... [Ivo Cruz, in Territórios e Comunidades Linguísticas, 2006].
Ora, é por isto (língua), pelo petróleo, pelo Banif e pela venalidade internacionalista do sr Machete que, mais tarde ou mais cedo, a Guiné Equatorial, do cleptocrata sr. Obiango, virá a integrar a C. P. L. P. ...

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Curiosidades 30


A leitura de A Cidade das Palavras, de Alberto Manguel, levou-me a destacar e sublinhar este pequeno extracto: "Por muito que lamentemos o facto, a linguagem escrita, quando surgiu há mais de cinco mil anos, não foi criação de poetas, mas de contabilistas. Viu a existência por razões económicas, para registar existência de factos: possessões, transacções comerciais, acordos de compra e venda." (pg. 65)
Esta afirmação, realmente, encontra suporte, por exemplo, nos considerados mais antigos textos em língua portuguesa, referidos por Ivo Castro (Introdução à Historia do Português) que,  baseando-se nos trabalhos de Lindley Cintra e Avelino de J. Costa, aponta:
- Notícia de Fiadores
- Notícia de Torto (c. 1214)
- Testamento de D. Afonso II (datado de 27 de Junho de 1214)
-  Auto de Partilhas
- Testamento de Elvira Sanches,
todos eles conservados na Torre do Tombo, e que tratam, maioritariamente, de sucessões e transmissões de bens.

Uma ironia de Jean Daniel, sobre F. Hollande


"...Ele é feito dessa fibra e temos que nos resignar. (...) E, no entanto, eu encontrei, neste 14 de Julho, um François Hollande melhor do que o habitual. Com o risco de parecer indulgente, ou até mesmo complacente, descobri que, nele, mesmo os seus defeitos não deixavam de ter uma certa robustez. ..."

Jean Daniel, no Editorial de Le Nouvel Observateur (nº 2593).

Oaristos


Esta escalada contígua, porfiada e crescente pressupõe um antes e um depois. O meio terá sido em 1904.
Não sei se o Luís, posteriormente, terá juntado os seus trapinhos com Mademoiselle Fátima, que morava num primeiro andar lisboeta, na rua de S. José. Mas, se foi o caso, só posso desejar, retrospectivamente, que tenham sido muito felizes...

P.S.: o texto do primeiro postal reza assim - "L'oiseau sait ou il voler pour trouver le bonheur, tandis que les ames volent dans l'inconnue, la tristesse et l'inquietude" (sic).

com agradecimentos iconográficos a H. N. .

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Apontamento 50: Livros Infantis e Escolares



Recuando algumas décadas, e recorrendo à experiência pessoal, acontece que houve livros de infância e escolares – já que abomino o jargão “Manuais” – que nos ficaram na memória visual pelo grafismo. Outros recordo pela ambiência das histórias que nos contavam e o insólito de promover a leitura em idade escolar.

Jamais me esquecerei das “aulas de lavores” em que a professora, depois de explicar as tarefas a executar - bordados, costura, malha ou “crochet” – se recolhia sentada na sua secretária, pegando num livro, começava a ler uns livros. À distância, pouco interessa um fundo ideológico das histórias, mulheres de um lado e homens do outro, porque o crescimento mental procedeu à actualização em conformidade com a evolução da sociedade. O que ficou, de facto, foi um ambiente estimulante de encontrar na palavra escrita outros universos do que o quotidiano conhecido. O que importa,  para promover a leitura, são momentos únicos em que a criatura descobre que o mundo se poderá  abrir através dos livros e sem sair do lugar de origem.

Quanto ao grafismo, não tenho dúvida de que os livros infantis ganharam imenso em qualidade de imagens. De tempos recuados apenas me lembro do aspecto do meu livro de “Primeira Classe”, amarelinho com desenhos de bichinhos muito bonitos. Tenho pena de não o ter conservado.



Gosto de acompanhar a evolução do grafismo dos livros infantis. Não faço colecção por falta de espaço, mas tenho pena, porque alguns livros são uma tentação.

Sucede que, ontem, por mão amiga nos entraram vários livros infantis e escolares, em casa. Numa junção perfeita, primam pela qualidade das imagens e do conteúdo. Alguns, na sua fina ironia e observação do quotidiano, parecem um “animatógrafo” em que o leitor, muito para além da boa disposição, aprende a olhar de forma diferente para o presente e o passado.


Este último "Livro de Leitura" aconselha-se a quem queira desenvolver, precocemente, a capacidade de entender e explorar a riqueza da língua, sobretudo na sua capacidade de criar e jogar com "segundos sentidos". São jogos inofensivos e, talvez por isso, cada vez mais raros !

Post de HMJ, dedicado a A.J.Monteiro

Desabafo


Como em tudo na vida, ou acompanhamos alegre, caridosa, gentil e  servilmente, ou elevamos o tom. Embora nem todos nos comprendam ou perdoem, se escolhermos esta última opção. Em desespero de causa, há sempre o questionário de Proust que, creio, ainda não foi ultrapassado e será sempre uma alternativa digna.

Ribeira das Naus


Se dissermos toda a verdade, não incorreremos em perjúrio e tudo nos será perdoado - dizem, complacentes e bondosos, alguns livros sagrados. Mas há que ter em conta o fingimento dos poetas - Pessoa dixit.
Eu teria ficado por ali, pela Ribeira das Naus, a noite inteira, porque o entardecer estava tranquilo e ameno. Ficaria até de manhã, como fiquei, uma vez, emocionadamente, durante uma noite-manhã de Santo António, pelas imediações da Estufa Fria. A juventude tem destes arrebatamentos, seja qual for a geração...
Até porque, ali, junto ao Tejo, não havia já gaivotas agressivas, a noite ia descendo pouco a pouco e o ar morno nos acariciava a pele e nos adoçava a fala, facilitando o pensamento e o diálogo. Passámos por uma jovem sentada junto ao Tejo, que parecia cantar uma serenata ao rio, convincente e comovida. Eu teria ficado, por ali, a noite inteira, sentado junto ao guitarrista que, amorosamente, a acompanhava.
Mas as duas senhoras, que me ladeavam, iam de passo estugado em direcção ao Terreiro do Paço. E o Augusto, bragançano e mais ligeiro, ia bem uns 100 metros à frente, palrando, também, com uma jovem alemã. Só por isso é que apressei o passo.  

Citações CLXXXVI


"...a democracia é um jogo em que podemos concordar com as regras, mas não temos de concordar com o resultado. ..."

Rui Tavares, in jornal Público, de 16/7/2014.


Observação pessoal: eu teria preferido este final, mais feliz: "embora o devamos respeitar."

Retro (51)


Elitista, mas rural, este letrado cavalheiro gaulês faz a apologia (1919) da beleza idílica e da tranquilidade campestre. Pena é que não se possa adivinhar o que estava a ler...