quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Ideias fixas 11


Eu creio que já o disse por aqui: leio com algum atraso o miolo pulp fiction do jornal Expresso. Um bom amigo poupa-me aos miriagramas de lixo anunciante ou inútil que o acompanham. E não faz mal esse atraso de dias com que folheio o caderno principal e a revista que me chegam às mãos. O que lá vem, normalmente, já veio repisado noutros jornais, ou online.
Porque, tirando as crónicas divertidas e delirantes de Ana Cristina Leonardo e as bem informadas e humoradas colunas de Manuel S. Fonseca, o resto, para além do sermão dominical (embora ao sábado) e outras bugigangas, são meras ordens de serviço, muito bem compostinhas, e mera rotina entediante de escreventes núbeis ou serôdios, sem qualquer interesse de maior.
Politicamente correcto, ao pormenor, quem diria que o Expresso já foi um jornal de referência?!

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O polvo, as lulas e os choquinhos


"... A escala da sua supremacia é notável, o Google controla mais de 90% do tráfego dos motores de busca na Europa e 88% na América; o Youtube, detido pela Alphabet, é o maior difusor de música no mundo; a Amazon recolhe mais do que metade dos dólares gastos online; o Facebook, tendo absorvido os competidores, tais como o Instagram e o WhatsApp, detém 77% de todo o tráfego de redes sociais, e recentemente alcançou 2 biliões de membros. Com a Apple e a Microsoft, estas são agora as 5 maiores companhias no mundo. (...) Em conjunto, elas gastam em lobbies governamentais mais do que os 5 maiores bancos ou as 5 maiores companhias petrolíferas. ..."

Samuel Earle, in TLS (November 17 2017).

Considerandos e consolação


Todos os anos, por esta altura, o TLS dedica algumas páginas a depoimentos de críticos, escritores, ensaístas e tradutores, de reconhecido mérito, para que se pronunciem sobre os melhores livros que saíram ou que eles leram durante o ano, e que consideram de maior interesse ou qualidade. Cumprindo a tradição, o penúltimo TLS (nº 5981) recolheu testemunhos de 63 personalidades muito diversas, ligadas às Letras.
E todos os anos, com alguma curiosidade, eu procuro descobrir minuciosamente se há algum nome português. É raro. E este ano não foge à regra. Indirectamente, no entanto, é referido um livro que também aborda o colonialismo português (Europe after Empire: Descolonization, society; and culture), entre outros (inglês, francês, belga e holandês) colonialismos.
O livro mais referido, pelos depoentes, é A Legacy of Spies, de John Le Carré, que eu li em tradução portuguesa e não me entusiasmou por aí além. Por outro lado, há inúmeras referências a livros do passado e autores já falecidos, como se houvesse uma fuga para trás, por desilusão com o que se publicou recentemente. Joseph Conrad, Evelyn Waugh, e até o Memorial de Santa Elena, de Las Casas, passando por Machado de Assis e Antonio Machado, merecem pareceres elogiosos, no TLS.
E, no meio disto tudo, para colmatar a lacuna portuguesa, eis que me aparece a imagem de uma obra de Joana de Vasconcelos, numa das últimas páginas do TLS!? Rejubilei. Embora fosse apenas para iconografar uma recensão a um livro que aborda o problema da religião, na Irlanda. Mesmo assim...

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Do que fui lendo por aí... 15


O que torna difícil para um poeta não dizer mentiras é que, em poesia, todos os factos e todas as crenças deixam de ser verdadeiros ou falsos para se transformarem em interessantes possibilidades. O leitor não é obrigado a partilhar as crenças expressas num poema de forma a fruí-lo. Sabendo isto, um poeta é constantemente tentado a fazer uso de uma ideia ou crença, não porque acredite que ela é verdadeira, mas porque ele vê que ela traz consigo interessantes possibilidades poéticas.

W. H. Auden, no prefácio a The Dyer's Hand (pg. 18).

René Char (1907-1988)


Quem não terá sonhado, ao vaguear pela avenida das cidades que, em vez de começar pela palavra, tudo tivesse início pelas intenções?
...
O exercício da vida, alguns combates com desfecho insolúvel mas por motivos válidos, ensinaram-me a olhar o ser humano sob um ângulo de céu cujo azul de tempestade acaba por lhe ser o mais favorável.


René Char (1907-1988), in Lettera amorosa (pgs. 30 e 38).


estas versões são, particularmente, para H. N. que, há muito, me ofereceu este lindíssimo livro.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Desabafo (30)


Dizia-me, há que tempos, um bom amigo, com sapiência e ironia, que era uma sorte um artista canastrão chegar a ser muito velho, a propósito de um ex-actor (mediocre) de teatro que inundava as telenovelas dos canais portugueses, nessa altura. E acrescentava, com bonomia: "É que a gente habitua-se..."
Porque todos temos um prazo de validade, útil e digno. Prolongá-lo e alargá-lo, em excesso, é sinónimo de cupidez ou estultícia. Mas compreendo que o vil metal fale mais alto, sobretudo em mentes que vão degenerando e perderam, de todo, o frescor e originalidade da sua juventude.
E as luzes da ribalta sempre fascinaram. Quando não cegam...

Pinacoteca Pessoal 131


Pintor de entardeceres, ou melhor, de anoiteceres brumosos e paisagens de largos horizontes, o inglês Atkinson Grimshaw (1836-1893) privilegiava nos seus quadros a proximidade dos cais, ruas nevoentas e ribeirinhas, nimbadas por uma luz crepuscular que instala, em muitas das suas obras, uma sugestão de melancolia outonal.



Tendo iniciado a sua vida profissional como mero funcionário dos Caminhos de Ferro britânicos, na esteira tradicional do pai, cedo contrariou o seu progenitor, pela forte vocação que o arrastava para a Pintura, a que veio a dedicar-se, inteiramente, até à morte.



Influenciado, a princípio, pelos Pré-rafaelitas, de pronto ganhou voz própria e estilo marcante, em tema e cores, facilmente detectáveis nas suas telas muito originais. Como poderá notar-se pela primeira imagem do quadro (Cais de Liverpool), que pertence à Tate Gallery.



Algumas das suas paisagens parecem pressagiar, embora em tom mais discreto, algumas obras recentes de Hockney. O perfeccionismo da obra de Atkinson Grimshaw despertou a admiração de Van Gogh, que a ele se referiu na correspondência ao seu irmão Theo.

domingo, 26 de novembro de 2017

Em sequência legítima...

... embora desinquietante, talvez, para esta manhã de Domingo silenciosa e calma, soalheira...

Memórias da velha e pérfida Álbion


Em 1985, era Setembro, na modulação final da minha cristalização de gosto musical - reduto que, escassamente, foi perturbado depois -, em Queensway (Londres), havia ainda uma loja de discos, fulgurante. E eu já tinha ido para além de The Beatles, e procurava as últimas gravações de Tina Turner. O meu filho mais velho andava, então pelos Kraftwerk, muito naturalmente nessa décalage salutar de gerações. Quando lá entrámos, cada um se ocupou, na altura, das "bem querias" de que falava o bom velho Sá...
Acontece que, caída ou roubada, uma nota de 20 libras saíu, sem querer, de uma das nossas algibeiras diminuindo-nos o património familiar. Foi aí que, para restabelecer o equilíbrio das finanças, mais tarde em Greenwich, eu entrei numa agência bancária para trocar escudos portugueses por libras inglesas. Em abono da verdade, essa dependência bancária tinha ainda todo o ar pomposo e respeitável da época victoriana. Mas para ser justo, foram muito mais rápidos na operação de câmbios do que, em Portugal, para trocar as divisas, antes de eu iniciar a viagem para a Inglaterra.
Imagine-se o inimaginável:  uma atmosfera, qualquer coisa comparável por entre Charles Dickens e o Speedy Gonzalez...

sábado, 25 de novembro de 2017

Nomes e apelidos


Um apelido, normalmente, cuida-se, cultiva-se e conserva-se. Está muitas vezes colado à pele. Um nome pode ganhar outra liberdade, mas revela também um ADN. E um gosto paterno, normalmente, que a mãe na altura do registo ainda está de cama, quase sempre. Pode indiciar um afecto, cultura, uma tradição familiar, um amor antigo sibilino e secreto. Mas pode vir a ser um anátema, no futuro da criancinha.
E também pode revelar um incrível mau gosto. Não me passaria pela cabeça registar, uma filha que tivesse tido, com o nome de Leonete. Ou Vanessa, a tal vanessinha de que fala o António Variações na sua canção dirigida à Maria Albertina. E isto, porque mesmo tendo-se nascido em Vila Verde, podemos ter sentido crítico e do ridículo, bem como algum mundo mental, para além das telenovelas do costume.

Citações CCCXXXI


Nenhum escritor pode julgar, em bom rigor, se um seu trabalho é bom ou mau, mas ele pode vir a saber, não imediatamente talvez, e dentro de pouco tempo, se algo do que escreveu é autêntico - no seu íntimo - ou falso.
...
A mais penosa de todas as experiências para um poeta é descobrir que um poema seu, que ele sabe que é falso, agradou ao público e até foi incluído em antologias. Porque, apesar de saber e pensar, que o poema pode ser razoavelmente bom, não é essa a questão; é que ele não o devia ter escrito.


W. H. Auden, in The Dyer's Hand (pg. 17).

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Memória (118)


Não dei, por entre tanto noticiário habitualmente inútil entremeado de minudências domésticas e regionais, por que se falasse, a 9 de Novembro, da passagem do cinquentenário da morte do grande tenor português Tomás Alcaide (1901-1967) que, mesmo lá fora, grangeou respeito e admiração.
Venho aqui reparar a omissão, quinze dias passados, arquivando no Arpose, uma sua interpretação de uma ária da ópera "Os Pescadores de Pérolas", de Georges Bizet. 
(Embora a gravação do vídeo não seja das melhores.)

Apontamento 108: Afinal, são os países do Sul a dar lições

[Tempo das conversas a sós ...]

Com medo de novas eleições e, sobretudo, esta incerteza quanto a um novo governo alemão que aliás, e também ao contrário dos “pigs”, costuma levar bastante tempo para se concretizar. Deve ser um mal de um centrão: Alemanha, Bélgica e Holanda formam um novo governo quando os cidadãos já se esqueceram das eleições.
No entanto, desta vez e depois do falhanço das negociações para uma coligação um pouco estranha, lá estão os alemães preocupadíssimos, como se vê pela informação da estação televisiva de referência, a Tagesschau:
“In Spanien hat sie jahrelang funktioniert, in Portugal arbeitet sie erfolgreich, und in Skandinavien ist sie quasi politischer Alltag: die Minderheitsregierung. Wie funktioniert sie und wäre eine solche Konstellation auch für Deutschland denkbar?”
Von Oliver Bilger für tagesschau.de

Em síntese, diz o senhor Bilger que, afinal, Portugal até “TRABALHA COM MUITO ÊXITO” numa solução de governo minoritário. Quem diria ??? Um país do Sul a dar lições à “grande” Alemanha.

Fico contente com esta abertura de espírito. É uma lufada de ar fresco !

Post de HMJ

As palavras do dia (32)


"... E o Google ensina-nos que a democracia digital se baseia em filtros e algoritmos que permitem deduzir a opinião da maioria e empurrar para zonas invisíveis o que é minoritário. ..."

António Guerreiro, in O monstro cibernético (jornal Público, de 24/11/2017).


Comentário pessoal: ao Poder interessa sobretudo padronizar, para melhor arrebanhar os carneirinhos.

Desconversando


A produtividade do trabalho intelectual raramente compensa, nem a boa vontade, de cujas intenções está o inferno cheio. Deus, no entanto, transformou o nada em tudo, durante apenas uma semana (depois de ter criado o tempo finito?), num recorde de produção divina, impaciente.  Ou, talvez, num desespero de solidão metafísica. Compreensível, aliás, para um sem-familia.
Depois, descansou eternamente, ao que parece.
E vai-se vendo, sobretudo, após o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim - tudo tem aquecido imenso. E a chuva, caprichosa, faz negaças, continuamente. É o diabo! - como dizia o outro.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Para a cabeça


Por entre o cartaz e o bilhete-postal utilizável, duas formas de publicitar coberturas para a cabeça: o boné e o chapéu. Serão de anos próximos, muito embora a imagem do cartaz francês, na sua simplicidade essencial, denuncie a estética do traço profissional de quem o fez. É mais modesto, de ambição, o reclamo do chapéu português (que agrega ainda publicidade a uma marca de calçado), não deixando de ser curioso e definir uma época, que se deverá situar por entre os anos 30 e 40 do século passado.


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Música

Este segundo movimento da Suite BWV 1068, de Bach, quase toca aquilo que imagino ser o sublime. Tudo depende dos intérpretes. Creio que os Voice of Music cumprem, pelo menos, bem.
Aqui fica (pela segunda vez, no Arpose), no Dia Internacional da Música.

Afinidades


Estas fotografias da norueguesa Hebe Robinson (1970) pertencem a um ciclo sobre Lofoten (Echoes of Lofoten), pequena área isolada da Noruega. A artista sobrepôs, sobre paisagens desertas e naturais da região, pequenas fotos de personagens humanas de há mais de 60 anos. Gostei muito do resultado obtido. 
Mas uma destas fotografias (a primeira) tem, por trás, uma explicação, de como eu cheguei até ela.
A única maneira de aderirmos por inteiro a uma ideia é concebermo-la nós próprios. O mesmo poderá acontecer com um cozinhado, a que demos um pequeno toque pessoal de gosto: nas omoletas, costumo ripar em tiras duas ou três folhas de hortelã, por exemplo...
Quem quiser, também, um blogue a seu modo, tem de o fazer. Não quero dizer com isto que eu não tenha afinidades com os blogues que acompanho. Mas nem sempre estou com eles, de alma e coração, inteiramente. Com alguns, estou mesmo muito próximo. Mas são poucos. Razões de sentido crítico, tom, enquadramento da estética iconográfica, temas tratados, excesso de imagens em prejuízo de texto num neo-riquismo visual desabusado, às vezes, me separam.
Ora, de há uns dias a esta parte, o Arpose tem recebido um(a) visitante que lhe chega por via de um outro blogue que segue o nosso. Por curiosidade, fui lá, a esse blogue, e as afinidades eram muitas e próximas, excepto  talvez nas escolhas musicais - questões geracionais, provavelmente... Mas em quase tudo o resto, havia sintonia: em poesia (António Reis, por exemplo), em prosa (citações do Desgraça, de Coetzee), a leitura referenciada do TLS, o sentido crítico da ficção escrita do(a) autor(a), o bom gosto estético geral desse blogue que, infelizmente, foi de curta duração, mas de grande qualidade e coerência. Não lhe vou referir o nome por discrição. Mas reproduzo essa tal fotografia de Hebe Robinson, que lá descobri, ao cimo deste poste.
Acrescentando uma segunda foto que, essa sim, fui eu a escolher. 
In memoriam de um(a) Blogger anónimo(a) e desconhecido(a).


terça-feira, 21 de novembro de 2017

Atrás de grades...


Não passará despercebida, a quem passar pela rua de S. José (Lisboa), um árvore insólita engaiolada numa estrutura metálica. É um dragoeiro, planta tão ou mais velha que as figueiras e oliveiras, na história do mundo, mas muito mais rara em Portugal. Mercê de umas obras de Santa Engrácia, que se eternizam nessa rua, a árvore foi protegida para lhes sobreviver (?), entretanto, e enjaulada.



Num dos seus passeios lisboetas, HMJ colheu este instantâneo pitoresco da base de uma grande árvore, no Jardim de Santos. As raízes, à superfície, lembram répteis fossilizados pela sua imponência e gigantismo. E graças à perspectiva das grades do jardim também parecem ter sido enjaulados.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Mais um Fado

Este fado, algo insólito e heterodoxo pelo tema, com letra de Gabriel de Oliveira sob mote e versos de Augusto Gil (1873-1929) e música de Frederico de Brito, dá pelo nome de Maria Madalena. É, de algum modo, o contraponto lisboeta do Samaritana, fado de Coimbra (com letra de Álvaro Cabral) que, até 1974, estava proscrito das serenatas públicas na cidade do Mondego. Só se podia ouvir no recato das Repúblicas conimbricenses - onde a Censura não entrava - como de facto o ouvi por duas vezes, pelo menos. Por ser um dos meus poucos fados-fetiche, arquivei-o no Arpose, em poste de 12 de Agosto de 2010.
É tempo, no meu entender, de dar voz a Lucília do Carmo (1919-1998), nesta belíssima interpretação de Maria Madalena, incluindo-a no Blogue.

domingo, 19 de novembro de 2017

V. A.


Vale bem a pena acompanhar, mesmo que à distância, as novas produções que as Porcelanas Vista Alegre vão criando, engenhosamente, ao longo do tempo. As suas montras, ao Chiado, são sempre um motivo de alegria, júbilo e prazer estético para o olhar - mesmo que não entremos para comprar. Marca nacional de prestígio, mesmo além fronteiras, criada em 1824, está prestes a completar o seu bicentenário.



Este encarte, de que reproduzo algumas imagens, não é já muito recente. Mas este Veado Vermelho, com uma produção de apenas 190 exemplares, é um fino exemplo da qualidade dos produtos da Vista Alegre.
Acresce a particularidade de eu só há poucos anos ter sabido que as presas dos veados caíam e se renovavam, de tempos a tempos. Renovo e re-criação de que também as Porcelanas Vista Alegre são um magnífico exemplo.


"Presunção e água benta, cada um toma a que quer"


Em abono da sua qualidade artística, embora com uma ponta de ironia, em 1977, o actor norte-americano Joseph Cotten (1905-1994) afirmava:
"Orson Welles considera Citizen Kane como o seu melhor filme, Alfred Hitchcock opta por Shadow of a Doubt e Sir Carol Reed escolhe The Third Man - e eu estou em todos eles."


sábado, 18 de novembro de 2017

Do que fui lendo por aí... 14


O aprendiz de versinhos martelou o seu poema e atramancou-o o melhor que sabia e podia: juntou tábuas e imagens, polvilhou-o de sugestões levemente picantes, que ele achou sensuais, mas que eram pobrinhas, apenas, e ingénuas; e colocou-o no seu blogue (agregado às centenas que lá tinha), junto com uma gravura de mau gosto de um vulto soltando um pássaro bisnau, em fundo escuro...
Depois, vieram dezasseis comentadeiras, mais um comentador, e todos eles acrescentaram, de comentário emotivo, uma pretensa metáfora - é certo que cada vez mais pobres - com mensagens salvíficas de esperança ou máximas supinas de intenção moralizadora, em forma de versinhos em prosa, foleiros. Glosaram até à exaustão possível os versinhos e mandaram beijinhos repenicados de ternura, no final.
Silencioso, e satisfeito, o aprendiz de versinhos recostou-se na cadeira e começou a ser feliz.


Nota pessoal : desculpem-me a maldade, porque hoje é sábado...

Revivalismo Ligeiro CCLXXIV

Um sucesso dos anos 30 italianos, interpretado por Carlo Buti (1902-1962), que eu  me fartei de ouvir nos anos 50/60, e que Pavarotti ainda interpretou nos anos 90, com agrado do público, em Nova Iorque.
Mas que bela voz tinha Carlo Buti!...

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Divagações 127


Era Harold Bloom que falava da angústia da influência, querendo dizer que nenhum artista se pode libertar, inteiramente, da herança de outros, por muito original e inovador que seja. E a afirmação tanto poderá servir para escritores, poetas, como para escultores e pintores. Mesmo para outros artífices de profissão mais modesta.
O tema insólito e anódino de uma carcaça de animal abatido, para consumo, que, aparentemente, não apresenta nem desperta grandes sentimentos estéticos, foi usado por dois pintores, muito diferentes, com um intervalo de quase 300 anos. Rembrandt (1606-1666) pintou o quadro (carcaça de bovino) entre 1640 e 1645; a tela de Soutine (1893-1943) foi executada (neste caso, a carcaça de um cavalo) em 1925.


Uma fotografia, de vez em quando... (95)


Era uma vez, assim... antes do Sol nascer, aí pelas 6h45, em Lisboa.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Recomendado : setenta e dois - Óscar Lopes


Lançada no mês passado de Outubro, em homenagem a Óscar Lopes (1917-2013), pela passagem do centenário do seu nascimento, esta fotobiografia (Óscar Lopes - retrato de rosto), orientada por Manuela Espírito Santo, sob o patrocínio da Câmara de Matosinhos, é um documento precioso. Não só pela copiosa iconografia, mas também pela correspondência de e para Óscar Lopes, reproduzida. E pelos testemunhos muito diversos e importantes, aí inseridos.

agradecimentos fraternos a A. de A. M..

arte menor (27)


Propósito


Reentrar na quietude da paisagem,
moldura serena do verde e das casas
que desistiram da viagem
e abandonaram as aves ao seu curso
de aventura irregular pelo infinito.



Sb., 29/10 - Ch., 15/11/2017

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Bibliofilia 158


Eram de grande apuro gráfico e muito bom gosto estético, as publicações da Editorial Inova (Porto), que se iam editando sob a batuta engenhosa de Cruz Santos. A colaboração de Pintores e bons Gráficos era constante, dando uma garantia de qualidade aos livros que a Inova foi publicando. Também os colaboradores literários asseguravam um contributo importante. A orientação artística era de Armando Alves.



Esta colecção Indícios de Oiro era  dirigida, do ponto de vista literário, pelo poeta Egito Gonçalves. O terceiro número da série foi dedicado a Eugénio de Andrade (1923-2005). Era uma edição bilingue, com os poemas traduzidos por Carlo Vittorio Cattaneo para a língua italiana. Os desenhos ficaram a cargo de Angelo de Sousa, em boa hora. E a obra publicou-se em Setembro de 1974.



O meu exemplar, assinado, é o nº 165 (como se pode ver pela terceira imagem do poste), dos apenas 310, que foram publicados. Apesar de ter sido comprada usada, a obra está como nova.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Lembrete 60


Nem sempre as decisões são fáceis. Mas esta, de José de Guimarães (1939), parece-me, pragmaticamente, corajosa e feliz. Hoje, institucionalmente concretizada, pelas 18h00, na BNP.


Retratos (18)


Há pessoas e coisas que, com o tempo, perdem a sua carga evocativa e se desvalorizam. Outras que se robustecem por força das comparações que vamos fazendo, verificando o quanto lhes são inferiores as que, depois, viemos a conhecer. Casos em que até passam a ser o modelo da exemplaridade de uma função determinada, para nós.
Ao longo da minha vida, assisti a vários leilões, sobretudo de livros, e com maior intensidade entre 1976 e o dobrar do século. Hoje, são residuais as minhas presenças nestes acontecimentos mundanos.
Se o espaço onde decorre um leilão é importante, a qualidade do leiloeiro (pregoeiro) é fundamental. A voz, bem timbrada e clara, é um requisito imprescindível, antes de mais. Mas também uma grande capacidade de atenção que permita, ao leiloeiro, atender ao mais leve sinal de lance, que algum cliente, por mais tímido ou discreto, faça. E discernir, na quase simultaneidade eventual de lances, qual terá sido o primeiro a fazê-lo. Finalmente, a autoridade e presença para dirimir conflitos suscitados entre licitadores agressivos.
De tudo isto era possuidor, na mais alta craveira, o sr. David Pedro, que deixei de ver, há muito, nos leilões que se faziam em Lisboa. Embora baixo de altura, tinha autoridade com elegância, voz claríssima e bem articulada, e uma urbanidade a toda a prova, mesmo em situações muito conflituosas. Um exemplo perfeito pelo seu profissionalismo. Único, tanto quanto me lembro. Além disso, tinha uma boa memória: raramente se esquecia do nome de um cliente habitual nos leilões a que presidia.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Citações CCCXXX


O Comércio liga toda a humanidade numa fraternidade comum de mútua dependência e interesses.

James A. Garfield (1831-1881).

domingo, 12 de novembro de 2017

Iconografia moderna e laica (26)


"E disse (Jesus) aos que vendiam pombas: «Tirai isso daqui!
 Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio.»"

João, 2, 13-25






Comentário pessoal: para lá da histeria desmedida, originada, sobretudo, em algumas redes sociais infantis e nalguns blogues mais desmiolados de virgens ofendidas, creio que valerá a pena ver este episódio com alguma frieza e aduzir as razões a montante que o permitiram: o despacho do Secretário de Estado da Cultura (Barreto Xavier) - numa altura em que o anterior Governo queria pôr tudo em patacos; a jusante, a figura eminente e insensata da Administração Pública que autorizou o ágape, no local. E talvez seja útil lembrar que o uso do Panteão Nacional, não foi inédito, para este fim. Ainda há cerca de um mês (16 de Outubro de 2017) a NAV (Navegação Aérea de Portugal) usou o espaço para os mesmos efeitos de restauração...
Por que razão essas virgens ofendidas do costume, nessa altura, não se teriam queixado e escandalizado?

Lembranças de Londres (por entre Filatelia e Arte)


Faço, quase sempre, uma boa, embora demorada, digestão feliz das viagens que empreendo. Ainda que viajar me seja cada vez mais desagradável, pelo desconforto físico e mental das partidas e chegadas, das malas a carregar e dos processos burocráticos que lhes estão associados. Mas também pelo balbuciar inepto e inicial das primeiras frases gaguejantes em língua estrangeira, quando vou para fora de Portugal.



O dia (17/10/17), razoável para um Sol londrino, intermitente, não estava, de modo nenhum destinado à Arte, porque o tinha previsto para vir a ser consagrado a prosaicos assuntos de Filatelia. Dois números de rua, na Strand, me ocupavam o espírito: o nº. 399 (da Stanley Gibbons) e o 99, que ainda devia albergar o Stamps Centre, onde, em 1976, eu tinha comprado, afortunadamente, a um comerciante de origem polaca, um belíssimo lote de selos clássicos portugueses, por 50 libras. Mas, e como diz o povo, "o homem põe e Deus dispõe."



Saí na estação de Embankment e, atravessando uma rua transversal, dirigi-me para a Strand, paralela. O número 399 foi fácil de encontrar. Lá comprei o último Stanley Gibbons Stamp Monthly, com um interessante estudo sobre as emissões de selos do reinado de Jorge VI, e saí à procura do número 99, que sempre pensei ser no mesmo lado da rua, por também ser número ímpar, como acontece em Portugal. Não era, era quase em frente, mas só o vim a descobrir muito mais tarde, depois de passar pelo retrato do português Helder Macedo, no meio de vários outros professores ilustres, em fotografia de corpo inteiro, nas vitrines do King's College, e de ter visitado uma maravilhosa exposição na Somerset House.



Mas vamos por partes. Depois de calcorrear a Strand até ao fim, desenganado de encontrar o Stamps Centre, na volta, pelo outro lado da rua, por mero e feliz acaso deparei-me com um anúncio discreto, no passeio, a informar sobre uma exposição de pintura subordinada ao tema promissor de Da Renascença ao Impressionismo, na Courtauld Gallery que, integrada na Somerset House, ocupava seis salas, com pinturas esplêndidas de grande qualidade, e que iam de Cranach a Monet, passando por Gauguin e Van Gogh.



Tenho de confessar que nunca, em tão breve espaço de instalações, eu vi reunidas tantas obras-primas. O Adão e Eva, de Cranach, que iniciava a mostra, embora numa tábua pequena, era de uma perfeição admirável. Nunca também pensei lá encontrar  uma das versões de Os Jogadores de Cartas, de Cézanne, e, muito menos, uma variante primeira (?) de Le Déjeuner sur l'Herbe, de Manet, aparentemente inacabada e ainda algo incipiente. Mais O Balcão, de Renoir, um auto-retrato de Van Gogh e vários Degas. Só o quadro de Cranach, deixou-me fascinado, em frente dele, por uns bons cinco minutos de alumbramento e prazer...



Mas o que mais me surpreendeu, na verdade, foi uma escultura magnífica de Gauguin, para além do Nevermore, cuja obra eu pensava ser apenas constituída por pintura. O artista terá feito, em mármore, apenas duas esculturas. Uma do filho, Emil, e outra da esposa dinamarquesa, Mette. Foi esta última, de 1877, e única, que eu pude admirar na Courtauld Gallery, da Somerset House. Há um aspecto muito curioso no olhar da mulher. Normalmente - creio - na maioria dos rostos esculpidos, o olhar inclina-se para baixo ou está, no plinto que o suporta, à altura do olhar do observador visitante. No rosto de Mette, porém, o olhar dirige-se para cima, numa ascese que Gauguin quis, talvez, sugerir.




Só por esta escultura de Paul Gauguin valeria a pena eu ter entrado na Courtauld Gallery, da Strand, nessa manhã de  17 de Outubro de 2017, em Londres.

Comecei a tarde, já passava muito do meio-dia, a almoçar uma dose generosa de Fish and Chips, numa esplanada da Queensway. Que o Sol tinha aberto, esplendoroso, numa solidariedade alegre de beleza...

sábado, 11 de novembro de 2017

Variações sobre um tema de Händel

Das pequenas composições de música clássica, sou particularmente sensível a algumas peças de Bach, Pachelbel, Liszt, Schubert. E à Sarabanda, de Händel, que Kubrick utilizou no filme Barry Lyndon, ajustadamente. E que até já consta, em vídeo, no Arpose.
O que eu não conhecia eram estas 13 variações, em guitarra antiga, executadas, com primor, por Peter Blanchette (1958-2015), que considero uma pequena obra-prima. Pois aqui ficam. Em dia festivo de aniversário do nosso Blogue.

8 anos : um balanço


Há quem leve o seu blogue a sério, quem o leve a brincar. Quem lhe ponha exigência e quem  se balde, de forma ligeira, divertida ou, às vezes, infantil.  Eu lembro-me quase sempre de Ricardo Reis: "...põe quanto és no mínimo que fazes." E, às vezes, é quase um castigo para lançar mais um poste no Arpose. Mas já lá vão mais de 9.500 postes, nestes 8 anos de exercício, até agora consistente. Como dizia Machado : o caminho faz-se andando. Não hipoteco nem comprometo o futuro por estados de alma momentâneos, nem por restrições à minha liberdade. Até porque as compensações de uma exposição pessoal, em visitas e comentários retributivos são pouco mais do que exíguas. Mas também mal vai quem, sendo minimamente generoso nas partilhas, espera gratificantes recompensas.
Já vi muita gente desistir, no decurso destes 8 anos. Dos 11 blogues que acompanho, vários se apagaram e outros são bissextos, presentemente, ou asseguram uma presença activa meramente residual, que parece prognosticar a morte absoluta a médio prazo. (Entretanto, vou seguindo mais 5 blogues, de forma livre e descomprometida - por não os ter inscritos - para compensar o vazio deixado...) Pragmaticamente, também não quero omitir a realidade crua dos números: o Arpose, que já teve uma média de 360 visitas, tem hoje pouco mais de 70 visitantes diários, dos quais apenas 11 ou 12 são presenças fiéis e constantes, todos os dias. Assim seja! Porque a vida também é isso - uma espécie de ilha com mais melancolia do que júbilos e com mais ligeireza do que fidelidade.
E talvez a conquista maior, mais sábia e difícil de qualquer ser humano seja mesmo a modéstia do silêncio, como matriz suprema da Criação ou, em termos para-científicos, do momento antes do Big Bang inicial. Creio que ainda não estou preparado para isso. Assim, há que celebrar este 8º aniversário do Arpose, mas com singeleza.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Apontamento 108: RECLAM - 150 Anos de uma editora alemã de referência




Por motivos que não vêm ao caso, tenho andado a reler livros que me orientaram e formaram numa determinada época. No meio deste “reviver”, encontrei a informação sobre os 150 anos da editora alemã RECLAM com os seus livrinhos baratos, amarelos a partir de uma dada altura, como se pode ver pela imagem acima.

O primeiro volume publicado, em 1867, era, quase obviamente, o Fausto, de J.W. von Goethe. A actividade editorial, que neste momento abarca 3500 títulos, abrangia o que se podia chamar um “cânone literário” ao gosto do leitor. Da Antiguidade Clássica à literatura moderna, mas também obras de Filosofia, História, Arte e Música, os alunos de liceu, como eu, forneciam-se do essencial para a leitura escolar e, pela facilidade de acesso físico e económico, andávamos a “cheirar” um pouco de tudo. Ou por sugestão de alguém, ou por impulso de querer ultrapassar a barreira da ignorância perante autores e títulos desconhecidos.

A estante dos livrinhos que se vê acima constituiu, com efeito, sempre um atractivo em qualquer livraria. E, normalmente, lá se encontrava mais um título ou um autor desconhecido. Lembro-me ter comprado muitos livrinhos amarelos por qualquer coisa como 1,50 ou 2,00 marcos.

Para mim, o maior contributo da RECLAM continua a ser a “batalha” contra a ignorância e o contributo para a “imortalidade da produção literária”, de que fala W. Somerset Maugham no seu The Summing Up, sublinhando, e com imensa razão, que essa imortalidade “is seldom more than the immortality of the schoolroom” !

Ora, a RECLAM contribuiu imenso para estas leituras de “salas de aulas”, tanto de obras de língua materna como de outras línguas, através das suas edições bilingues e com tradutores e comentadores de reconhecido mérito.


Aqui fica o meu grato testemunho por este trabalho de 150 anos !

Post de HMJ, como contributo para uma outra comemoração

Mary McCarthy (1912-1989)


À excepção de John Updike, dos autores norte-americanos, é talvez Mary McCarthy a escritora mais representada na minha biblioteca. Acontece que, em finais dos anos 60, estive para fazer um trabalho universitário sobre a sua obra e só à última da hora optei antes por Updike.
Numa das suas últimas entrevistas, Mary McCarthy, perguntada se posta perante uma escolha de voltar a re-viver, faria tudo na mesma, terá respondido que escreveria mais, mas leria menos.



Mulher de fortes convicções, a escritora teve uma polémica intensa com Simone de Beauvoir, figura que detestava, aliás. A emulação entre as duas é atestada por dois livros que, com diferença de apenas um ano, publicaram. Em 1957, McCarthy editou Memories of a Catholic Girlhood e Beauvoir, no ano seguinte (1958), fez editar Mémoires d'une Fille Rangée. Por outro lado, a norte-americana cultivou, com grande fidelidade, uma forte amizade com a filósofa Hannah Arendt, cuja evidência é testemunhada pela volumosa correspondência, recentemente publicada.
Os direitos cívicos e a guerra do Vietname foram duas das grandes causas em que também se empenhou intensamente.



Depois de alguns anos de relativo apagamento, a obra de Mary McCarthy parece suscitar um renovado interesse revelado pela publicação da sua obra completa (The complete fiction), em dois volumes, pela Library of America. O que não deixa de ser uma boa notícia.