domingo, 31 de maio de 2020

Mercearias Finas 158


Nós íamos pelas sardinhas, mas a D. Leonor ainda não as tinha. Parecidos, só carapaus, que não nos apeteciam para hoje.
Só para a semana: em Junho é que começa a nossa pesca. A que tem havido é espanhola - não presta de sabor! - disse-nos com experiência a Senhora.
Na semana passada tínhamos levado um peixe-galo da banca dela, que estava bom e fresquíssimo.
Circunvaguei o olhar pelo mármore: douradas, azevias, pescadas, chocos e lulas, pregados, duas corvinas grandes, e um único goraz, que também é um peixe solitário. Raramente vai acarneirado ou em cardume, pelas águas marítimas...
O bicho era bonito e fresco, de guelras berrantes e olhos ainda bem salientes.



Ora, eu há mais de 20 anos que não ia em gorazes e HMJ nunca os provara. Fiz conversa sobre o caso, com a Dona da banca e a filha, que ao fim-de-semana, embora licenciada, vem sempre para ajudar a mãe. Fiquei a saber que, durante cerca de 10 anos, os gorazes quase desapareceram de venda (prenúncio de extinção?) e eram muito caros os poucos que apareciam. Recentemente, voltaram. Este, que me namorou, estava a 19,90 euros, o quilo, mas filei-o por escolha final apetecida.


Veio do Telmo um pimento vermelho para, com tomate e cebola, fazer a cama ao goraz, no forno, e, de fora, uma couve-flor maneirinha, em contraste de sabores. A provar, para a mesa, um branco de Pias, da colheita do ano passado, lotado por Arinto, Antão Vaz e Verdelho, com 13º comedidos, que bem exemplificou a sua nobre condição alentejana.
Como sou poupado e gosto de ser preciso, usando, normalmente, com parcimónia verbos (amar, adorar e outras fantasias de meninas pouco experimentadas e de cavalheiros serôdios) muito abusados, direi apenas que tudo estava nos conformes. E bom.

sábado, 30 de maio de 2020

Uma fotografia, de vez em quando... (141)


Por uma vez, vai anónima a fotografia que será, com certeza, de amador, mas achei-lhe graça, ingenuidade e frescura.  Nem terá havido preocupação estética de maior, por parte do fotógrafo, embora haja no conjunto (familiar?) uma certa harmonia. O instantâneo foi tirada em Portugal, talvez por esta altura do ano. Anónimos são também os figurantes e uma boa parte deles, senão todos já terão desaparecido.
Dei à foto um título simples, mas objectivo: As Pêras.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Pinacoteca Pessoal 165


Polifacetada artista (escritora, escultora e pintora), Marie Bashkirtseff (1858-1884) nasceu em território hoje ucraniano, mas cedo a família se fixou em França. A futura pintora fez a sua aprendizagem principalmente na Académie Julian, que já nessa altura permitia o ingresso de jovens alunas. Dessa escolaridade resultou uma das suas primeiras telas (acima) pintada em 1881.



Atacada pela tuberculose, faleceu com 26 anos incompletos. São-lhe reconhecidos cerca de 60 quadros, dado que muitas obras suas terão sido destruídas pelos nazis, aquando da ocupação de França, durante a II Grande Guerra.
Acima fica a imagem de um dos seus Auto-retratos, e O Encontro, pertencente ao acervo do Museu de Orsay, uma das suas últimas telas (1884).

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Caracterizações


Sempre apreciei retratos sucintos, afinados, precisos. Que reproduzissem o modelo com fidelidade. Caracterizações seguras, sugestivas e que, se fossem em palavras, até poderiam ter o seu toque surrealizante ou poético, desde que retocassem melhor a figura ou ajudassem à caricatura real.
Amigo meu, já falecido, era um retratista notável e feroz. Perguntando-lhe eu o que pensava de uma dama que, por sinal, era bem pequena, mas aparentemente muito assertiva, respondeu-me sorridente, de imediato: "É um cavaleiro!"
Há dias, no jornal Público, J. Pacheco Pereira é cirúrgico a caracterizar a índole mais íntima do nosso presente PR (a propósito do segundo mandato presidencial...). Refere ele que Marcelo é um "cínico lúdico." Quem sabe, deve saber.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Apontamento 135: Retomar e Clarificar a Retrotopia




Tendo falado no livro de Zygmunt Baumann, Retrotopia, verifica-se que os pensadores actuais não ultrapassam o diagnóstico, acrescentando pouco ou nada àquilo que as pessoas esclarecidas retêm, elas próprias, deste fim de festa. Falta-lhes, certamente, coragem para tirar as devidas lições de tantos estudos citados, como é o caso do livro em epígrafe, evitando desta forma algum desencontro com os poderes estabelecidos.

Convenhamos, voltar atrás não significa regressar aos padrões miserabilistas, de bem-estar, saúde, educação e cultura dos anos 50 ou 60 do século passado, mas saber tirar lições de uma competência básica de vida e autonomia sã de pensamento. Passar do diagnóstico ao prognóstico implicava coragem e propostas claras para nos salvar destes padrões omnipotentes e neoliberais. Significava aliviar a população desta vertigem para dependências espúrias, suportada pela comunicação social e pela publicidade, no sentido unívoco de uma vida de consumo, sem qualidade, sem sentido, sem civilidade nem sustentabilidade.


Zygmunt Baumann, 1925-2017


Resultado deste enorme desencontro mental, para não chamar estado esquizofrénico, é o que acontece, neste momento, com as companhias aéreas. Aceitam elas, com o consentimento do poder (?) político, uma injecção de capital público, indispensável à sua sobrevivência, rejeitando, de todo, uma regulação em função dos fundos recebidos. “Não haverá melhor investidor”, como diria um jornalista do DIE ZEIT, sublinhando o enorme defraudamento dos contribuintes.

Sem pretender fazer publicidade a um grupelho completamente execrável, que dá pelo nome de Ryanair, conspurcando com a sua postura rústica a imagem de uma país estimável como a Irlanda, vamos ter, com a mesma falta de coragem, uma Comissão da EU a ceder a estes “lobbies”, sancionando viagens de avião sem a obrigatoriedade de manter o devido espaço social de distanciamento (1,5 a 2,00 m), recomendado para os restantes espaços públicos.

A Retrotopia, ou uma outra racionalidade, começaria por um novo modelo, retomando a vertente intrínseca do Turismo, de cultura e civilidade, como via de conhecimento e convivência. A nobreza de viajar para conhecer nada tem a ver com as HORDAS que se preparam, nos confins dos seus tugúrios confinados, a embarcar, de qualquer maneira, rumo aos locais publicitados. Incompreensivelmente, os poderes políticos perfilam-se para acolher de novo os transeuntes indiferenciados em detrimento do valor supremo da saúde pública.

Oxalá que as pessoas, a troco de uns empregos precários e mal-pagos, não se arrependam de tanta liberalidade e de se subjugarem à publicidade enganosa.

Post de HMJ

Sociedades secretas e passagem de testemunhos


A italiana e mafiosa palavra omertá vem à colação a propósito do tema, mas não só. Ao longo da minha vida, os velhos de minha estimação e proximidade sempre me referiram o enfraquecimento da sua memória, alguns a puerilidade crescente das emoções, também a insegurança, a perda de forças e o cansaço progressivo, o balbuceio da voz e a cada vez mais difícil procura de expressão, outros o tédio do dejá vu e a repetição mesma dos grandes acontecimentos. Mais raros, me confidenciaram outras fraquezas mais íntimas, perdas de controlo, reacções infantis, incontinências...
Quando chegou a minha idade biológica de velhice, humildemente, procurei informar-me e preparar-me um pouco mais: li Cícero, Beauvoir... E todos eles eram omissos. Nenhum foi capaz de me informar,( malandros!), da fraqueza das pernas que sobrevém inexorável e fatalmente com os anos!
( Para que não me acusem de corporativismo, aqui fica o aviso aos mais novos. )

Lembrete 75


É o centenário. Passam hoje, exactamente, cem anos que nasceu o escritor Ruben A. (1920-1975).

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Eugeniana mínima (6)


Ao longo da vida, por gosto e proximidade estética, dediquei algum do meu tempo livre ao estudo da obra poética de Eugénio de Andrade (1923-2005), de que resultou a conclusão de dois pequenos trabalhos que foram publicados no DL o primeiro, em 9/11/1967, intitulado: Um Comprometimento Poético - Eugénio de Andrade, no Suplemento Literário semanal; o segundo, veio a aparecer no jornal Letras & Letras, em Agosto de 1990, com o título Pulvis et Umbra, integrado no dossiê dedicado ao Poeta.


Qualquer trabalho destes implicou muitos apontamentos ou notas prévias que haviam de vir, ou não vir a ser usados no texto final. Recentemente, encontrei uma folha minha manuscrita em que, num impresso do Exército, fui lançando citações da obra de Eugénio de Andrade referenciando três temas: Bicho e Animal, e versos em que se fazia alusão à Lua.
Conjugaram-se por ali, assim, associações poéticas, bem como marciais, porque, na altura me encontrava a cumprir o serviço militar (CHERET).
Acima, fica o testemunho.

Deixou-nos


Maria Velho da Costa nasceu em Lisboa, a 26 de Junho de 1938 e faleceu ontem, 23 de Maio de 2020, também em Lisboa.


sábado, 23 de maio de 2020

America, first!


Sempre conseguiram.
Há vários dias seguidos à frente no número dos infectados, por Covid 19.
Logo seguidos pelo Brasil, Rússia e U. K..

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Em sequência, de Ruben A., um pequeno extracto


(...) Pensão Penguim. Já estava esquecido do ambiente inglês - tive a impressão que entrava numa das pensões do Sul da Inglaterra. Só ingleses e para cúmulo só comida inglesa. Ao jantar a sopa parecia desmaiada - o peixe e a carne à rasca para se distinguirem de paladar, ambos com batatas ressequidas de acompanhamento, pouco gosto além do unto mal lavado. Os ingleses conseguem transportar para o estrangeiro o bom das suas maneiras e o mau hábito da sua comida. Desforrei-me nas laranjas. (...)

Ruben A. (1920-1975), in Páginas (VI).

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Recomendado : oitenta e cinco - JL


Há muito que o JL deixou de ser o que era. Gráfica e textualmente. Faz tempo que parei de o comprar quinzenalmente: eram sempre os mesmos suspeitos do costume, mais uns arrivistas novatos, colaboradores com mentalidade e escrita de província. E mais 2 ou 3 pseudo-eruditos que citavam, citavam muito...
Não foi por eles que comprei o JL, saído ontem. Foi pelo Rúben A. (1920-1975), que era tudo menos isso. O dossiê do jornal é-lhe dedicado, pelo centenário do nascimento. E bem.

Constatação


É triste constatar que a imensa maioria da humanidade, que chega ao meio da vida, tenha aprendido tão pouco. Google, Trump e Bolsonoro são bons exemplos extremos desta situação de nanismo. E o povão que elegeu os dois últimos bem pode ingressar na caudelaria, para sempre. Não vale a pena ter pena de não terem crescido um bocadinho mais. Pouco ia adiantar.
Amém.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Ideias Fixas 56


Para lá da saúde, que é essencial,  parece-me ser o sentido crítico imprescindível para evitarmos palermices e ter mundo suficiente para não andarmos sempre de boca aberta.
Ou como dizia uma associada e assinante do Almanaque de Sta. Zita: "Preciso de cismar". E,  entretanto,  engordava, engordava, não parava de engordar... Até que ficou míope e obesa.
Convirá não esquecer que há sempre dois tipos de miopia: a visual e a mental.
Sendo que uma é natural.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Bibliofilia 146


Nesta sua obra, A Journal of the Plague Year (1722), de Daniel Defoe (1661?-1731), vêm contabilizados 1.998 óbitos, em cerca de um ano de peste, na cidade de Londres. O livro foi um sucesso de venda e teve inúmeras reedições.
O meu exemplar é uma edição cuidada, de 1848, adornado de finas gravuras e em bom estado de conservação. Com introdução de Edward Wedlake Brayley, o volume terá pertencido a um provável cidadão irlandês, de nome J. J. O'Keeffe, que por cá andou emigrado.


Assim começa Um Diário do Ano da Peste, publicado, inicialmente, anónimo:

"Foi  por alturas do início de Setembro, 1664, que eu, bem como o resto dos meus vizinhos, ouvi dizer numa conversa banal que a Peste tinha voltado, outra vez, à Holanda; e que tinha sido muito violenta por lá, particularmente em Amesterdão e Roterdão, durante o ano de 1663, embora falassem que ela teria sido trazida, segundo uns de Itália, outros do Levante e ainda outros que teria vindo com a Armada Turca; outros afirmavam que da Cândia; outros ainda de Chipre.
Não importaria muito donde veio; mas todos concordavam que ela tinha chegado à Holanda, mais uma vez." [...]

Com encadernação original do editor, William Tegg, & Co. (Londres), em cor verde, a obra, por volta de 1980, custou-me Esc. 380$00. E creio que foi um bom preço, que o sr. Tarcísio Trindade me fez, na altura.



segunda-feira, 18 de maio de 2020

In


Hoje, o jornal vinha mascarado. Por muito horroroso que o problema seja, o sistema recicla, absorbe, recupera e põe a circular, ainda que com novas cores. Neste caso, suavizou a máscara com Piet Mondrian.
E pasme-se!, não fora a atenção gentil da dona da Tabacaria-quiosque, que me guardou um exemplar, o Público às 9h00 já estava esgotado.

domingo, 17 de maio de 2020

Divagações 159


Uma coisa temos em comum, Luis Sepúlveda (1949-2020) e eu: nascemos ambos num hotel, acidentalmente, embora em anos e países diferentes de continentes diversos.
O tempo e a luz já me permitem ler na varanda a leste. Olho para baixo e vejo mais um figurante, dos muitos que se clonam, habituais e idênticos, interminavelmente repetidos, com as características banais de: obeso, cabeça rapada, calções escuros, chanatos de plástico.
Olho para a mesa, cá em cima, e concluo que, injustamente e a meio, classifiquei de livro menor Uma História Suja, de Luis Sepúlveda, que estou quase a acabar. A obra, no entanto e só por si, vale por 2 textos soberbos: Acerca da Luz (pgs. 198 a 200) e, muito principalmente, Infância (pgs. 204 a 210).
Quem puder que os leia. Ou releia.

sábado, 16 de maio de 2020

Citações CDXXXIV


Como havemos de definir esta gente (os franceses) que passam os seus domingos a proclamarem-se republicanos e os dias da semana a adorar a Rainha de Inglaterra, que se dizem modestos, mas estão sempre a proclamar que detêm a chama da civilização [...], que guardam a França no seu coração, mas as suas fortunas no estrangeiro [...], que detestam que critiquem os seus defeitos, embora estejam continuamente a criticar os dos outros [...]

Pierre Daninos (1913-2005), in Les Carnets du major Thompson (1954).

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Mercearias Finas 157


Não sei qual o motivo que presidiu a este almoço de homenagem, em 12 de Fevereiro de 1961, ao Cardeal-patriarca Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), nem sequer o local onde teve lugar (Lourinhã?).
Mas a escolha de iguarias pareceu-me criteriosa, a começar pela Canja de Galinha - confere!
O Linguado, também, mais os Escalopes. Fiquei no entanto intrigado com a sobremesa: o que será o Braço Gitano*? Será a favor do ecumenismo? Aprove-se também o Ananás, açoriano certamente.
Só foi pena a ementa não descrever os vinhos e os espirituosos...

* Posteriormente ao poste, vim a descobrir que esta sobremesa é a canónica Torta Recheada ou, como domesticamente se chamava, na minha casa minhota de infância, o Rolo (dominical). Recheado tradicionalmente com geleia de marmelo.

Um bom almoço, a quem ainda o pratica e cozinha, em casa!

quinta-feira, 14 de maio de 2020

2 Haiku de Yosa Buson* (1716-1783)


A primavera que se afasta
hesita
por entre as cerejeiras finais.

...

Chuva de primavera -
o tanque e o ribeiro
acabam por se encontrar.



* Yosa Buson foi, simultaneamente, pintor e poeta de renome, ainda hoje reconhecido no Japão.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Estatísticas domésticas



Naturalmente, o segundo país donde nos chegam mais visitantes ao Arpose é o Brasil, que representa cerca de 8,57% do total das visitas apuradas, até hoje. Ora, daquelas(es), mais de 50%, invariavelmente, dirige-se, por esta ordem, a dois postes, simplórios, que são, talvez por isso mesmo, dos mais frequentados, no geral:

1º : Uma santa barbuda : a Santa dos Milagres, editado em 17 de Maio de 2011.
2º : "A Incerteza do poeta" de Giorgio de Chirico, de 20 de Novembro de 2011.

Se não tenho grandes dúvidas quanto ao chamariz, não intencional da minha parte, ter sido também as imagens que acompanham os postes, do ponto de vista iconográfico, por uma questão de delicadeza e discrição caridosa, calo, pelo menos, as razões que, no meu entender, motivam esta atracção avassaladora e inusitada das gentes sertanejas brasileiras...

Da leitura 37


Nem sempre percepciono e avalio, com suficiente concentração e rigor, pelo início de um livro a sua qualidade literária. Primórdio que serve de amostra e, muitas vezes, antecipa o futuro gosto de leitura, ou o seu contrário. Mas só por muito embotado das meninges e indiferente, é que passaria despercebido, a alguém, o singular princípio de Cenas Contemporâneas, de Camilo, ou a construção prodigiosa da floresta de Aquilino, nas primeiras páginas de A Casa Grande de Romarigães - creio eu. 
Pois, embora não sendo genial, não me pareceu mal o início de uma biografia de Justin Kaplan (1925-2014), que ele fez sobre o grande poeta norte-americano Walt Whitman (1819-1892). E como gostei do primeiro parágrafo, aqui o vou traduzir, para melhor o apreciarem:

Na Primavera de 1884 o poeta Walt Whitman comprou uma casa na desinteressante cidade de Camden, New Jersey, e com a idade de sessenta e cinco anos dormiu sob o seu próprio teto pela primeira vez na sua vida. ...

(excerto, para versão portuguesa, de Walt Whitman - A Life (Simon and Schuster, NY, 1980).

terça-feira, 12 de maio de 2020

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Desabafo (54)


É conhecida, e antiga, a frase que os aristocratas diziam para os criados e usavam para prevenir a chegada dos artistas aos seus palacetes de antanho, para lá ir actuar: "Guardem as pratas, que vêm aí os cómicos!"
Há por aí, agora, umas boas almas puristas e escandalizadas com as posições políticas tomadas por Regina Duarte, no Brasil. Esquecem-se, por exemplo, da leviandade ideológica de Eunice Muñoz, por cá que, de algum modo, seguiu artisticamente Zita Seabra, no seu apego à múmia de Boliqueime.
Artistas, cómicos, agentes culturais, como quase sempre viveram mal, gostam muito de lentilhas...

A sorte dos livros


Há livros que, após um sucesso retumbante, se apagam para sempre na obscuridade e no esquecimento. Não terá sido o caso de La Peste, de Albert Camus (1913-1960), que ainda é hoje um dos top-ten da Gallimard, a seguir a Le Petit Prince, de Antoine de Saint-Exupéry e de L'Étranger, do mesmo Camus.
Publicado em 1947, La Peste vendeu 22.000 exemplares na primeira semana e 100.000 até ao final desse ano. E embora a crítica literária não lhe tenha sido muito favorável, bem como o autor que o considerava um livro falhado, o público leitor excedeu as expectativas de compras, na época.
Integrada na Colecção Miniatura (nº 55), com capa de Bernardo Marques, a obra foi editada, em Portugal, em finais dos anos 50, e reeditada recentemente. E embora só obliquamente o tema se possa associar à peste bubónica ou a uma pandemia, dado que o texto é uma metáfora sobre o nazismo, a Itália e a França, países europeus mais atingidos pelo Covid-19, apressaram-se também a reimprimir  o livro...
Assim ressurgiu A Peste.

Livrinhos 28


Talvez ligeiramente crescido para o título do poste, o tamanho do livro não deixa de ser maneirinho ou, pelo menos, comedido. É uma edição portuguesa de 1984, reflectida da obra original inglesa de Kate Greenaway (1846-1901), escritora e ilustradora victoriana.
Estas simbologias desenvolvidas tiveram a sua voga em tempos remotos, mas são hoje apenas uma curiosidade obsoleta e singela que, porventura, nos faz sorrir.


Outra história


Cada imagem pode contar uma história, se lhe dermos asas para isso.
Confinada a uma marquise obscura, a criança lançou mão do estojo de fazer bolas de sabão, que estava no fim. Ainda assim conseguiu produzir três. Dessas, duas explodiram de liberdade ao atingir o ar livre. A terceira ainda voou uns cem metros, quase felizes, mas, ao cruzar-se com uma agulha de pinheiro, esta funcionou como um hipotético sabre natural que, separando a bola de sabão em duas, lhe deu morte instantânea.

sábado, 9 de maio de 2020

Memória 134


Do passado, o puzzle completa-se, quando as memórias se cruzam, havendo sobreviventes. O problema agudiza-se, no entanto, se nenhuma das testemunhas vivas recorda o acontecimento.
Aí, a única forma de comprovar a existência de um facto é encontrar um documento verídico e concreto, uma fotografia, por exemplo, que certifique o acontecido. A foto que se apresenta acima existe em França.
O acontecimento retratado ocorreu no Minho, a 6 (ou 8) de Abril de 1961. Nele estão representadas as forças vivas de um distrito (um governador civil, um presidente de câmara, um arcebispo, um arcipestre de Colegiada).
Um grupo de estudantes (14?), de capa e batina, fez a guarda de honra aos despojos ou relíquias de D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431) e ao seu montante, que peregrinaram por todo o Portugal (confirmei Penafiel, Guimarães, Bragança), nessa altura. Nenhum de 4 estudantes contactados se lembra deste acontecimento.
Ocorre-me notar que ele decorreu pouco tempo antes da invasão da ex-Índia Portuguesa e pouco depois do deflagrar do terrorismo em Angola. Especulo se a organização desta peregrinação não se deveu a uma parceria Estado Novo e Igreja, no sentido de despertar o patriotismo das gentes de Portugal, para a longa guerra colonial que aí vinha?...

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Apontamento 134: 8.5.1945



Berlim, Maio de 1945

Como portadora, ainda, de relatos de experiências vividas, cujas vozes se vão calando progressivamente, desejo apenas que a memória sirva para evitar desastres semelhantes.

Cabe aos vivos intensificar a vigilância e manter a defesa democrática dos supremos valores da Humanidade perante movimentações encapotadas de pretensos salvadores da pátria.

Post de HMJ

quinta-feira, 7 de maio de 2020

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Quase nocturno


Já sobra pouca luz ao dia e há 4 andorinhas, em voo frenético, que se apressam para algures a sul. Duas gruas esqueléticas e nuas param-me em frente à janela, como dinossáurios metálicos, inúteis. Palmela ainda se não acendeu de almenaras, mas o silêncio ameno e inesperado desta rua, no coração de Lisboa,  aumentou consideravelmente desde a quarentena.
Ó almas insensíveis e palermas!, por que não contabilizar, a favor, os grandes benefícios do confinamento, a começar pela ausência saudável dos turistas low-cost de alpergatas e calções havaianos, pelas ruas alfacinhas?!

Citações CDXXXIII


A Europa tornar-se-á naquilo que é na realidade, isto é: um pequeno cabo do continente asiático.

Paul Valéry (1871-1945), in Variété.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Apontamento 134: Fontes para o Estudo da Língua


Ora, quando as efemérides servem para a divulgação de fontes, estudos e publicações interessantes, cá estamos nós, leitores, a apreciar e agradecer a iniciativa.

O presente trabalho de juntar o mais relevante, e de acesso digital, para o estudo da Língua, demonstra como o trabalho de pesquisa de uma Biblioteca Nacional é importante e indispensável. Um investigador individual levaria, certamente, muito mais tempo a reunir toda esta panóplia de informação. 

Se a lista da "Colecção Digital" foi trabalho de confinamento, apenas posso dizer: bem dito o tempo aproveitado para nos ajudar a consultar as obras do acervo da Biblioteca Nacional.

Post de HMJ

Zbigniew Preisner - Lacrimosa, em sequência



Um encore, no Arpose, com envoi para MR.

Um CD por Mês (13)



Para quem é apenas um mero amador e não um conhedor esclarecido da matéria, torna-se difícil classificar, muitas vezes, um compositor na categoria de clássico, quanto à musica que faz, ou apenas  situá-lo como um mero autor de música ligeira. Nas bandas sonoras de muitos filmes, o problema francamente é acrescido. E se não tenho dúvidas quanto à extrema qualidade da música de Nino Rota, que enriqueceu grande parte da filmografia de Fellini, arriscaria também a classificar o polaco Zbigniew Preisner (1955) como um clássico, pela sua colaboração musical nos filmes de Krzysztof Kieslowski (1941-1996).


Seja como for, o triplo CD que me ofereceram, aqui há uns bons anos atrás , encheu-me de alegria quando o recebi, e ouvi-o inúmeras vezes, depois. Até porque eu tinha gostado imenso da trilogia Cores do realizador polaco Kieslowski, e não menos da banda sonora dos 3 filmes.
E se esta temática do Arpose foi inicialmente pensada, por mim, para ser preenchida por leves apontamentos pessoais e gravações de música erudita, não tenho o menor escrúpulo em incluir as obras musicais lindíssimas de Preisner, no CD deste mês de Maio de 2020, pela sua alta qualidade - na minha modesta opinião...
O registo dos 3 CD foi feito em Varsóvia (Studio S4), em 2003.


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Pérolas e corais


Por aí, pela grande net democrática e inclusiva, deparam-se-nos verdadeiras preciosidades, capazes de ombrear, senão ultrapassar as grandes prosas do hugo mãezinha, entre outros. Ora repare-se nesta colagem (justaposição) de 2 comentários que li (e aqui acasalei), feitos por diferentes criaturas, a propósito de um poste sobre o Dia da Mãe (que, coitada, não merecia isto, ainda que sem vírgulas...):
" Amei Obrigado pela partilha! Correram-me as lágrimas..."
E andam por aí tantos artistas irreconhecíveis a malbaratar os seus talentos!

domingo, 3 de maio de 2020

Afortunadamente


Às vezes, considero um milagre feliz que, por entre tanta gente ilustre e a multidão de celebridades fátuas, ao longo dos tempos, muitas delas hoje totalmente esquecidas ou já quase sem qualquer significado ou importância, algumas ruas lisboetas tenham mantido (Deus os conserve!) a beleza e o lirismo simples toponímico de alguns nomes, como, por exemplo: a rua do Alecrim, a travessa da Água Flor ou a rua da Rosa.
Muito mais do que os homens, a Natureza parece ser eterna. Até ver...

De Antonio Gamoneda, em versão portuguesa


Paisage


Vi
montes sem uma única flor,
lápides rubras, vilas
ermas
e a sombra que desce. Mas ferve
a luz nos espinheiros. Não
compreendo. Só vejo
beleza.
            E desconfio.



Antonio Gamoneda (1931), in Blues Castellano.

sábado, 2 de maio de 2020

Uma fotografia, de vez em quando... (140)


Morreu há poucos dias (17/4/2020) este talentoso fotógrafo francês, cujas obras, justificada ou injustificadamente, me lembram quase sempre as telas de Magritte. Gilbert Garcin (1929-2020) começou contudo já tarde a fotografar, em finais do século passado, e disse que o fez por temer a monotonia e o tédio que poderia sobrevir com a sua reforma. Na sua obra e títulos surpreendemos, algumas vezes, uma nota de bom humor.


Creio que esta primeira fotografia, acima, intitulada Le charme de l'au-delà, teve um primeiro prémio, em 1995, nos Rencontres d'Arles e é daquelas que mais associo a René Magritte. Grande parte dos protagonistas da sua obra são Garcin e a esposa. E a quase totalidade das suas fotos são colagens ou fotomontagens, de algum modo, com um forte pendor surrealista. À segunda foto, acima, deu o artista o título de Ruptura...
Por curiosidade, posso informar que Gilbert Garcin esteve em Braga, em 1998, participando nos Encontros de Imagem.




sexta-feira, 1 de maio de 2020

Da varanda a Sul...


... é assim.
E as frésias são amarelas.

Reacções


Têm sido muito diversas as reacções dos meus próximos ao estado de sítio destes tempos mais recentes, desde a resignação ponderada à impaciência frenética, da acédia à quase depressão, do realismo positivo ao pessimismo doentio, quando não, tolo. Depois, há também umas damas piedosas que se apegam com santas e santos de sua estimação. Uma coisa é comum a muita gente: o rearrumar da casa, onde os livros se incluem. Premonitoriamente, parece, eu comecei a fazê-lo ainda em Janeiro, no dealbar do presente ano.
Ontem, dizia-me um bom amigo, que já me vem da infância, que vai estando um pouco farto até porque lhe falta a adrelina, mas também nos rimos, ao telefone, de algumas situações caricatas acontecidas por aí. E, hoje, de um vídeo que me mandaram, Ana Vasconcelos, curadora da Gulbenkian, cita o pintor David Hockney (1937) que, da Normandia onde reside, de momento, teria dito: Temos que continuar a trabalhar porque, lembrem-se, não se pode cancelar a Primavera.
Ora, este parece-me ser um bom lema adequado ao tempo, em vez de perdermos as estribeiras...

Adagiário CCCX



A comida depois de passar a goela, o estômago que se entenda com ela.