sábado, 25 de janeiro de 2014

A par e passo 76


Ainda há pouco, eu vos dizia até que ponto os homens da minha idade são tristemente afectados pela época que se substituiu, tão rápida e brutalmente, à época que eles conheceram; eu dizia-vos há pouco: - e pronunciava, a este propósito, a palavra valor.
Creio que referi, a baixa e o colapso que acontece sob os nossos olhos, dos valores da nossa vida; e através da palavra «valor» eu aproprio-me de uma mesma expressão, sob um mesmo signo, para os valores de ordem material e os valores de ordem espiritual.
Eu disse «valor» e é mesmo disso que quero falar; é o ponto capital para o qual quero chamar a vossa atenção.
Nós estamos hoje em presença de uma verdadeira e gigantesca transmutação de valores (para empregar uma excelente expressão de Nietzsche), e ao intitular esta conferência de «Liberdade do Espírito» eu fiz simplesmente alusão a um destes valores essenciais que parecem seguir a sorte dos valores materiais.
Quando, pois, eu digo «valor», eu tenho em conta que há um valor nomeado «espírito», como há um valor petróleo, trigo, ouro.
Eu refiro valor, porque há uma apreciação sobre o peso da importância, e que há também discussão sobre o preço que se está disposto a pagar por este valor a que chamamos: espírito.
Pode fazer-se um investimento neste valor; ou pode-se acompanhá-lo, como dizem os homens na Bolsa; podemos observar-lhe as suas flutuações, em não sei bem que cotação que é a opinião geral do mundo sobre ele.
Porque há valores concorrentes. Que serão, por exemplo: o poder político, que nem sempre está de acordo com o valor espírito, o valor segurança social, e o valor organização do Estado.
(...)
Todos estes valores que sobem e descem constituem o grande mercado dos negócios humanos. Entre eles, o infeliz valor espírito não cessa porém de baixar.

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 263/4).

4 comentários:

  1. Começamos hoje a estar mais atentos ao valor da felicidade interna bruta em vez de produto interno bruto. Há países que têm um Ministério da Felicidade, nós não é só álcool e saudade. Está no tempo de mudar de valores a fim de criar-mos felicidade pública e pessoal, que acha?

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  2. Este texto de Valéry é de 1949 e, entretanto, tudo piorou. Tenho dúvidas que, no meio da pressa, do "mainstream" balofo, da falta de pensamento estruturado, grande parte das pessoas tenha discernimento para querer mudar de paradigma. Tenho algum pessimismo em relação ao futuro imediato...

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  3. Acredito na mudança de paradigma, estamos mesmo a mudar. O pensamento hoje é menos estruturado mas mais aberto e criativo, a informática tem contribuído para um pensar lúdico, espontâneo, para o qual o lado direito do cérebro é muito importante.Percebemos melhor o sentido da auto-eficácia e que ser feliz depende muito mais de nós do que de acontecimentos exteriores a nós. Hoje um miúdo de oito esteve a ensinar-me a trabalhar com um equipamento informático, parecia ter tirado um curso. O pensamento tem é outro tipo de estruturação. Sinto-me feliz com isto.

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  4. Ainda bem que tem uma opinião diferente da minha.
    E eu não me importaria nada que viesse a ter razão.

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