sexta-feira, 31 de julho de 2020

Osmose 116


As cadeiras, de sólida estrutura artesanal embora simples, das seis originais, resistem cinco, apesar de uma delas ter duas pernas claudicantes. Essa, raramente a usámos e está encostada à parede da cozinha.
Creio que não é já manufactura dos Neves, ainda familiares, mas talvez dos Pimenta que compraram a marcenaria ao meu Bisavô vimaranense. Que de Braga, paterna, pouco trago eu à colação.
As casas, cada vez mais pequenas, vão-se resumindo de passado e heranças, que o gosto, raramente se transmite, e há que ser pragmático nas escolhas afectivas, ainda que respeitáveis.
O futuro é, desapiedadamente, cruel. Ou indiferente, pelo menos, nestas coisas particulares.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Memória 136


Ainda bem que o jornal Público, de hoje, pela voz escrita do jornalista Viriato Teles, nos lembra Mário Castrim (1920-2002), na véspera do dia de centenário do seu nascimento.
Ao contrário do que pensava quem não o conhecesse pessoalmente, a imagem que dele passava era a de um intransigente agressivo, pelas suas diárias críticas de televisão.
Nada mais errado. No contacto directo, era um homem afabilíssimo, sabia ouvir, flexível nas coisas que não pertenciam ao núcleo duro daquilo que eram as suas convicções mais íntimas e profundas.
E, na sua simplicidade, cultura, sentido crítico apurado era, também, um grande pedagogo. Que faz muita falta, sobretudo hoje, em que estas qualidades ou virtudes são inexistentes ou residuais...


Um abraço amigo à Alice, se por aqui passar, por mero acaso.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Pequena história (57)


O episódio singular vem descrito a páginas 234/5 da obra René Char (Tempus, 2013), de Laurent Greilsamer. Se eu tivesse que lhe dar um título individualizado, pôr-lhe-ia: Uma noz medieval...
Por volta de 1942/3, o poeta René Char (1907-1988), com o nome de guerra Alexandre, comandava, na zona de Ceréste, um grupo da Resistência francesa, contra os nazis ocupantes.
Precisavam na região de um terreno discreto e favorável a aterragens de pequenos aviões, vindos de Inglaterra, que pudessem vir descarregar provisões e armas, ou até trazer e levar resistentes.
Conseguiram escolher o local ideal, pertencente a um quinteiro da região. Havia porém um problema: uma centenária e frondosa nogueira ocupava o centro do desejado e futuro "aeroporto".
Após aturados esforços lá conseguiram convencer o quinteiro, que lhes tinha arrendado o referido espaço, a consentir que deitassem abaixo a produtiva e longeva árvore de fruto.
Demos, então, a palavra a Laurent Greilsamer:
"...Le lendemain, Alexandre remonte sur le plateau avec une équipe pour s'attaquer au noyer. Ils dégagent la base de l'arbre, cherchent la racine majeure et finissent pour isoler une épaisse liane qu'ils suivent sur une dizaine de mètres. À son extremité repose... la dépouille d'un guerrier dans son armure!
Char jubile. Quel histoire! ..."
Séculos depois, a noz, que o guerreiro tinha guardada na sua algibeira, produzira frutos.

domingo, 26 de julho de 2020

Pelo aniversário de A. de A. M., ausente


Nem a voz solta nem o corpo arde
que em outro fogo agora se consome
em mudo olhar, se prende de teus olhos,
nos lábios sem palavras. Um afago
por dentro cresce, leve não se encontra
gestos, presos agora, tumultuam
a ilusão de breve eternidade.


António de Almeida Mattos (1944-2020), in A ilusão do breve (2010).

sábado, 25 de julho de 2020

Uma anotação de Char, traduzida


Le Coup

O rasgo de génio de Rodin é o de ter sabido vestir Balzac.
Picasso, é Balzac nu; mas com as mãos de Rodin, a capa impetuosa e o destino de Picasso.
                                                                                                                                                   1961

René Char (1907-1988), in Recherche de la base et du sommet (pg. 79).

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Divagações 161


Stig Abel despediu-se do TLS, e foi para a Rádio. Foi substituído por Martin Ivens, como editor do semanário literário inglês. O último número (nº 6119) que comprei tem apenas 32 páginas, em vez das 36, mínimas, habituais, chegando por vezes às 40. Para azar meu, este TLS tem como temática o desporto, em geral, dedicando 6 páginas a diferentes modalidades. O dossiê já estava programado há muito e não tem como motivo a mudança de directores. Mas quem perde, claro que sou eu...

terça-feira, 21 de julho de 2020

Pinacoteca Pessoal 167


A obra de Domenico Ghirlandaio (1440?-1494) fala por si. Mas também dele falou Giorgio Vasari, que se ocupou de biografar os nomes grandes dos pintores da Renascença italiana. Dizem que Ghirlandaio terá sido um dos professores de Miguel Ângelo, o que só abona e reforça a qualidade do seu mestrado.


Com obra realizada em Florença e Roma, principalmente, são de destacar os frescos da igreja de Santa Maria Novella, de índole religiosa, ou a decoração da capela Tornabuoni. Retratos das figuras gradas florentinas pontuam também os seus quadros. Não esquecendo, porém, o magnífico retrato de Dante. Que, para cotejo, convirá emparceirar com o homónimo executado por Botticelli.


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Registo, a propósito


Nascidos no mesmo dia (17 de Julho), embora de anos diferentes, Angela Merkel (1954) e António Costa (1961), os dois políticos são assim nativos do terceiro decanato do signo do Caranguejo. Este ano, por razões motivadas pela UE, passaram ambos parte do dia de aniversário nos mesmos locais.
O nosso PM, gentilmente, ofereceu O Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, em tradução alemã (Die Stadt der Blinden) de Ruy-Güde Mertin, da btb Verlag, como prenda de anos, à chanceler alemã. Talvez oportuna e intencionalmente... Desconheço, entretanto, qual foi o presente de Angela Merkel.

Citações CDXXXIX


Sacrificar as convicções à situação, não é trair, mas simplesmente envelhecer.

Jean-Marie Domenach (1922-1997), in Ce que je crois.

sábado, 18 de julho de 2020

Apontamento 137: De volta, infelizmente, ao universo da" Minnie Mouse"


Imagem enganadora

Como é meu costume, aviso, antecipadamente, os eventuais leitores sobre as opções estéticas, éticas e culturais das minhas contribuições neste espaço de liberdade de expressão.

Com efeito, nunca apreciei BD = Banda Desenhada, porque nunca me encantei com aquelas bolinhas e frases mínimas. Embora também não gostando, de todo, dos discursos prolixos, ficaria, certamente, no meio termo. Ou seja, nem de menos, nem de mais. 

Ora, o que aprendi sobre uma boa elaboração objectiva de um trabalho com pensamento estruturado, devo-o, sem sombra de dúvida, ao mestre Padre António Vieira. Sublinha-se que o fundo religioso da construção dos seus discursos é mero acidente de percurso da perfeição retórica.

Regressando, passado de um tempo ameno, arejado e de dedicação quase exclusiva aos residentes, aos espaços nobres da Capital, ou seja, à zona do Chiado, constata-se o regresso a uma opção miserável de cidade e com medo de, no futuro, apenas nos cruzarmos com forasteiros aculturados, incivilizados e burgessos. Nunca gostei de "Minnies" e cada vez gosto menos, sobretudo, quando ocupam de forma imprópria os espaços. Não me dizem nada, apenas ocupam o meu espaço.

Contrariamente à pose do Senhor Presidente da Câmara de Lisboa, embora querendo pôr-se em bicos de pés relativamente a um assunto de âmbito mais vasto, convinha que começasse a tomar contar daquilo que é do seu alcance e âmbito, ou seja, devolver, como diz, a cidade aos seus residentes.

A zona do Chiado voltou a ser espaço das Minnie Mouse, cheio de forasteiros, chungarias diversas,  e os sem abrigo com falta do essencial para mudarem a vida, 

Será que o final da vida dos residentes é cruzarem-se permanentemente com MINNIES, que nada lhes dizem, NEM nada ACRESCENTAM, trotinetes espalhadas, música pimba aos molhos, e  com um Presidente de uma Câmara Municipal  a assobiar para lado ? Até quando ?

Post de HMJ


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Esquecidos (2)


A segunda metade do século XIX português está cheia de poetas esquecidos. Talvez de segunda linha, talvez, mas românticos, parnasianos, nalguns casos, ultra-românticos, vêm à memória: Luiz Augusto Palmeirim (1825-1893), João Penha (1838-1919), José Simões Dias (1844-1899)...
É provável que alguns amantes muito fiéis de poesia se lembrem do muito recitado (antigamente) poema A Lua de Londres ("É noite: o astro saudoso/ Rompe a custo um plumbeo Céu,/ Tolda-lhe o rosto formoso/ Alvacento, humido véu;..."), que João de Lemos (1819-1890) fez publicar no terceiro volume do seu Cancioneiro (1858).


Nascido em Peso da Régua, João de Lemos formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo colaborado, na juventude, em várias publicações literárias. Fundou também O Trovador, mais dedicado a composições poéticas. Foi na política um miguelista feroz.
Óscar Lopes, na sua História da Literatura Portuguesa (1985), concedeu-lhe 7 entradas ou verbetes.
Alguém lhe sabe o nome ou lembra algum poema?...



quarta-feira, 15 de julho de 2020

Rossini / Bartoli



Gostava muito de Rossini, na minha juventude, ainda hoje gosto muito de algumas Aberturas de óperas de sua autoria. Depois, sempre pensei que ele devia ser um bonacheirão bem disposto. Para além dum gourmet respeitável, e a ter em conta.
Respeito imenso, também, a carreira lírica de Cecilia Bartoli. E as suas investigações musicais.
Acrescentemos Perrault e depois os vários títulos: La  Cenerentola, Cendrillon ou Cinderela. Ou ainda, simplesmente, a nossa Gata Borralheira.
Em síntese, a sinopse, para quem não saiba. Poderia também falar-se da China, mas era muita areia...
Ora, oiçam lá este bocadinho!

Catálogo de Livros Raros


Saíu esta semana o terceiro (?) Catálogo de Livros Raros, preparado e promovido pelo conceituado livreiro-alfarrabista Bernardo Trindade. Do acervo de 107 preciosos lotes, gostaria de destacar a colecção completa e encadernada dos 4 números da revista Graal (lote 51 - 100 euros); bem como a primeira edição (1940) de For Whom the Bell Tolls, de Ernest Hemingway (lote 53 - 1.900 euros). E ainda a edição original rara das Obras Métricas (1665), de Francisco Manuel de Melo, sob o lote nº 67, precificado a 2.500 euros.


terça-feira, 14 de julho de 2020

Uma fotografia, de vez em quando... (143)


Lugar aos novos, fotógrafos anónimos, que bem merecem que lhes demos presença, aqui no blogue.
De artífice desconhecido, este instantâneo de uma prole infantil familiar de 5 figurantes, também  não identificada, a fotografia demonstra, à saciedade, como uma peça de fazenda pode ser bem aproveitada - as três meninas ficaram aviadas, e bem, pelo mesmo padrão, elegantamente.
E eu gosto muito, de forma particular, daquele nó de gravata do mais velho dos meninos.
Quanto à data, não posso ajudar as minhas estimadas visitas do Arpose...

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Scanar O'Neill (1924-1986)



De Feira Cabisbaixa (1965), Ulisseia.

Interlúdio 75



Dedicado ao PANzinho e ao seu silva de estimação, vitimado por tantas deserções, excepto de bichinhos - este Brel que eu desconhecia.

Memorabília (6)


Serviam para várias coisas, multiusos os cafés, de outrora. Para estudar, namorar e até para beber o dito, muitas vezes. E noutros tempos eram mais aconchegados e sem contágios de maior...


domingo, 12 de julho de 2020

Recuperado de um moleskine (35)


Em tempos, creio que na última década do século XX, estive para comprar um andar no Bairro Azul. Era um quarto andar e dele se via completamente a Praça de Espanha; com algum esforço visual e de corpo, julgo que se avistava também uma nesga do Tejo, ao longe.
Eu gostava da zona, parecia-me sossegada, ampla q. b. e arejada. Ia, às vezes, visitar uns parentes, que moravam na Ramalho Ortigão, num rés-do-chão alto de divisões médias e agradáveis, e eu vinha de lá quase sempre satisfeito e bem disposto. A rua tinha ainda 2 mercearias tradicionais. E metro, perto.
El Corte Inglés ainda vinha longe, farmácia havia ao pé e a Gulbenkian não ficava distante. A IN-CM tinha, nessa altura, uma livraria (que fechou depois) à beira da Fundação. O preço do andar em vista, era convidativo, e a compra só não se concretizou, porque havia obras profundas e caras, a fazer no elevador.
Inexplicavelmente, creio que me lembrei disto, por me vir à ideia o início de Den Afrikanske Farm, de Karen Blixen (1885-1962), que viria a dar o filme Out of Africa. Que começa por esta frase singular: "Eu tive uma fazenda em África, no sopé das colinas Ngong..."
Ou terá sido por o Carlos C. e S., que morava então no Bairro Azul e que eu visitava amiudadas vezes, ter feito grande parte da sua vida profissional em Moçambique? Não sei ao certo - a memória trabalha, frequentemente, em piloto automático.


sábado, 11 de julho de 2020

Mercearias Finas 160


Como tivessem sobrado, do lanche ajantarado de anteontem, entre muito bons amigos,  uns nacos de pão honesto (salvé, Cesário!) e saboroso, resolvemos procurar a companhia de lulas no mercado outrabandista, à vinda. É claro que do duriense Bafarela 2009, numerado, infelizmente já não havia vestígios da garrafa de antevéspera...

Tivemos sorte, das ditas havia-as a 13,90 euros o quilo, na praça, e tinham bom aspecto - trouxemos 5 bichinhos médios e frescos.
HMJ fez um ensopado maravilhoso. Eu fui buscar ao frigorífico um bom branco de Pias, com Verdelho.

Tudo nos conformes! Lá se foram...

Uma valsa rústica



Numa boa sequência temática, depois da Valsa Triste, de Jean Sibelius, esta Valsa Antiga (e Rústica) recolhida por Michel Giacometti (1929-1990), algures no Douro Litoral...

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Lembrete 75


Previamente anunciado o adiamento de saída, por causa da pandemia (?), para Junho de 2020, surgiu agora, à venda nas bancas, o número 9 da revista Electra. O tema é a velocidade. A quem possa interessar.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Idiotismos 47


Não sei se é verdade, como li algures, que alargar o nosso léxico vocabular prolonga também o nosso horizonte mental e cultural. Talvez. Mas é indiscutível que, qualquer idioma, tem palavras moribundas ou já mortas e outras acabadas de nascer, que foram criadas para suprir e nomear novas coisas e competências inexistentes anteriormente.
Da recente leitura de A Ilha de São Tomé nos Séculos XV e XVI (1989), deparei-me com três palavras que desconhecia. Tomei nota. Eram elas:

1. Gatos-de-algália.
2. Arrátel folforinho.
3. Cagunchos (dos ditos açúcares).

Depois, fui ao Morais, para me documentar. Não tive grande sorte... Mas, através de outras fontes, consegui informar-me dos significados, razoavelmente. E aqui ficam as conclusões sobre os termos:

1. Civeta africana, mamífero.
2. Medida usada para pesar especiarias.
3. Remanescentes das canas de açúcar, depois de tratadas.

P. S. : naturalmente, a imagem que encima o poste é a de um gato-de-algália.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Últimas aquisições (25)


É sabido que a Babel (ex-Guimarães Editores, de melhor memória e ilustres pergaminhos), recentemente, repudiou Agustina, mas a Família da escritora, prontamente e bem, arranjou a Relógio D'Água para lhe reeditar a obra, sobretudo a esgotada. A escritora só ganhou com o incidente, de um ponto de vista objectivo.
Ora, eu de há muito que queria ler O Susto (1958), de Agustina Bessa-Luís (1922-2019). E por várias razões: a obra foi inspirada em Teixeira de Pascoaes (1877-1952) e, na altura da publicação, causou grande polémica e troca de azedumes, entre a escritora e a família do Poeta. Régio ainda tentou pôr água na fervura. Em vão...
Aqui há uns meses, vi a obra, na edição primitiva, usada, à venda. Pediam pelo livro 35 euros, o que me pareceu uma exorbitância oportunista, e não o comprei. A segunda edição saiu este ano, em Janeiro, com a chancela da Relógio D'Água. Adquiri, assim, o livro, por pouco mais de 17 euros.
E vou começar a lê-lo...

terça-feira, 7 de julho de 2020

Desabafo (56)


Admitamos como mote o mundo às avessas renascentista, tantas vezes glosado. Até por Camões.
Concedamos que, já nos dias de hoje, a regra é a ignorância, e a excepção a cultura; que a boa educação é minoritária e a má criação absolutamente normal e aceite. Que, no futuro, o inverso passará a estar certo e o verso passará a estar errado.
Trocando as voltas ao texto, na verdade, já hoje, há por aí tanta gente a sentir-se poeta que o melhor será os vates autênticos passarem à clandestinidade ou meterem, de vez, a viola ao saco, para não haver mais confusões. Mal por mal, mais valem as desgarradas; ou, por bem e naturais, as quadras populares.
Assim seja. Ou há-de vir a ser.

Citações CDXXXVIII


Desde há já algum tempo que eu não digo nunca aquilo que penso, nem penso aquilo que digo e, se por alguma razão, eu falo verdade, dissimulo-a por entre tantas mentiras que se torna difícil descobrí-la.  

Niccolò Macchiavelli (1469-1527), em carta (17/5/1521) ao seu amigo Francesco Guicciardini (1483-1540).

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Ennio Morricone (1928-2020)



Nota secundária e pessoal: 
é sempre aconselhável, ao escrever, ter algum cuidado com os adjectivos.
O plumitivo do blogue Da Literatura, será, com certeza, um homem generoso. Escreveu sobre Morricone que era: "o mais importante compositor de cinema de todos os tempos."
Passou por cima de Nino Rota, pelo menos. Não posso perdoar-lhe tal ligeireza, ainda que sentimental!...

Bibliofilia 180


Integrando a copiosa literatura temática sobre a legitimidade de D. Miguel (1802-1866), em detrimento de D. Pedro IV (1798-1834), à coroa portuguesa, estas duas edições da Impressão Régia saíram com apenas o intervalo de um ano (1828 e 1829) e, creio, não costumam aparecer juntas. Muito embora um dos anteriores proprietários as tenha mandado encadernar em conjunto, modesta mas capazmente, em jeito de miscelânia, talvez por os assuntos se relacionarem. Se D. Miguel I. Obra... (1828) está íntegra e inclui a gravura original, como acima se pode ver, já ao Exame da Constituição de D. Pedro. ...(1829) falta a imagem de D. Miguel que integrava a edição primitiva. Os dois livros custaram-me, no mês passado, 25 euros, após um desconto considerável...
O estado dos volumes (142 e 168 páginas, respectivamente) é razoável, embora estejam com manchas de água, sobretudo o primeiro livro.


O primeiro dos livros tem prefácio de José Agostinho de Macedo (1761-1831), ferrenho miguelista. A obra terá sido traduzida do francês, por João de São Boaventura, mas a sua autoria é incerta, umas vezes atribuída ao Conde de Bordigné, outras, a António Ribeiro Saraiva (1800-1890), lugar-tenente de D. Miguel, que morreu exilado em Inglaterra. O segundo livro foi escrito, ou traduzido (?), por José Pinto Cardoso de Beja e Figueiredo, natural da vila de Gouveia, e bacharel em Leis.
Separadamente, encontrei os dois livros à venda, em alfarrabistas e pela net, a preços que oscilavam entre os 35 e os 80 euros, cada um deles.
Por uma questão de curiosidade, posso referir que a segunda obra teria tido uma tiragem de 5.200 exemplares, segundo informação da Livraria Manuel Ferreira (Porto).

domingo, 5 de julho de 2020

Ideias fixas 57


Tenho extrema dificuldade, hoje em dia, em ler histórias da carochinha. Felizmente, os meus filhos já estão crescidos. E, infelizmente, a minha neta está longe.
Dei, há dias, por um autocolante, no chão da entrada do Teatro S. Luís (Lisboa), com uma reflexão sublime, que dizia: Vai ficar tudo bem. De quem terá sido este brilhante pensamento filosófico?
Do Medina, depois de vir de Meca? Da Pinta do pelouro cultural lisbonense? Do Quim Barreiros?
Tudo isto é de mais para mim, porque ultrapassa o limite da indigência mental permitida.
Já nos basta o dia a dia.

sábado, 4 de julho de 2020

Varinas



Ora, hoje, vou intrometer-me numa secção do Arpose, que não costuma ser da minha responsabilidade, a saber, as Mercearias Finas, pela simples razão de ter sido eu a trazer para casa o jornal com a embalagem da latinha em epígrafe.

Como recebi de herança familiar materna que qualquer objecto novo tem que ser apreciado e avaliado quanto antes, lá enriquecemos o nosso jantar, normalmente frugal, com um pãozinho de feitura caseira e o conteúdo da latinha acima reproduzida.

Embora acolhendo frequentemente iniciativas que visem a promoção do produto nacional, tanto pela qualidade como pela proximidade de produção, acontece que alguns lances depois se revelem fracasso pela "provincial modernice" que introduzem.

O "chefe" insitiu na introdução, pouco justificada, de canela, estragando, com esse lance, o conjunto do sabor dos peixinhos.

Esse bater de palmas a qualquer gesto das criaturas instalou-se, há tempos e bem cedo, no universo de uma população infantil e juvenil. Crescendo neste domínio pouco racional e acrítico da prestação individual, assistimos, depois, a um país de brilhantes: fazedores de versinhos promovidos a poetas, cozinheiros em lugar de chefes de impérios - frágeis à espera da salvação do contribuinte - merceeiros saltando para a categoria de empresários, CEO's e quejandos, sem esquecer outros que, pela formação académica, deviam ser mais objectivos.

Quando a família não sabe domar os rebentos, também não se peça depois aos professores conscientes que emendem tanto desmando.

Post de HMJ


Um CD por mês (15)


O meu gosto por Brahms veio antes dos 20 anos, com as Danças Húngaras, mas abrandou depois. Schumann veio muito mais tarde, mas o gosto tem-se mantido fiel e atento. Talvez até acrescido.
Quanto a executantes, se Brendel foi um coup de foudre, Gould e Richter mantive-os à distância, o primeiro pela velocidade rítmica, o segundo pela força dos dedos (excessiva?) sobre as teclas do piano. Até que falei com um pianista (desactivado, profissionalmente, por questões de saúde) que me explicou algumas coisas...


Depois, estas versões autorizadas da Philips são obra de respeito e qualidade. Este conjunto de 3 CD foi editado no ano de 1994, na Alemanha.

Citações CDXXXVII


São os discursos preparados que produzem as mentiras e dissimulações, e não tudo aquilo que se nos escapa espontaneamente.

Tennessee Williams (1911-1983), numa entrevista de 1964.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Da leitura 38


A multidão lusa leitora, evidentemente, prefere os escritores estrangeiros. Ou as estrelinhas dos jornais canónicos, para ler os badalados top-ten, muitas vezes medíocres plumitivos de curta duração, nas montras das livrarias. Eu ainda vou preferindo (até quando?) outras leituras nacionais, que muitos dirão insólitas e exóticas...
Os livros desta Biblioteca da Expansão Portuguesa (1989), superiormente dirigida por Luís de Albuquerque (1917-1992), e editados pelas Publicações Alfa, são um magnífico contributo para quem queira conhecer melhor o nosso passado. Curiosos pelas informações que dão, algumas vezes são até divertidos pela estranheza das reacções humanas dos portugueses, em contacto com outras gentes de outras terras.
Este diário de viagem ou roteiro marítimo escrito que Pêro Lopes de Sousa produziu no seu périplo pelos brasis, entre 1530 e 1532, tem as suas especificidades e o seu lado pitoresco. Partilho por aqui um pequeno extracto, para quem se interessar (os happy few) poder ficar com uma vaga ideia. Segue:

"... A gente desta terra são homens muito nervudos e grandes de rosto; são mui feios, trazem o cabelo comprido, alguns deles furam os narizes e nos buracos trazem metidos pedaços de cobre mui luzente. Todos andam cobertos com peles, dormem no campo, onde lhes anoitece, não trazem outra coisa consigo senão peles e redes para caçar. Trazem por armas um pelouro de pedra do tamanho dum falcão, e dele sai um cordel de uma braça e meia de comprido, e no cabo uma borla de penas de ema grande, e tiram com ele como com funda; e trazem umas azagaias feitas de pau e umas porras de pau, do tamanho de um côvado. Não comem outra coisa senão carne e pescado.São mui tristes, o mais do tempo choram. Quando morre algum parente a algum deles, segundo o parentesco assim cortam os dedos, por cada parente uma junta, e vi muitos velhos que não tinham senão o dedo polegar. O falar deles é do papo, como mouros. ..."  (pgs. 124/5)

quarta-feira, 1 de julho de 2020

arte menor (31)


Elegia

À beira-mar se perdem
as últimas palavras
por entre o nevoeiro
denso, a memória dos rios
inesperadamente juvenis
e o desconforto da terra
residente.

É quando a morte  faz da vida
esta ficção amarga e futura
de passos perdidos na mentira,
da ausência escura
para sempre.


Sb. 1/7/2020.


à memória de A. de A. Mattos

Adagiário CCCXI


Recentemente referido no Arpose, Os Contos do Tio Joaquim, obra de Rodrigo Paganino (1835-1863), é um vasto repositório de provérbios e anexins. Vamos registar uma pequena parte deles. Assim:

1. Quem compra e mente, na bolsa o sente.
2. Mágoas contadas, são aliviadas.
3. Cara alegre, ganha vontades.
4. No bom beirão, corpo e alma pequenos são.
5. Homem de boa lei, tem palavra como rei.