sábado, 7 de dezembro de 2013

89 anos


"...- foram precisos muitos anos para aprendermos que são raros, raríssimos, os homens que resistem à corrupção do poder; que são poucas, pouquíssimas, as coisas pelas quais o homem poderia aspirar à ressurreição. Isto, ele também o sabia. O que não sei se saberia, e a mim me parecia pura evidência, é que os homens se tornam prisioneiros do próprio poder, a sua liberdade é mera aparência. Não sei se lhe disse isto, ou se apenas o pensei, já metido no frio dos lençóis de Mateus, onde o sono demorava a chegar. Demorava a mim, porque o meu amigo já deveria ter adormecido. «Mesmo na cadeia, tirava o casaco, punha-o a servir de travesseiro, e dormia até ao interrogatório seguinte...», dissera-me há bocado. Só quem tem a consciência tranquila pode dormir assim. Continua a chover; a terra vai ficar ensopada: o peso sobre o rosto dos mortos."
S. Lázaro, 16.6.90
Eugénio de Andrade

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