quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Profetas, místicos e visionários


Há muito que deixei de ver e ouvir, no Metropolitano, o jovem cego que, com a ajuda da bengala, batendo no chão, entoava em simultâneo uma algaravia rap. Algo irritante, perdoe-se-me a falta de caridade.
Também desapareceu, dos meus itinerários habituais, um homem de meia-idade que, com gestos bruscos e passos agigantados, prenunciava o fim do mundo, pelas ruas de Lisboa.
Mas, nos últimos tempos, no meu traçado citadino, surgiu uma nova vestal: magra, mulata e com sotaque brasileiro. Ao sair do 758, pelo Jardim de S. Pedro de Alcântara, costumava deixar, em voz alta, aos passageiros, salvíficas mensagens. Que eu raramente entendia, porque eram pronunciadas em voz muito apressada, de saída.
Hoje, porém, ao apear-me na estação Baixa-Chiado, ela lá estava e, desta vez, percebi-a, clara e perfeitamente. Para que conste, rimando como ela a disse, aqui fica a mensagem:
"Céu há!
E tem guardas poderosos para nos guardar!"

Citações CCLVIII


A história é um romance que passou; o romance é a história que poderia ter sido.

Irmãos Goncourt (Edmond e Jules), in Idées et Sensations.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Interlúdio 53


Eu não quereria chocar os meus visitantes mais fiéis, habituados decerto a ritmos mais suaves, aqui pelo Blogue e, por isso, vou fazer uma declaração de interesses: não gosto, quase nunca, de música Rap, mas sou, quase sempre, tolerante.
Este videoclip, interessante na concepção, foi feito para comemorar o aniversário da geminação entre as cidades de Berlim e Pequim. E, como os patrões das futuras gerações de portugueses vão ser, na sua maioria, alemães e chineses, é bom irmo-nos habituando...

Uma caneta e um provérbio (chinês)


A recolha é do livro Stylos, de que falei aqui, há dias.
Para quem não saiba francês, o ditado chinês poderá traduzir-se por: " A tinta mais pálida vale mais do que a melhor memória." E eu estou de acordo.

Pequena história (35)


A actriz inglesa Charlotte Rampling (1946), que vive em França, publicou recentemente um livro de memórias, intitulado "Qui je suis". Episódios, mais ou menos importantes, da sua vida vieram à luz.
O seu pai, Godfrey Rampling, coronel do exército britânico, era também desportista. E, nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, sendo participante, ganhou uma medalha de ouro na corrida de estafetas 4 por 4.000, que lhe foi entregue na presença de Hitler, que se encontrava no Estádio. Mais tarde, depois da II Grande Guerra, a família Rampling passou por dificuldades e o pai decidiu vender a medalha de ouro olímpica. Para isso, deslocou-se a Londres, com o objectivo de a mandar fundir e/ou comercializá-la assim mesmo. Na ourivesaria, porém, ele e o joalheiro tiveram a surpresa de descobrir que a medalha era de aço, por dentro, com apenas uma leve camada de ouro a cobrir o metal...
O caso não será tão grave como as malfeitorias praticadas ou orientadas, recentemente, pelos responsáveis da Volkswagen, mas terá de se concluir que as elites germânicas nem sempre são de confiança, ou honestas.

Fruta da época


A Norte, era em Novembro que os provava. Translúcidos ou densos no seu avermelhado tentador, mas alguns ainda travavam e deixavam sabor áspero na boca, durante minutos. Sempre gostei de diospiros, que ultimamente, para maior facilidade, como em chávena de chá e com colher, para melhor aproveitamento. Agora, pelo menos no Sul, chegam mais cedo. E, ontem, lá se foi o primeiro desta época. Bom.
Já só faltam as castanhas, mas, ao que me disseram, já andam a assá-las pela rua. Não perdem pela demora que, em as vendo eu, logo hei-de prová-las, também...

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Da leitura (5)


Há muito que a leitura de um conjunto de avaliações críticas, sobre literatura e autores portugueses, não me dava tamanho prazer. O que hoje se faz, tirando um reduzido número de críticos que se poderá contar pelos dedos de uma mão, é uma espécie de reprodução das badanas, sem critério algum e muito menos conhecimento de história literária. Para não falar da proliferação de blogues pretensamente literários, encapotadamente pagos por editoras, ou que se vendem na miserável e mediocre esperança, pequenina e paroquial, de receberem uns quantos livritos, como recompensa do seu frete pindérico e mercenário. Daí eu não me admirar de tanto sucesso literário conseguido por esse trabalho de sapa e pela eterna ausência maioritária de sentido crítico de grande parte dos ledores portugueses. Análise ou crítica literária, hoje e em Portugal, quase não existe: é como procurar agulha num palheiro...
Por isso este Régio, Casais, a «presença» e outros afins, de Jorge de Sena, publicado em 1977, me está a dar tanto prazer de leitura. Com o sabor de reencontro de uma voz amiga, sólida, que nos chega do passado, nos enriquece, nos faz pensar e nos traz a visão lúcida de quem sabia ler e distinguir a qualidade. Aqui vai um bocadinho de um dos textos de Sena:
"...Para muita gente, Régio atingiu sempre uma altitude espiritual que Torga não pode disputar-lhe; como, para outra, Torga possui uma humanidade imediata, feita de espontaneidade vital, de rudeza «telúrica», de vivência das serranias, que Régio não abarcava. O religiosismo de Régio, num país onde a poesia de índole religiosa descera ao nível das cantigas de sacristia, repugnou sempre à onda do livre-pensamento, e suscitou sempre desconfiada antipatia dos católicos - e daí que a sua consagração tenha, em grande parte, advindo dos meios universitários de tradição positivista ou agnóstica, que são hipóstases de uma análoga atitude da burguesia prudente que, por outro lado, encontrou, em Régio, e sem compromissos, as alegorias e símbolos da sua educação católica. E a pretensa espontaneidade de Torga oferecia ao anticulturalismo dos anos 30 e 40, um sabor da terra, de primitivismo, de força viril e exterior, que fazia esquecer quão obsessivamente individualista ele é também, fechado, tanto como Régio, na contemplação menos da personalidade profunda que da exemplaridade genial do indivíduo eminente. Que ambos poderiam ter existido sem Pessoa ou Sá-Carneiro até tecnicamente - apesar da maestria indiscutível de ambos - é quase inteiramente a verdade: e tão verdade que, tanto um como outro, foram sempre, até hoje, muito reticentes em proclamar em público a grandeza de Fernando Pessoa. ..."

Uma fotografia, de vez em quando (69)


Nascida em Antuérpia, a fotógrafa belga Martine Franck (1938-2012) deve talvez o seu ligeiro apagamento ao facto de ter sido a segunda esposa de Cartier-Bresson, que acabou por ser um dos seus motivos icónicos. A sua obra é, no entanto, notável, tendo sido uma das raras mulheres a integrar a Agência Magnum (1980). Colaborou nas revistas Vogue e Life. Elegância, dignidade e timidez eram-lhe atribuídas como características pessoais e humanas mais marcantes.

domingo, 27 de setembro de 2015

Entre a máxima e o humor


Uma nação desenvolvida não é um lugar em que os pobres tenham carro. É um país onde os ricos usam transportes públicos.

Enrique Peñalosa, ex-presidente da Câmara de Bogotá (Colômbia).

Um poema de Manuel de Freitas (1972)


Depois de Tebas


Os mortos, como sabes,
não te podem ajudar.
Confundes-te com eles, fazes teu
tudo o que não disseram.
A cabeça da mãe, na fotografia,
abençoa o crime e a desavença.
Tem óculos, sorri, no jardim com gansos
que não passavam afinal de patos.

Entraste, pelo mesmo portão,
nas casas em que se prepara a peste
e não te atreverás sequer a escrever
o insuficiente livro da infância,

o cheiro, como dizer, das tangerinas.


in Beau Séjour (2003).

sábado, 26 de setembro de 2015

Um poeta desaparecido


Durante cerca de três anos, acompanhei-lhe o blogue (O cheiro dos livros - nemsemprealapis), com gosto, fidelidade e proveito. Original, a sua irreverência e agudeza eram uma marca disfarçada de ternura pelas coisas da terra. Falo de Jorge Fallorca (1949-2014), poeta, tradutor e não só, que faleceu em Abril do ano passado.
Hoje, na feira da rua Anchieta, havia um livro dele, isolado, numa banca. Comprei-o. E dou-lhe a palavra:
"Ninguém aprende a ser poeta. Nasce-se poeta ou não. É possível decantar, interiorizar essa inevitabilidade, mas é-se muito mais poeta quando finalmente nos libertamos da necessidade de escrever poesia.
Não há nada mais ridículo e mais letal para um poeta que insistir em continuar a escrever poesia quando, ninguém melhor do que ele, sabe que ela seguiu o trilho natural das coisas: acabou-se. ..." 

Adagiário CCXXXI (miscelânea em redor da estultícia)


1. Aos parvos aparecem os santos.
2. Asno tonto, arrieiro louco.
3. Boas palavras e maus feitos enganam sisudos e néscios.

Pobrezinhos, mas honestos...


...como no tempo da velha Senhora...


com agradecimentos a AVP.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Palavras do dia (12)


A manipulação e a mistificação, a falsidade e os pequenos truques, a mentira ou as inverdades têm ganhado espaço considerável, no país e no mundo, nos últimos tempos. Transversalmente, do campo da Finança à Indústria, criando raízes daninhas na Política, também.
Por isso me parecem pertinentes as palavras com que António Guerreiro (1959) remata a sua crónica semanal de hoje (A mentira como vocação)  na ípsilon, do jornal Público. Passo a transcrever o final:
"...O que há então de novo, nesta questão da mentira política, é que passou a ser difícil, nas actuais circunstâncias, defender concepções substancialmente estéticas da política, como a de um teórico completamente anti-ético como Carl Schmit, porque o triunfo da mentira de facto, aquela que autoriza que se diga a um político que ele é mentiroso, não trouxe apenas consigo este rebaixamento da política ao discurso de gente mentirosa; caucionou também o seu contrário, uma ideologia ética de uma pobreza confrangedora."

Sobre as canetas e outras formas de escrita


Nunca desprezei os lápis, mas para escritas mais singulares, de circunstância ou nobres, sempre escrevi com caneta que, nessas alturas, me parece imprescindível. Embora, no dia a dia, não seja esquisito e me baste uma qualquer esferográfica, para garatujar umas linhas. Confesso, no entanto, uma vulnerabilidade ou inconstância antiga e enraizada: há vezes em que gosto de escrita fina, outras, em que os traços me apetecem grossos - ninguém é perfeito.
Ora, sobre canetas, eu nunca vi nada tão bonito como este livro, de Judith Miller, que me ofereceram, há dias, e que ando a saborear com grande gosto.

com renovados agradecimentos ao ofertante e Amigo.

Idiotismos 32


O seu uso inicial é atribuído ao poeta Virgílio (70 a.C.-19 a.C.) e, em bom rigor, sendo um latinismo, a frase não se poderá considerar um idiotismo, mas as suas versões, para língua portuguesa, já o poderão ser. E acontece que a usei, ontem, em comentário, num blogue amigo (Prosimetrom). Vindo-me à tona da memória, pus-me a reflectir sobre ela.
Da frase, travei conhecimento com ela, pelo meu sexto ano do Liceu. Ei-la: Hoc opus, hic labor est. Pode entender-se, portuguêsmente, pelo menos, de duas ou três maneiras. Em versão erudita, diríamos: Aqui é que está o busílis; ou, Eis a dificuldade, de forma abreviada. Se preferirmos a tradução vulgar: Aqui é que a porca torce o rabo - que é o modo mais habitual de ser usada.
Como veio a porca parar a esta versão, é que eu não sei - hoc opus, hic labor est!...

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A par e passo 147


Shakespeare, tão liberto na sua criação teatral, compôs, por outro lado, célebres sonetos, feitos seguindo todas as regras e visivelmente trabalhados e aperfeiçoados; quem sabe se este homem não teria em muito maior apreço estes poemas minuciosamente concebidos, do que prezaria as suas tragédias e comédias que ele improvisava, e modificava até mesmo em cena, e para um público de acaso?

Paul Valéry, in Variété IV (pg. 249).

Humor negro


Apesar de tudo, seria mais apropriada a bandeira da Hungria, em vez da da França. Ou da Polónia, ou da República Checa, ou...

Citações CCLVII


Quando temos vinte anos pensamos ter resolvido o enigma do mundo; aos trinta, começa-se a reflectir sobre ele e, aos quarenta, descobrimos que ele é insolúvel.

August Strindberg (1849-1912), in A saga dos Folkungs (1899).

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Situar o horizonte


A paisagem subjacente. A linha paralela junto ao rio, em frente, é quase rasa. Vem do Montijo, e só pelo Barreiro se interrompe, por algumas chaminés altas, fabris, no horizonte da terra ribeirinha, que acaba pelo Seixal. Em segundo plano, ao fundo e atrás, a linha sobe em direcção ao céu, por alturas de Palmela e do seu castelo roqueiro, seguindo, depois, crescente em direcção à Arrábida, que não vejo.
É na direcção de Palmela, mais próximo de mim, embora distante ainda, que eu posso ver, por entre mansardas e telhados lisboetas, num rectângulo muito irregular, o Tejo. Que vai azul cobalto, e corre tranquilo, sem ondulação aparente. E por inteiro, se não fora um cacilheiro que lhe fendeu as águas, numa linha branca de espuma, seguindo diagonal na direcção do Barreiro.

2 achegas para a bibliografia de E. de A.


Não serão obras muito frequentes em território nacional, uma vez que ambos os livros se destinaram a um público leitor estrangeiro. O primeiro voluminho (5 Poemas...), da Campo das Letras, de 1997, foi editado com o objectivo de ser distribuído na Feira do Livro de Frankfurt, e tem uma introdução breve de Arnaldo Saraiva, para apresentar a obra poética de Eugénio de Andrade (1923-2005). Nesse ano, recorde-se, Portugal foi o País-Tema, ou convidado. O segundo livro, editado em 2001, por L'Escampette, é uma tradução de Os Lugares do Lume (1998), efectuada por Michel Chandaigne. E tem um interessante prefácio de António Lobo Antunes, intitulado Bonjour, Eugénio.
Ambos os volumes foram adquiridos, ontem, no meu alfarrabista de referência, por preço módico.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

François Mauriac, em entrevista


"... Os meus inimigos crêem que eu desejo permanecer no palco a qualquer preço - que me valho da política a fim de sobreviver. Ficariam, decerto, atónitos, se soubessem que a minha maior felicidade é estar a sós no meu terraço, procurando descobrir a direcção do vento pelos odores que ele carrega. ..."

François Mauriac (1885-1970), em entrevista a The Paris Review (1953).

A safra


Dê-se conta da colheita : 28 azeitonas bem nutridas. Que estão a ser curtidas, agora e durante uma semana, com mudança diária de água do Luso. Safra muito inferior a 2013, que teve a produção recorde de 49, embora muito mais pequenas em tamanho. Estas, já dão gosto pelo tamanho e aparência; veremos, mais tarde, o sabor. Mas há que dar graças à oliveirinha da varanda a sul, que tem cumprido o seu dever...

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

À margem


Vitor Silva Tavares (1937-2015) faleceu hoje. Era um dos últimos abencerragens da edição, que sempre funcionou fora do sistema e do circuito de interesses económicos que predominam, hoje, em Portugal. Editor independente, original e ousado, a ele se deve uma prestigiada colecção de livros de Poesia (e etc.),que sempre primou pela qualidade gráfica e de texto. Onde a par dos consagrados (Herberto Helder, por exemplo), incluiu autores e textos esquecidos, marginais, mas também novos e desconhecidos poetas. É, na verdade, uma perda importante e pesada para a edição livre e de qualidade, portuguesas.


em geminação com MR, no seu Prosimetron. Recomendo, vivamente, a audição de dois vídeos lá existentes, com entrevista a Vítor Silva Tavares.

Filatelia CVII


O que é Portugal é bom, filatelicamente. De longa data que os selos portugueses têm fama, mesmo no estrangeiro, como, até grande parte do século XX, os nossos Correios eram considerados dos mais eficientes do mundo. Lembro-me de deitar cartas, ao fim da tarde, em Coimbra, no início dos anos 60, sabendo de antemão que, em Guimarães, as iam receber, de certeza, na manhã do dia seguinte. Nunca falhou.
Se os selos portugueses, actualmente, mantêm um grafismo de excelente qualidade estética, como sempre (a imagem é elucidativa), outro tanto não se pode dizer do serviço dos CTT. Antes pelo contrário: é péssimo. Já nos tem acontecido termos mandado, no mesmo dia, 2 cartas, de Lisboa, uma para o Porto e outra para Coblença, e a segunda ter chegado primeiro à Alemanha. Creio que está tudo dito...

Guloso, mas ligeirinho...


É fantástica a capacidade de absorção e a rapidez vertiginosa de consulta de alguns internautas!
Ora, reparem, ontem, um lisbonense, provavelmente fervoroso, amador de Pintura veio ao Arpose consultar um poste sobre Nikias Skapinakis (1931), de 27/1/2013. Satisfeito, creio eu, pediu mais. Clicou no label Pinacoteca Pessoal, que tem nada menos de 100 postes, e gastou, perdulariamente, 31 segundos do seu, decerto, precioso tempo, nesta temática.
Ou ter-se-á chateado, e desistido logo ao princípio? Não, não creio que fosse tão inconsequente, volúvel e impaciente, o culto visitante...

Ex situ


Se, este ano, o zilreio contínuo dos estorninhos, ao fim da tarde, se me foi tornando habitual, na sua soada buliçosa, o mesmo não poderei dizer do bando de aves corpulentas que, ontem, domingo, por aqui estadiou, por cerca de meia hora.
Também nunca os tinha visto, em tão grande número, por estas bandas, nem mesmo por Portugal; em quantidade semelhante, só pelos campos da Germânia, na altura em que os tractores lavram a terra, os vira eu. Sobranceiros e altos, apareceram 2 ou 3 em az, primeiro, como exploradores, vindos de Noroeste; foram chegando mais até completarem um grupo de onze corvos. Empoleiraram-se nos pontos mais altos - antenas de tv - e, de lá, iam crocitando, de vez em quando. Pombas e pardais fugiram logo, até que os corvídeos, por volta das 17h30, seguiram para Oeste.
Com estes novos visitantes aéreos, quase apetece dizer que a ornitologia regional está a mudar de figurantes. Mas não deixei de me perguntar o que teria feito vir os corvos para estas bandas, pela primeira vez, pelo menos, em 30 anos...

domingo, 20 de setembro de 2015

Agnes Martin (Canadá, 1912-2004, E.U.A.)


Obra discreta, abstracta, para uma vida discretíssima, a pintura da canadiana Agnes Martin será objecto de uma retrospectiva na Tate Modern, que decorrerá até 11 de Outubro de 2015.

Osmose 56


Diluem-se legendas e nomes, muitas vezes, antes da cor. Fica talvez uma vaga atmosfera coincidente, no equilíbrio óbvio, geral.
A alegria é a mulher discreta do riso, que há-de acabar viúvo. Com o tempo empalidece, decerto contagiada pela irmã mais velha, mais doentia, que dá pelo nome vago de melancolia. Escusa-se a vir à sala, enfraquecida, a frágil, breve alegria. Deixa vazio o seu lugar à mesa.
Assim nasce a saudade.

à memória de F. J. V. C. F. e R. M. C. F..

5 regionalismos do falar do Baixo-Minho


1. Aparautar-se - aperaltar-se, ajanotar-se.
2. Escocho - esquerdino, canhoto.
3. Malota (ou Malòtinha) - corcunda.
4. Mirolho - vesgo, estrábico.
5. Zoupeiro - pessoa de movimentos morosos e andar pesado e lento.

Impromptu (19)


Theodor Seuss Geisel (1904-1991) foi um cartunista norte-americano muito popular e prolífico, com particular importância pelas suas intervenções gráficas e impressivas, durante o período da II Grande Guerra. Publicitário, foi também autor de várias dezenas de livros para crianças, sob o nome de Dr. Seuss. Aqui o lembro.

sábado, 19 de setembro de 2015

A flutuação e as vicissitudes dos clássicos


A propósito da citação do poste anterior, de Bulwer-Lytton, convirá sublinhar que a cotação dos clássicos, ou a sua importância, estará sempre sujeita a modas e às vicissitudes do tempo. Será que a nossa admiração actual pela obra de Bach seria a mesma, se Mendelssohn não tivesse recuperado as suas partituras, do limbo? Julgo que não. A reabilitação de Sá de Miranda muito deve aos trabalhos de Carolina Michaelis sobre as poesias do Poeta do Neiva. Trabalhos que mais tarde, em meados do século XX, foram prosseguidos por Pina Martins. E que ancoraram, poderosamente, no apreço que lhe dispensaram Jorge de Sena, David Mourão-Ferreira, Ruy Belo, Gastão Cruz... Cada geração recupera, quase sempre, gostos e tiques do passado, que respondem ou abordaram, noutras épocas, questões e problemas semelhantes aos do tempo presente.
Por isso me parece pertinente um texto que Malcom Schofield (TLS, nº 5867) dedicou ao filósofo estóico Séneca, de origem ibérica. E que, parcialmente, vou traduzir. Assim:
"Séneca tornou-se moda. O mercado foi inundado de novos livros sobre alguém que, na minha juventude, se dizia que fora um hipócrita, em vida, um filósofo de segunda ordem, o autor de absurdas tragédias irrepresentáveis ou dificilmente postas em cena, e, ainda por cima, durante vários anos o mentor do jovem imperador Nero. A sua reabilitação foi fomentada a partir de várias fontes. Séneca era um estóico em filosofia. O velho estoicismo, em si mesmo, tem sido objecto de um renascimento de interesse e respeito, não só por parte da Academia, mas até por parte de um público e audiência mais vastos. A sua abordagem das emoções, especialmente no que à terapia cognitiva diz respeito, acabou por provar-se particularmente atractiva. ..."

Citações CCLVI


Em ciência, lêde, de preferência, as obras mais recentes; em literatura, as mais antigas. A literatura clássica é sempre moderna.

E. G. Bulwer-Lytton (1803-1873).

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

BD portuguesa


A quem possa interessar, aqui fica a informação atempada, sobre esta mostra de Ricardo Cabral (1979?), na Casa da Cerca, em Almada.

Mecenatos


Eu creio que, a nível europeu, a Inglaterra e a França têm da ideia e concretização do mecenato, uma opinião ampla, saudável e útil, muito diferente do seu uso, ou pouco uso, em Portugal.
Terá sido posto à venda Le Bréviaire Royal de Saint-Louis de Poissy, manuscrito do século XIV, classificado como Tesouro Nacional francês. A obra foi uma encomenda de Filipe, o Belo, a Richard de Verdun, em memória do seu avô, o rei S. Louis. Com 600 páginas iluminadas, a obra é uma preciosidade única.
Pois a Biblioteca Nacional de França lançou uma campanha de subscrição pública e está esperançada em que, através de particulares e mecenatos, conseguirá reunir os fundos necessários para adquirir o valioso manuscrito.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Do jornal de hoje, uma questão filosófica, quiçá metafísica


Não há nada como crescer e aprender a dizer não, que é uma questão de maturidade.
Pese embora que a permissão de incluir o botão não, no feicebuque, esteja ainda a ser ponderada por distintas sumidades, através de reflexões profundíssimas, como regista o jornal Público, de hoje.
Provavelmente, depois, irão discutir o sexo dos anjos, outra questão muito importante e actual...

De "L'Obs.", a BD gaulesa


O que se vai bandadesenhando por França...

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Recuperado de um moleskine (16)


Chamam-me, às vezes, Vizinho, nas lojas outrabandistas que frequento. Não gosto, mas não protesto. No Mercado, creio que já deixaram de usar o abusado vocativo Amor ou Querido, em que as varinas e peixeiras caprichavam, numa pretensa intimidade escamosa e sedutora. Também os suportei algumas vezes, a estes substantivos, fazendo apenas uma cara mais séria. Agora, quando algum desconhecido me trata por Amigo, afino mesmo, e reponto...
Amigo sempre me foi palavra cara de concretização rara e difícil. Onde entra generosa fidelidade. Não isenta de exigência recíproca que, às vezes, não resiste a turbulências. Nem às tentações. Próximas e distantes, são as categorias e graus. Que o resto são meros conhecimentos humanos, fugazes quando avaliados pelo tempo, que, por circunstância, nos cruzaram os anos de vida, mas não deixaram marcas, nem perguntas, ao terem desaparecido.

Anotação das paisagens


Na zona outrabandista, desapareceram-me quase as andorinhas, substituidas, que foram, por pequenos grupos de estorninhos. Que eu nunca por lá tinha visto - valha-me isso!
E, na Avenida D. João V (Lisboa), o cocuruto dos jacarandás já se começa a tingir de lilás: vi-os hoje. Fiéis à sua memória brasílica, embora um pouco mais cedo do que o habitual.

A insustentável leveza do feicebuque


O uso arbitrário das palavras, ou o seu abuso, é uma das marcas do nosso tempo. Basta referir o uso imoderado do verbo adorar, para expressar, por tudo e por nada, o gosto impensado por alguma coisa. O jargão Adorei! tornou-se uma banalidade insignificante que, de tão repetida, já não quer dizer nada. Ou vale pouco. Mas há mais...
Miguel Sousa Tavares e Günter Grass põem alguns pontos nos is. E muito bem, do meu ponto de vista.


com agradecimentos a JQ, no seu Indícios.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Castiça, popular e do Baixo-Minho


Do meu corpete marelo
fiz um colet'ò meu home;
Cada cal pode coçar
no sítio donde le come.


Nota: a quadra popular foi colhida no livro Apontamentos acerca do falar do Baixo-Minho (1957), de F. J. Martins Sequeira. Mantive os erros ortográficos da versão original.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Lembrete 29


Para quem goste de Poesia, a não perder, hoje, anunciado para as 23h55, na RTP 2, um programa sobre Ruy Belo (1933-1978). Um dos grandes poetas portugueses do século XX.

Marcadores 27


O marcador é pobrezinho. Pois é, mas que se há-de fazer: A cavalo dado, não se olha o dente - vinha no interior do livro de que falei no poste anterior. Quanto à qualidade do "poema" que lá vem, por caridade, o melhor é nem dizer nada...

Da leitura (5)


O livro, entre romance e história, já saiu há uns anos (2001), editado pela Gótica e, creio, na altura, teve boa crítica. A segunda edição foi envolta em polémica (judicial?) entre o autor e o editor. Eu comprei a edição original, em Fevereiro deste ano, num alfarrabista de Campo de Ourique, por 3 euros. E acabei de o ler, ontem, ao fim da tarde.
Dizia-me um romancista amigo, aqui há uns bons 20 anos atrás, que um livro, quando extenso (Glória tem 480 páginas), tem de ser enchumaçado com muita palha, embora também deva ter 3 ou 4 pontos altos, para empolgar o leitor.
É o caso. E os pontos altos, com benevolência, serão 3, no máximo. O primeiro, na descrição do ambiente universitário coimbrão e na atmosfera política portuguesa (não esquecer que Vasco Pulido Valente é um dos especialistas na história do século XIX, nacional). Na narração, realista, do homicídio de Claudina, pelo marido. E, finalmente, o terceiro ponto alto: a descrição do degredo de Vieira de Castro, no seu último ano de vida, em Angola. Em tempo: as trancrições, extensas, de textos de Camilo, ocupam algumas dezenas de páginas...
O livro lê-se com fluidez, porque está bem escrito. Mas é uma estopada.

Citações CCLV


Julgamo-nos, a nós mesmos, por aquilo que sentimos ser capazes de fazer, enquanto os outros nos avaliam pelo que já temos feito.

Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882).

domingo, 13 de setembro de 2015

A par e passo 147


Uma época, a meus olhos, está bem definida quando ela sabe o que defende, o que desdenha, ou o que despreza; o que ela segue ou negligencia; o que ela exige, o que tolera, aquilo que a afecta e o que silencia. O corpo social tem as suas atracções e as suas repugnâncias, os seus rigores e as suas fraquezas, como todo e qualquer ser vivo.

Paul Valéry, in Variété IV (pg. 171).

Capilares...


...valter hugo pai?