Permito-me opinar sobre um assunto momentoso e próximo, de que não sou porém especialista.
Eu creio que a degradação e miséria dos resultados práticos do ensino se devem, essencialmente, não à quantidade de cultura ministrada, mas à ausência de uma estratégia coerente (ministério), à insuficiência dos agentes de educação (professores, maioritariamente), à passividade ignorante das famílias inertes e ausência de intervenção sua positiva junto dos jovens. Tudo isto maximizado pela idade das trevas em que vivemos e que alguns querem com fervor perpetuar, para seu descanso administrativo. Pão e circo sempre narcotizaram o povinho, em favor da tranquilidade dos imperadores e das ditaduras...
Dizia-me, há dias, HMJ que só não tiraram Camões dos programas de ensino (e Pessoa), porque seria excessivamente escandaloso. Mas, entretanto, todo ou quase todo o século XVI, talvez o mais rico da nossa história, literariamente, foi varrido do ensino às criancinhas, para lhes proporcionar o cómodo facilitismo das aulas reinadias.
E, no entanto, houve nesse século, alguns verdadeiros best-sellers, como por exemplo a Comédia Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515?-1585?), que, em 11 anos teve nada menos do que 4 edições (1555, 1560, 1561 e 1566). Tendo sido traduzida para castelhano, com prefácio de Quevedo, em 1631. E, em 1951, o filólogo e bibliófilo espanhol Eugenio Asensio (1902-1996) fez imprimir em Madrid uma nova edição da comédia referida, com uma elucidativa introdução.
Creio ter sido o último trabalho de vulto, até hoje, que se produziu sobre o escritor português.
Já M. Bernardes Branco (1832-1900), em pequeno prefácio à segunda edição do Memorial das Proezas da Segunda Tavola Redonda (Typ. do Panorama, Lisboa) se interrogava assim: "Mas quem lerá esta obra? Os leitores dos modernos romances? Certamente que não. Jorge Ferreira de Vasconcellos não é um Walter Scott, nem um Alexandre Herculano, Rebello da Silva ou C. Castello Branco. Os antigos talvez não gostassem dos modernos romances, se os podessem ler; mas bofé que os modernos tãobem se não deleitam muito na leitura dos romances dos seculos XV e XVI.
Quem serão então os leitores do Memorial dos Cavalleiros?
Hão de ser, com rarissimas excepções, os amantes dos livros portuguezes antigos, que considerarão sempre esta obra como util para os amantes da pureza de linguagem, para os que gostam de ver os progressos que os estudos romanticos fizeram em Portugal, para os estudiosos dos antigos usos e costumes nacionaes e para pouco mais."
Estas palavras de Bernardes Branco são realistas e de sabedoria... E hoje será ainda pior.
Concordo que, para a imensa maioria, ler uma das obras de Jorge Ferreira de Vasconcelos seria grande sensaboria e só, talvez, alguns poucos chegariam ao fim do livro.
Estes textos terão, no entanto, pequenas e gratas compensações. Se a acção e enredo dos livros não são muito movimentados, o entrelaçamento de sentenças, anexins, máximas e provérbios é enorme. E o léxico é riquíssimo e fresco, apesar de antigo. Deixo por aqui um cheirinho, para apreciação, retirado da página 18, da Eufrosina:
"A filha da puta estava bonita como ouro, de sua vasquinha amarela quartapisada, em mangas de camisa, seus cabelos ataviados com hua fita encarnada tam de verão que vos ride vos de mais Serea pintada. E por mais ajuda em me vendo ficou brasa."
Admito que Jorge Ferreira de Vasconcelos será um caso esquecido e perdido, para sempre, como escritor. Ainda para mais, as edições das suas 4 obras conhecidas, além de raras, saem sempre caras, em alfarrabistas ou leilões, em que escassamente aparecem.
Que se há-de fazer?!...
E, no entanto, houve nesse século, alguns verdadeiros best-sellers, como por exemplo a Comédia Eufrosina, de Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515?-1585?), que, em 11 anos teve nada menos do que 4 edições (1555, 1560, 1561 e 1566). Tendo sido traduzida para castelhano, com prefácio de Quevedo, em 1631. E, em 1951, o filólogo e bibliófilo espanhol Eugenio Asensio (1902-1996) fez imprimir em Madrid uma nova edição da comédia referida, com uma elucidativa introdução.
Creio ter sido o último trabalho de vulto, até hoje, que se produziu sobre o escritor português.
Quem serão então os leitores do Memorial dos Cavalleiros?
Hão de ser, com rarissimas excepções, os amantes dos livros portuguezes antigos, que considerarão sempre esta obra como util para os amantes da pureza de linguagem, para os que gostam de ver os progressos que os estudos romanticos fizeram em Portugal, para os estudiosos dos antigos usos e costumes nacionaes e para pouco mais."
Concordo que, para a imensa maioria, ler uma das obras de Jorge Ferreira de Vasconcelos seria grande sensaboria e só, talvez, alguns poucos chegariam ao fim do livro.
Estes textos terão, no entanto, pequenas e gratas compensações. Se a acção e enredo dos livros não são muito movimentados, o entrelaçamento de sentenças, anexins, máximas e provérbios é enorme. E o léxico é riquíssimo e fresco, apesar de antigo. Deixo por aqui um cheirinho, para apreciação, retirado da página 18, da Eufrosina:
"A filha da puta estava bonita como ouro, de sua vasquinha amarela quartapisada, em mangas de camisa, seus cabelos ataviados com hua fita encarnada tam de verão que vos ride vos de mais Serea pintada. E por mais ajuda em me vendo ficou brasa."
Que se há-de fazer?!...
Jorge Ferreira de Vasconcelos tem sido representado.
ResponderEliminarSeria conveniente que o programa oficial levasse teatro à escola, quando a escola não puder ir ao teatro. Talvez fosse mais eficiente ver primeiro as peças e ler depois as obras: Gil Vicente, J. F. de Vasconcelos, António José da Silva, etc.
Boa tarde!
É verdade, eu sabia que tem sido representado e só não referi o facto para não alongar mais o poste.
EliminarA estratégia que propõe parece-me boa e poderia ser útil, agora é preciso que alguém pensasse melhor o ensino e resolvesse pôr em prática esses estímulos. E julgo que a pedagogia, em termos gerais, não é o nosso forte...
Um bom resto de tarde.