terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Um ponto de vista



Admitindo porventura uma perspectiva favorável e simpatizante em relação ao português, não deixa de ser interessante e curiosa a forma como o sociólogo brasileiro Giberto Freyre vê o colonizador luso, em confronto com outros colonizadores europeus. Deste modo, e passo a citar:

"Vários pontos em que tocámos de leve no primeiro capítulo vamos neste ferir com mais força na tentativa de caracterizar a figura do colonizador português do Brasil. Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os imperialistas modernos. Assemelha-se nuns pontos à do inglês; noutros à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador do México e do Perú; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis."

Gilberto Freyre (1900-1987), in Casa-Grande e Senzala (pg. 191).

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Apontamento 150: Não baixar a guarda

 



Passam, hoje, 90 anos sobre a tomada do poder pelo NSDAP na Alemanha e o apelo é para o cidadão se manter vigilante. Recordaria, a propósito, o imperativo categórico e a responsabilidade cívica de cada cidadão para evitar uma catástrofe semelhante.

Post de HMJ

Lembrete 71



O livro saiu em Setembro de 2022, mas só agora dei por ele. A correspondência abrange cerca de 25 anos. Da parte de Fernando Lemos, numa linguagem mais desatada; Sena, mais literário e contido.
A leitura promete, pelo pouco que já avancei.

sábado, 28 de janeiro de 2023

Regionalismos poveiros V



Mais nove regionalismos do falar da Póvoa de Varzim, correspondentes às letras iniciais F e G das palavras seguintes, retiradas da obra e autor anteriormente referidos.

1. Fabricanta - operária fabril.
2. Fanado - sem dentes; desdentado.
3. Fatôco - faneca pequena.
4. Fieiro - areal; local junto à praia onde os pescadores se reúnem para observar o mar e o tempo.
5. Foice do Mar - vaga que sobe e se enrola, caindo no barco, envolvendo-o.
...

1. Gafa - caranguejo pequeno.
2. Ganja - mimo.
3. Gibaltado ou Gibraltado - exaltado; nervoso.
4. Grulha - falador.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Da leitura (49)



Do livrinho anote-se o bom gosto da impressão e os textos concisos, mas densamente informativos, que serviram de base e apresentação (folhas de sala) a várias mostras da BNP. Apraz-me registar esta pequena-grande obra do historiador João J. Alves Dias (1957), que nos chegou às mãos em boa hora.

Antologia 14



...
Arriei perto, senti a maciez fofa dos panos: aquilo parecia colchão. Ignoro se veio comida, suponho que todos ficaram sem alimento. De cócoras, deitados, zumbiam à luz fraca da lâmpada muito alta. Exposição humilhante era a sórdida latrina, completamente visível. Sobre o vaso imundo havia uma torneira; recorreríamos a ela para lavar as mãos e o rosto, escovar os dentes. As dejecções seriam feitas em público. A ausência de porta, de simples cortina, só se explicava por um intuito claro da ordem: vilipendiar os hóspedes. Nem cadeiras, nem bancos, inteiro desconforto, o aviltamento por fim, a indignidade. Alguém teve ideia feliz: conseguiu prender uma coberta em frente à coisa suja, poupou-nos a visão torpe. Isso nos deu alívio: já não precisávamos fingir o impudor e o sossego de animais.
...

Graciliano Ramos (1892-1953), in Memórias do Cárcere (pg. 175).




 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Desabafo (75)


A parolice nacional, por vezes, excede a capacidade da minha tolerância e da minha paciência. A BNP, que foi capaz de ignorar ou omitir o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade (1923-2005), desdobra-se agora em publicitar uma exposição sobre o faraó egipcio Tutankhamon. Eu imagino que se deve ao facto de usarem a palavra inglesa superstar no título da mostra da Gulbenkian. Nas mentes débeis, há palavras que têm efeitos mágicos. Outro exemplo é o termo procrastinar. E ninguém nos consegue livrar destas parvoíces mentais...

Citações CDLV



Os navios são como as moscas na teia de aranha que é o mar.

Victor Hugo (1802-1885), in L'homme qui rit (1869). 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Pinacoteca Pessoal 190


Não creio que se conheça alguma imagem, menos ainda auto-retrato, de Vincenzo Catena (1480-1531), pintor italiano que trabalhou principalmente em Veneza. E que terá sido influenciado por Bellini, Ticiano e Giorgione.




Mas esta pintura representando a Ceia de Emaús, executada por volta 1520, que se guarda nos Uffizi de Florença, atesta uma simplicidade notável de adereços decorativos, para se fixar sobretudo nas três figuras centrais do quadro. De que se exclui talvez o panejamento que, atrás de Cristo, faz destacar a sua figura. E, pormenor curioso e supérfluo, o pequeno cão ou gato (?), por baixo da mesa, à direita.

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Mais um poema de R. Juarroz, em versão portuguesa



Há olhares que ajudam a tarde a ser noite.
Silêncios que ajudam as árvores a crescer.
Imobilidades que fazem a água correr.

O homem pode aprender a ajudar as coisas.
Talvez elas então possam também
ajudá-lo a morrer.

                                                               (VI, 96)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Impromptu 65


Sobre esta dança de W. A. Mozart (1756-1791), intitulada La Portugaise, pouco ou quase nada consegui apurar. No catálogo mozartiano tem o número KV 609/4 e terá sido composta nos finais do século XVIII.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Uma fotografia, de vez em quando... (167)



Se Goethe falou delas com propriedade, Magritte representou as mais significativas nas suas telas.  Mas as quatro ou cinco nuvens outrabandistas que vimos ontem, ao fim da tarde, creio que escapavam aos protótipos habituais. Pareciam iluminadas por dentro por um sol estranho e posicionavam-se a sudoeste. HMJ conseguiu fixar fotograficamente uma delas, antes que ela perdesse o ar e tom alaranjado e tendesse para o castanho ou apenas cinzento com o abrir obscuro da noite. De uma forma banal e quase indistinta.

sábado, 21 de janeiro de 2023

Regionalismos poveiros IV



Agrupamos desta vez as letras D e E, iniciais das palavras correspondentes aos regionalismos seleccionados da obra Poveirinhos pela graça de Deus (2007), de José de Azevedo. Assim:

1. Deceibar ou Desseibar - atirar ao chão alguém ou qualquer coisa com força.
2. De Cócó - de graça; sem pagar nada.
3. De Varada - ir ou vir depressa.
...

1. Encarrilhar ou Encarrilar - deslizar no dorso das ondas.
2. Erôgo - herói, bravo, destemido.
3. Escolho - maneta; canhoto.
4. Estralho - linha de pesca com uma fiada de anzóis.
5. Estrunchar - apertar; entalar.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Comic Relief (157)


A ideia original apareceu num sketch dos Monthy Python, e eu sempre lhe achei graça. Alguns cidadãos checos de Brno decidiram, em 2013, recriar de forma alargada a cena, pelas ruas da sua cidade. O que foi, sem dúvida, uma boa e divertida ideia... 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Opções


De uma forma geral e de quase todos os poetas há meia dúzia ou até uma dezena de poemas a que se recorre frequentemente para falar do autor. De Eugénio de Andrade, cuja poesia conheço razoavelmente, poderia até referir os títulos que são, na sua maioria, dos primeiros livros. 
E não é que os considere menores, mas eu tenho uma particular predilecção por um outro, pequeno poema que apareceu em Mar de Setembro (1961) e que veio a ter algumas alterações do Poeta, no tempo posterior. Chama-se Quase nada e sendo breve, mas denso, tem uma radiação infinita e poderosa de sugestões.
Aqui fica, lembrando:

Passo e amo e ardo.
Água? Brisa? Luz?
Não sei. E tenho pressa:
levo comigo uma criança
que nunca viu o mar.

De um poema de E. de A., o alegretto de Mozart



Envio

...
A Mozart
que escreveu o Alegretto do Concerto em Sol
 (K. 453) à memória de um estorninho.
...

Eugénio de Andrade (1923-2005), in Obscuro Domínio (1972).

Desabafo (74)


Será que a BNP se esqueceu do centenário do nascimento de um dos maiores Poetas do século XX português?!... 
Digamos que é um tipo de amnésia cultural indesculpável, no mínimo.

Pelo centenário de Eugénio de Andrade (1923-2005)

 

Passam hoje, precisamente, cem anos  sobre o nascimento de Eugénio de Andrade na Póvoa da Atalaia.
Poeta maior da nossa literatura, tive o gosto de o conhecer pessoalmente e com ele trocar correspondência. A ele devo o começar a ter lido Guimarães Rosa, romancista que ele me recomendou por volta de 1968. Mas também o facto de começar a ter mais confiança nos poemas que ia escrevendo.




Esta carta inédita, que publico hoje no Arpose, e que data de 2 de Maio de 1967, refere um pequeno poema de Eugénio de Andrade, que veio a ter um outro título (Nocturno da Água) quando publicado em livro (Ostinato Rigore), depois de ter saído inicialmente em revista. Aqui o reproduzimos na versão final.

Pergunto se não morre esta secreta
música de tanto olhar a água,
pergunto se não arde
de alegria ou mágoa
este florir do ser na noite aberta.

Deixo este meu pequeno contributo em memória de Eugénio de Andrade, pela passagem do seu centenário.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Citações CDLIV



"Nada é mais monótono do que a vida e nada é mais curioso de ver como por uma espécie de paradoxo da língua, como dizemos de um romance que é uma peça viva quando se desnuda em condições de uma certa uniformidade. O que é a vida? No fundo, um ciclo de operações que se repetem: respiração, circulação, nutrição, etc., e são estes ciclos, e ciclos dos ciclos com uma monotonia que assegura a conservação. Pelo contrário, o espírito, está em erupção a cada instante, e se a sua memória o serve, entretanto existe nele essa espécie de variação perpétua que está ligada à variação perpétua do meio. Das suas próprias associações e dos seus próprios incidentes, ele cria a cada instante novos assuntos de interesse para si próprio."  

Paul Valéry (1871-1945), in Cours de Poétique I (pg. 616).

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Da pintura e da paisagem



Quando a bátega forte, mas breve, se abateu sobre nós, já tínhamos passado pelo lago, por onde circulavam, livres, patos e garnisés de cores vibrantes, em volta. Também ladeamos o insólito, mas digno  busto do Inca Garcilaso de la Vega (1539-1616) que lá está, à sombra das árvores, e que eu descobri, um dia, surpreso, aqui há mais de dez anos, quando passeava no Campo Mártires da Pátria. Mas eu não fora ao Largo para rever esse dotado renascentista de dois mundos e de linhagens nobres, em estátua...




Fôramos simplesmente ver a exposição de Pedro Chorão (1945) na Galeria Monumental.
E, ao contrário do que li sobre a mostra, há um novo caminho embora em sequência da penúltima exposição, mas em ruptura com a anterior e última exibida na Sá da Costa, recentemente.
Evocarei desta, hoje, os azúis, não tanto clarinhos ou quase translúcidos dos anos 80/90, mas uns azúis densos e fortes de agora que, aliados aos rosas, pareciam procurar agarrar a alegria.
Depois há a competência da idade, na pintura. Falamos por exemplo de Matisse ou Picasso. Saber que não acompanha os poetas, normalmente. Seres muito mais breves no seu exercício...

Era uma vez um rebento...



... enorme, de um cacto, numa varanda alta outrabandista.
(HMJ disse que parecia a tromba de um proboscídeo.)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Regionalismos poveiros III



Do mesmo autor, e retirados da mesma obra, já referida anteriormente nesta temática, seguem-se alguns regionalismos poveiros cujas palavras se iniciam pela letra C

1. Cachafunda - mergulho nas ondas do mar.
2. Cagarota - latrina; retrete.
3. Cambitos (ou Gambitos) - postas de raia seca.
4. Capilota* - derrota por margem expressiva.
5. Caralhudo - as tripas do peixe sapo (tamboril).
6. Ceboleiro - gente da aldeia que vinha a banhos; parolo; rústico.
7. Cochar - abrir e estripar o porco.
8. Criqueiro - pessoa miudinha no trabalho; complicativo; demorado.
9. Cunanas - efeminado; que vive subjugado pela mulher; que se dá bem com todos.

* este regionalismo também era usado no Minho.

domingo, 15 de janeiro de 2023

Divagações 184



O jornal Público de hoje titula na primeira página assim: Há juízes que usam o Supremo para se jubilarem com mais 250 euros por mês. E de imediato me lembrei do médico Ribeiro Sanches (1699-1783) que escreveu: Dificuldades que tem um Reino Velho para emendar-se. Porque isto, quanto a justiça à portuguesa, já vem de longe nos abusos à pala da independência dos poderes. Lembremos o Abade de Jazente (1719-1789), Paulino Cabral, que também pôs o dedo na ferida, com particular evidência poética. Ora, aqui vai o soneto do eclesiástico, em linguagem indisciplinada e castiça da época:

Citado o Réo, a Acção distribuída,
Offréce-se o Libello na Audiencia;
Entra logo uma cota, huma incidencia,
Apenas em déz annos discutída.

Contraría-se tarde; ou recebída
Huma Excepção, faz nova dependencia:
Crescem as dilações, e a paciencia
Huma das Partes perde, ou perde a vída.

Habilita-se hum Filho, outro demóra;
E de novos artigos na dispúta,
Mais se dilata a causa, ou se empeóra.

Cõ tudo pôem-se em prova, ou circundúta,
Em caza do Escrivão bem tempo móra,
E se há sentença em fim, não se execúta. *


Donde se vê que os agentes de justiça, em Portugal, gozam muitos deles, de há muito, de uma total impunidade quanto à sua preguiça profissional, à sua capacidade, e mesmo à sua postura cívica. Eticamente, alguns quase parecem uns marginais sem vergonha.


* o soneta vem na página 127, do tomo I das Poesias de Paulino Cabral... (Porto, 1786).

sábado, 14 de janeiro de 2023

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Simples constatação

 

Sobrevoei, de algum modo, este livro cuja capa encima o poste. Pela decepção, dei-me depois a contar os artistas, escritores principalmente, mas alguns, poucos, músicos e pintores também, que nele são referidos. Pelo menos, contabilizei 36 nomes, às vezes com citações, em 68 páginas de texto. É obra!
Melhor do que isto só Gonçalo M. Tavares o consegue.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Últimas aquisições (42)



Estes livrinhos da FFMS, sendo embora de autores pouco conhecidos, têm em comum a singularidade dos assuntos e a abordagem muito própria da escrita simples, quase sempre agradável e profissional de temas sociológicos pouco habituais.
E se este Avieiros, hoje, de João Francisco Gomes (1995), que comprei recentemente, tem por sombra tutelar o escritor ribatejano Alves Redol (1911-1969) que pela primeira vez tratou do assunto em 1942 (Avieiros), desta vez não é a ficção que prevalece.
A migração dos pescadores e famílias de Vieira de Leiria, para as mais favoráveis e menos perigosas margens ribeirinhas do Tejo são o motivo principal deste livrinho. Bem como um tipo de cultura própria que esta mudança acabou por propiciar.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Recomendado : noventa e seis



Ainda que por razões subjectivas, recomendo vivamente a leitura do último JL (11/1 a 24/1/2023), que dedica 7 das suas  páginas a Eugénio de Andrade (1923-2005), pela próxima passagem do centenário do seu nascimento. Pessoalmente, considero-o um dos grandes poetas do século XX português.
O jornal  literário evoca também António Mega Ferreira (1949-2022), falecido há pouco.

Nota pessoal: chamo a atenção para uma carta (a segunda) de Eugénio de Andrade para Eduardo Lourenço, na página 20 do JL. Contém uma excepcional e clara explicação do fazer de poesia de E. de A.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Mais uma pérola de cultura jornalística



A brilhante notícia vem no jornal Público de hoje, sob os nomes (jornalistas?) de Gustavo Zeitel e Carolina Mendes, mas também aparece no online do Observador. A informação reporta-se aos desmandos dos manifestantes que invadiram o Palácio do Planato, em Brasília, danificando, de forma irremediável nalguns casos,  património nacional brasileiro, nomeadamente um relógio que pertencera a D. João VI (1767-1826).
Só que o texto refere que este relógio fora oferecido ao rei português pelo monarca francês Luís XIV (1638-1715).
É aquilo que se poderia chamar um regresso ao futuro, pela bacoquice destes plumitivos de meia tijela...

Citações CDLIII



Uma mania, é um prazer que passou ao estado de ideia.

Honoré de Balzac (1799-1850), in Le Cousin Pons.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Revivalismo Ligeiro CCCXII


De Argentina Santos (1926-2019), Carlos do Carmo (1939-2021) dizia que o seu canto reunia "a reza e o pregão", coisas raras numa única voz, e que estavam na própria essência do Fado.

Ideias fixas 74



Ao que parece, os western spaghetti, agora, são filmados em Brasília, embora na sua original matriz norte-americana. E com macaquinhos de imitação, como figurantes.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Exposição de Pintura



No próximo dia 12 de Janeiro de 2023 inaugura-se, na Galeria Monumental (Campo Mártires da Pátria, 101, Lisboa), uma exposição do pintor Pedro Chorão (1945) sob o título Paisagem Continuada. A mostra decorrerá até 25 de Fevereiro próximo. 

Regionalismos poveiros II


Uma das coisas que eu mais estranhava, na Póvoa de Varzim, eram alguns apelidos insólitos, tais como: Agonia, da Hora, Frasco, Mouco, dos que me lembro ainda. E o nome de um peixe que eu apreciava, frito, e que só no mercado de lá se encontrava. Dava pelo nome de Patêlo e era uma espécie de raia pequena, com cartilagens flexíveis em vez de espinhas. 
Agora, da mesma obra e autor, José de Azevedo, respigámos desta vez, seleccionando, alguns regionalismos poveiros iniciados pela letra B, respectivamente: 

1. Babosa - o mesmo que marachomba (pequeno peixe preto que habita nos penedos junto à costa).
2. Badola - indolente; vagaroso; não-te-rales; lorpa.
3. Barria - cardume, grande quantidade de peixes passando à superfície da água.
4. Belena - mentirosa.
5. Boca de Cascarra - pessoa má língua; intriguista.
6. Bolestreirona - preguiçosa; vagarosa.
7. Burriço ou Borriço - musgo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Bibliofilia 203



Livreiros e alfarrabistas costumam aconselhar os clientes a não comprar obras truncadas, pois correm o risco de não conseguirem completar a obra, quando formada por mais do que um volume. Por várias vezes ignorei este sábio conselho, mas quase sempre tive sorte; excepto com as obras completas (6 livros) do poeta António Diniz da Cruz e Silva (1731-1799) na sua primeira edição (1807-1817 / Typografia Lacerdina - Impressão Regia), cujo tomo IV me está em falta, de há vários anos a esta parte, para minha pena.



Um dos casos que completei com sucesso, ao longo de 5 ou 6 anos foi Variété, de Paul Valéry (1871-1945), editado pela Gallimard (1924-1945) em 5 livros. O primeiro dos volumes comprei-o na Rua do Alecrim, em meados dos anos 90, e ostenta assinatura de posse de Castelo Branco Chaves (1900-1992) e a data manuscrita de 1936. Tem também alguns sublinhados a lápis. O segundo volume não sei onde o adquiri, nem quanto paguei por ele. Tem  encadernação meia francesa, ao contrário do I tomo brochado, e tal como os 3 seguintes.



Finalmente, os três últimos volumes, encadernados, foram todos comprados (Esc. 300$00, cada) num alfarrabista da Calçada do Carmo, por volta de 1995. Todos os tomos de Variété se encontram em bom estado.
Não sendo obra rara - creio - por haver reedições, estes ensaios de Paul Valéry têm grande valor para mim pelo diálogo mental que permitem e pelas reflexões que trazem da leitura.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Regionalismos poveiros I



Há oito ou nove lugares no Mundo que me atravessaram a vida e que eu conservo afectuosamente na memória. Dos portugueses, a Póvoa de Varzim, onde passei muitos agostos da existência, em férias, é um deles, que me traz recordações felizes. E, por isso, alguma bibliografia tenho nas estantes da minha biblioteca sobre essa cidade que era apenas vila quando por lá andei, na infância e adolescência.
Recentemente, e através da Livraria Lumière, adquiri uma obra, de feição regionalista, com crónicas de José de Azevedo (1935), intitulada Poveirinhos pela graça de Deus (2007), nomeada assim por um diálogo que se travou entre poveiros e o rei D. Luís, no alto mar, e da resposta que os pescadores deram ao monarca português, quando este lhes perguntou a origem.
O livro lê-se muito bem e contém um glossário poveiro usado pelos naturais com muitos regionalismos locais a que vou dar guarida seleccionada no Arpose, neste e nalguns postes seguintes, a exemplo do que já fiz com outras regiões portuguesas, referindo os significados. Comecemos então pela letra A do alfabeto:

1. Acadimar - sossegar, tranquilizar.
2. À caria - à sorte, sem método algum.
3. Albaiozes - calças de ganga com alças, tipo fato-macaco, que os pescadores usavam nas traineiras.
4. À mata fisga - à falsa fé, pela calada; sem que ninguém conte.
5. Andar c'o peixe à proa - andar grávida.
6. Andaroina - viver à custa dos outros.
7. Ardida - mulher extravagante; sedutora, provocante.
8. À rola - barco solto ao sabor das ondas, sem governo.
9. Assefecada - assustada.
10. Assejar - esperar, ao largo, o melhor momento para entrar no porto.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

De "Casa Grande e Senzala", um pequeno excerto



Muitos textos deste livro admirável dão-nos análises profundas, para não dizer saborosíssimas, e explicações originais sobre aspectos da vida e alma brasileiras. Ora atente-se neste bocadinho da página 135, da obra prima de Gilberto Freyre (1900-1987), Casa Grande e Senzala:

"... Quase toda a criança brasileira mais inventiva ou imaginosa, cria o seu macobeba, baseado nesse pavor vago mas enorme, não de nenhum bicho em particular - nem de cobra, nem de onça, nem de capivara - mas do bicho tutú, do bicho carrapatú, do zumbí: em última análise do Juruparí. Medo que nos comunica o facto de estarmos ainda tão próximos da mata viva e virgem e de sobreviver em nós, diminuido mas não destruido, o  animismo indígena.
O complexo brasileiro do bicho merece estudo à parte; é dos mais significativos para quem se interesse pelos problemas de relações e contacto entre culturas desiguais. No que há de vago no medo do bicho manifesta-se o facto de sermos ainda, em grande parte, um povo de integração incompleta no habitat tropical ou americano: mas já a fascinação por tudo o que é história de animais, mesmo assim vagamente conhecidos, o grande número de superstições a eles ligadas, indicam um processo, embora lento, de integração completa no meio; ao mesmo tempo que a sobrevivência de tendências totémicas e animistas. ..."

Citações CDLII



O dinheiro não consegue comprar amigos, mas pode criar uma melhor classe e categoria de inimigos. 

Terence Alan Milligan (1918-2002), in Puckoon (1963).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Em volta de um terceto de António de Almeida Mattos (1944-2000)



O pequeno poema vem na página 27 de Conjuntivo Presente ( Afontamento, Porto, 1991) e reza assim:

Colhe nos céus este sabor bizarro,
tão único. Apenas um deus sabe. E diz:
pertence a deuses só de ser tão raro. 


Todos os poetas guardam segredos, como qualquer ser humano, naturalmente. Ao revelá-los, em relação à sua poesia, os vates porém podem correr o risco de destruir a magia dos poemas, cuja origem reside muitas vezes em razões menores ou muito simples, que escapam ao comum dos leitores.
O meu amigo António era, como eu, grande apreciador de caça, especialmente de perdizes. E confessou-me um dia que este breve poema, citado acima, lhe fora inspirado por uma saborosa perdiz que tinha comido. Aqui fica desfeito um pequeno segredo. E que o António me perdoe, lá onde estiver, por eu o ter revelado...

domingo, 1 de janeiro de 2023

Mercearias Finas 185



As perdizes estavam destinadas, de há muito. Maria Mansa, da Quinta do Noval, foi escolhido na antevéspera. A origem não antecipava sobressaltos, pelos pergaminhos do produtor. Tinta Roriz, Touriga Nacional e Touriga Franca lotaram este tinto de 2016, com 13º serenos e discretos, ligeiramente seco, que acompanhou dignamente a caça voadora que ainda trazia pequenos grãozinhos de areia no papo e alguns chumbos dos tiros(?) que lhes acertaram.
Do congelador veio puré de castanhas. A cama das perdizes levou couve coração, alho francês e pequenas cebolinhas novas. Não faltou a batata palha das receitas tradicionais, a compor o almoço de Ano Novo. Assim seja bom o ano, como foi o repasto!

Adagiário CCCXLV

 

Ano que entra ao Domingo, sequeiro pelo caminho.

A ver vamos... Mas, entretanto, os melhores votos para 2023, e para todos!