quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
Osmose 59
Alto amanheceu, hoje, o cinzento.
Cá por baixo, impacientes na rua e bloqueados talvez, os condutores fazem ouvir a sua pressa, com buzinadelas insistentes. Correrão para onde?
Mera marca do tempo, a que os homens deram número, o último dia do ano traz consigo a ilusória hipótese de um renovo próximo.
E se é certo que pela Natureza vai havendo um verde tenro que prenuncia mudança, ou um retorno, nem sempre, ou nunca ela se instala no corpo e nos seres humanos. Com benevolência, talvez nalguns espíritos se possa fazer sentir. Mais em metáfora do que em verdadeira realidade. E deixemos os propósitos de lado, que são a forma mais pueril do engano.
O processo e progresso físico humano é irreversível. Não no melhor sentido, mas em relação à terra.
Livros que levaram sumiço
Não terão sido mais de quatro, os livros que desapareceram misteriosamente (ou quase) da minha biblioteca, ao longo da vida. Mas tenho uma hipótese de explicação para cada um dos casos.
Dois deles, de Mário-Henrique Leiria (1923-1980), eram primeiras edições (Contos... e Novos Contos do Gin-Tonic), e creio tê-los deixado esquecidos, numa noite fria, num banco de uma paragem de autocarro outrabandista, ou no pequeno balcão de um quiosque. Distraidíssimo ou aéreo, que eu devia estar, mas já não voltei atrás, porque a noite ia alta. E já os tinha lido, com gosto.
Quanto às Cryptinas, de João de Deus (1830-1896), folheto finíssimo de 16 páginas, na sua impressão original (1881?), com poemas quase fesceninos do poeta português, depois de lido, iria jurar que o meti no grosso volume das Epanáforas, de Francisco Manuel de Melo (1608-1666). Mas deu-lhes o sumiço, às Cryptinas, porque, meses depois e folheadas uma a uma as páginas das Epanáforas, nunca mais encontrei o raro folheto.
Finalmente, o último e mais recente desaparecimento, deu-se nos primeiros meses de 1986. Eu tinha, autografado e com dedicatória, de Eugénio de Andrade (1923-2005), Os Afluentes do Silêncio (1968). Gostava tanto daquela linfa lírica de água clara que, a algumas visitas particulares que me iam a casa, eu costuma ler-lhes passagens escolhidas da obra. E, uma Senhora, de uma vez que me ausentei, deve ter-se tentado e levou-me o livro... Pagou-se assim do encontro e, como nos desencontrámos, pouco depois, nunca mais recuperei o exemplar autografado.
Comprei, anos passados, um outro exemplar, usado, esse já sem dedicatória de Eugénio de Andrade.
Finalmente, o último e mais recente desaparecimento, deu-se nos primeiros meses de 1986. Eu tinha, autografado e com dedicatória, de Eugénio de Andrade (1923-2005), Os Afluentes do Silêncio (1968). Gostava tanto daquela linfa lírica de água clara que, a algumas visitas particulares que me iam a casa, eu costuma ler-lhes passagens escolhidas da obra. E, uma Senhora, de uma vez que me ausentei, deve ter-se tentado e levou-me o livro... Pagou-se assim do encontro e, como nos desencontrámos, pouco depois, nunca mais recuperei o exemplar autografado.
Comprei, anos passados, um outro exemplar, usado, esse já sem dedicatória de Eugénio de Andrade.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Uma espécie de litania, de Georges Duhamel (1884-1966)
Psaume Miserere
Piedade para o caracol que se lançou corajosamente para o deserto da estrada alcatroada, mas que não terá baba suficiente para percorrer nem metade dela!
Piedade para a formiga que se perdeu no caminho, que o génio do formigueiro abandonou friamente, e que se conseguir safar-se do problema, será julgada por abandono do posto de trabalho.
Piedade para a pequena folha que vela na extremidade do ramo mais comprido, que sofre de vertigens e se pergunta, constantemente, o que é que está a fazer ali.
Piedade para o grão que o vento atirou para as pedras calcinadas e que morre em tormento apertando contra o coração uma mensagem inesperada.
Piedade para a semente que acabou de cair sobre uma terra imunda e não sabe como acabar com este mundo incoerente!
Piedade para o infeliz que não tem casa nem telhado sobre a sua cabeça! Piedade para o homem sobrecarregado que leva a sua querida casa como quem leva um fardo!
Piedade para a rapariga de cabelos vermelhos que, ainda que cheia, saudável e perfumada, espera, atrás dos vidros, pelo esposo que não virá!
Piedade pelo rei David que julga poder fazer esquecer os seus pecados ao imolar os bezerros no altar de Jeová! Piedade pelos bezerros desventrados por ordem do rei David!
Piedade pelo grão de areia que desceu das montanhas, deslizando pelas encostas durante milhares de anos e que vai cair no mar, vencidas as suas resistências, muito antes do fim dos tempos!
Piedade para o grande poeta que recebeu todos os seus louros, excepto uma certa e pequena coroa, que desprezaria se tivesse, mas que ao recordá-la, esse pensamento lhe faz perder a fome e a sede, não o deixando sequer adormecer!
Piedade para o insecto prateado que, pacientemente, devora o papel do velho livro e que se crê um grande sábio!
Piedade para o vencedor que atravessa a cidade conquistada, de pé sobre um carro, no meio do seu exército, mas que já tem o seu ventre fervilhando de vermes e cuja inflamação lhe provoca dores insuportáveis!
Piedade para o peixe apanhado! Piedade para o pobre pescador que não pode deixar de exercer o seu ofício e por vezes consegue colheitas miraculosas!
Piedade para a criatura que louva o seu criador e o inunda de súplicas que mais parecem pragas! Piedade para o criador que se penitencia pelo sofrimento de todas as sua criaturas!
Piedadade para o nada que se afigura existir e que nunca se conforma ou consola!
Georges Duhamel, in Le Bestiaire et l'Herbier (Mercure de France, 1948).
Comic Relief (119)
Não, não é no Entroncamento, mas no Porto, na rua Costa Cabral (segundo me informaram, que eu não vi), este prodígio. De duas, passar a quatro patas é que eu não sei como é, mas talvez o frango tenha comido bolota...
com agradecimentos a C. S..
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
Beethoven / Fischer-Dieskau / G. Moore
Nem sempre a escolha de música, para o Blogue, me é fácil. Oriento-me, muitas vezes, pelo meu estado de espírito e pergunto-me, quase inconscientemente: o que é que me apetece ouvir?
Suave ou trepidante, ligeira ou clássica, épica ou melancólica, divertida ou séria... Mas a sua ligação e coerência com os postes contíguos, tem também a sua importância, para que não haja uma incoerência muito gritante de ritmo ou estilo. Bem como a época que se atravessa.
O vídeo de Fischer-Dieskau, cantando Beethoven, acompanhado, ao piano, por Gerald Moore, creio que cumpre (entre Natal e Ano Novo) este desiderato. Algo divertida, esta Lied fala de uma pulga impertinente. E não são frequentes, estas cedências em Beethoven. Os sorrisos abertos do grande barítono alemão e do pianista não enganam, porém...
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
Nicanor Parra (Chile, 5/9/1914)
Eram mais instruídos do que nós
sabiam como se deve fazer um pedido
batendo no peito a princípio
com humildade
com fé
com esperança
porque nada se ganha em cuspir para o chão
Recordo-me bem da senhora minha mãe
que Deus a tenha no Reino dos Céus
como também da minha avó Rosário
Deus a tenha nos Céus também
ajoelhadas perante o santíssimo:
Misericórdia a Deus misericórdia
Mas a religião passou de moda
antigamente todos sabiam afugentar o demo
hoje não temos a menor ideia.
Nicanor Parra, in Temporal (2014).
Pinacoteca Pessoal 106
Não sendo eu grande apreciador da temática Natureza Morta, em pintura, abro sempre uma ou outra excepção para artistas ou obra singular de pintores cuja técnica e qualidade estética me surpreendem e maravilham.
Destaco hoje dois nomes que atestam a evolução da temática, em Itália. As duas primeiras imagens são da autoria da pintora Giovanna Garzoni (1600-1670), que foi também aguarelista celebrada. As suas obras eram muito disputadas e alcançavam altos preços, pelo menos, enquanto foi viva.
A última tela foi executada por volta de 1700 e é obra de Cristoforo Munari (1667-1720), incluído normalmente na escola do Barroco tardio, notável perfeccionista e considerado um dos maiores pintores de naturezas mortas, em Itália. A obra tentaria expressar os cinco sentidos do corpo humano, sendo que o relógio, dominante, chamava a atenção para a fugacidade da vida.
domingo, 27 de dezembro de 2015
Idiotismos 33
A palavra veio à colação, em conversa com o meu amigo António, porque atrôjo era usado lá em casa, sobretudo pela minha Mãe. Um familiar do meu Amigo (o primo A. M.) tinha recolhido o vocábulo atrojado, numa lista de termos estranhos, difíceis de lhes encontrar a origem. Quanto às significações, elas não coincidiam, no entanto.
Nos diversos dicionários, que tenho à mão, não encontro rasto da palavra atrôjo. Sem suporte académico, porém, a palavra tem um significado preciso, para mim e que me vem da adolescência minhota. Queria dizer empecilho, obstáculo. E tanto servia para apelidar uma coisa, como um ser humano, na ideia de minha Mãe. Mas, sendo relativo a pessoa, valia também por alguém que não adiantava nem atrasava, antes pelo contrário... Que era um trengo, em suma.
sábado, 26 de dezembro de 2015
Ideias fixas 4
As ladaínhas monocromáticas do Rap são uma das expressões marteladas da música pimba.
Quanto a grande parte da chamada Arte urbana, acho muito bem que a pratiquem nas paredes de prédios a demolir. Assim se cumprirá melhor o conceito da brevidade e fragilidade da arte. A estética é outra coisa e não é para aqui chamada. Em nenhum dos dois casos.
Citações CCLXXIV
Os governos têm por missão assegurar a tranquilidade aos bons cidadãos e não a permitir aos maus.
Georges Clémenceau (1841-1929), in Discours au Sénat.
Divagações 104
Até os dias parecem desabituados. Há um vazio nas lojas e nas ruas. No entre-entre do tempo. Do acontecido para o novo acontecer, daqui a dias. Zona de ninguém, de muito frio à sombra e Sol ao dobrar da esquina. O lixo feito de cartão vazio e de papel em volta dos contentores, donde todos os sonhos parecem ter fugido.
Tempo de poucas palavras, ou de palavras poupadas até nas notícias que não há, nem se conseguem inventar. Tempo moribundo ou morto à espera de um novo tempo, como se o próximo ano fosse tudo aquilo que pode acontecer. E contudo não há impaciência: há um vagar e uma espera neutra em terra de ninguém. Tempo para queimar, em silêncio.
Para que, do horizonte, alguma coisa venha. Recomeçar.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
Miscelânea de açúcares
Ou não fosse esta época bem açucarada...
Para condizer, aqui vão mais três pacotinhos de açúcar, em medley, da Sidul e do Café Chave d'Ouro. Este último desastradamente aplicado à lenda da Costa de Caparica (11/20) que a empresa resolveu crismar de Costa da Caparica, erradamente, portanto. Uma maior atenção teria evitado a asneira...
Quanto à Sidul, os temas contemplados são a receita da Sangria à Portuguesa (10/12) e o Fado (11/12), que não tem receita...
A par e passo 156
Estes inícios do estado cantante, estas primaveras íntimas da invenção expressiva são deliciosos, como é delicioso o balbuciar que pré-anunciam, da orquestra, alguns pequenos acordes instantâneos, antes que ela se ordene, reúna e obedeça, quando se prepara através de uma dispersa vivacidade inicial, contrariada embora por timbres que se afinam, se entre-animam, se interrompem e contradizem, segundo a própria natureza, para atingirem, depois, a sua miraculosa unidade.
Paul Valéry, in Variété V (pgs. 119/20).
Nota pessoal: esta abordagem refere-se, naturalmente, ao início do estado de criação (poética).
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
A vanguarda, para logo à noite
Fique a imagem para memória futura, da mesa da Consoada de 2015, com as prendas antecipadas ( 2 aguarelas). E as doçarias natalícias: o Tecolameco (vide restaurante "Fialho", de Évora), o Christstollen (vide Dresden) e os Mexidos (ver Guimarães) cuja receita, nesta altura do dia, já teve 64 visitas (e 245 neste mês de Dezembro). Se eu não fosse um tanto céptico, diria que, à noite, haveria em lares muito diversos (franceses, alemães, suíços e portugueses, naturalmente), o mesmo número de Formigos de Guimarães. Mas creio que muitas destas donas de casa, que visitaram a receita, são meramente platónicas e não praticam...
Boa Consoada!
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
As três idades do Natal
Há festas que vivemos pessoalmente e de que marcamos as fronteiras, e, outras, que se nos atravessam, necessariamente. Por outro lado, penso que existem várias formas de ver e considerar o Natal.
Eu distinguiria três, ou três sentimentos que podem predominar ao longo de uma vida, em relação a essa época (natalícia). Haverá, primeiro, a idade da expectativa que se prolonga da infância até à adolescência: as prendas esperadas ou surpreendentes, os reencontros e a atmosfera. Seguem-se os anos da participação pragmática no cerimonial, na idade adulta e madura, quando não da sua própria preparação activa para os mais novos. E chega então a idade da melancolia, pelos que não estão e já não hão-de chegar.
Pese embora que, mesmo nesta última fase, haverá sempre alguns fiapos de magia. As mais das vezes, relembrada e aceite, feita das muitas sobreposições da memória, que se fazem presente passado.
Recuperado de um moleskine (19)
Uma das minhas questões essenciais, talvez a mais persistente, ao longo da vida, sempre foi a Justiça. E os tempos que correm não lhe são favoráveis pelas debilidades humanas e deficiências, às vezes ostensivas, de quem a tem personificado na nossa terra.
Por outro lado é atávico e de bom tom apresentá-la, iconograficamente, de olhos vendados, o que sempre me pareceu incongruente. A Justiça, do meu ponto de vista, tem de enfrentar a Verdade, de olhos abertos. Assim o entendeu, por certo, o escultor canadiano Walter Seymour (1876-1955), ao representá-las muito próximas, uma da outra, em Otava.
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
Mercearias Finas 108
Falhou-me, hoje, a lebre ao almoço, que o meu companheiro prandial não a queria, e fomos a outro restaurante mais rasteiro e banal. Deixou-me pena, porque a apresentavam em duas versões criativas: lebre à caçador, ou com arroz malandrinho, embora eu a prefira com feijoca...
Mas, em casa, a mesa vai farta: chocolates, bolachas natalícias, o Christstollen e o Mohnkuchen. Já só nos faltam os Mexidos Vimaranenses, cuja receita (24/12/2012), nesta última semana, aqui no Arpose, já teve 84 visitantes (159, neste mês de Dezembro!). HMJ há-de fazê-los na manhã de 23.
E o bacalhau para a consoada de 24 é de posta bem alta. Tenho ainda de escolher o vinho, talvez do Dão, que é sempre um aconchego de alma assegurado.
Haikai de Inverno
O frio, o frio -
até a água se crispa
e o céu se retrai.
Natsumu Sôseki
(1865-1915)
Nota: não ficaria em paz comigo, se não referisse que esta é uma segunda versão deste Haikai, que traduzi agora, de novo. A primeira versão é de 1 de Janeiro de 2014, para eventual cotejo...
segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
Impromptu (22)
Três coisas que aprendi, ontem, em Almoçageme:
1. Que as galinhas estão a ser poupadas em pôr ovos. Devem estar na época de pousio...
2. Que 2 quilos de favas com casca dão cerca de 700 gramas de favas limpas.
3. Que as couves romanescas (não conhecia) são bem bonitas. E resultam de uma enxertia de brócolos com couve-flor (ver imagem).
Tudo coisas de campo, ou da região saloia, que as pessoas, que por lá vivem ou mourejam, têm uma sabedoria ancestral. E podem ensinar muita coisa às gentes citadinas...
Desabafo (9)
Lá nos livrámos do Banif, para o Santander. Mas por que preço!
E o resultado das eleições espanholas são um autêntico molho de brócolos.
Boas Festas
Mas, como habitualmente, é o cenário escolhido para endereçarmos as Boas Festas.
Aos Amigos, pela fidelidade, aos Comentadores, pelo estímulo, e aos Seguidores, pelas visitas.
Um bom Natal de 2015!
domingo, 20 de dezembro de 2015
Uma fotografia, de vez em quando (76)
Filho de pai suíço e mãe inglesa, o fotógrafo norte-americano Dennis Stock (1928-2010) cedo viu reconhecido o seu talento, quando obteve o prémio da Life magazine, em 1951. Passou a integrar a Agência Magnum, em 1954, naquilo que foi o reconhecimento da qualidade da sua obra. São bem conhecidos os retratos que fez e tiveram por modelo o actor James Dean (1931-1955), executados pouco antes da sua morte prematura.
Citações CCLXXIII
Jean Cocteau (1889-1963), in Le Grand Écart.
sábado, 19 de dezembro de 2015
Cioran, sobre o envelhecer
4 de Janeiro de 1970
O argumento de Sócrates, perante os seus amigos que lhe propuseram a fuga, e depois da sua condenação à morte, era que morrer nessa altura era morrer bem, nas vésperas da velhice e da decadência, e que não havia para ele melhor ocasião para desaparecer. Tudo lhe parecia preferível às humilhações da idade. Que lição para os Modernos, que se apegam a tudo para retardar a sua morte. Sócrates, hoje, teria aceitado os planos de evasão dos seus amigos e ter-se-ia submetido ou inclinado a dar razão aos seus juízes. É sempre a mesma história: desaprendemos a arte de desaparecermos a tempo. Vivemos até à última infâmia do envelhecer. Chafurdar na decrepitude, é o que define melhor a sociedade, de há uns séculos para cá.
E. M. Cioran, in Cahiers / 1957-1972 (pg. 784).
Comic Relief (118)
com agradecimentos aos intervenientes.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
À velocidade da luz
Um jovem (?) cibernauta português, que usa a Novis, veio ao Arpose, ontem, e clicou nos labels: Brasil (81 postes) e Adagiário (240 postes). Gastou, na consulta e visita, 3 minutos e 55 segundos do seu precioso tempo. Merecia o Guinness. Imaginem só a velocidade alucinante de tal visão e mente! Deve ser um sobredotado...
Dois ritmos
Não há dúvida que foi um luxo. Ler Graciliano Ramos (Viagem) acompanhado, em simultâneo, pela música de Schubert (Sonata para piano, op. 78). Mas não há dúvida: nenhuma das artes perturbou a outra - completaram-se. Porque me parece que distribuí bem a minha atenção...
De Manoel de Barros (1916-2014)
Desejar ser - 9
A ciência pode classificar e nomear os órgãos do sabiá
mas não pode medir os seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar:
divinare.
Os sabiás divinam.
Manoel de Barros, in Compêndio para uso dos pássaros.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
Ad usum delphini (2)
É vê-los por aí, santificados pela deriva, esparramados por cátedras e poltronas de administração...
Porque, neste Portugal jardim, à beira-mar plantado, não há nada como um maoísta arrependido para estraçalhar outro ex-maoísta. Tudo isto, feito em nome de um purismo fundamentalista, de um idealismo de conforto, de uma ética de mercado. E de muita estupidez natural, que não imagina que os outros tenham memória.
Adagiário CCXLI : 4 provérbios escoceses
2. Nenhuma boa história se gasta, por muitas vezes que se conte.
3. Uma bolsa leve, torna um coração pesado.
4. Não cases por dinheiro. Um empréstimo pode sair mais barato.
Manuscrito de Marcello Caetano
Cerca de um ano e meio (13/2/1967) antes de suceder a Salazar, como Presidente do Conselho, Marcello Caetano (1906-1980) agradeceu a Franz-Paul de Almeida Langhans (1908-1973?) - de quem já aqui falámos (4/12/2015), a propósito do seu ex-libris - a oferta do 1º fascículo da obra "Armorial do Ultramar Português". É este cartão manuscrito que se mostra em imagens.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
Pequena história (39)
Perguntaram um dia a Henry Kissinger (1923) como é que ele se sentia na pele de uma celebridade, concentrando as atenções e personificando, de algum modo, o poder e saber americano. Tranquilamente, ele respondeu: "Uma das coisas bonitas da celebridade é que, se as pessoas se aborrecem de me ouvir, começam a pensar que a culpa é delas."
Últimas aquisições
Quase poderia dizer que, nos últimos anos, são raros os livros novos que compro. Tirando Steiner, Magris, Manguel e 3 ou 4 poetas portugueses de que acompanho a obra, que adquiro quando são editados, as restantes compras são de livros usados, que a oferta é boa e muita...
Na rua Anchieta, e ao que parece, os Alfarrabistas lisboetas montaram feira ininterrupta (até ao Natal?) e há muito por onde escolher.
Os três livros usados, em muito bom estado, que recentemente adquiri, bastou a nota mais pequena (5 euros) para os comprar. Para quê tentarmo-nos com as capas berrantes de autores foleiros, na montra da Bertrand, ao Chiado? Ou pelos clandestinos Blogues, que pululam na net, encomendados e pagos por Editoras (?), a fazerem publicidade encapotada de obras indigentes...mesmo que best-sellers?...
Uma louvável iniciativa (46)
Ainda não é desta que fico a saber a origem de Sobradelo da Goma (freguesia da Póvoa de Lanhoso) que, pelo nome bizarro, eu costumo usar, metaforicamente, para denominar terra de fim do mundo... Mas, com mais estes dois pacotinhos de açúcar do Café Chave d'Ouro, fiquei elucidado no que diz respeito ao nome de Varatojo (17/20) e Bobadela (9/20). E me lembrei, com encanto, desse aventureiro e bravo António da Fonseca Soares (1631-1682), também apelidado Capitão Bonina ( ou, das Boninas), nas guerras da Restauração, que se homiziou nos Brazis, para não ser preso. E, regressado a Portugal, já perdoado, acabou por morrer, como Frei António das Chagas, em cheiro de santidade, no convento de Varatojo (Torres Vedras). Pelo meio, escreveu imensos poemas, os primeiros, quase libertinos, os últimos, quase sagrados.
E que não se diga que um pacotinho de açúcar não serve para nada...
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Citações CCLXXII
Will Rogers (1879-1935), in The Illiterate Digest (1924).
A par e passo 155
Não sei por que retoma misteriosa, por que meio de regresso à minha juventude, eu voltei a interessar-me pela poesia, depois de mais de vinte anos após me ter libertado.
Talvez haja em nós uma memória periódica e lenta, mais profunda do que a memória das impressões e dos objectos momentâneos, uma memória ou uma ressonância de nós próprios, de longa duração, que nos leva, e acaba por tornar imprevistos os nossos poderes, as nossas tendências, e até mesmo as nossas esperanças mais antigas.
Paul Valéry, in Variété V (pg. 119).
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
Caprichos da Natureza
A tromba de água, e não tornado (diz-mo quem sabe...), ocorreu no passado Domingo, 13 de Dezembro de 2015. O fenómeno iniciou-se, no Atlântico, frente à praia Lorosae (S. João de Caparica), tendo-se deslocado, depois, em direcção à Cova do Vapor (Trafaria).
(Não se assustem com o forte ruído inicial...)
Os melhores agradecimentos a AVP e JTP.
Boletim Bibliográfico
Mais um Boletim Bibliográfico, de Dezembro de 2015, de Luís Burnay, que me chegou às mãos pelo Correio, hoje. O último enviado ainda com a porta aberta da Livraria homónima, na rua das Chagas. Que, como é referido na introdução, pelo proprietário, a livraria encerra, por várias razões (como tantas outras já o fizeram, infelizmente, nos últimos tempos...), mantendo-se a actividade de venda de livros usados, via Internet, apenas.
Boletim recheado de boas e raras obras de Poesia, talvez a temática mais forte, desta vez. Pela preciosidade, eu destacaria três lotes e os respectivos preços:
29 - Diogo Bernardes, O Lyma, na sua 3ª edição (1761), em pequeno formato... 170,00 euros.
101 - Fr. J. de Santa Rita Durão, a raríssima 1ª edição (1781) de Caramurú... 2.200,00 euros.
281 - A. D. da Cruz e Silva, os 6 volumes das suas Poesias (1807/1817), da Typographia Lacerdina, ao preço de 150,00 euros.
A quem possa...
Bibliofilia 129
Há quem caracterize os seus versos como maviosos, mas também já o dão, na segunda metade do século XIX, como poeta esquecido. Inocêncio (Vol. III, pg. 25) refere: "Como poeta lyrico pertenceu á eschola francesa; os seus versos são em geral sonoros e bem fabricados, e de certo lhe não faltava naturalidade. ..."
Notícias mais actualizadas ( João Daun e Noronha, 1930) registam o nascimento de Francisco de Paula Medina e Vasconcellos, na Ilha da Madeira, a 21 de Novembro de 1768, e o seu óbito na Ilha de Santiago (Cabo Verde), para onde fora degredado, em 16 de Julho de 1824. Por duas vezes foi preso, mas não se sabem as razões. Frequentou a Universidade de Coimbra e exerceu a profissão de notário no Funchal. Aí foi preso, tendo mulher e filhos a seu sustento. Ao longo da sua vida publicou vários livros em verso, sendo Zargueida (1806), poema épico sobre o descobrimento da Ilha da Madeira, a sua obra mais conhecida.
O meu exemplar, encadernado em carneira e a precisar de restauro, encontra-se em estado razoável. Comprei-o a Tarcísio Trindade (1931-2011), na rua do Alecrim, por volta de 1995, por Esc. 8.500$00, porque é obra rara. Cinco anos antes, em Abril de 1990, a Livraria Artes e Letras tinha vendido um exemplar semelhante, mas em pior estado, por Esc. 4.000$00. José Manuel Rodrigues (Livraria Antiquária do Calhariz), no seu leilão nº 68 (lote 528), tinha outro exemplar que foi arrematado por 90,00 euros, em Outubro de 2006. Finalmente, o alfarrabista Luís Gomes, em leilão da Veritas, a realizar no próximo dia 16 de Dezembro de 2015, insere mais outro exemplar (lote 213), também da edição de 1806, com uma estimativa de venda entre 300,00 e 500,00 euros. Como se vê, pela evolução dos preços, a cotação de Zargueida, de Medina e Vasconcellos, mantém-se em preços altos...
Curiosidades 50
Será que Eça de Queiroz fumava? E Camilo? Ambos os escritores se referem a tabaco, nas suas obras, mas a ficção, nem sempre serve para testemunhar os usos e costumes dos seus autores. No que diz respeito a Almeida Garrett (1799-1854), eu estou convicto de que gostava de fumar. Nas "Viagens na minha terra" (1846), que é um livro com partes autobiográficas, há um passo que me faz pensar que Garrett apreciava o tabaco. Aqui fica a citação:
"...No entretanto, vamos acender os nossos charutos, e deixemos os precintos aristocráticos da ré; à proa que é país de cigarro livre.
Não me lembra que Lord Byron celebrasse nunca o prazer de fumar a bordo. É notavel esquecimento no poeta mais embarcadiço, mais marujo que ainda houve, e que até cantou o enjoo, a mais prosaica e nauseante das misérias da vida! Pois num dia destes, sentir na face e nos cabelos a brisa refrigerante que passou por cima da água enquanto se aspiram molemente as narcóticas exalações de um bom cigarro da Havana, é uma das poucas coisas sinceramente boas que há neste mundo.
Fumemos!
Aqui está um campino fumando gravemente o seu cigarro de papel, que me vai emprestar lume.
- Dou-lhe eu, senhor... - acode cortêsmente outra figura mui diversa, cujas feições, trajo e modos singularmente contrastam com os do «moçarabe» ribatejano.
Acenderam-se os charutos, e atentámos mais devagar na companhia em que estávamos. ..."
domingo, 13 de dezembro de 2015
Antonio de Cabezón (1510-1566) : "Pavana com a sua glosa"
Chamo a atenção para que, ao longo deste vídeo, há várias imagens com quadros representando Isabel de Portugal e Carlos V.
Para a iconografia de Isabel de Portugal
Da casa real portuguesa, Isabel de Portugal (1503-1539), filha de D. Manuel I e D. Maria de Aragão, é porventura uma das figuras mais retratadas ou, ao menos, cujo retrato foi feito por pintores de maior qualidade. Culta, piedosa e de rara beleza, Isabel casou, em 1526, com Carlos V (1500-1558), tendo morrido de parto ao dar à luz o quinto filho, que nasceu morto. Três filhos lhe sobreviveram, sendo que o mais velho, Filipe II de Espanha, viria a ser rei de Portugal.
O seu retrato mais conhecido é, provavelmente, o que foi pintado por Ticiano, e que encima este poste. O casal régio foi também pintado por Peter Paul Rubens, e a tela pertence ao acervo dos duques de Alba. O terceiro retrato, do pintor inglês William Scrots, está num museu da Polónia. Há quem duvide que o quadro represente Isabel de Portugal. A tela, na minha opinião, acusa influências de Lucas Cranach, não deixando de ser uma bela obra.