É um poema raramente referido ou citado, este de Eugénio de Andrade (1923-2005), que abre o seu livro Obscuro Domínio (1972). Talvez por pequeninos preconceitos morais, vergonha pueril, puritanismo crítico. Ou, quem sabe, porque sempre lhe quiseram colar a classificação de poeta solar - que foi, também. Mas não só. As exsudações que a velhice produz, às vezes em excesso, ou por incontinência, estão aqui pré-anunciadas em tom rude e cru, agreste, impaciente - quase num exorcismo negro. É um poema a anunciar a velhice, mas não deixa de ser um grande poema.
O Ofício
Recomeço.
Não tenho outro ofício.
Entre o pólen subtil
e o bolor da palha,
recomeço.
Com a noite de perfil
a medir-me cada passo,
recomeço
no coração da pedra
a juntar palavras,
quero eu dizer:
baba ranho merda.
Às vezes é, mas não o caso de E. de A.
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