Há fotografias que têm um misterioso encanto hipnótico. Como alguns retratos da Renascença em que uma estranha fascinação nos leva a fixar, indefinidamente, o rosto do retratado no intuito vão de perceber alguma coisa, nos traços e expressão, da sua personalidade ou sua vida. É uma transferência da verdade que já está inquinada à partida: porque o pintor já deu "opinião" e pôs lá, aformoseando muitas das vezes, o que pensava do retratado. Mas também na pintura abstracta o nosso olhar se demora, quase esquecido, às vezes, procurando, nas cores e nos traços, um vulto indistinto ou uma forma sugerida na busca dalguma intenção do seu autor. É uma tarefa errada, em princípio, ou condenada a uma verdade ilusória. Tanto ou mais do que a ave de rapina que Freud quis ver no manto de Santa Ana, no quadro de Leonardo da Vinci. Seguramente, e a maior parte das vezes, o músico, o pintor, o poeta, não tiveram, à partida, intenção nenhuma. Foi apenas instinto e alma. Ou arte, para quem preferir.
A fotografia que aqui se reproduz data de 1939. Possivelmente, do Verão. E antes do início da II Grande Guerra que começou com a invasão da Polónia, a 1 de Setembro, pelas tropas alemãs.
O fotógrafo parece ter procurado a simetria, na disposição hábil do grupo. É, como se vê, a foto oficial de um casamento. O que posso acrescentar é que há nestas pessoas: comerciantes, industriais, padres ( um deles chamava-se Luís), um visconde e sua consorte, um legionário, um aventureiro e, possivelmente, um suicida. Dos retratados, não haverá mais do que 5 ou 6 pessoas vivas. E a noiva tem, hoje, mais de noventa anos, e saúde, felizmente. O que quer dizer: pensa, anda e é autónoma. Do resto, poderemos tentar adivinhar ou especular, à vontade, com a nossa fantasia, ou com a verdade irreal que lhe queiramos emprestar.
Mas é uma bela foto.
ResponderEliminarE que podia ser o fio condutor de uma ficção romanesca tal a galeria de personagens descrita...
ResponderEliminarÉ verdade, Miss Tolstoi.
ResponderEliminarFalta aqui um Eça ou um Camilo,Luís Barata.
Gosto muito de fotos antigas e esta é, como se costuma dizer, uma «mina» para a imaginação.
ResponderEliminarE com o devido respeito por Eça e por Camilo, acho que ao «Arpose» não falta nada. Está, até, muito bem!
O Arpose fica lisongeado e desvanecido...,c.a..
ResponderEliminarMas diz, em jeito de "máxima", que, muitas vezes, os poetas são os enteados preguiçosos da prosa.
Um casamento no Minho... poderá ser um título?
ResponderEliminarPessoal,
ResponderEliminarGostaria de convidar para o 3° Encontro Internacional de Fotografia que acontece nos dias 19 até dia 22 de Agosto em Pirenópolis-Goiás. Mais informações no site : http://www.pireneus.org.br/photo/
Poderia, sim senhor, JAD.
ResponderEliminarSabe que o Vergílio Ferreira, no «Diário Inédito» que estou a ler, faz umas incursões na poesia, que permitem compreender melhor as queixas que expressa, relativamente às palavras. Vem isto a propósito dos poetas serem os «enteados preguiçosos da prosa» e da opinião que, acima, expressei... :-)
ResponderEliminarTenho e li o livro. No registo, prefiro as "Conta-Corrente". Em poesia, acho V.F. um bocado "canastrão". Mas como prosador, foi do melhor que tivemos, c. a. - na minha opinião.
ResponderEliminarE a pensar, em português, o que é raro,também gosto de o ler.
"Canastrão", precisamente. Foi também o que me pareceu, pelo que a sua opinião conforta-me. Significa que alguma coisa tenho aprendido com as minhas leituras deste último ano.
ResponderEliminarE está visto que vou ter de ler as «Conta-Corrente»...
Prepare-se, c.a., para a muita má lingua das "Conta-Corrente", e alguma verrina.Mas também há muitas coisas sérias e boas de V.F., por lá,sobretudo na 1ªsérie.
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