quinta-feira, 15 de julho de 2010

Fragmentos, ao cair da noite


O "aladino" (lâmpada solar) começou a piscar às 21,11, mas os pássaros, hoje, estavam inquietos e recolheram cedo. O céu, azul-cinzento, está sereno e sem nuvens. O vento equilibrado na frescura, as crianças, porém, estão barulhentas e aguerridas, nos chutos e gritos pela rua. Luzes vão abrindo à flor da noite, como dantes na colina de S. Roque.
Um vulto de mulher, ao longe, regressa a casa. Lembro-me de uns versos antigos, com mais de quarenta anos : ... uma mulher sobe a rua, lentamente,/ medita o passo, dilui-se em solidão...
Mas depois, ao querer lembrar-me de um nome completo, a memória esbarra na escuridão. Só recordo o primeiro nome. Guardei-o demais, concluo. Mas temos que guardar sempre alguns segredos. Porque nos dão força, por vergonha ou pudor, ou por discrição da alma. Mas há também um pequeno poema, muito juvenil, sem título, que se poderia chamar: Maria. Talvez seja tempo de o rever.

2 comentários:

  1. Tenho querido dizer-lhe que já li o «Super Flumina Babylonis» de Jorge de Sena e partilho inteiramente a sua apreciação: é um extraordinário texto, do melhor que já me foi dado ler. E revelador, também. Acho que foi através dele que cheguei aos salmões. Julgo que entenderá o que quero dizer depois de ler o comentário que deixei abaixo, no post relativo ao documentário da BBC sobre I. Bergman. Creio, ainda, que entende por que razão me parece que vem a propósito referir tudo isto agora. A verdade é que «a» sinto por aqui e não creio que alguma vez se vá embora...

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  2. Parece-me que apanhou muito bem, APS. Quando li o conto de Sena sobre Camões lembrei-me do salmão, da impossível viagem que, no final da vida, empreende, rio acima, contra a corrente, movido pela intransponível vontade de (pro)criar. Uma pulsão de vida e de morte, em partes iguais. Um ir até ao esgotamento.
    Bergman usou, parece-me, um método muito diferente. Isolou-se, numa ilha remota e aí, tranquilamente, foi recolhendo as ideias «amorosamente repousadas, levemente esquecidas, levemente lembradas» do «lago calmo/de águas densas e paradas» da memória. E deixou um registo destes últimos tempos no seu último filme, o «Saraband», um filme notável. Viu? Há em DVD. Deixo-lhe o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=N2hyg4FyUcM&NR=1

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