Já aqui falei dele, em Fevereiro de 2010. Tomaz de Figueiredo, que nasceu a 6 de Julho de 1902 e faleceu em 1970, é um "gourmet" de palavras antigas e regionalismos minhotos, sobretudo. Saboreia-os, explica-os, usa-os com parcimónia e propriedade. O seu "Dicionário Falado", livro já póstumo, de 1970, é um bom exemplo disso e um repositório de curiosidades. Eu conhecia a expressão arroz de netos, mas ele dá-lhe um capítulo inteiro intitulado "O Arroz de Goldras". Aqui vai o início:
" Diz o rifão que, se quiseres o homem morto, dá-lhe couves em Agosto. Em Agosto, verdade, as couves andam tesas como fragas. Por acrescento, empardecidas, furadas do pulgão e da lagarta, passeadas e lambidas de aranhiços, feias: latas de flandres em que rói a ferrugem.
A planta perfeita deu quanto podia, e bota agora um fedor de tombar, o sabido cheiro a couves podres, logo que os primeiros barrufos do Outono entram de melá-la. O lavrador, porém, há milénios que observa e aprende, sabe muito. Sabe que ainda não morreu de todo a couve, que, moribunda, se despede oferecendo o melhor petisco, desde que lhe cortem a cabeça. E, a facão, o lavrador escota-a, deixa-a de torão decepado, esperando que abrolhe, que teime em viver, e ela desentranha-se em rebentos, doces e tenros, que são petisqueira, feitos de arroz malandro, esse que foge pelo prato fora, caldoso, esse que se diz «a fugir para a horta».
Anunciava-me às vezes minha mãe, para me fazer levantar da cama: «Olha que temos arroz de goldras!»
Quem me dera saber, mas passa o que não sei milhentas vezes o que julgo saber, donde vem isso de goldras, palavra comum e de cotio em Arcos de Valdevez, embora ao dito arroz também lá se chame de espigos e de netos.
Alcança-se que os rebentos, os espigos do torão das couveiras se chamam netos, aceitando, o que aceitamos, que foram as folhas os filhos da mesma couveira. Mas isso de goldras...
Esfoliei já dicionários, e nada, não conhecem as goldras. Por vezes, sabem os dicionários ainda menos que um - apre, que analfabetos! - e outras, frequentes, dão raia. ..."
Que magnífica prosa, saborosa como o melhor arroz! Deste ainda não provei... :-)
ResponderEliminarSó o conhecia como arroz de espigos. E é uma delícia!
ResponderEliminarÉ, realmente, MR e aos anos que não como um...Quanto ao nosso minhoto Figueiredo, penso que é muito sofrido a escrever: "Procissão de Defuntos" e "Nó Cego" têm demasiado "inho" minhoto, para o meu gosto. E o "Dom Tanas de Barbatanas" é um romance falhado tal como é para mim a "Torre de Barbela" do Ruben A..O melhor e a obra-prima do pícaro português é, sem dúvida "A Casa Grande de Romarigães" de Aquilino.
ResponderEliminarMas,c.a., se quiser obra limpa, comece por este "Dicionário Falado" ou pelos contos de "Tiros de Espingarda" do Tomaz de Figueiredo.
e então o Malhadinhas?
ResponderEliminar...e tinh'rrezão,Sr. António!
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