sábado, 31 de agosto de 2019

Divagações 152


O tema do renovo é recorrente, em poesia, desde a Antiguidade clássica, mas teve uma particular importância sobretudo no Renascimento (... e tudo o mais renova, isto é sem cura. Sá de Miranda). Hoje, o nosso tempo-consciência mantém algumas referências de luz e sombra, juventude e velhice que se pautam pelas estações, mas também por várias dicotomias, como por exemplo: férias e trabalho, prazer e obrigações.
Setembro marca, para muitos, o final do lazer (férias) e o recomeço da rotina laboral. E, se para mim,  em tempos de extrema juventude, era o mês do campo (Briteiros) que se seguia ao Agosto da praia ( Póvoa), a diminuição da luz, no dia, a transformação do verde no castanho ou dourado da natureza, anunciavam-me também o fim da aventura ou, pelo menos, a proximidade (Outubro = Outono) de um tempo de responsabilidade (Escola) inexorável.
Com os anos, porém, essas diocotomias simples foram adquirindo novos contornos e significado, talvez mais amplo:

Vai sendo tempo de largares o verão
soltá-lo no caminho mais estreito
à boca do outono ou numa praia
onde já não passe mais ninguém.

O real dos factos encarrega-se de fazer implodir a fantasia. A esperança tem de ir para outras coisas, como disse um poeta inglês, avisadamente. Mas é bom que vamos em boa companhia. Ao menos.



Para A. de A. M., amigo de muitos anos, e por variadíssimas razões, afectuosamente. 

Filatelia CXXXII


Estas publicações dos CTT portugueses, como a da imagem, que começaram a ser editadas a partir de finais do século XX - inicialmente com o conjunto anual dos selos emitidos, expostos em livro - exemplificam a deriva de um serviço público que se foi transformando numa exploração comercial, sobretudo visando extorquir dinheiro aos filatelistas ingénuos e incautos através de múltiplas variações e artimanhas (Carteiras, Blocos, FDC, livros...), em cada nova emissão.


Foi devido a essa flagrante constatação de oportunismo comercial que eu parei de comprar selos novos portugueses para coleccionar, a partir de 1983. As tiragens desmesuradas, muito superiores ao que seria de esperar e necessário, também pesaram nessa minha decisão ponderada de desinteresse.
O excesso de oferta até na Alemanha se fazia sentir, em vários Flohmarkt (Feira da Ladra), onde estes livros chegavam a aparecer à venda, novos, a preços muito inferiores ao preço inicial cobrado pelos CTT nas suas estações. Podiam adquirir-se (Bona, Colónia, Düsseldorf...), normalmente, entre 10 a 15 euros.
E, agora, imagino que a saturação atingiu também o mercado e território nacional. Porque, há dias, comprei este exemplar por apenas 2,50 euros, preço muito abaixo do valor facial dos selos nele constantes.
Não há dúvida que os Correios portugueses conseguiram matar a galinha dos ovos de ouro, por ganância e estupidez natural...

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Últimas aquisições (17)


Publicação prestigiada, mostra-se em imagem a capa do primeiro fascículo (6) da segunda série de Cadernos de Poesia, editado em Lisboa no ano de 1951, sob a égide de Jorge de Sena, José-Augusto França, José Blanc de Portugal e Ruy Cinatti. O primeiro colabora neste número com 3 poemas de 1948 e 1951.


A primeira série dos Cadernos de Poesia, compreendeu 5 fascículos e foi publicada entre 1940 e 1942, inserindo poemas e artigos dos mais importantes poetas, escritores e ensaístas portugueses da época. Aquando da saída deste fascículo nº 6, todos os anteriores se encontravam esgotados.


Por curiosidade, anote-se que o preço de cada fascículo era de Esc. 5$00, como se pode ver na contracapa. Evidentemente que este fascículo, que adquiri recentemente, usado, foi mais caro. Mas, dada a sua raridade, creio que teve um preço justo, no meu alfarrabista de referência.


Nota pessoal: creio poder afirmar, com segurança, que esta Ode não foi recuperada por Jorge de Sena, posteriormente, para a sua Obra. Não consta, pelo menos, de "Poesia - 1" (Morais, Lisboa, 1961). O que permitirá concluir, talvez, que o Poeta a considerava um poema menor.

Citações CDXIV


Para trair, é preciso primeiro pertencer (to belong). E eu nunca pertenci.

Kim Philby (1912-1988), ao Sunday Times (17/12/1967).




Regionalismos dos Arguinas (1)


Há pessoas que, pelo seu amor à terra, se dedicam a tentar perpetuar os usos e costumes da sua zona. Terá sido o caso de Francisco Correia das Neves (1929-2017) que, licenciado em Direito por Coimbra, terá nascido em Oliveira do Hospital e dedicou à sua região algumas obras, na área da etnografia, temática para que tinha acentuada vocação natural.
Por outro lado, é sabido que algumas profissões específicas, pelo seu labor próprio, criam um linguajar profissional, muitas vezes castiço, que as defende dos intrusos, lhes permite uma certa intimidade grupal e até lhes dá uma certa liberdade de expressão relativamente aos patrões, sobretudo àqueles que não pertencem à arte e ao ofício.


Será o caso dos pedreiros das freguesias de Santa Ovaia e Nogueira do Cravo, de Oliveira do Hospital, conhecidos por Arguinas, que criaram uma série de regionalismos locais em que se entendiam e que F. Correia das Neves resolveu registar e editar (1958) num pequeno opúsculo de 11 páginas a que deu o título de Os Verbos dos Arguinas, livrinho de cuidada impressão.


É desta pequena obra que iremos seleccionar, paulatinamente, alguns termos mais curiosos ou interessantes e dá-los a conhecer aqui no Blogue, como se segue:

1. Arguina (argalo ou argau) - pedreiro.
2. Alparrote - ladrão.
3. Alpista - arroz.
4. Ardina - aguardente.
5. Atismar - escutar, ouvir, perceber.
6. Bandarra ou respigo - relógio.
7. Baio (beiorte ou chusmo) - vinho.
8. Bocha - pedreira.
9. Bofo - velho ou idoso.
10. Buxa (ou mangista) - empreiteiro, mestre.

A H. N., que me ofereceu o livrinho, os maiores agradecimentos.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Impromptu (46)


Quem não foi convidado para a boda, tinha ao menos o direito à notícia do acto consumado.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

É de Almanaque


Para os "incautos" cibernautas mais um aviso sobre a seriedade da Wikipédia. Aqui fica para memória futura.


ADSE
Descrição
O Instituto de Proteção e Assistência na Doença é um organismo autónomo da Administração do Estado com dupla tutela nos Ministério das Finanças e Ministério da Saúde de Portugal, que ...Wikipédia
Fundação1 de janeiro de 2017
Criação1963

Post de HMJ

Desabafo (48)


Não referir um nome não significa, evidentemente, que a pessoa, o tema ou o objecto não existam. Nem vale a pena, de forma insensata, espetar-lhes agulhas ou pregos como ainda alguns africanos fazem com os medievais e toscos manipansos. Mas a net abunda nisso.
E fico pasmado com o tempo que perdem, esses internautas de meia tijela, a falar dos ogres deste mundo, a indignar-se com causas pindéricas por motivos politicamente correctos, num coro e cacofonia infantil de quem não tem mais nada que fazer.
Eu próprio, embora de forma abstracta, às vezes, também peco, infelizmente - que me perdoem!

1454


A data-título, acima, marca o ano do primeiro livro impresso no mundo - a Bíblia de Gutenberg.
Produzido em Mogúncia (Mainz - Alemanha), é conhecido, dos especialistas e bibliófilos, pela sigla B42 por a mancha tipográfica conter, em cada página, 42 linhas impressas.
A Taschen editou, recentemente, uma edição fac-similada do precioso volume, ao preço de 100 euros. Saíu também, há pouco, da autoria de Eric Marshall White, um volumoso estudo (465 páginas) sobre a história desse primeiro livro impresso da nossa civilização, com o título Editio Princeps.
Nele se referem várias curiosidades sobre a obra que terá tido uma tiragem inicial de 180 exemplares, dos quais, completos, estão referenciados e localizados 49 "sobreviventes". O ano de 1978 é considerado o annus mirabilis da Bíblia de Gutenberg, porque nessa data foram à praça, em leilão, 3 exemplares do livro, dois dos quais foram adquiridos por bibliotecas alemãs.
O preço máximo atingido pela obra foi de 5,39 milhões de dólares, em 1987. O lance final pertenceu à  universidade Keio de Tóquio que, provavelmente, é a única instituição oriental a possuir uma edição original da famosa Bíblia de Gutenberg.

Nota pessoal: consegui introduzir a imagem no poste, mas através de outro computador e de Lisboa. Será que o boiocote do inefável e marcano Google se destina só à região outrabandista?

Ineficácia e caprichos marcanos - aviso à navegação


Por sua alta recreação, desde ontem, o Google deixou de permitir incluir imagens nos postes do Arpose. Não será caso único, pois, pelo menos, um outro Blogue, hoje, se queixa do mesmo. Assim vai o mundo que está sob o império marcano...
Ineficiência, mau serviço e birras de uma empresa que parece seguir, por contágio, o destrambelhamento mental que norteia o ogre que preside aos destinos do seu país. Deus bless América!, mai-los seus desmandos infantis e desordenados.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Brahms / Oistrakh / Kondrashin



Definitivamente, um triplo e redundante clássico...

Arquivo morto


Nem todas as histórias infantis são para crianças. Lembro-me de, em tenros anos, ter lido algumas que me deixaram uma desagradável impressão. Creio que uma delas tinha por título A Princesa dos sapatos de ferro, ou qualquer coisa assim parecida... Não me lembro, porém, do nome do autor. Mas recordo que o conto tinha ilustrações de Augusto Gomes.
Este pequeno trecho de Ilse Losa (1913-2006) foi mandado para o extinto JL&L, em 1989, através do meu amigo A. de A. M., acompanhado de um post-it, a ele endereçado, como se pode ver na imagem. Não sei se chegou a ser publicado, ou se está inédito, mas também me parece que é uma história para adultos e menos para crianças.



com agradecimentos a A. de A. M..

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Osmose 108


A contemplação do movimento sempre me descansou e atraiu o olhar. É por isso que gosto de ver o mar ou observar a deslocação das nuvens no azul. E me cansa o percurso prolongado do verde, ao longo de uma floresta densa e sem vento. É evidente que tenho de levar em conta, objectivamente, a forma de como reajo às cores.
Ontem, por volta das 19h00, o céu e as nuvens apresentavam-se assim (fotografia acima), no meu horizonte da varanda a leste, em tom quase lilás. Cerca das 20h30, ao sumir-se a luz, as nuvens estavam já brancas e eram suavemente, arrastadas pelo vento para norte. Trovejou depois por três vezes e choveu. E o céu, com a lua minguante, estava de novo límpido, cerca da meia-noite.
Que me venha alguém explicar a Natureza e decifrar a razão mais íntima das nuvens. Agradeço.

Em prol da cultura alfacinha


No Bairro Popular

Embora apoucada, o Costa do Castelo e a Júlia Florista nunca deixaram de amar com alegria a sua filha, conhecida no bairro popular como a Maluquinha de Arroios. 

Pedro Monteiro (1969), in Galáxia de Berlindes (pg. 67).

Mercearias Finas 149


De conservador que sou, de vez em quando, dou-me a inovações para "desmanchar a regra" (A. de A. M.) e destruir o tédio ou o fastio, se existirem. De sobremesas, que me lembre, já vou em três criações originais, mas não registei patente.
Até tarde na vida, sempre pensei que a tríade marmelada (de fabrico caseiro), queijo flamengo (dos Açores, de preferência) e banana (das pequeninas da Madeira, se for possível) era uma sobremesa, por tradição, doméstica e banal, até que a vi constar de ementas de pensões e restaurantes modestos, sobretudo do Norte.
Em casa, e no Inverno, fui subindo a parada. O flamengo passou a Castelões, primeiro. Depois, havendo desafogo e matéria prima, deu lugar a Queijo da Serra - um luxo!
De há 2 ou 3 anos a esta parte, criei uma nova combinação, eliminando a banana porém: marmelada e queijo Roquefort. E não é que funciona - e bem - talvez pelo contraste?!
Para acompanhar, sugiro um branco Terras do Sado ou Regional Lisboa, lotados com Arinto e Fernão Pires, tirando a garrafa do frigorífico 1 hora antes, para estar simplesmente fresco.
Um bom almoço de Domingo - são os meus votos.

Voltando a Simenon


A fidelidade, no seu sentido mais lato, é também uma virtude da atenção que, por sua vez, é um dos suportes mais sensíveis da amizade. Pelo menos, para quem assim o entenda e pratique.
Vem isto a propósito de eu, ao folhear um livro de Georges Simenon (1913-1989), recentemente, ter pensado que o leio desde o princípio da adolescência e continuo fiel à ideia de o considerar um dos 3 grandes romancistas policiais. E não só.


Este Novembre (1969), considerado um dos seus roman dur, teve mais duas edições (1983 e 2011), pelo menos. O meu exemplar, em imagem, é da edição original da Presses de la Cité e encontra-se em muito boas condições, apesar de conservar a marca de posse manuscrita da anterior proprietária, que o terá comprado em Bruxelas, no mês de Setembro de 1978, muito provavelmente também já usado. Mas os donos estimaram bem o volume, que conserva ainda a sobrecapa em bom estado.


Diz-se que Simenon escrevia os seus Maigret em menos de uma semana e poucas emendas lhes fazia. Os roman durs eram porém um longo exercício, rodeado de alguns rituais austeros. Com algumas correcções no final. E um emagrecimento acentuado do seu peso normal, ao finalizar o livro.
Por curiosidade, reproduzo o verso das folhas de guarda final e da pasta posterior, que a edição original ostenta, notando-se 9 breves emendas manuscritas introduzidas, no texto escrito à máquina.

sábado, 24 de agosto de 2019

Para acompanhar alguns breves minutos de um Aniversário



Não sei se gostará, Maria Franco, e também não sei se conhece esta canção.
Mas é talvez, das muitas Lied de Schubert, aquela de que eu mais gosto. E cujo título se poderia  traduzir por "À beira da água a cantar". Numa interpretação de Elisabeth Schwarzkopf, que considero das melhores que eu conheço.
Aqui vai, em qualquer dos casos, com os melhores votos de um bom Aniversário.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Da leitura (31)


Do TLS (nº 6072), e em versão despreocupada de Verão, vamos traduzir o início do artigo Pipe Dreams, de Abigail Green. Segue:

É um facto peculiar da vida inglesa que algumas das marcas mais intimamente ligadas ao fabrico da cultura nacional tenham começado com o negócio de uma família judaica. Marks & Spencer vem à cabeça da lista, hoje, seguida de muito perto pela Tesco. A geração anterior deve lembrar-se da Gestetner, cujas máquinas duplicadoras homónimas abundavam nos escritórios ingleses, tendo até dado origem a um verbo da cultura corrente. Ou talvez ainda se lembrem das casas de chá Lyons...

Pensar ao lado


Creio que há um tempo em que começamos a perder a validade.
Em que as coisas que enfrenesiam meio mundo nos parecem supérfluas, ligeiras e balofas.
Em que o nosso grupo de consenso cada vez se torna mais pequeno, frágil, quase secreto ou clandestino.
É quando um ponto de admiração se nos torna, muitas vezes, um excesso obsoleto. Quando, à exposição permanente, preferimos uma discrição quase monástica e recatada.
Se a juventude é a idade das certezas, a madurez da velhice (adjectivaria saudável) vem acompanhada de um tempo povoado de dúvidas infinitas. E de incertezas.
Há que rematar que, entre ortodoxia e heterodoxia, escolher uma terceira via nem sempre me parece sintoma de cobardia nem de neutralidade diplomática, mas apenas uma forma modesta e legítima de pensarmos pela nossa própria cabeça, por entre as estridências maniqueísticas das grandes maiorias.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Destinos


Deve ser bem complicado, para um ser humano, estar privado de exercer a sua actividade artística, durante mais de um terço da sua existência. Mas foi o que aconteceu ao pianista britânico Solomon Cutner (1902-1988) durante os últimos 32 anos da sua existência. Em 1956, ficou paralizado do lado direito e nunca mais voltou a gravar ou exibir-se em público.
Criança prodígio, a linhagem na Música importa sempre e muito. Solomon fez a sua aprendizagem musical com Mathilde Verne que, por sua vez, foi discípula de Clara Schumann. E não é por acaso que o grande pianista é conhecido apenas pelo seu primeiro nome - Solomon. Como Stravinsky ou Karajan são nomeados, normalmente, só pelos seus apelidos.
Considerado um dos grandes intérpretes de Beethoven, Schumann e Chopin, o pianista inglês está hoje, infelizmente, muito esquecido.
É por isso que hoje o venho lembrar.


A hemiplegia que o imobilizou em 1956 interrompeu a gravação que Solomon estava a fazer de uma integral das Sonatas de Beethoven, para a EMI Classics, que ficou incompleta, portanto. E é justo confessar também que, no meio da minha ignorância musical, foi também Solomon que me ajudou a gostar e apreciar a obra de Chopin. E que Brendel ajudou a reforçar com os seus argumentos sólidos e explicativos e muito claros para a minha relativa ignorância.


quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Uso pessoal 15


Embora não seja esquisito nos utensílios de escrita, há coisas e matérias em que uso, exclusivamente, caneta de tinta permanente para as expressar no papel branco. Será talvez uma bizantinice tradicional e desusada, mas é também uma forma de dar uma importância especial a alguns conteúdos. Criar-lhes um ritual apropriado e conveniente.
Noutros casos do quotidiano, não faço questão de usar cargas e embalagens de blister, que abundam nas grandes superfícies, para encher outros dos meus apetrechos de escrita. Para fazer o sudoku e as palavras cruzadas não me importo sequer de usar uma banal esferográfica. O lápis já muito raramente o uso para o que quer que seja. Feitios...
Pois ontem, ao encher a minha caneta de tinta permanente, constatei que o meu tinteiro Parker estava quase no fim. Fiquei preocupado, embora não tanto quanto alguns automobilistas com a greve do passarão e seus acólitos, aqui há dias.
Hoje, pus-me em campo. Primeiro, nas grandes superfícies: nada!, só cargas e recargas em blisters. Depois na Staples, o mesmo. Até havia umas meninas que não sabiam o que era um tinteiro de tinta permanente... embora tivessem umas longuíssimas unhas de gel (para tocar guitarra?). Na minha tabacaria-quiosque quotidiano, o Ricardo penalizou-se por ter vendido o último tinteiro, há muito, e como não havia procura, não se reabasteceream.
Resta-me um loja na esquina do Rossio e a Papelaria Fernandes, como últimas soluções possíveis.
E, se tiverem, prometo, para me prevenir, que, desta vez, vou atestar o depósito!

Pinacoteca Pessoal 154


Creio que terá sido o historiador de arte britânico Kenneth Clark (1903-1983) quem, em 1936, a propósito de uma exposição de pintura surrealista, designou para essa escola alguns precursores. Referindo, para o efeito, entre outros, os nomes de Bosch, Giovanni di Paolo e Agostino Veneziano. Bem como de Goya.


Se Agostino Veneziano (c. 1490-c. 1540) é conhecido sobretudo pela sua extensa obra de gravador, provavelmente, foi pela sua gravura Lo Stregozzo, ou The Carcass como a nomearam os ingleses, pertencente ao acervo do British Museum, que Clark se inspirou e fundamentou para a sua tese.


Quanto a Giovanni di Paolo (1403-1482), pintor italiano, quero crer que o Salvamento de um náufrago por S. Nicolau de Tolentino poderia ter sido um dos quadros que Kenneth Clark tinha em mente para fazer a sua polémica afirmação.
No domínio da Arte, tudo são meras hipóteses e nenhum artista está isento de dívidas. Quero eu dizer: de influências.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Bibliofilia 179 (em jeito policial...)


É uma primeira edição talvez de um livro menor de Graham Greene (1904-1991), volume a que falta o que os ingleses chamam a dust jacket (sobrecapa) original. A obra Nineteen Stories, com 232 páginas, foi publicada, em 1947, pela William Heineman Ltd. (London - Toronto). Custou-me usada, há cerca de 2/3 anos, apenas 5 euros e vi na net ofertas do mesmo livro que iam de 8,5 a 35 euros. Mas o meu exemplar está muito manuseado e a lombada encontra-se parcialmente descolada do lombo da pasta. Daí, o preço.


Alguns sinais e o estado, porém, parecem sugerir um percurso acidentado e, pelo menos, algo curioso deste volume. Sei que pertenceu, antes de mim, a uma pessoa ainda viva e conhecida que se desfez de parte da sua biblioteca, provavelmente, por questões de espaço. Essa personagem terá recebido o livro de uma familiar, de nome Diana (mãe?), que lhe apôs, manuscrito, o nome e a data, bem como o local: Lisbon, 1991. Que eventualmente o recebeu de presente de uma tal Aunt Ba, no Natal de 47, conforme dedicatória.
Ou terá havido alguém pelo meio? Talvez.


Finalmente, no verso interior da contracapa há um misterioso carimbo ostentando os dizeres: The Bookin Book Club, Kensington W. B. Terá o livro sido desviado, subrepticiamente?
Nesse caso, e como diria um detective: cherchez la femme...

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Instantâneo


A meio da tarde, passa-me pelos olhos um poema antigo (2001) de Eugénio de Andrade, a mim que agora ando a ler, paulatinamente, Fernando Echevarría (Via Analítica).
A diferença de vozes é flagrante, mas ambos falam da água. Este último sobretudo do mar, Eugénio de uma bica, que vai perlando, como os seus últimos anos.
Em qualquer dos casos, é de grande poesia que se trata e que nos vai faltando, nos dias que correm, como da bica o fiozinho de água, que já só pinga escassamente. E de que Eugénio falava.

Um poeta à margem


Já aqui falei dele algumas vezes. Até porque os poetas nem sempre são seres angelicais...
Nascido na Baía (Brasil) em 1633, Gregório de Matos veio a falecer em Pernambuco, no ano de 1696. Andou por Coimbra, onde se formou em Leis e começou a poetar de forma desbragada. Regressou ao Brasil, montando banca de advogado, mas não foi muito bem sucedido no negócio de causídico. Temiam-lhe talvez a língua viperina e daí o alcunharem de Boca do Inferno.
Por razões ignoradas foi deportado para Angola, por onde (Luanda) andava "boémio, quase louco, sujo, mal vestido... de viola ao lado, tocando lundus e descantando poesias obscenas...", segundo um contemporâneo, que o conhecia.
O folheto, que dá corpo às imagens, tornou-se raro, embora tenha tido uma tiragem de 1.000 exemplares, em Novembro de 1982. É o número 15 da colecção & etc / contramargem e tem uma nota introdutória de Aníbal Fernandes.
Na altura, o livrinho (32 páginas) custou-me Esc. 100$00.


domingo, 18 de agosto de 2019

Curiosidades 76


S. Miguel de Seide não seria um sítio ilustre e elegante para morrer, pelo menos, até Camilo o ter escolhido. Enquanto Veneza sempre foi mais chique ou mesmo Paris (Neuilly), onde Eça acabou os seus dias. Mas Genebra (Suiça) e as margens do Lago Léman recolheram os últimos suspiros de tantas celebridades, que bem mereciam estar no Guinness.
Atente-se nos nomes de escritores e personalidades que por lá faleceram: Rilke, Stefan George, Joyce, Musil, Thomas Mann, Chaplin, Ignazio Silone, Erich Maria Remarque, Irwin Shaw, Borges, Simenon, Graham Greene, Elias Canetti, Nabokov...E, se calhar, ainda faltam alguns que, por coincidência ou fuga aos impostos, ali vieram a exalar os seus últimos suspiros, mais suavemente. 

sábado, 17 de agosto de 2019

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Osmose 108


Até nos vários graus da diplomacia se podem encontrar diferenças abissais. Na sua prática, pelo menos. Mas é preciso dar por elas e, para isso, é necessário ter algum sentido crítico: pesar o português da escrita, o tipo de humor e motivos abordados, o sentido de mundo que revelam. Até talvez as imagens que utilizam, para estabelecer uma hierarquia de qualidade e de gosto estético.
É com alguma regularidade que frequento 2 blogues da aristocracia diplomática, já aposentada. De ambos colho proveito. Quer do hebdomadário Retrovisor, quer do quotidiano Duas ou três coisas... Têm perspectivas e mundos diferentes. E, naturalmente, não se podem meter no mesmo saco das Necessidades.
Diplomaticamente: até pela diferença de idades...

Citações CDXIII


A História ensina, mas não tem alunos.

Ingeborg Bachmann (1926-1973), in Malina (1971).

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Mercearias Finas 148


Não vem à colação o excurso pelo almoço, que foram costeletinhas de borrego, bem apaladadas, com esparregado e batatas fritas, acompanhadas por um Chardonnay estreme e francês. Mas porque, ao arrumar uns livros, me deparei, meio escondido, com este maneirinho (12 por 17 cm.) Caderno do Refeitório, editado em 1983, pela Barca Nova Editor e com notas de Luís Filipe Coelho.


A obrinha, com 106 páginas e ilustrações de Luís Ruas, reproduz um livro publicado, em 1887, por António Macedo Mengo e dado à estampa por David Corazzi, em Lisboa, que, por sua vez, salvava da obscuridade e esquecimento, um manuscrito conventual do século XVIII (1743?).
Para imagens e traslado, escolhi matéria prima de que gosto, particularmente.



Muito embora a época da Lampreia já tenha passado - Fevereiro e Março é o seu tempo certo - e as Perdizes, com sabor silvestre e autêntico, só lá para Outubro, com a abertura da caça, é que comecem a apetecer, regadas por um tinto com uns anitos e à maneira.

Desatinado



Vistos à distância, os anos 50 do século passado parecem estar cheios de uniformidade e de melodias harmoniosas, de vozes cálidas muito alinhadinhas, de muito sossego romântico - The Platters, Belafonte, Nat King Cole, até Sinatra... Mas que, entretanto, Elvis Presley veio interromper, estridente, e The Beattles continuaram de forma genial, para sempre (?).
Mas havia algumas raras excepções à ordem estabelecida. Esta canção (1961) de Pat Boone (1934) foge já um pouco à regra de continuidade. Talvez para sublinhar uns desenhos animados, ou porque sim...

terça-feira, 13 de agosto de 2019

De uma miscelânea manuscrita da B. G. U. C.


Não sendo normalmente de grande qualidade, sobra a uma boa parte da poesia portuguesa dos séculos XVII e XVIII uma certa irreverência, humor, fresca licenciosidade e até uma libertina ausência de preconceitos para tratar os mais insólitos assuntos. Nalguns aspectos a liberdade de expressão aproxima-se da dos cancioneiros medievais, em particular das cantigas de escárnio e maldizer.
Das horas proveitosas que passei na BGUC, consultei 3 ou 4 miscelâneas manuscritas do século XVIII. Tomei apontamentos, fiz algumas transcrições, embora muitas caligrafias sejam de difícil decifração. Em suma, pessoalmente, ocupei bem o tempo. E sorri, algumas vezes, do que li. Da miscelânea nº 1639 (pg. 45), intitulada "Collecção/ De/ Peças Poéticas/ De Bom Gôsto", com marca de posse manuscrita em nome de Miguel Justino de Araújo Gomes Álvares, vou transcrever (sic), de um autor anónimo, um soneto brejeiro e engraçado:

Senhor Doutor, que tem esta rapariga
Que não é como dantes? Tanto andeja,
Cóspe, vomita, mil coisas deseja,
Cresce-lhe o panno, incha-lhe a barriga:

Parou-lhe de repente a copia antiga
Do sangue, que por baixo se despeja;
Faz diligencia que ninguém a veja
Até se esconde da mayor amiga:

Será isto porventura do Demonio
Algum ardil, alguma trapalhada?
Se assim é vou leva-la a Santo Antonio.

«Não, Senhor, a Menina não tem nada,
Quiz effeitos provar do Matrimonio,
Para não estranhar sendo casada.» *


* apesar de imperfeito, creio que o soneto estava inédito.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Letras e imagens


Neste segundo episódio televisivo, ontem (11/8/2019), Hastings também não apareceu, mas ele consta, vindo da América, no policial de Agatha Christie. Nem o inspector Japp, substituído que foi pelo convencido Crome, também ele da Scotland Yard. Não é por isso literal e fiel esta adaptação de Sarah Phelps, do policial The A.B.C. Murders, para a Fox Crime. E não é que estou a habituar-me ao Poirot de Malkovich? Embora continue a pensar que o Poirot-Finney era melhor. O detective belga, nesta série, é um ser mais solitário.
Todos nos lembrámos das pequeninas zangas entre Agustina e Manoel de Oliveira, pelas infidelidades cometidas pelo realizador ao adaptar os romances da escritora  ao cinema. E será que Fitzgerald e Faulkner foram fiéis, quando andaram por Hollywood? Duvido. Assim, desculpemos a Sarah Phelps ter metido, na série televisiva, coisas da sua lavra. Como popularmente se diz: Quem conta um conto, acrescenta um ponto. É humano, e assim até parece história nova, esta, para quem a vê e já tinha lido o romance policial.
Por afecto às origens, e enquanto espero pelo terceiro e último episódio, no próximo Domingo, fui buscar à estante o número 167 da Vampiro (Os Crimes do ABC), para reconstituir a verdade ficcional que Agatha Christie imaginou em 1936. E que Sarah Phelps re-criou, agora, para a televisão.
Já  agora louve-se, na banda sonora, a breve entrada de Schubert (Trio op. 100). Copiada de Kubrick?
(Conhecem? Está por aqui [Arpose] a 3/1/2017. É uma peça musical lindíssima!)

domingo, 11 de agosto de 2019

Uma fotografia, de vez em quando... (130)


A obra fotográfica de Annie Leibovitz (1949) está repleta de retratos de celebridades. Norte-americana de ascendência judaica, a fotógrafa fez a sua aprendizagem profissional no San Francisco Art Institute, vindo a integrar, mais tarde, os quadros directivos da revista Rolling Stone e colaborou também na Vanity Fair. Foi companheira da escritora e activista Susan Sontag (1933-2004), até à sua morte.



As suas fotos nem sempre foram ortodoxas, nem pacíficas. Em 1975, acompanhou a tournée do grupo Rolling Stones tendo recolhido uma importante série de instantâneos que a documentam. Das suas fotografias mais polémicas e conhecidas, mas também mais originais e interessantes, destaco as do casal John Lennon e Yoko Ono, em 1981, e a de Demi Moore, grávida, que fez capa na Vanity Fair (1991) e que provocou desencontradas reacções. 
Mas que veio a originar uma série de epígonos, repetitivos e pouco imaginativos, de 2ª e 3ª ordem, depois, em vários países, até mesmo em Portugal...



sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Coreografias literárias

"... Uma noite, no Vikings, comi frango com airelas enquanto uma orquestra tocava a melodia em voga: Pagan love song. Sabia que o festim não me houvera maravilhado se não fosse excepcional. A própria modéstia de meus recursos servia a minha felicidade. ..."

Simone de Beauvoir (1908-1986), in pg. 14 de La force de l'âge (1960).




Comentário: quero crer que a canção homónima, que encantou Simone de Beauvoir, tenha sido menos kitsch do que esta coreografia do filme de Robert Alton (1906-1957), com o mesmo título, em que entrava Esther Williams (1921-2015) que, normalmente, representava a nadar...



Últimas aquisições (16)


Nem sempre acertámos nas compras. E isso acontece com muitas coisas, até com livros. A obra de João Gaspar Simões (1903-1987), de 1941, A Unha Quebrada é um conjunto de novelas fraquinhas e muito datadas na sua inocência romanesca - juvenil, em suma. Tem no entanto uma curiosa capa de Roberto Araújo. Comprei-a por engano e por coscuvilhice nobre julgando tratar-se da efabulação da ruptura de Isabel da Nóbrega (1925) com o também crítico literário do DN que, afinal só vem a ser tratada, como tema de base e desforço, por Gaspar Simões, em As Mãos e as Luvas, de 1975. Fui assim punido pelo destino e bisbilhotice... A desatenção cronológica fez o resto.
Apesar da tradução ser brasileira, foi compensadora, entretanto, a compra de Na Força da Idade (1961), em 2 volumes,  usados, de Simone de Beauvoir (1908-1986). Com o que dei pelos 3 livros pouco mais poderia comprar do que um maço de cigarros. No conjunto, acabou por valer a pena a aquisição conjunta.