segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Incursões Culinárias 26: Fabada Asturiana



Embora a paisagem das Astúrias me encante, sempre a olhei de passagem e nunca lá passei dias de férias. Por isso, o "recuerdo", reproduzido acima, veio por mãos amigas.
Hoje de manhã, com o dia cinzento e de pouco calor, foi o ideal para, então, cozinhar a "fabada". Segui a receita inclusa: 


E o resultado apresentou-se assim:


No final da refeição fizemos a nossa apreciação e achamos que os condimentos e o fumeiro dos enchidos eram bastante diferente dos nossos. 

Post de HMJ, dedicado a A.de A.M.

Memória (102)


Setembro era a fronteira de águas, entre o mar da Póvoa e o rio Ave.
A memória, porém, há-de ser sempre ingrata, pouco lógica e desapiedada, com os anos. Não perdoa o desaparecimento físico, nem tem em conta a diferença da pujança juvenil com a debilidade gradual dos corpos mais próximos e amigos - a marcha do tempo, inexorável, infinita.

Uma peça em forma de assim...


Ignorante, que sou, em conhecimentos sobre porcelanas e faianças, não me atreveria a classificar a peça, para mim curiosa, que deixo em imagens. Posso, no entanto, afirmar sem erro alguns factos concretos. Por exemplo que, por via materna, pertence à família, pelo menos, há três gerações. E se, durante a minha infância, esta peça de faiança serviu de fruteira, algum tempo, cedo foi substituida por outra, mais aerodinâmica, decorativamente mais sofisticada e moderna, de vidro.
Teimava eu, e ainda hoje insistiria nisso, que, pelos furos em ralo, existentes no receptáculo superior, que este objecto se destinaria a conter azeitonas ou, então, que serviria para deixar a secar pequenos cálices de aguardente, depois de lavados. Talvez porque tenha visto, nalguma taberna imemorial, objecto semelhante, com idêntico uso. Mas também pode ser que a memória me tenha atraiçoado, ou que a imaginação se tenha obstinado em atribuir-lhe uma qualquer função utilitária, que não meramente decorativa.



P. S.: tenho uma vaga esperança que Maria A., em passando por aqui, vinda do seu Arte, livros e velharias, com os seus amplos conhecimentos na matéria, me possa vir a elucidar, com segurança...

sábado, 29 de agosto de 2015

Florindo (3)


Antes ainda de encerrar o mês, fechou-se este ciclo vegetativo da orquídea na varanda a leste, na passada quarta-feira, ao abrirem os dois últimos brotos, dos dezasseis presentes. Sensivelmente, por alturas da Lua Cheia se ter constituído plena. Floresceram, em paralelo, dois a dois brotos, sucessivamente, em simultâneo. Numa aparente harmonia simétrica ordenada. As orquídeas veteranas mantiveram-se, assim, até à vinda das benjamins, como se numa solidariedade fraterna. Estes são os factos, que a beleza é mais difícil de dizer...

P. S.: a sombra rude e tutelar do pequeno e verde limão rugoso pareceu-me um bom contraponto, na imagem. Tive que deslocar, por isso, o pequeno vaso das orquídeas para as proximidades do limoeiro.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Mercearias Finas 105


Vai à maneira asturiana e por imagem esclarecida, esta receita de Chaputa (Chopa), à falta de Sardinha para pescadores e comensais portugueses. Porque "quem não tem cão, caça com gato". Não prometo é que saiba tão bem, ou melhor.
Anote-se e sublinhe-se o uso de Sidra que, pelo nosso lado, não é muito utilizada, mas os asturianos lá saberão... Curioso será o uso de uma "colherzinha" de pão ralado, provavelmente para engrossar o molho deste assado. Que o resto, são temperos comuns e ibéricos.
Cordialmente, aconselho um Branco encorpado (de Pegões, o colheita seleccionada, que o de 2014 está muito bom), ou o especioso Deu-la-Deu, alvarinho, sempre garantido. Mesmo o Herdade Grande, alentejano e branco, irá, seguramente, a contento, pleno.

com os melhores agradecimentos a A. de  A. M..

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Simenon-Maigret em português


Com as capas acusando a marca do tempo, embora o miolo se apresente em boas condições, O Cão Amarelo, de Georges Simenon (1903-1989), terá sido a segunda obra do escritor francês a ser traduzida para português, provavelmente em 1939. E com a garantia de ser uma versão de Adolfo Casais Monteiro (1908-1972), para a Empresa Nacional de Publicidade (ENP). O primeiro livro traduzido de Simenon foi Condenado à Morte (1932, Clássica Editora).
Só não refiro o preço por que o adquiri, hoje, no alfarrabista, para não ferir susceptibilidades e provocar invejas - porque foi muito barato, por diversas circunstâncias...

Citações CCLIII


A provocação é uma forma de repor a realidade em sentido.

Bertolt Brecht (1898-1956).

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Para uma antologia da "silly season" (5)


A ordem é uma obrigação da sociedade e um esforço da razão; o caos, aparentemente, uma circunstância intrínseca da natureza. Mas até nas coisas mais genuinamente populares pode existir um lado anarca, uma liberdade sem fronteiras simétricas e razoáveis ou prudentes, um surrealismo avant la lettre, numa explosão alacre, que pode aparentar-se com a criação mais naïf.
Ora, atente-se neste adágio, que mais parece um estribilho libérrimo e sem sentido:

Gente pouca em Paradança, Pardelhas e Campanhó; boieiros de Bilhó; caceteiros de Atei; caniqueiros e Zés Pereiras de Mondim; demandistas de Vilar e tolos de Ermêlo, quem mais quiser vá lá sabê-lo.

E mais não digo...

Adoniran Barbosa (1910-1982)


Uma espécie de Marceneiro brasuca, embora um pouco menos letrado. Mas com mais humor...

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Divagações 95


Há noites de Agosto que começam, pela excessiva frescura exterior, no silêncio quase absoluto. Não se ouvem os cães, nem o pio dos pardais, ou o clamor dissonante das vozes humanas vem sobressaltar a paz inteira, à volta.
Tentava eu descobrir se os 2 últimos brotos, da orquidea, iam abrir ao entardecer - não abriram, mas estão pejadíssimos (talvez amanhã). E, enquanto isso, lá acabei as palavras cruzadas do jornal, em lusco-fusco, quase às apalpadelas, que a luz já era rala...
A lua quase vai cheia, pouco falta para a sua redondeza ser completa. E a harmonia e o silêncio parecem tão perfeitos, que até apetece ficar, neste tempo sem tempo, para sempre, na varanda.

Meia dúzia de regionalismos madeirenses (2)


1. Baceira - indivíduo preguiçoso, ralaço.
2. Basconço - palerma, idiota.
3. Dar ao badame - irritar-se.
4. Bichinhas - arrecadas de criança, brincos.
5. Bizalho - pintaínho, orgão sexual das meninas.
6. Bodiona - galinha cinzenta, mesclada de branco.

Nota: este pequeno conjunto de regionalismos, da ilha da Madeira, foi escolhido de uma compilação efectuada por Jaime Vieira dos Santos, inserta na Revista de Portugal (vol. VIII, nº 39).

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Helen Mort (Sheffield, 1985)


Common Names


Algures, existe uma aranha chamada Harrison Ford,
outra espécie dá pelo nome de Orson Welles. O mar está cheio
de hipocampos que tomam apelidos dos ases desportivos. Por cima
das nossas cabeças uma solitária vespa Greta Garbo faz-se ao voo.

Todos os dias alguém adopta uma orca ou compra
um pedaço de lua para chamar-lhe Bob e, ontem à noite,
ao vermos os meteoros que navegam aos tropeções pelo céu
de Grasmere, disseste-me que há planetas menores baptizados como


Elvis, Nietzsche, Sr. Spock. Assim, perdoa-me que eu tenha desviado
o meu olhar, por cima da tua cabeça, para ver essas gotas prateadas
que formam os rios no escuro e, por breves momentos,
tenha podido pensar que havia estrelas com os nossos nomes.


Helen Mort, in Lie of the Land (2010).

domingo, 23 de agosto de 2015

Educar / Aprender


Há pouco, ouvi numa entrevista de Hannah Arendt (1906-1975), ela explicar dois conceitos de base, que lhe foram transmitidos pela mãe (o pai morreu, era ela muito jovem). Sendo judia, Hannah frequentava a Escola, quando o nazismo começou a ganhar espaço, politicamente.
As orientações eram simples: se algum professor fizesse, nas aulas, algum comentário injurioso sobre os judeus, a jovem deveria levantar-se e abandonar a sala. Em casa, teria de fazer a narração detalhada dos factos, para que a mãe escrevesse uma carta à direcção da Escola.
A segunda regra dizia respeito aos colegas do estabelecimento de ensino. Se eles fossem incorrectos e, eventualmente, lhe chamassem nomes, deveria ser ela própria, Hannah, a resolver o assunto.
Simples e claro: a hierarquização das competências - a cada um(a) a sua responsabilidade. 

sábado, 22 de agosto de 2015

O avoengo A. O. de 1945


Pelo pouco que sei, o AO de 1945 foi muito mais pacífico na sua aceitação, por ambas as partes (Brasil e Portugal), do que o actual, embora também tivesse tido os seus detractores. Mas Getúlio Vargas e Salazar terão tido, com certeza, uma influência pesada e dissuasora, quanto a eventuais veleidades...
Apesar de tudo, parece-me oportuno deixar por aqui, e da Revista de Portugal (Vol. VII - nº 39 / Dezembro de 1945), uma pequena amostra do AO de 1945, através do início do seu texto programático.

com um envoi muito especial a Artur Costa, em seu O Linguado.

A par e passo 145


Nós vemos rarefazerem-se diversas palavras, ou diversas locuções, que qualificavam ou designavam antigamente aquilo que se julgava de melhor ou de mais precioso e mais delicado no ser humano moral. Já não se diz que ele é um homem de bem; honra, ela mesma, periclita; a estatística já não lhe é favorável. Homem honrado, palavra de honra, ponto de honra, já são locuções moribundas, e não vemos facilmente, na linguagem actual, algo que as substitua.

Paul Valéry, in Variété IV (pg. 170).

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Recomendado : cinquenta e oito - L'Obs.


Há muito que eu não encarava a leitura de L'Obs. com tamanha expectativa. Este último número (2650) até dispensou as habituais 3 ou 4 páginas à moda, numa piscadela de olho às revistas róseas...
Há R. Capa, Chirac íntimo e amador de arte, Calais, uma nova obra relacionada com Simenon (L'Autre Simenon) recenseada, Arendt, Barthes, para ler. Promete!

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Encriptado


O casal não teria mais de trinta anos, e falava castelhano. No carrinho de bebé levava um filho de tenra idade. Em Sete Rios, hoje, quando o metropolitano se divisou, à entrada do túnel, a jovem sacou do telemóvel-máquina fotográfica e disparou. E passados uns 10 segundos, outra vez. Foi então que eu percebi que deviam vir de Las Hurdes. Mas do tempo de Buñuel...

Bibliofilia 122


O livro é velhinho, quase centenário (foi editado em Paris, no ano de 1920) e eu sempre tive curiosidade em ler esta obra de Dostoievsky (1821-1881), inicialmente publicada em 1862, que, a princípio e em tradução portuguesa (Estúdios Cor), se intitulava "Recordações da Casa dos Mortos". Em anos recentes, já no século XXI, a Assírio e Alvim editou-o sob o título "Cadernos do Subterrâneo".
Este "Mémoires Écrits dans un souterrain" estava, no meu alfarrabista de referência, desprezado, na prateleira do fundo (que um amigo meu, também frequentador, chama: a salgadeira...), o que significava que me iria custar 1 euro - barata a feira. Lá o trouxe.
Não sei se as Éditions Bossard ainda mexem, ou existem em Paris, no Boulevard Saint-Germain, nº 140, mas dos autores anunciados na contracapa (14), apenas conheço quatro: Maurice Barrès, Restif de la Bretonne, Balzac e Tagore. A erosão do tempo... Ou a efemeridade da moda.

Citações CCLII


A juventude não ama os vencidos.

Simone de Beauvoir (1908-1986), in Les Mandarins.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Memória (101)


Discretamente, faleceu ontem, no Porto, cidade onde nascera, o pintor Justino Alves (1940-2015).

Uma fotografia, de vez em quando (67)


Gaëtan Gatian de Clérambaut (1872-1934) era descendente, por via materna, de Alfred de Vigny, e, do lado paterno, os seus ascendentes chegavam a Descartes. Exerceu psiquiatria, em França, e era um profissional muito considerado. Jacques Lacan, anos mais tarde, considerava-o o seu único mestre. Quase cego, por problemas de cataratas, Gaëtan suicidou-se a 17 de Novembro de 1934. Morreu solteiro.
Para além da psiquiatria, dedicou-se, também, intensivamente à fotografia, e o seu acervo conhecido é composto por cerca de 30.000 fotos. Mais do que a qualidade estética da sua obra, o que surpreende é que, a grande maioria das suas fotografias registam mulheres árabes (Marrocos) veladas, numa obsessão ou delírio que nos parecem singularíssimos e estranhos, mesmo para a época.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Aguarelas em Cambridge


A professora de Cambridge, Susan Owens (1954) refere, muito sabiamente, que "os pigmentos da aguarela oferecem aquilo que a pintura a óleo não pode dar: a sua transparência, que permite que a luz se possa reflectir para fora do papel, criando um efeito luminoso."
Não será só por isso que eu tenho um particular apreço pelas aguarelas, mas também pela frágil suavidade das suas cores precárias.
O museu Fitzwilliam, de Cambridge, tem um acervo considerável destas pinturas e decidiu promover uma exposição temática, em torno do século XVIII e da paisagem inglesa. A mostra estará aberta ao público até 27 de Setembro de 2015. E integra obras de Turner, Ruskin, Cozens e muitos outros.
Deixo em imagens, sequencialmente: "Lake Nemi" (1788) de J. R. Cozens (1752-1797), "Yorkshire Fells" (1812), de Peter de Wint (1784-1849) e "Appledon, Devon", de Thomas Girtin (1775-1802).

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Em reparação, e louvor


A fidelidade não tem preço, ou aquilo por que a entendemos. Raríssima entre os seres humanos, encontra um terreno de eleição entre os bichos e o homem. Cães sobretudo, que os gatos são mais interesseiros, normalmente, e egoístas.
Em outro reino, não o animal, eu tenho uma relação singular com uma sardinheira (gerânio) de flores brancas, habitante de um velho vaso que, com o tempo e a água, se vai esfarelando por fora. A planta, na varanda a leste, acompanha-me, tutelar, há mais de 30 anos, e parece observar-me, ou proteger-me, lá do alto e do lado esquerdo, quando me sento para ler, escrever ou, simplesmente, estar.
São singelas as flores, na sua brancura sucessiva (a não ser quando começam a murchar acinzentando o seu tom, até cairem), mas ao longo deste tempo todo, de Inverno ou de Verão, não houve um dia, um único dia, em que não me banhassem com a sua alvura e presença, vindas dos seus ramos envelhecidos.
A isto chamaria eu, com propriedade, uma grata, imensa fidelidade. Em troca de algumas gotas de água que, sempre com estima, lhe vou dando, de vez em quando.

J. E. Agualusa, em inglês


Iniciado o texto, no TLS (nº 5862), por uma citação da socióloga francesa Christine Messiant (Em Angola, até o passado é imprevisível), Lara Pawson aborda, em crítica, não muito favorável, a última obra de José Eduardo Agualusa (1960), traduzida para inglês. Ao contrário, a tradução desse mesmo livro A General Theory of Oblivion (Teoria Geral do Esquecimento, 2012), efectuada por Daniel Hahn, merece-lhe uma elogiosa referência.

domingo, 16 de agosto de 2015

Citações CCLI


A necessidade poupa-nos ao embaraço da escolha.

Vauvenargues (1715-1747), in Refléxions et Maximes.

Interlúdio 52


Receita

Experiência é uma comparação prolongada.
Porque a dúvida, sendo em última instância uma gaguez afectiva da sensibilidade, abstém-se, delicadamente, em afirmar.
Tomem-se três livros de ficção, em boa calma; depois, leiam-se 2 páginas de cada um, ao calhas, de forma concentrada e responsável: o que mais se nos afeiçoar, é porque é o melhor. Mesmo assim deixe-se a abeberar a decisão, por uns cinco minutos, em banho-maria.
Com alguma sorte, até pode ser que o escolhido tenha qualidade literária.
A fartura permite esta exorbitância diletante.

P. S. : decisão tomada - Angústia, de Graciliano Ramos.


sábado, 15 de agosto de 2015

Sobre antologias de Poesia


O penúltimo TLS, pela pena de Justin Quinn, dedica um extenso comentário (Outsourcing Politics) à actividade de A. Alvarez (1929), como crítico de poesia e antologiador. O ponto de partida é a sua antologia de 1962, The New Poetry (Penguin Books), obra polémica mas, ainda hoje, utilíssima e incontornável, sob vários aspectos, para a abordagem da poesia britânica do século XX.
Uma antologia é uma espécie de campo santo, onde ficam exarados os nomes maiores de uma determinada época, filtrados pelo gosto e critério do antologiador. A selecção resultante será sempre discutível e, nem sempre, isenta, até porque se trata de uma escolha pessoal, sujeita às regras do tempo.
Se a obra Poesia Portuguesa do pós-Guerra 1945-1965 (Editora Ulisseia, 1965), de Afonso Cautela e Serafim Ferreira, se destinava a seleccionar a dita poesia de combate, ou comprometida, creio que terá cumprido o seu desiderato. É inclusiva, mas, hoje, muitos dos poetas, que lá constam, já quase ninguém os conhece ou se lembra deles - é o que faz o tempo a grande parte das obras engajadas.
Quanto às celebradas Líricas Portuguesas (1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries), da Portugália Editora, publicadas nos anos 60, elas são, ainda agora, um útil documento de consulta, tendo mantido a sua actualidade crítica. Muito embora o critério de escolha dos antologiadores não fosse uniforme, nem coincidente. Prova disso é o facto de Jorge de Sena, na 3ª série, ter repescado nada menos de 7 poetas que não tinham constado, epocalmente, da 2ª série, organizada por Cabral do Nascimento.
Mais facciosa, e a mais restrita de todas é, porém, a escolha de Herberto Helder, na sua Edoi Lelia Doura (Assírio e Alvim, 1985), que tanta polémica causou e em que ele antologiava apenas 18 poetas portugueses de sua preferência - um campo santo muitíssimo particular...


De John Mole (1941), mais um poema traduzido


Old Boy

A paz do seu espírito
é uma sala de um clube. Membros folheando
fazem sussurrar as páginas no The Times
e tossem, lêem os óbituários
com discordância triste.
Alguém murmura
ali para o canto
no particípio presente
e contra todas as regras.
Alguém que tem ainda de aprender
que a memória pode preencher
um cálice de brandi, como
o tempo deve passar assim
de um para outro dia
sem perturbação,
enquanto a luz lá fora
vai cheia de ruídos
nos negócios de cada um
excepto o seu. A quietude
no seu espírito, a sua muda
pertença exclusiva
de que era mesmo o exacto clube
para ele - e por essa razão nele se inscreveu.


John Mole, in TLS (7/8/2015).

Adagiário CCXXVII (enológico)


1. Vinha posta em bom compasso, no primeiro ano dá agraço.

2. Vinho que baste, carne que farte, pão que sobre e seja eu pobre. 

Mercearias Finas 104


Efabulemos. Que o que eu sei de enologia é tudo empírico, não chega para afirmações ou conclusões científicas, sólidas, robustas. Robusto, mas não redondo, era este "Mata Real", tinto de 2014, da Adega Cooperativa do Redondo, um pouco áspero, ainda, rústico e bruto, barato e modestíssimo de preço, nos seus 14º graus alentejanos, que denunciavam uma pujante vitalidade natural. Compunham-no a Trincadeira, o Aragonês (Tinta Roriz, a Norte) e o Alicante Bouschet. E eu até não me dou muito bem com a Trincadeira que, muitas vezes, me assanha a colite, casta de que ouvi, aqui há uns anos atrás, rasgados elogios de quem sabe: o sr. Holstein Campilho, da Quinta da Lagoalva.
Mas, voltando ao "Mata Real" tinto, o seu aroma, no copo, era o cheiro das adegas rurais, escuras e térreas, quando se entra; o sabor, na boca, a fruta verde, que tem de perder a inocência bravia, como as donzelas, para abrir e chegar à doçura experiente da maturidade. E foi assim que magiquei e pensei comprar mais 2 ou 3 garrafas, e deixá-las a amadurar quatro ou cinco anos, pacientemente, para, depois, ver e beber. Se eu lá chegar...
Ah! O "Mata Real", tinto de 2014, acompanhou um bife de atum, belíssimo!

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Os Trabalhos e os Dias 7: Outras Histórias



Os objectos mais vulgares do nosso quotidiano escondem, frequentemente, uma História, com letra maiúscula, interessante e apaixonante. Tais Histórias enquadram-se, normalmente, em áreas afins – quiçá de ciências auxiliares – independentemente da sua utilidade para uma imensa minoria de investigadores.

A reprodução do livro em epígrafe, publicado em Julho de 2015, dá-me o mote para falar dessa imensa minoria que se dedica ao estudo e à História do Papel em Portugal. A autora, Maria José Ferreira dos Santos, fala-nos do “percurso milenar” do papel para se centrar, sobretudo, no aspecto mais apaixonante, a saber, da filigrana e da marca de água do papel.

Para os menos informados e versados na matéria, explica-se, então, que a palavra  filigrana, para além de outros significados, “corresponde à figura formada por finos fios metálicos, cosida ou bordada sobre a superfície da teia da forma” – moldura que segurava a “papa” de trapos – e que “ocasiona áreas de uma maior transparência, visíveis em contraluz. Ou seja, a filigrana dá origem a uma marca na folha de papel chamada marca de água.”


Ora, o livro em apreço apresenta, portanto, o resultado de um projecto de investigação, registando marcas de água em documentos – manuscritos ou impressos – provenientes dos acervos da ANTT, BNP e BPE – que integram a colecção da Tecnicelpa.

No espaço europeu existem, de facto, estudos muito interessantes sobre a História do Papel, para além de bancos de dados de marcas de água – acervo indispensável para investigações documentadas. Para Portugal dependíamos, para além de contribuições parcelares e avulsas, do trabalho pioneiro de Ataíde e Melo que reproduziu algumas marcas de água.

A actual publicação, acompanhada do respectivo cd-rom com imagens, vai no bom sentido de dotar o país de um banco de dados – da MARCAS DE ÁGUA – tão necessário como interessante.

Um agradecimento especial aos artífices na reprodução das marcas de água.


Para o A.de A.M., obviamente

Post de HMJ

Citações CCL


Os italianos são os franceses de bom humor.

Jean Cocteau (1989-1963), in Maalesh (1949).

Português em destaque (8)


Não é todos os dias que um jornal estrangeiro de referência (Le Monde, neste caso) dedica quase uma página a um escritor português. Por outro lado, não me dei conta que algum orgão de comunicação luso desse notícia do facto. Preconceitos, ignorância, distracção, esquecimento?
Aqui registo, para que que conste e com júbilo pessoal, o artigo de Le Monde sobre a figura e obra de José Saramago.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Um conto de Thomas Mann


...Entre os meridionais, a loquacidade é um ingrediente da alegria de viver e têm por ela maior estima do que os do norte. Há reputações que nascem da língua pátria, unicamente requerem dizeres e fonética. Assim, é um prazer falar e outro ouvir, mas ouvir atentamente, para poder formar juízo e medir a personalidade de cada indivíduo pela sua conversa. Uma conversa negligente inspira desprezo; pelo contrário, a elegância e cor na linguagem, inspiram respeito e admiração. Vem daí, o esmero cuidado com que as pessoas de condição humilde adornam as suas frases. ...
Thomas Mann (1875-1955), in Mário e o Hipnotizador (Editorial Hélio, Lisboa, 1948).

O curto excerto, que reproduzo acima, em tradução (que me parece cuidada) de Maria da Paz Marques Ferreira, do conto Mario und der Zauber (1929), de Thomas Mann, não é, de forma alguma, amostra suficiente da riqueza enorme desta novela do grande escritor alemão. É uma narrativa de intervenção, política, mas onde não são descuradas nunca as preocupações de qualidade literária. Pode até ser lida como uma fábula sobre o fascismo emergente (estavamos no limiar dos anos 30), mas seria reduzir o conto à sua expressão mais simples. É sobretudo um texto sobre a multiplicidade das reacções da condição humana, sob circunstâncias exteriores subtis de domínio cénico e mental, e a resposta individual, às vezes, única e fatal. Mais ainda, talvez o que mais importa, na leitura do conto Mário e o Hipnotizador, de Mann, não é tanto o que o Escritor conta, mas o que deixa supor e faz reflectir.

Após a leitura, congratulei-me, intimamente. Tenho visto muitos blogues que, semanalmente (ou mesmo diariamente), recomendam a compra de mais uma novidade saida para as livrarias (eventualmente, estarão disfarçadamente ligados a editoras, ou serão pagos para esta função apologética e venal...); outros bloguistas inebriam-se, facilmente, com frioleiras que terão a vida breve de 2 ou 3 meses - e que serão rapidamente esquecidas e relegadas para as feiras de livros do Metropolitano, a 5 euros, cada. A habitual falta de sentido crítico, ingénua e portuguesa...
Retrogradamente, não costumo andar febril e sedento a comprar as últimas edições para, depois, em 20 obras novas, encontrar 1 que mereça ser lida - já não tenho tempo, nem paciência para isso... Voltar atrás, aos clássicos é, quase sempre, um investimento muito mais seguro e proveitoso.

Comic Relief (112)


Algures, na planície alentejana, no interior dum café...

com agradecimentos a C. S. .

Adenda pessoal ao poste anterior, de Valéry


A invasão progressiva de termos anglo-americanos, sobretudo na captação e colonização das áreas da informática e da economia, denuncia o império.
Porque, ao contrário dos nossos irmãos brasileiros, não fomos capazes nem temos sequer a diligência ou preocupação de criar palavras portuguesas que os signifiquem ou traduzam.
Mais, para alguns (comentaristas, economistas, informáticos, provavelmente mal servidos de conteúdo lexical), a utilização desses jargões anglo-americanos é uma forma de se distinguirem (ou assim o devem pensar), como iniciados de uma nova ciência oculta.
Compreende-se assim, também, que palavras como pátria, nacional, e algumas outras, sejam tão pouco usadas, ou envergonhadamente, e comecem a cair em desuso, em troca desse pretenso cosmopolitismo, parolo.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A par e passo 144


... a função de acolher ou eliminar elementos da linguagem, pode esclarecer o observador sobre muitos dos fenómenos da vida social, normalmente lentos para serem perceptíveis, e para não figurarem num período bem determinado. Uma palavra que aparece, que se impõe, é muitas vezes todo um mundo de relações, toda uma actividade, que denuncia. Uma palavra que perde o seu vigor, ou o seu império, a sua frequência e espontaneidade, uma palavra que não mais é honrada senão por nós, no nosso dicionário mais íntimo e reservado, por uma espécie de caridosa piedade, pela memória, e é como as cinzas de uma ideia que deixou de existir, essa palavra, pelo seu próprio declínio, pode ainda ensinar-nos alguma coisa: o desuso que ela mesma confere a um termo moribundo, tem uma espécie de suprema significação.

Paul Valéry, in Variété IV (pgs. 165/6).