quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Mercearias Finas 41 : O comer dos pobres


Não seriam muito diferentes, no continente europeu e durante o séc. XIX, as refeições dos camponeses e da gente pobre, em cada um dos diversos países. Variando talvez no escasso conduto e nas bebidas, conformes à tradição particular dos nacionais. Em abono e testemunho da exiguidade nutritiva, ilustrei este poste com o conhecido quadro de Vincent van Gogh, "Comedores de batatas" (1885), que se guarda no Rijksmuseum de Amesterdão. Porque, creio, que a falta de imaginação gastronómica dos holandeses vai a par com a dessaborida monotonia da cozinha inglesa, ainda hoje.
É do livro "A vida quotidiana em Inglaterra no começo da era vitoriana (1837-1851)", de Jacques Chastenet (Ed. Livros do Brasil, s/d), que respigámos o seguinte e elucidativo excerto:
"...Aqui estão, de resto, as memórias gastronómicas, referentes a 1850, de um camponês nativo do Northamptonshire:
«Desde manhã tínhamos pão molhado em água salgada e, às vezes, também um pouco de leite desnatado; no Inverno, uma côdea de pão esfregada em toucinho. Ao jantar do meio-dia, podíamos ter pudim feito com farinha e água, ou um pedaço de toucinho, às vezes ambas as coisas, com batatas e cebolas... O que chamávamos "chá", era só pão com manteiga, mas muito pouca manteiga e por vezes rançosa. À ceia davam-nos novamente uma côdea esfregada em toucinho. Ao domingo, bem entendido, regalávamo-nos: dividíamos entre quatro ou cinco um bocado de pudim, feito com banha, e um pé de porco. Carne de vaca? Sim, podíamos ter uma porção de carne nos dias de grande festa. E um pedaço de fígado de vitela pelo Natal...»
Admitamos que esta família era particularmente necessitada. Mas as outras só consumiam, além daquilo, papas de trigo ou aveia, um pouco de queijo e hortaliça. A não ser que o chefe da família recorresse à caça furtiva. Então trazia para casa, lá de vez em quando, um coelho ou uma perdiz. E era uma patuscada! Para enganar a fome que amiúde afligia os camponeses, o ilustre duque de Norfolk, primeiro par do reino, não se lembrou de nada melhor do que aconselhá-los a tomarem regularmente pó de caril, o qual, segundo parece, tira o apetite.
Em matéria de bebidas, apenas água, leite, tisanas de ervas e, para os homens feitos, cerveja fraca ou, nos condados do Oeste, cidra. Chá e café eram luxos inabordáveis. ..."(pgs. 56/57).

6 comentários:

  1. Gostei muito deste post.
    Em Portugal, há 50 anos, ainda havia famílias, cujas refeições não andavam longe disto. Na província o que os "salvava" era a horta.

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  2. Queria dizer campo em vez de província.

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  3. Fico contente que tenha gostado, MR. E em Portugal - concordo consigo - o que valia, era a horta, porque como dizia a voz do povo: "Quando o pobre come galinha, um dos dois está doente"...

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  4. Não conhecia esse dito, mas devia ser assim.
    Ainda me lembro de galinha ser prato de festas. Hoje até dá vontade de rir.

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  5. Foi o que fizeram os aviários..:-), muito embora os galináceos sejam muito menos apaladados.

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