domingo, 31 de março de 2013

Apontamentos 3: A Vida Portuguesa



A imagem reproduzida de Catarina Portas, que responde pelo conceito e a gestão de diversos projectos, entre eles as lojas A Vida Portuguesa, consta da edição, de hoje, do jornal DIE ZEIT. O semanário em apreço tem dedicado a Lisboa e a Portugal alguns artigos que demonstram, não apenas bom gosto nas escolhas, como preocupação na diversidade e riqueza da cultura europeia e portuguesa.
Nesse sentido, o jornal demarca-se, sem dúvida, de outros "pasquins" - dos mais rasteiros, como o DIE WELT, ou "manhosos", como os restantes do grupo Springer - que insistem, até à exaustão, nos esteriótipos do português "manhoso, corrupto, preguiçoso, etc.". Por cá, esses "pasquins" têm, também, os seus seguidores, em "blogues" e quejandos. Costumam calçar sapatos acima da sua medida, avançando para apreciações culturais e históricas para as quais não têm a mínima preparação, para não falar da falta de sensibilidade para conviver com a "alteridade".
Recomendo, pois, a leitura do artigo.  É uma lufada de ar fresco na "bambochata" dos discursos apoucados de Merkel's e Schäuble's que, na sua ignorância cultural, "nasceram  para cinco, mas não chegam a dez" (!).
E, em dia de Páscoa, que a Europa de Cultura e de Paz tenha compaixão para com estes criados menores !

Post de HMJ

Este perverso Inverno deslocado


Através do vidro da sala, que dá para a varanda, olho, em frente, melancólico para a rua quieta de luzes amareladas (cenário ideal para um romance flamengo de Simenon) e impaciento-me, no que me resta de juventude poupada, com a teimosia deste tempo invernoso, sorumbático e pesado. Chove, e parece chover por quantas nuvens desfeitas hão-de vir. Nem sequer a reflexão, que o recolhimento propicia, me consola. Não fossemos, nós portugueses, filósofos medíocres e ligeiros, e desta clausura forçada sairíam obras-primas. Mas, desta oblíqua melancolia, talvez que, em remotas mansardas ou escritórios climatizados, estejam a ser escritos maravilhosos e líricos poemas lusos. Talvez nem tudo se perca...
Mas, isto, é o menos. Porque antes de filosofar, há que viver - assim o diziam os antigos. E a nossa agricultura vai de rastos. Os cereais não puderam ainda ser semeados e, quanto às batatas, com a terra alagada e ensopada de água, nem vale a pena pensar. E, soube há dias, por um Amigo, que a caça de pêlo não procria assim, em terreno húmido. Coelhos bravos e lebres, pelo menos, capricham e só acasalam em terreno seco. Por isso, também as coutadas vão atrasando a renovação das próximas vítimas. A desolação começa a tomar o aspecto de catástrofe. Primavera virgem e inocente, nas mãos deste velho e perverso, sabido Inverno que lhe não dá espaço, nem lugar.

Retratos (9) : Henrique S. G.


Há dias, ao passar numa das ruas da Baixa, reparei, contristado, que a loja, onde se vendiam pequenos acessórios de bom gosto e uso doméstico, estava fechada. Pertencia à mulher de Henrique S. G., e ao irmão dela, que conheci jovem, urbano e delicado, um pouco desengonçado de gestos. Semelhante ao Henrique que, apesar disso, praticava esgrima, com uma elegância que eu invejava, nesses recuados anos 70, portugueses. O que melhor o identificava, porém, eram uns dedos espatulados e grossos, na ponta final. E uma caligrafia tão miúda e tão irregular, que era necessário descriptá-la lentamente. Alto e desassombrado, Henrique tinha também uma simpatia e carisma pouco comuns. Na empresa, onde predominava a tecnocracia servil e o arrivismo apolítico, Henrique era uma excepção, na sua solidariedade para com os inferiores, no sentido de justiça e na ampla cultura que possuía.
Apercebi-me disso, logo em 1972, quando, com ele, orientei um longo processo de averiguações sobre roubos contumazes na empresa, que acabou por conduzir a cerca de uma dezena de despedimentos. Durante 3 dias intensos, tivemos de ouvir mais de vinte colaboradoras. Chegamos ao fim arrasados e ele rematou assim: "Com o miserável salário que recebiam, se não roubassem, teriam de ir pelas ruas a venderem-se..."
O Henrique veio a casar tarde e a ser pai, ainda mais tarde, pouco antes de completar 50 anos. O último trabalho que fizemos juntos, em 76/77, foi um projecto de reestruturação da Empresa, num grupo de mais 5 colegas, e que ele estimulou e dinamizou, incansavelmente. Quatro anos depois, eu saía da empresa, mas o meu Amigo já começara a modificar-se, gradualmente. A família que, entretanto, se alargara obrigou-o (?) a algumas cedências, com os novos poderes da empresa, e a decisões que, na altura, me pareceram ambíguas e muito discutíveis... Pagaram-lhe em promoções, ele comprou acções da firma e, finalmente, nomearam-no administrador. Quando saí, escrevi-lhe um cartão amigo, mas melancólico, lembrando-lhe "os bons velhos tempos" de camaradagem solidária e idealista. E, ao escrevê-lo, lembrei-me da frase de Garrett: "a necessidade pode muito". Há sempre "viradeiras" à esquina das nossas vidas - podemos é aceitá-las, ou não.
No final dos anos 90, a nossa comum amiga B. deu-me a notícia de que o Henrique morrera, subitamente, de um enfarte fulminante, mas que a família ficava bem. Quando, há dias, reparei na loja fechada, que fora da mulher e do cunhado, perguntei-me se, ao menos, ele teria sido feliz. Penso que sim.

sábado, 30 de março de 2013

Equilíbrios televisivos


Afinal, não é só com os comentadores políticos que o serviço público televisivo procura o justo equilíbrio. Porque Herman José, no seu programa de hoje, da RTP1, tem também 2 artistas convidados: Tony Carreira e o ex-comissário da cultura. Foi uma decisão acertadíssima - estão lindamente, um para o outro.

A par e passo 35


LXXIX
É o imprevisto, o descontínuo, a forma do real e do ser em que nunca tinhamos pensado, - que fazem o encanto e a força da observação e das experiências.
Julga-se contemplar ou pressentir as soluções possíveis, e há sempre uma outra.
LXXXIII
... Mas um místico, um ser capaz de caminhar para o suplício, cantando, é, por isso mesmo, também capaz do pecado mais negro, mais delicioso, - com lágrimas escaldantes. ...
LXXXIX
Toda a psicologia - naquilo que diz respeito aos valores do intelecto, - se reduz a isto:
o que me vem ao espírito;
aquilo que eu procuro fazer vir ao meu espírito;
o que eu rejeito e se apaga do futuro do meu espírito.

Paul Valéry, in Tel Quel II (pgs. 213, 215, 219).

Adagiário CXXV : Páscoa


Páscoas de longe desejadas, num dia são passadas.

acidentalmente, e sobre a memória


A sociedade portuguesa anda envenenada e confundida, mas não me lembro que E. P. C. tenha traduzido, alguma vez, Montale, como as search words ("eugenio montale traduzido eduardo prado coelho") de um cibernauta alfacinha deixariam supor, e que chegaram até ao Arpose, hoje, pela mão canhestra e parva do Google.
Pessoas há em que a memória mal se inscreve: vivem um presente contínuo. E talvez sejam felizes, à sua tona de água.
Eu olho para a varanda a sul, para o limoeiro que, depois da tosquia profunda de Inverno, só consegue ressurgir tímido e de poucas folhas, e não consigo esquecer quatro ou cinco limoeiros viçosos, na minha vida passada. Mas não sou infeliz. Ainda, para mais, o sol ilumina os tenros rebentos da Primavera leviana deste ano rigoroso. E quase me chega, de esperança. Coisa pouca, convenhamos, para quem tenha sonhos altos.

Um poema de Eugénio


Os Trabalhos da Mão

Começo a dar-me conta: a mão
que escreve os versos
envelheceu. Deixou de amar as areias
das dunas, as tardes de chuva
miúda, o orvalho matinal
dos cardos. Prefere agora as sílabas
da sua aflição.
Sempre trabalhou mais que sua irmã,
um pouco mimada, um pouco
preguiçosa, mais bonita.
A si coube sempre
a tarefa mais dura: semear, colher,
coser, esfregar. Mas também
acariciar, é certo. A exigência,
o rigor, acabaram por fatigá-la.
O fim não pode tardar: oxalá
tenha em conta a sua nobreza.

Eugénio de Andrade (1923-2005).

sexta-feira, 29 de março de 2013

O Nu, segundo Valéry, e a propósito de Degas


"...Ainda há poucos anos, o médico, o pintor e o freguês de casas de passe eram os únicos mortais que conheciam o nu, cada um segundo o seu mester. Os amantes praticavam-no com medida; mas um homem que bebe não é necessariamente um verdadeiro amador e conhecedor de vinhos. A embriaguês não tem nada a ver com conhecimento.
O Nu era coisa sagrada, isto é, impura. Permitiam-no às estátuas, por vezes com algumas reservas. As pessoas graves tinham-lhe horror no seu estado vivo, admiravam-no em mármore. Toda a gente sentia confusamente que nem o Estado, nem a Justiça, nem o Ensino, nem os Cultos, nem nada de sério poderia funcionar se a verdade fosse inteiramente visível. É preciso um traje próprio para o juíz, para o padre, para o mestre, porque a sua nudez arruinaria tudo aquilo que tem o dever e terá de ser impecável e inumano numa personagem que encarna uma abstracção.
O Nu não tinha em suma senão dois significados nos espíritos: tanto, o símbolo do Belo; como também o do Obsceno. ..."

Paul Valéry, in Degas, Danse, Dessin (pg. 110).

Citações CXXVII : Giovanni Papini


Os amigos não são senão inimigos com os quais acordamos um armistício, que nem sempre é honrosamente respeitado.

Giovanni Papini (1881-1956).

Nota: tenho a dizer que, embora goste de paradoxos, não concordo com esta afirmação de Papini.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Pinacoteca Pessoal 48 : Salvador Dali


Vamos entrar no tempo de Páscoa.
Não haverá, porventura, tema recorrente mais repetido e executado, na pintura europeia, do que a Crucificação. A proliferação é tanta, pela iconografia religiosa ocidental, que quase me deixa indiferente, a mim que sou um agnóstico empedrenido e um pobre amador de pintura, com conhecimentos muito rudimentares. Porque me parece que as variações nessas inúmeras pinturas são mínimas e dependem apenas dos tiques característicos das escolas, ao longo dos séculos, do vestuário de época, do menor ou maior número de figurantes nos quadros. E da caracterização do Pathos expressivo dos rostos, que podem assumir crispação, dramatismo acentuado, ou apenas a expressão de uma compassiva serenidade, perante a morte de Cristo.
Apesar disto, das pinturas mais antigas, a Crucificação de Mattias Grünewald (Arpose, 2/4/10), não me deixa indiferente e considero-a uma obra-prima, também pelo dramatismo quase selvagem do tratamento do corpo de Cristo. E que faz toda a diferença, em relação a muitos dos quadros banais coevos. Preciso de vários séculos para chegar às obras de que volto a gostar pela sua simplicidade ou povertá: as crucificações pintadas por Gauguin (em 1889) e Rouault, em 1920. Mas a Crucificação moderna de que mais gosto, foi pintada em 1951, por Salvador Dali (1904-1989). Porque, ao fim de tudo, tem ainda algo de novo. 
Por isso, aqui fica.

Nota

Alguém, talvez sem nada que fazer ou para dizer, ou falta de imaginação, resolveu pôr no seu feicebuque a indicação do label Póvoa de Varzim, aqui do Blogue. Tem sido um "vê se te avias" de carneirinhos a cá vir...

Uma fotografia, de vez em quando


Talvez ainda mais do que a pintura, a fotografia estimula a elasticidade da nossa imaginação. Quase sempre enquadradas por arquitectura, as imagens do fotógrafo americano Maynard L. Parker (1900-1976) deixam sempre um largo horizonte de divagação interior, um plano em aberto que se estende até ao infinito daquilo que pode vir a acontecer.

Produtividade Portuguesa


E o BPN, senhores juízes? E o BPP?

Com o meu amigo AVP, no Tagarro


A amizade ainda é o melhor condimento de um encontro, mas não resistimos a um arroz malandrinho de feijão vermelho, que acompanhou lindamente uns fresquíssimos linguadinhos fritos, à maneira. AVP não se furtou, antes, a uma aromática sopa de nabiças, que me disse estar óptima - eu não quis.
Pelo meio, fiquei a saber a origem de gabarito e a lume, e algumas outras expressões naúticas. Faltava indagar a origem de Tagarro, que dá nome ao restaurante. Mas o empregado só conseguiu informar-nos que o dono inicial era de Tagarro, pequena povoação próximo de Alcoentre - daí o nome.
Em casa, depois, fui ver ao Moraes, que não regista tagarro, mas apenas "Tagarra - árvore da Guiné.//Peixe da costa de Portugal". Para continuarmos em coisas de Mar...
Pelo meio ficaria José Tagarro (1901-1931), que não vinha para o caso, mas deixou o seu traço inconfundível em tantos desenhos satíricos e  caricaturas.

Mais um poema de Lorca


É verdade

Ai que trabalho me dá
gostar de ti como eu gosto!

Por causa do teu amor me dói o ar,
o coração
e o guarda-sol.

Quem me compraria a mim
este novelo que tenho
e esta tristeza de fio
branco, para fazer lenços?

Ai que trabalho me dá
gostar de ti como eu gosto!

Federico García Lorca, in Andaluzas.

5 greguerías ramonianas


1. O tango está cheio de despedidas.
2. O sonho é um depósito de objectos extraviados.
3. Longevidade: saber dar largas ao cobrador.
4. Os gansos andam de sapatilhas.
5. A girafa é um cavalo alongado pela curiosidade.

Ramón Gómez de la Serna, in Greguerías.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Memória (79) : há 40 anos...


Em 27 de Março de 1973, Marlon Brando (1924-2004), que tinha ganho o Óscar pela sua notável interpretação em "Godfather", recusou o galardão. Fê-lo por discordar do tratamento dado aos Índios, por parte da indústria cinematográfica norte-americana. No acto formal da recusa, delegou a sua declaração na representante (Apache) da comunidade índia americana.

As primeiras andorinhas


Vi-as hoje, pela primeira vez, sobrevoando a pequena levada outrabandista. Por volta do meio-dia, não seriam mais de dez, e bem pequenas no seu voo nervoso e frenético, provavelmente, procurando o beiral certo para edificar o ninho.
Ou eu andei distraído, nos últimos dias, ou elas se atrasaram por causa do frio, este ano. Seja como for, é sempre com alegria que vejo as primeiras, como se o florir da Primavera dependesse da sua chegada.
Bem-vindas!

Nunca será demais insistir


Reproduz-se, do DN, um isento e justo testemunho pessoal de Vasco Graça Moura sobre o magistério, influência e labor cultural de Óscar Lopes (1917-2013). A importância que ele teve na minha formação literária foi semelhante, embora não tão intensa nem tão quotidiana quanto foi em Vasco Graça Moura. A primeira vez que o vi e ouvi, terá sido em Coimbra, no início dos anos 60, num colóquio organizado pela Associação Académica. Depois disso, encontrei-o mais 2 ou 3 vezes e, aí, já falei com ele. Mas, no entretanto, também lia religiosamente os seus artigos primorosos, no suplemento literário de "O Comércio do Porto". E, depois, todos os seus livros.

O araújo sulista volta ao local do crime


Eu dispensava bem esta visita torpe, mas ele lá vai insistindo, por inanidade mental, por falta de inspiração a ver se encontra alguma coisa para sugar. A penúltima vez, foi aquando da morte de Óscar Lopes. Mas, hoje, achei piada às, preguiçosas de intento, search words que dirigiu ao Google. Assim mesmo:
"torga escreveu no diário IV um pequeno poema que chamou fado do limoeiro" (sic).
O pachorrento do araújo é como o Jesus Cristo do Alberto Caeiro ("não consta que tivesse biblioteca") mas, pior do que isso, é não se querer incomodar a ir a uma biblioteca pública ou à BNP. O homenzinho não quer ter trabalho e prefere, refestelado e gordinho no seu sofá, que lhe sirvam as informações numa bandeja, para depois fazer um brilharete no seu blogue (agora muito mais cheio de imagens do que de palavras - sempre dá menos trabalho, com um vídeo à mistura...), junto dos pacóvios dos seus amigos. Mas o motor de busca, que não percebe nada de citrinos, encaminhou o araújo sulista para um poste sobre Antonio Machado (21/9/12), aqui no Arpose. Lá se foi a inspiração.
Se o copista nato trabalhasse um pouco, e não fosse um plagiador por vocação, abrindo o livro de Torga, na página 157, havia de encontrar o poema. Muito fraquinho, de qualidade, diga-se de passagem. E, com esta preciosa informação que dou ao araújo chupista, espero que ele - ao menos, por vergonha - me desampare a loja (Blogue) de vez, e para sempre.

Filatelia LXII : trabalhos de casa e reflexões


Quando se herda ou compra uma colecção de selos, já formada, adquirem-se, por arrasto, horas de trabalho e entretenimento. Que, com este tempo invernoso, até ajudam a passar, bem, o tempo em casa, lavando e descolando os selos, classificando-os por catálogos e, finalmente, arrumando-os nos álbuns, classificadores ou, se forem repetidos, em pequenos envelopes de celofane. De certa forma, a colecção de selos, mundial, que adquiri, recentemente, era limpa e relativamente arrumada, mas há ainda muito a fazer. Já a explorei devidamente, e iniciei os trabalhos, há algum tempo.
Se fosse a atender aos meus gostos, deixaria o arrumo e classificação de Espanha para o fim, porque não me dá grande prazer. Não gosto, normalmente, do grafismo dos selos espanhóis, o papel dos mais antigos é de fraca qualidade, são muito descentrados e o denteado, muito imperfeito. E, frequentemente, quando se têm de descolar, como a cola é grosseira e muito abundante, muitas das estampilhas acabam por se estragar. E, se não se puser, algum sal na água morna, para os descolar, como as cores são ténues, normalmente, os selos ficam muito descoloridos.
Mas, por disciplina e método, já comecei a tratar deles e a classificá-los, como pode ver-se pela imagem que encima este poste. Aliás, não tenho nada contra Espanha. De lá me vieram poemas maravilhosos de Aldana, Quevedo, Machado, Lorca, Jimenez... Agora, os selos espanhóis, são um desastre.

Nota: os selos, em imagem, vão de 1879 (os mais antigos) até 1920; e são dos reinados de Afonso XII e Afonso XIII.

Comic Relief (66) : resolução do Conselho de Ministros


Diz o povo: "Tristezas não pagam dívidas".
E eu pergunto-me: e reúnem-se suas eminências para isto?

Divagações 42 : as toupeiras de Bruxelas


Este eterno Inverno, que parece querer amordaçar a Primavera europeia, para sempre, à estranha melancolia de um destino aziago futuro, mal permite supor a existência da alegria, condenando as ruas e casas interiores à obscuridade do negro e do cinzento. E aos pensamentos mais sombrios.
E, quando os engravatados senhoritos da UE, ditatoriais e justiceiros, começam a dispor, abusivamente, do dinheiro dos outros, num roubo descarado e num seguidismo criminoso dos piores manuais dum nacional-socialismo de direita, interrogámo-nos, perplexos: para onde vai a Europa?
Não há vergonha, não há ética, a inteligência desapareceu varrida por um frio calculismo estúpido que faz prever o pior. Só há Inverno e bichos subterrâneos e medonhos que se obstinam em minar a solidariedade humana, o pensamento racional e a felicidade.

segunda-feira, 25 de março de 2013

De um poeta esquecido - João Maia (1923-1999)


Sabedoria

Aprende a estar só, e a dizer
Adeus, às coisas que se afastam.
Deixa-as ir, supérfluas... Recolhe-te
À pobreza das coisas que te bastam.

Não te apegues à névoa dispensável
Nem ao cómodo torpor do que te é dado.
Mas canta, como um rio que não sabe
Se canta para si ou é escutado...

Estende à beira-nada o teu poema,
Vai cantando sòzinho o que é verdade,
E deixa-te invadir pela bondade
- A sabedoria íntima e suprema.

João Maia, in Abriu-se a Noite (1954).

Bibliofilia 78 : curiosas raridades



Nada prometia que os dois livros, em imagem, viessem a ser raros. Mas o acaso proporcionou que sejam. Foram ambos retirados do mercado, por razões diferentes. O primeiro (Adolescente Agrilhoado, de José Marmelo e Silva), de 1986 (4ª edição), impresso pela Caminho, com prefácio de Maria Alzira Seixo, terá sido retirado do mercado, por litígio entre o Escritor e a Editora - segundo me disseram. O segundo (O Pêndulo Afectivo, de Egito Gonçalves), prefaciado por Óscar Lopes, a cargo da Afrontamento, para sair em 1991, nem sequer foi posto à venda. Tinha dois erros de impressão clamorosos: a bibliografia de Egito Gonçalves vinha com os livros publicados, até aí, pelo poeta António de Almeida Mattos; e, além disso, não continha a habitual ficha técnica. 
Os livros foram-me oferecidos por dois bons Amigos. Um deles, infelizmente, já falecido.

Mais umas quantas vinhetas


Sem qualquer interesse ou valor filatélico, estas vinhetas, em imagem, destinavam-se a apoiar o I. A. N. T. (Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos), instituição criada em 1899, pela rainha D. Amélia (1865-1951). A receita da venda das vinhetas tinha, por isso, um objectivo de solidariedade. Mas também, cumulativamente, ajudavam à divulgação cultural. Em 1973 publicitavam o Museu da Marinha, através de imagens de antigos barcos portugueses; em 1974, o Museu Nacional dos Coches.

domingo, 24 de março de 2013

A palavra e a cor "lazúli"


Pouco tempo depois de colocar o poste anterior, perguntei-me: donde virá a palavra lazúli?
Lembro-me, perfeitamente, que a primeira vez que deparei com ela - teria 11 ou 12 anos - foi num soneto de António Nobre (Na praia lá da Boa Nova, um dia,/ Edifiquei (foi esse o grande mal)/ Alto Castelo, o que é a fantasia,/ Todo de lápis-lazúli e coral! ...).
Cerca de seis ou sete anos, mais tarde, ao frequentar a cadeira de História de Arte, orientada pelo saudoso Prof. Mário Chicó, a palavra surgiu novamente. A propósito da Igreja de S. Roque, em Lisboa, onde D. João V fez construir a capela de S. João Baptista, do lado esquerdo do altar-mor, com materiais, maioritariamente, vindos de Itália: alabastro, mármore de Carrara e lápis-lazúli. A capela, em si, é excessivamente barroca, para o meu gosto. Mas vale muito a pena conhecê-la.
Concretamente, esta pedra fina e bonita chama-se lazulite. Tem uma cor azul-violeta, com brilho vítreo.

Epitáfios e epigramas


A morte leva-se a sério, em Portugal, e é envolta, quase sempre, em intenso dramatismo. Por outro lado, creio serem raríssimos os casos em que, o vivente português deixa, por antecipação e vontade expressa, o texto para o seu próprio epitáfio. Mas, quem visite os cemitérios portugueses, há-de constatar a existência maioritária da expressão "eterna saudade" ou "saudade eterna", como legenda posta pelos sobreviventes na campa do morto estimado. Haverá, talvez, pouca imaginação lusa, em relação à morte e aos afectos.
James Campbell, no penúltimo TLS (nº 5736), refere que "os epigramas e os epitáfios são primos direitos e chegados", com razão, sobretudo no que a gregos e ingleses diz respeito. Há muitas vezes nessas legendas votivas um ponta de humor, possivelmente, para contrabalançar o peso e inevitabilidade da morte. E Campbell dá alguns exemplos retirados da obra Cut These Words into My Stone: Ancient Greek epitaphs, de Richard P. Martin. Vou tentar traduzir dois deles:

O modo como o submundo é justo
quer venhas de Atenas ou do Nilo.
Não te preocupes, se morreres longe de casa.
Uma pequena brisa gentil sopra sempre
de nenhures até à terra dos mortos.

O segundo epitáfio é de um artista de teatro, e reza assim:

Eu, actor, Philiston
aliviei a dor humana pela comédia e pelo riso.
Homem de teatro, muitas vezes morri em cena,
mas nunca como agora, aqui.

sábado, 23 de março de 2013

Provérbios, variantes e o ex-líbris de Aquilino Ribeiro


Às vezes, com o tempo, os provérbios modificam-se por engano, ou a gosto dos seus utilizadores. O caso mais flagrante que conheço, é o do ditado "Quem espera, sempre alcança", que Aquilino Ribeiro afeiçoou a legenda do seu ex-líbris, transformando-o em: "Alcança quem não cansa". Mas Alexandre de Carvalho Costa, autor que já aqui referi, regista o anexim de forma mais completa: "Quem tem esperança sempre alcança, nem que seja um pontapé na pança" - que, de algum modo, revela um criador mais céptico e mais bem-humorado.
Também o provérbio "Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão" seria, segundo Carvalho Costa, originalmente com a palavra ração em vez de razão, o que fará todo o sentido. Eu próprio não resisto, algumas vezes, em parafrasear (ou plagiar) o adágio "Quem tem amigos, não morre na cadeia", num mais simplório: "Quem tem amigos, não morre na cadeira" - quando estou bem disposto, e com bons amigos, à volta.

Nota: reproduz-se, em imagem, a capa do livro de Oliveira Guimarães e o saboroso prefácio aquiliniano.

As palavras certeiras


"...Segundo um novo hábito em expansão, quem saiu de cena como político reentra e recicla-se como comentador. ..."

António Guerreiro, in ípsilon ( do jornal Público, de ontem).

Necrofagia e emotividade, portuguesas


Em relação ao habitual, o Arpose teve, nas últimas 24 horas, um aumento substancial de visitas da ordem de uma centena, que se concentraram, acarneirada e emotivamente (?), num nome, e em 3 dos 10 postes, dedicados a essa personalidade portuguesa - que constam no Blogue.
Esses postes (um deles, de 2011) tiveram até hoje, cada um, cerca de 10/15 visitas, no total, o que é normal. De repente, em 24 horas, foram intensa e religiosamente visitados, como nunca até aqui, numa peregrinação cristianissima e desusada. Algumas visitas leram (apressadamente, como quase sempre), outras, sugaram iconografia.
Fico surpreendido, chocado e melancólico com este frenesi piedoso, massificado destas pequeninas almas portuguesas que pululam na net - que pouco se preocupam com os vivos, mas se excitam imenso (e, por momentos) com os mortos - numa leviandade de espírito que denuncia a sua inconsistência humana.
Já aconteceu assim aquando da morte de Ângelo de Sousa, que também era do Porto. Tenho que me habituar a isto, embora esta acarneirada necrofagia portuguesa me dê vómitos.

A par e passo 34


LXXIV
Idade do Gelo

A idade fria chega, e é obrigada a suportar aquilo que foi construído, petrificado, determinado, pela idade do fogo, e de se abster, apesar de si, do que foi uma renúncia voluntária, durante a idade do fogo. O homem maduro abriga-se no casulo de um jovem que já desapareceu.
Entre as duas idades, uma época de luta e de mal-estar. A ambição e o sentido da previsão. Um pouco mais de dinheiro, um pouco mais de poder, e as honras para compensar tudo aquilo que se vai debilitando, o que cai, aquilo que obscurece, que vai adormecendo, mirrando...

sexta-feira, 22 de março de 2013

Óscar Lopes, ainda


Desta fotografia, de 1994, que reúne alguns vultos maiores da cultura portuguesa, encontram-se apenas vivos Fernando Guimarães e Fernando Echevarría, este último, parcialmente tapado pela cabeça de Eugénio de Andrade. E é do poeta de "Ostinato Rigore" que quero lembrar algumas palavras que, em 1974, escreveu sobre Óscar Lopes:
"...Eu poderia testemunhar do escrúpulo deste homem, porque muita vez o vi pesar razões e razões antes de uma decisão, senhor de uma paciência (a que talvez seja mais exacto dar o nome de respeito pelo próximo) diante de montes de originais que, algumas vezes, ambos tivemos de ler e ponderar antes de premiar. A mim, com muito menos preocupações, muito menos trabalho, muito mais saúde que ele, tanto verso impacientava-me, crispava-me; porque a poesia, se não for o lugar onde o desejo ousa fitar a morte nos olhos, é a mais fútil das ocupações. De tal impaciência dava às vezes notícia em comentários à margem dos manuscritos, de que os autores, uma vez devolvidos os originais, não gostavam, protestando junto do Óscar, por julgarem que tal soltura de humores seria da sua lavra. Como ele é incapaz de um milímetro de deslealdade, nunca lhes respondeu que de tais desmandos só eu seria capaz. ..."

Serenamente


Serenamente - foi assim que o António mo disse. Cerca das 12h30, de hoje, faleceu Óscar Lopes (1917-2013). Há já algum tempo que o silêncio era a sua morada. E eu só poderei dizer que aprendi muito com ele e, por isso, muito lhe devo. Na sua humildade crítica, na sua grande cultura, na sua agudeza e intuição literária foi um grande português. Insubstituível.

Sobre as anedotas


Há quem tenha habilidade e quem não tenha, para contar um episódio humorístico ou uma anedota.
Mas há anedotas que, pela sua intrinseca qualidade de humor, conseguem até compensar a eventual canhestrice da falta de jeito de quem as conta. No meu caso, por outro lado, posso afirmar que, das centenas ou milhares de anedotas que ouvi, ao longo da minha vida, apenas cerca de 10 não foram esquecidas e as consigo recontar. E, destas, cerca de metade, já vêm de muito longe; foram provavelmente das primeiras que ouvi, ainda jovem. É curioso pensar como tantas outras foram completamente esquecidas.
Por outro lado é fatal, se nos enganamos a contar uma anedota - o humor perde-se, totalmente. É por isso fundamental preparar, antecipadamente, a narração, para que possa ter êxito.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Pequena história (20)


O poeta inglês John Milton (1608-1674) casou por três vezes. No último casamento, já cego, desposou Elizabeth Mynshull, mulher de forte personalidade, um pouco agreste, mas foram felizes, ao que parece.
Um dia, de visita ao poeta, lorde Buckingham, vendo a formosura da esposa de Milton, ter-lhe-á dito que era bonita como uma rosa. Ao que o poeta terá respondido:
"Acredito, mas não pela cor, dado que sou cego, mas pelos espinhos de que é cercada e que, muitas vezes, me chegam até ao coração!"

Camões


Por iniciativa da Unesco, celebra-se hoje o Dia Mundial da Poesia. E como, pelo menos do meu ponto de vista, a memória é indissociável da poesia, aqui deixo o início de uma elegia, em que Camões aborda o tema. E também fica o convite para que as visitas do Arpose procurem os restantes versos deste poema, escrito pelo nosso poeta maior.

Retro (25) : Primavera de 1865


Era um dos modelos propostos, para a Primavera, há quase 150 anos. Os motivos do desenho do tecido, em organdi, privilegiavam as rosas e folhas de roseira. Não se lhe pode negar uma evidente elegância. Francesa, claramente.

para MR, com os melhores votos primaveris.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Apontamentos 2: O desconcerto



Há jornais nacionais e europeus, como o DIE WELT, que, na ânsia de modelarem a cabeça dos cidadãos à semelhança dos políticos de 3ª escolha, que nos governam, evidenciam as flagrantes contradições do sistema financeiro e político.
Com efeito, depois do "tiro nos pés" com o congelamento dos depósitos na Ilha de Chipre, parece que nenhum político, participante em semelhante façanha, quer assumir as suas responsabilidades. 
Ora, segundo consta, não foram os "anõezinhos de Colónia" que andaram a cozinhar tamanho desaguisado durante a noite.
Depois, no mesmo jornal alemão, falava-se, embora num lugar meio escondido, das semelhanças entre a Ilha de Chipre e o Luxemburgo, com um modelo de negócios a ultrapassar em muito a capacidade económica do país. Como vem sendo costume, os jornalistas do DIE WELT esqueceram-se de um pormenor importante, i.e., o facto de serem cidadãos da Alemanha que carregam os seus depósitos para o Luxemburgo. A proximidade geográfica deve ser o único motivo, certamente.
Num lugar ainda mais escondido, e em flagrante contradição com a "lenga-lenga" habitual dos prevaricadores dos Sul, surgia a imagem acima - W. Schäuble no seu maior - e a noticia de que "graças à crise da dívida, Schäuble poupa" pelo menos 15 biliões de euros. 
Grande negócios à custa dos preguiçosos !
Por cá, não podia faltar a cereja no bolo, pela mão do Diário Económico, a citar um conselheiro sinistro. Parece, então, que Nogueira Leite chegou à brilhante conclusão de que "o povo se sente engando" (!)
Como dizia F. Assis Pacheco: "Não posso com tanta ironia".

Post de HMJ 

2 haiku japoneses, traduzidos


Quem se lembra de olhar
a flor da cenoura selvagem
no tempo das cerejas?

Sode Yamagushi (1642-1716)
...
O ladrão levou-me tudo,
excepto a lua debruçada
sobre a minha janela.

Ryokan (1757-1831)

Recomendado : trinta e oito - Raul Brandão


Já aqui falei, há dias (12/3), desta obra de inéditos, em livro, de Raul Brandão (1867-1930), reunidos por Vasco Rosa, e saída recentemente. E, como vem a propósito, transcrevo o início da crónica Primavera:
"Fez hoje, 22, primeiro dia de Primavera, segundo o calendário, exactamente cinquenta e oito anos que Henry David Thoreau (1817-62), ao deparar com uma árvore cheiinha de flor, fugiu das pedras da cidade, dos exasperos, dos egoismos, da vida aborrecida, contraditória e inútil, e foi viver sozinho para uma floresta. Este simples facto: o ter encontrado por acaso nessa esplêndida manhã de Março um ramo tombado de um quintal para a rua bastou para revolucionar toda a sua existência. Partiu só e livre enfim!...
A Primavera também me estonteia. Sinto que estou prestes a sonhar com as velhas árvores tontas. É a época em que a cidade, com a secura das suas pedras amontoadas, me horroriza e me dá vontade de fugir, como ao poeta americano Thoreau, que tudo deixou para viver em pleno contacto com a natureza..."

Citações CXXVI

Jacques Chirac (1932) sobre os ingleses:
"Quem é que pode confiar em pessoas cuja cozinha é tão má..."(2003).

Recém-chegada Primavera


Desta vez, parece que a Primavera tomou a dianteira às andorinhas, porque ainda não vi nenhuma pelos ares portugueses, até hoje. Pior aconteceu na Alemanha, em que a legião migrante de pássaros africanos deu meia-volta e voltou para a origem, porque, por lá, tinha recomeçado a nevar: em Março, o que não é habitual.
Por cá, vamo-nos contentando com os animais autóctones: os pequenos pardais, os excessivos pombos citadinos, as cada vez maiores gaivotas antipáticas. E os coelhos, que não arredam pé...

terça-feira, 19 de março de 2013

Memória (78) : Dinu Lipatti

O pianista romeno Dinu Lipatti nasceu a 19 de Março de 1917.

O que cabe nos sonhos


Os sonhos são matéria linear, não permitem, em si, críticas, comentários em off, raciocínios profundos. Rasteiros na construção, mas abundantes em imaginação, têm a crueza dos instintos no capricho que os origina, sejam eles nefastos ou benfazejos. Depois, podemos dar-nos ao devaneio de os interpretar.
Num inquérito, feito em 1972, a várias centenas de cidadãos ingleses verificou-se que, cerca de 30%, já tinham sonhado com a Rainha, ou tomado chá com ela, oniricamente, durante o sono. Mas já Artemidorus, no seu "Oneirocritica", refere que, muitos dos antigos romanos, sonhavam com Apolo.
Agora imaginem os portugueses a sonharem, frequentemente, com o actual PR. Seriam pesadelos, sobre pesadelos...

Pai


Quem o tem, chama-lhe seu. Mas há quem o imagine, quem não o tenha conhecido ou, até mesmo, em tenra infância, por opção pragmático-afectiva ou carente necessidade, o tenha substituído por outra imagem patricial. A relatividade sempre foi um facto importante. E a inexistência viva de um pai biológico não é, necessariamente, um drama. É isto que, do ponto de vista mental, ainda funciona como obstáculo aos casamentos heterodoxos e adopções de crianças por parte de casais homossexuais.
Pai, é preciso? Eu responderia, salomonicamente, que depende. Mas Mãe, que é só uma, será, sem dúvida, absolutamente, necessária. (Quanta à ironia, basta, por hoje.) Que o Comércio precisa destes eventos...

Cuidado com os ilhéus!


Referia eu, há dias, em título de poste (8/3/13), "Tamanho não é problema", esquecendo-me em absoluto de algumas pequenas ilhas cujo poder virtual ultrapassa largamente a sua pequenez territorial. Bastará referir Cuba e a Madeira que tantas dores de cabeça deram aos Estados Unidos e Portugal, para se perceber o que quero dizer. Pois agora foi a vez de Chipre, uma espécie de jangada bancária do Mediterrâneo que, mercê de uma ínfima taxação nos depósitos bancários, fez atrair ao seu pequeno território grandes fortunas russas e britânicas. Pois os senhores da Rússia e o sr. Cameron não devem ter dormido bem, esta noite.
O Parlamento cipriota prepara-se para votar e agravar (ou não), hoje, legislação que poderá fazer aumentar brutalmente os impostos sobre estes depósitos milionários. Até o sr. Schäuble tem andado nervoso, na sua confortável cadeira de rodas alemã. Ora, vejam só, como uma pequena ilha e os seus ilhéus endiabrados podem incomodar os seus gigantescos vizinhos!...
Ainda bem que as Berlengas não são uma off-shore e o seu faroleiro residente é um homem pacato e não tem poderes legislativos!... Já nos basta o sr. Jardim da Madeira, para nos incomodar e tirar o sono continental.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Mercearias Finas 70 : a sopa de lentilhas


Não terá sido como no episódio do Genesis (25. 19:34), em que Esaú, chegando a casa depois da caçada, esfomeado, trocou com o irmão Jacob, o direito de progenitura por um simples prato de lentilhas. Mas tenho a certeza, certezinha, que esta sopa de lentilhas, confeccionada primorosamente por HMJ, era muitíssimo melhor e mais saborosa. Uma espécie de sopa de pedra, onde havia muita coisa: tenríssimas lentilhas, cenouras, nabos, tudo cortado muito fino, um chouriço de sangue e, outro, corrente, batata, aipo...
A sopa quase poderia fazer ressuscitar um morto, tal a sua pujança, aroma e força nutritiva. Foi acompanhada por um despretencioso Dão tinto, de Silgueiros, que teve dificuldade em fazer-lhe frente.

Regionalismos minhotos (34)


Para finalizar os regionalismos minhotos começados pela letra R, aqui vão mais seis, tal como M. Boaventura os registou e explicou, nos seus livrinhos, no início do século passado.

1. Restolhado - estendido, deitado. (Conheço "restolhada de pássaros", como soada, que não cantar, de muitas aves pequenas, no interior de uma árvore, normalmente ao fim da tarde.)
2. Rifeiro - com bom aspecto, elegante, bonito.
3. Riseiro - alegre, que ri. Dia riseiro: dia bonito.
4. Róliú - calão académico, andar no róliú é estar depenado, sem vintém. (Conheço "rolió". Andar no rolió: sem fazer nada, a divertir-se, ou na "boa-vai-ela".)
5. Roupa-velha - cozinhado. Fritangada de ovos com restos de comida. (Creio que ainda hoje se usa para restos de cozido da consoada, aquecido num refogado, também com ovos.)
6. Rublinas - "causar rublinas", desgostos, desarmonia na família.

Evocação de M. R. de Pavia, por Sidónio Muralha


Passará amanhã (19 de Março) mais um ano sobre o nascimento de Manuel Ribeiro de Pavia, que ocupou de beleza adolescente muitas capas de livros portugueses, dos anos 40 e 50 do século passado. Sidónio Muralha, no livro "A Caminhada - Livro de Vivências", livro aqui referido, há dias, fala dele com saudade. Assim:
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O querido Manuel Ribeiro de Pavia! Li as páginas comovidas e comoventes com ele na minha frente, no Café Chiado que desenterrei das Pompeias da memória graças a você. Ele dizia-me: «A beleza, Sidónio, é um seixo polido. Alguém o apanha, abre a mão de repente, mostra essa maravilha molhada e lisa e todos descobrem a beleza construída em silêncio, que só tiveram olhos para ver quando alguém a fechou na mão e, de repente, a mostrou». Foi há quanto tempo já? A dedicatória de um dos três desenhos que me ofereceu o Pavia, escrita a lápis, quase desapareceu. Mais de um quarto de século passou, mas eu não esqueço, - seres verdadeiramente verticais, como o Manuel Ribeiro de Pavia, são tão raros que é impossível esquecê-los.
(São Paulo, Julho 1970)