sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Circunstância e solidariedade


Num tempo de macro-assimetrias gritantes, de um pan-egocentrismo internacional e de um individualismo feroz há, por vezes, pequenos oásis de solidariedade natural, mas militante, onde apetece pousar.
Esta humanidade pode encontrar-se, por exemplo, em pequenos clubes onde se vai tomar o café, à noite, depois do jantar; pode albergar-se sob a sigla de agremiações amigas que, por um motivo próprio, criam momentâneas cadeias de concordância e calor humano, inesperados. Ou até pode, esta solidariedade de afectos, nascer e fortalecer-se num grupo dissonante, discretamente unido, que amesende em conjunto mas nem sempre, num pequeno restaurante modesto e familiar, situado numa rua incaracterística e vaga duma vila de província ou cidade de subúrbio - os milagres acontecem, quase sempre, em sítios improváveis...
No minúsculo restaurante, alguém disse: "- Como o Rui costumava contar..." Em tempo passado. Percebi, o Rui tinha morrido. Realmente, eu já não o via há mais de dois meses. Só tinha 57 anos e eu, que gosto de alcunhas, chamava-lhe o "Trotsky" - barba, óculos, movimentos, ideologia que lhe fui notando.
Ficamos nós, dos mais assíduos: o Engenheiro, a Dª Alice (com 92 anos, que não parece), o "Fala-barato", e uma outra senhora que poderia ser da família, pelas parecenças, do Tomaz de Figueiredo (alcunhava-a de "Tomázia") que hoje teve um comentário misterioso. Disse: "- Falou a foca!" E, ao mesmo tempo, sorriu com elegância. Eu não percebi o uso da frase mas, qualquer dia, ganho coragem e pergunto-lhe, com delicadeza, o que é que ela quis dizer com aquilo. Neste pequeno grupo de singela, e não expressa, solidariedade, é possível, de vez em quando, sermos curiosos, mesmo que, habitualmente, não dialoguemos uns com os outros.

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