"...Quando a pintura deixou de descobrir novos meios de representação, passou a empenhar-se numa procura delirante e de perseguição do movimento, como se o movimento, só ele daí para o futuro, trouxesse consigo a força persuasiva recentemente anunciada pelos meios de representação conquistados. Mas não era uma descoberta de representação que iria permitir a posse do movimento. Aquilo que se designa por gestos de afogados no mundo barroco, não é uma modificação da imagem, é uma sucessão de imagens; não é estranho que esta arte, toda de gestos e de sentimentos, obcecada pelo teatro, viesse a acabar no cinema.
A «concorrência ao estado civil» foi exercida pela fotografia. Mas, para representar a vida, a fotografia, que em trinta anos passara de uma imobilidade bizantina a um barroco frenético, não tinha feito mais que encontrar de novo, um-após-outro, os problemas da representação. Ela detinha-se onde esta se detivera. E tanto mais paralisada quanto é certo que não dispunha da ficção: se fixava o salto de uma bailarina, por outro lado, não podia fazer entrar os Cruzados em Jerusalém. Ora, desde as feições dos Santos até às reconstituições históricas, a vontade de representação dos homens aplicou-se não só ao que nunca viram como, também, ao que conheciam.
O esforço prosseguido durante séculos para captar o movimento detinha-se, portanto, no mesmo ponto, tanto na fotografia como na pintura; e o cinema, se bem que permita fotografar o movimento, não fazia mais que substituir uma gesticulação imóvel por uma gesticulação móvel. Para que pudesse prosseguir o grande esforço de representação enterrado no barroco, seria necessário chegar à independência da câmara em relação à cena representada. O problema não residia no movimento de uma personagem, mas na sucessão de planos. Ele não foi resolvido tecnicamente, por uma transformação do aparelho, mas artisticamente, pela invenção do «découpage». ..."
André Malraux, in "As Vozes do Silêncio" (pgs. 118/119).
Este quadro é muito giro. O rapaz vem a sair de onde? Ou vai entrar onde?
ResponderEliminarQuando vi este quadro e Malraux pensei que era um texto do Museu imaginário.
Gosto muito de Malraux.
E o texto é do "Museu imaginário" incluido nas "Vozes do Siêncio" ( mais: "As Metamorfoses de Apolo", "A Criação Artística" e "O Preço do Absoluto"), da edição primeira em português (s/d), da Livros do Brasil. Para quem gosta de Arte, este livro de A. Malraux, é um "must".
ResponderEliminarCom o quadro, fiquei feliz por o ter encontrado, até porque, para mim, cola muito bem ao texto.
Parabéns pela "colagem": imagem + texto
ResponderEliminarMuito obrigado, JAD.
ResponderEliminarAté porque pensei que este poste iria ter visita, sim, mas só vozes de silêncio (= não iria ter comentários). Enganei-me, felizmente...
Para MR:
ResponderEliminarpeço desculpa de não ter dito nada sobre o quadro. O pintor era catalão, mas as informações sobre ele, tirando a wikipedia, em alemão, são muito exíguas. O título do quadro de Pere Borrel del Caso (1835-1910 [Viva a República!, sobretudo depois daquelas bizantinices venezianas...]) é "Escapando à crítica", e é considerado a sua obra-prima.
Para MR:
ResponderEliminarO quadro de Pere Borrel del Caso (1835- 1910) intitula-se "Escapando à Crítica" e é considerado a sua obra-prima. As informações sobre o pintor, são exíguas, e tirando a wikipedia em alemão, pouco adiantam.
Duplicação devida à gaguêz do Google. Estes americanos cada vez estão mais ineptos e trengos.
ResponderEliminarAs minhas desculpas!
Ah! Tenho de reler As vozes do silêncio. Há pouco tempo reli O museu imaginário e hoje, depois de ler este poste, pus-me em campo para ver se me emprestam uma biografia do Malraux feita pela mulher, que tenho muita vontade de ler.
ResponderEliminarObrigada pelas informações sobre o quadro que é muito, muito giro.
APS, Veneza também tem as suas bizantinices... :)
ResponderEliminarE fico por aqui porque voltava à conversa anterior.
Gostei deste post e, sobretudo, do quadro.
Pois é, Miss Tolstoi...:-)
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