terça-feira, 30 de junho de 2015

Recuperado de um moleskine (13)


Se para um sim o silêncio basta para o significar, como aquiescência, o não obriga, normalmente, a que a palavra seja pronunciada, para o expressar.
Sobre o não (ou non) falou, há muito, o Pe. António Vieira (1608-1697) num sermão célebre ("...Terrível palavra é o non."), e por palavras; Manoel de Oliveira (1908-2015) glosou-o, sobretudo em imagens.
Forma última de defesa e sinal inequívoco de maturidade, o não é, muitas vezes, um sinal de desconforto, para quem o pronuncia e para quem o recebe. Mas, até mesmo nas crianças, pode indiciar um modo de afirmação pessoal. E, nem sempre, apenas de rebeldia, caprichosa.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Apontamento 69: Deformação




Se, entre outros aspectos, a Grécia enriqueceu, ultimamente, o restante espaço europeu, terá sido, seguramente, pelo seu contributo na “re-definição” dos meios de comunicação social.

Aliás, a tendência oculta de transformar os “meios de informação” em “veículos de deformação” tem um início bem definido: o avanço de Bush sobre o Iraque e a sua “campanha de informação”, com uma fotografia em que não faltou o nosso “Zé Manel”. Para os que continuam com dúvidas sobre o efeito da estratégia, não vale a pena pôr “flores” numa qualquer praia tunisina, porque são “lágrimas de crocodilo” que não convencem os espíritos esclarecidos.

De momento interessa-me mais, pelo incómodo intelectual que provoca, falar do triste espectáculo a que a Alemanha se tem prestado sob a égide de uma qualquer “angélica” de duvidosa clarividência. Na suposição de se tratar da “pessoa feminina de política” mais poderosa – sabe-se lá o que tal significa para a capacidade intelectual inerente – pergunta-se, pois, o que significa a sua última afirmação pomposa: “falha o Euro, falha a Europa”. E a responsabilidade principal não será da “pessoa mais poderosa” no meio deste baralho de actores secundários e figurantes ?

Aconselho, vivamente, um artigo no DIE ZEIT de 28.6.2015 sobre a “SALADA METAFÓRICA DA CRISE”, grega, claro ! Belíssimo trabalho jornalístico, explicando a origem e o efeito de metáforas, analisadas no seu propósito de modificar o pensamento do cidadão “de mansinho”.

A deformação dos meios de comunicação demonstra, claramente, que o jornalismo – sério e de informação – se encontra em declínio. São poucos os jornais que fornecem INFORMAÇÃO, deformando, lenta mas decididamente, as cabeças dos cidadãos.

E o “anjo” mais poderoso da Europa não sabe o que há-de fazer perante tanta miséria ???

 Post de HMJ

Na esplanada a oeste


Na praia de Sto. António, e no dia de S. Pedro, para um único pescador, há cerca de 20 surfistas. O pescador debruça-se do molhe, para as águas, os surfistas, no mar, aguardam rebentações à altura, que a maré vai enchendo.
Há, no mínimo, 5 rebentações sucessivas, embora pouco cavadas, até as ondas morrerem na praia, numa fímbria de espuma escurecida. Entre um verde quase alface e um azul suave, as ondas encaracolam de branco, logo após se formarem.
Lembro-me que, na Póvoa, eu conseguia chegar até à sétima rebentação, com pé. Depois, seguindo a corda do pipo flutuante, ainda podia, em segurança, boiar mais um metro. Era a partir daí que se iniciava a natação e toda a liberdade da aventura pelas águas.

Desabafo (3)


A sociedade de convivência existe, mas é minha convicção que apenas nos seus aspectos mais decorativos e formais. O espírito crítico ou a ponderação tranquila, a argumentação racional dialogante, nunca foram apanágio da Lusitânia, tirando alguns nomes de excepção.
Grécia, Sócrates, Justiça, Porto ou Benfica (para não me alongar mais...) convocam, sempre, uma transversal divisão agressiva, normalmente irracional (até há quem se gabe disso, com orgulho regional ou rural). Como nunca há regra sem excepção, talvez o PR Cavaco consiga um quase pleno de unanimidade, para um único lado. Não admira, porque é um cidadão singular.
E é escusado, mesmo num futuro longínquo, esperar conversões ou julgamentos isentos numa equidistância de frieza militante, que sempre nos faltou. Ardemos em pouco lume e, normalmente, mal. Não somos de grandes rupturas, até porque somos pouco perseverantes, prefimos as águas mansas da hipocrisia, muitas vezes, por comodismo. Está-nos na natureza e no ADN atávico.
Nem a N. S. de Fátima nos vale!...

Regionalismos transmontanos 85


1. Xardo - alcunha que se dá aos judeus.
2. Xarumelas - diz-se de crianças que choram muito.
3. Xastre - o mesmo que chastre, alfaiate.
4. Xebre - enxabido, insonso, sem graça, sem condimentos.
5. Xéu - pessoa ordinária, desprezível.
6. Xoninhas - indivíduo acanhado, molangueirão.

Citações CCXLII


O futuro é um paraíso donde, exactamente como do outro, ainda ninguém regressou.

Pierre Reverdy (1889-1960), in En vrac.

Scriabin / Petrenko : pequeno excerto de "O poema do êxtase"


(Não me lembro de alguma vez ter visto um Maestro tão exuberante e expressivo como Kirill Petrenko [1972]. Nem Karajan... Parece que os alemães acham que ele é um romântico. Pois seja!...)
Kirill Petrenko foi escolhido para ocupar o cargo de Maestro da Orquestra Filarmónica de Berlim, a partir de Agosto de 2018. Neste aspecto, pelo menos, os alemães são muito previdentes. De origem judaica, Petrenko nasceu na Rússia.

domingo, 28 de junho de 2015

Adagiário CCXXIV


Se estivermos molhados, já não temos medo da chuva.

Provérbio grego

De Saramago, 4 pontos de reflexão


Para lembrar os 5 anos sobre a morte de José Saramago (1922-2010), o antepenúltimo jornal Expresso (13/6/2015) publicou um texto, que andava inédito, do Nobel português. O texto fora lido em Sevilha, no ano de 1991, e dele retirei alguns excertos que me pareceram mais significativos e bons pontos de partida para uma reflexão pessoal. Seguem:
- Como sempre aconteceu desde o começo do mundo e sempre continuará a acontecer até ao dia em que a espécie humana se extinga, a questão central de qualquer tipo de organização social humana, da qual todas as outras decorrem e para a qual, mais cedo ou mais tarde, todas acabam por concorrer, é a questão do poder, e o principal problema teórico e prático com que nos enfrentamos consistirá na necessidade de identificar quem o detém, de averiguar como chegou a ele, de verificar o uso que dele faz, os meios de que se serve e os fins a que aponta.
- Também insistentemente se afirma que a democracia é o menos mau sistema político de todos quantos até hoje se inventaram, e não se repara que talvez esta conformidade resignada com uma coisa que se contenta com ser "a menos má" seja o que nos anda a travar o passo que porventura seria capaz de conduzir-nos a algo "melhor".
- Efectivamente, dizer hoje "governo socialista", ou "social-democrata", ou "democrata-cristão", ou "conservador", ou "liberal", e chamar-lhe "poder", é como uma operação de cosmética, é pretender nomear algo que não se encontra onde se nos quer fazer crer, mas sim em outro e inalcançável lugar - o do poder económico -, esse cujos contornos podemos perceber em filigrana por trás das tramas e das malhas institucionais, mas que invariavelmente se nos escapa quando tentamos chegar-lhe mais perto e que inevitavelmente contra-atacará se alguma vez tivermos a louca veleidade de reduzir ou disciplinar o seu domínio, subordinando-o às pautas reguladoras do interesse geral.
- Num mundo que se habituou a discutir tudo, uma só coisa não se discute, precisamente a democracia. Melífluo e monacal, como era o seu discurso retórico, Salazar, o ditador que governou o meu país durante mais de quarenta anos, pontificava: "Não discutimos Deus, não discutimos a Pátria, não discutimos a Família". Hoje discutimos Deus, discutimos a pátria, e só não discutimos a família porque ela própria se está a discutir a si mesma. Mas não discutimos a democracia.

O (des)prazer da leitura


É indiscutível que "A morte de Virgílio", de Herman Broch, é um livro de culto. Quero eu dizer com isto que as elites bem-pensantes o aconselham, como politicamente correcta e conveniente a sua leitura. Não desprezo estas indicações culturais, mas elas não me obrigam, religiosamente, nem as sigo cegamente. Tenho opinião própria, que prevalece, em matéria de leituras. Creio ser pouco influenciável neste aspecto e acho, também, que as listas de best-sellers são meros jogos viciados e comerciais, com valor semelhante às sondagens. Convém lembrar, por exemplo, que as montras das livrarias, hoje, são pagas pelas Editoras - é o outro lado. As duas faces da moeda: o populacho e o intelectualóide.
Depois da épica leitura de "Guerra e Paz", de Tolstoi, que encarei como desafio e compromisso, achei que estava em condições de arrostar com mais um dos esquecidos e abandonados volumes da minha biblioteca.
Calhou a vez a H. Broch. E lá reiniciei, cheio de boa vontade, a leitura de "A morte de Virgílio". A canícula dos últimos dias e um tédio, que me é próprio, ciclicamente, acompanharam as primeiras 128 páginas do livro, em que um onirismo barroco torrencial denuncia o cenário finissecular vienense que, artisticamente, tem em Klimt a expressão mais elegante e suportável. Se alguns excertos, nestas últimas horas de vida do Poeta romano, no exílio de Brindisi, são exemplares a configurar o processo da criação poética, pela pena de Broch, o circundante é excessivamente caótico, chegando mesmo a ser pernóstico pelo excesso. Lembrei-me de Pessoa (Ai que prazer/ Não cumprir um dever,/ Ter um livro para ler/ E não o fazer...) e abandonei, definitivamente, a leitura - chegava de penitência...
Bem mereço um Simenon, daqueles que guardo com avareza (para ler) e usura gulosa! Último dos Maigret que a Vampiro (nº 639), no seu antigo formato, traduziu e editou (Outubro de 2000), e que não li ainda. O título não é desconforme com o sentimento resultante das minhas leituras de Broch: A paciência de Maigret.

Divagações 92


Branca e baça, ainda, a lua lá vai crescente, no azul que desmaia gradualmente. As luzes começam a acender-se, pouco a pouco, quase a um ritmo minucioso e milimétrico, no horizonte.
Uma mulher ao longe, da janela, vai pondo roupa lavada e húmida (mal se agita, apesar da leve aragem) nos varais. À distância, parece ter uma touca branca na cabeça. Terá acabado, também, de tomar banho?
Nunca saberei o bastante, por agora, destes dois longuíssimos rebentos, girafais, ainda cegos de verde inteiro que despontam no vaso da orquídea, na varanda a leste, parecendo prometer um florescer inédito, depois de 2 (3?) anos de silêncio floral.
Duas andorinhas jovens parecem querer acasalar em pleno voo. Andam nisto, um ou dois minutos, até que uma terceira (o eterno triângulo) interrompe o oaristo e o voo nupcial.
Tudo isto num cenário outrabandista de silêncio quase total. Como convém à noite, para entrar.

Curiosidades 44


Tal como as modas, também o cultivo das vinhas obedece a gostos temporais. Se a casta Códega do Larinho (transmontana de origem, creio), para vinhos brancos, vem colhendo muitas preferências nos produtores, actualmente, a celebrada Tinta Roriz (no Sul, Aragonês), que os espanhóis consideram imprescindível nos Vega Sicilia da Ribera del Duero (chamam-lhe Tempranillo), parece estar a ser menos cultivada, em Portugal.
Falta-nos um estudo amplo e detalhado sobre as castas de uvas lusitanas, apesar de, em relação ao território, sermos dos países europeus com maior diversidade de espécies autóctones. Mais de duas centenas, ao que se diz.
Chama-se Ampelografia, ao estudo e caracterização das cepas. E, nesse domínio, o monegasco e nonagenário Pierre Galet (1921) dá cartas, por este mundo fora. Com os seus amplos conhecimentos enológicos, publicou recentemente um Dictionaire Encyclopédique des Cépages em que caracteriza, descreve e explica uma enorme quantidade de castas de uvas. Nada menos de 10.000...


sexta-feira, 26 de junho de 2015

Idiotismos 31


Se há palavras cuja filiação é imediatamente perceptível, outras há cuja origem não é fácil de descortinar. E as próprias pesquisas, que fazemos sobre elas, muitas vezes, ainda nos deixam grandes dúvidas.
A primeira vez que ouvi (ou li?) dizer a palavra gajé, foi em Lisboa. Do Norte, não a conhecia eu. Nessa altura, e por associação com calé, pensei que o adjectivo tivesse raiz cigana. Não tem.
Há dias, voltei a lembrar-me desse termo, ao ouvir mais uma vez o grande Marceneiro a cantar "O leilão da casa da Mariquinhas" ("...ainda fresca e com gajé..."), com letra de Linhares Barbosa, fado que coloquei, recentemente, no Arpose.
Ora, gajé significa garbo, donaire, elegância, airosidade, segundo vários dicionários. O Analógico, de Artur Bivar, dá o termo como: popular. Houaiss, porém, dá-o como derivado de gage (garantia), um francesismo, portanto. Em que ficamos? Que, por aqui, há discórdia, e da grossa...
Seja como for, a palavra, mesmo que alfacinha, continua a parecer-me estranha.

Quadra popular, sanjoanina e brejeira


Quando saltaste a fogueira
eu vi o teu manjerico,
não há ramo de cidreira
para o estado em que fico.

Autor anónimo


Agradecimentos a A. de A. M..

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Muros, ou a constatação dos factos


Eles existem por todo o lado: entre os Estados Unidos e o México, entre Israel e o Estado Palestiniano...
Mas se falarmos da Europa, havia o Muro de Berlim, que foi derribado, e vai haver, também, em breve, um novo muro entre a Hungria e a Sérvia, construido pelos húngaros, porque acham que a UE fala, fala, mas não faz nada de útil...
Uma única diferença (de direcção): se o de Berlim era para não deixar sair cidadãos do Leste para o Ocidente, o muro da Hungria é para não deixar entrar os refugiados do Leste e do Sul.
Os extremos sempre se tocaram... 

Nota breve sobre um Bibliófilo desaparecido


Apagou-se com a mesma discrição com que surgia no seu Alfarrabista preferido. A sua entrada denunciava, aos mais habituados, a existência de alguma biblioteca rica em obras raras, comprada recentemente, e que só era posta à venda, nas estantes, depois de A. D. lhe dar uma vista de olhos, no corredor vedado aos restantes clientes. A sua fraqueza eram os incunábulos, mas sobretudo os livros quinhentistas, de preferência portugueses.
Discretíssimo, nem mesmo nos leilões de livros a sua voz se alterava ao licitar algum lote, ou as emoções transpareciam do seu rosto fechado. Notava-se apenas uma expressão de bem-estar tranquilo, na face, sempre que o livro apetecido lhe passava para as mãos. A terceira parte da almoeda da sua riquíssima biblioteca decorreu há pouco mais de uma semana. A alegria, talvez menos discreta, da posse, perpassou decerto por outros rostos...

quarta-feira, 24 de junho de 2015

"...Até das próprias janelas / venderam-lhe as tabuínhas..."


O Oceanário, a TAP, os terrenos da antiga Feira Popular de Lisboa... Portugal, nos últimos tempos, tem sido uma imensa almoeda, promovida por uns comerciantes ronceiros e venais que, se pudessem e ela tivesse algum valor e préstimo, venderiam a própria progenitora, para arrecadar uns tostões.
Disgusting times, porque nem em português eu encontro palavras que definam o meu estado de espírito e sublinhem este fartar da vilanagem.
À guisa de consolação, lembremos Marceneiro:



Uma fotografia, de vez em quando (63)


Como em quase todo o tipo de arte, uma fotografia pode sugerir ou contar uma história, ou, simplesmente, ser. Ou seja, através de múltiplos aspectos (expressivos, dramáticos, estéticos...) ou sensações que desperta no espectador, ser uma obra de arte, ao focar um momento de visão humana singular, aparentemente, irrepetível e perfeito.
É sobretudo essa diferença, grande e de grau, que separa a produção banal e amadora, ainda que eficiente, da obra de arte objectiva. Mas esta diferença raramente é perceptível para todos. Por falta de conhecimento específico, por ausência de sentido crítico suficiente. Daí um certo tipo de cegueira comum, que permite a confusão e mistura de grau, entre as obras. Que, nem sempre, são arte.
Eu próprio tenho alguma dificuldade, até porque não sou especialista na matéria, em destrinçar e avaliar, com rigor, a obra da fotógrafa judia Dorothy Bohm, nascida em Koenigsberg, no já distante ano de 1924. Influenciado, talvez, por esta magnífica fotografia de 1963, que ela fez sobre o empedrado de Lisboa.

Ou, ainda pelo instantâneo com que fixou uma cena, em 1953, no Jardim das Tulherias, em que uma pequena criança, agasalhada, parece conduzir e comandar um cão desmesurado...


Mais 2 pequenos poemas de Antonio Gamoneda


As unhas de animais inexistentes arrancam os nossos olhos
aos sonhos.

É assim a noite.
...

Acerquei os meus lábios das tuas mãos, e a tua pele
tinha a suavidade dos sonhos.

Algo parecido com a eternidade roçou pelos meus lábios
um instante.

A par e passo 139


A vida moderna tende a poupar-nos ao esforço intelectual tal como o faz em relação ao esforço físico. Ela substitui, por exemplo, a imaginação pelas imagens, o raciocínio pelos símbolos e escrita, ou pela mecânica; e muitas vezes por nada. Ela oferece-nos todas as facilidades, todos os meios simples de atingir os objectivos sem ter de cumprir um caminho. E se isso é excelente, não deixa de ser também perigoso. (...) A necessidade do esforço físico foi amortecida pelas máquinas, o atletismo veio, muito felizmente, salvar e mesmo exaltar o ser musculado. Será necessário talvez pensar na utilidade de fazer pelo espírito o que era feito pelo corpo. Eu atrevo-me a afirmar que tudo aquilo que não exija esforço não é senão tempo perdido. Mas há, com certeza, alguns átomos de verdade nesta fórmula atroz.

Paul Valéry, in Variété IV (pgs. 141/2).

terça-feira, 23 de junho de 2015

Música e Poesia LXIV


As imagens deste vídeo, do meu ponto de vista, acusam um novo-riquismo excessivamente exuberante, para o meu gosto...
Mas este Dueto das Flores, de Léo Delibes (1836-1891), que integra a ópera "Lakmé", não deixa de ser uma beleza, desde que as vozes e a orquestra que o executam tenham alguma qualidade profissional.

Citações CCXLI


Uma obra de arte é um canto da criação visto através dum temperamento.

Émile Zola (1840-1902), in Mes Haines.

A retórica do vazio


Ontem, assisti a um debate telivisivo centrado no tema candente do chamado segredo de justiça. De um lado, 3 meritíssimos de várias proveniências, um deles, talvez cinquentão, de lacinho e com gel a ordenar e a dar luzimento ao saraivado cabelo; do lado oposto, dois advogados e um jornalista. Como sempre, a habitual moderadora, um pouco amarelada (ou seria alaranjada?). Não fora o prof. Costa Andrade, a falar de Coimbra, com simplicidade e clarividência, o debate teria sido um mero exercício de banalidades, onde alguns tentavam deslumbrar o auditório, através da retórica, personificando uma pobre feira de vaidades, servida pelo tom empolado e vocabulário pretensamente rico e justiceiro, que parecia ressuscitar os "gargantas do Império" do antigo regime. Creio que, de uma forma geral, andamos muito mal servidos pelos actuais representantes decisórios da justiça portuguesa...
Entretanto, e por outros lados, jornalistas menores e comentaristas medíocres, se na semana passada falavam, a propósito da Grécia, da 25ª hora, a partir de ontem, passaram a usar, num estertor sem nenhuma imaginação, a sigla 26ª hora. Enquanto os pivot televisivos, dia após dia, vão referindo, repetida e dramaticamente, em jeito de actores de telenovelas de segunda ordem: Amanhã será o dia decisivo!... O que se vai dizendo, no fundo, não tem importância nenhuma. Muitas vezes, nem sequer tem conteúdo.
Esta desadequação faz-me recordar um título de recensão a uma obra publicada, que, nos anos 80, apareceu num jornal literário do Norte, subscrita por um plumitivo universitário pretensioso. Titulava ele o seu texto com um brilhante: "Inconcluso desejo no limiar do transe" (sic). Na altura, sei que me lembrei do coitus interruptus, embora ele nada tenha de literário... Muito menos adequado a leitores inocentes. Que mais nos irá acontecer?

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Teatro


Mais pelo bom gosto do encarte, de feliz grafismo estético, que reproduz uma obra de Rui Sanches (1954), aqui dou notícia e imagem deste anúncio-convite que me chegou, hoje, pelo Correio, sobre o Festival de Teatro de Almada-2015, que irá decorrer entre 4 e 18 de Julho, próximos.
A propósito, lembro que o primeiro organizador e grande dinamizador deste Festival de Teatro, de Almada, com participação de grupos nacionais e estrangeiros, foi o jornalista e, sobretudo, actor e encenador Joaquim Benite, falecido em 2012.

Adagiário CCXXIII


Mascarado de doutor anda por aí muito burro zurrador.

domingo, 21 de junho de 2015

Por ares nunca de antes sobrevoados


O meu amigo Casimiro F. é um pândego. Mas não deixava, também, é certo, de ser (reformou-se, há dias) um excelente profissional de Turismo, integrando a direcção de uma importante agência de viagens, que ajudou a criar, a ganhar visibilidade europeia e a crescer, grandemente, no competitivo mercado português.
Da última vez que nos encontrámos, estava radiante. Tinha proposto, disse-me ele, à Administração da agência, o texto de uma carta a enviar para o Palácio de Belém. E, para que eu avaliasse e desse opinião, forneceu-me fotocópia do precioso documento. A missiva rezava assim:

"Excelência,
dei-me conta, com enorme júbilo, do sucesso presidencial que foi a V. visita aos Cárpatos (Roménia e Bulgária) e do estado de espiríto de V. Excia., com que se aliviou, por lá, ao ter conhecimento da venda da TAP, em circunstâncias tão difíceis e adversas.
Encaro, no entanto, como patriota e português, com alguma preocupação, as eventuais dificuldades de transporte, que possam surgir nas próximas visitas presidenciais ao estrangeiro, no último semestre do V. consulado. Tendo isso em conta, tomo a liberdade (que Vexa. me perdoe a ousadia!) de propor um pack económico (haja em vista o magro salário do PR...), através de uma companhia de aviação low cost - orçamento anexo - para as últimas deslocações oficiais.
Pareceu-me dever patriótico sugerir, também, a grandíssima oportunidade e conveniência, do nosso venerando Presidente completar o périplo de visitas aos países da CPLP. Assim, as próximas deslocações presidenciais deveriam contemplar, inequivocamente, viagens à Guiné-Bissau e à Guiné Equatorial. Se V. Excia. desejar e achar importante, com pequeníssimo aumento de custo, poder-se-á alargar a viagem ao Burkina Faso e ao Mali. Países por onde nós, portugueses, também andámos, em tempos remotos.
O V. alto critério decidirá, a bem da Nação!
Os mais respeitosos cumprimentos, deste humilde compatriota,

Casimiro F."

sábado, 20 de junho de 2015

A reter


"...O que se passa hoje é como se, invisivelmente, se estivesse a realizar uma das funções essenciais que Orwell atribuía ao Big Brother, que era tirar todos os anos algumas palavras de circulação, porque sabia que é mais fácil controlar pessoas cujo vocabulário é restrito e que, por isso, têm dificuldades em expressar-se com clareza e riqueza e, em consequência, dominam menos o mundo em que vivem. O incremento de formas de expressão quase guturais como os sms e o Twitter apenas dá expressão a um problema mais de fundo que é a desertificação do vocabulário, fruto de pouca leitura, e de um universo mediático muito pobre e estereotipado. ..."

J. Pacheco Pereira, in Demasiado lampeiros para serem sérios (jornal Público de 20/6/2015).

(Mote e) Glosa (5)


"...Um outro cristão-novo, Manuel Batista Peres, «el capitán grande», nasceu em Ançã em 1589. Aos 5 anos veio para Lisboa, aos 12 para Sevilha, aos 20 torna a Lisboa donde viaja para a Guiné entregue ao tráfego negreiro. Desembarcou umas quatro vezes em Cartagena das Índias com armações de negros. E durante anos navegou em comércio entre Cartagena e Callao, o porto de Lima.
Em Callao era proprietário duma loja na Rua dos Mercadores, dumas casas de morada junto ao convento de S. Domingos, duma quinta no vale de Bocanegra, duma fazenda nas Lomas de Pachacana e de casas para negros em S. Lázaro. Em 1635 a sua biblioteca reunia 150 títulos, de Xenofonte a Plínio e Cícero, e nos contemporâneos Cervantes, Quevedo, historiadores espanhóis, João de Barros, Diogo de Couto, as Rimas de Luís de Camões, Fernão Mendes Pinto, Francisco Rodrigues Lobo. ..."

António Borges Coelho, in Os Filipes (pg. 118).

Se me não questiono sobre o resto da vida deste grande comerciante luso, por terras do Peru, outro tanto não acontece sobre qual terá sido o destino da sua interessante biblioteca. Quem sabe se amarelecida pelo calor tropical e pela humidade geográfica local. Pergunto-me, se sobreviventes, por onde andarão as Rimas de Camões, o livro de Quevedo e a, hoje, raríssima (e cara) Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. Na melhor das hipóteses, poderão estar no acervo de alguma biblioteca universitária (?) do Peru. Assim seja!

De Antonio Gamoneda (1931)


Ah! Velhice sem honra. E os advérbios
que se me vão depositando pela alma.
( Lágrimas nos vasos proibidos,
borboletas ávidas.)

Sei da fúria de um pastor; que chega afastando os ramos
e já é de noite.
Os advérbios cansados
estão na minha alma.


Antonio Gamoneda, in Antología poética (pg. 151).

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Regionalismos transmontanos 84


1. Vímea - vara de vimeiro para atar as vides.
2. Vinagreira - planta a que se dá o nome de azeda.
3. Vindimo - diz-se da qualidade de figos que vêm depois dos lampos, na época da vindima.
4. Vito! - o mesmo que viva! Vito sério, mudemos de conversa, de assunto.
5. Vivaço - espertalhão, ladino, vivaz, vivaracho.
6. Vivideiro - Grangeador. Que ou aquele que trabalha, trabalhador.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

As palavras do dia (10)


Enquanto os seres humanos vivem cada vez mais obcecados com a sua longevidade, a duração dos seus objectos de uso, materiais, vai sendo cada vez mais curta e temporariamente reduzida. Cada novo computador que eu ia comprando, era atacado de esclerose cada vez mais cedo: três, dois anos...

Zinovy Zinik (1945), in TLS (nº 5854).


Nota: e não são só os computadores. As lâmpadas vieram à cabeça, os frigoríficos, os rádios, os fogões...Cartelização de marcas e fabricantes, pouco honestos, para se assegurarem de rendas vitalícias para os seus negócios de enriquecimento, à custa dos clientes indefesos.

Régis Debray


Um dos últimos, senão o último representante de uma geração de ilustres e coerentes intelectuais activos (Orwell, Bernanos, Malraux, Char...) que deram o corpo ao manifesto, lutando, no terreno, por aquilo em que acreditavam, o francês Régis Debray (1940), autor prolífico (57 livros), lançou recentemente mais uma obra: Un cândide à sa fenêtre. E tem-se desdobrado em intervenções diversas (aconselho a audição de um vídeo que MR colocou no blogue Prosimetron, há pouco) e entrevistas. De uma das últimas, concedida à revista Marianne (nº 946), aqui vão, traduzidos, alguns excertos-sublinhados, que fiz:
-"Destruindo por todo o lado os Estados (Iraque, Líbia...) acabámos por trazer as tribos ao poder."
-"A superstição da economia, com um pouco de moral em cache-sexe, é isso que fazem os idiotas estratégicos."
-"Nós tirámos os sapatos antes de entrarmos numa mesquita; pedimos às jovens muçulmanas para tirarem o véu, antes de entrarem na escola. Chama-se a isto reciprocidade. A escola republicana possui uma sacralidade própria. Auschwitz, também."
-"Mas os homens da cultura, é uma questão de ecossistema, não devem misturar-se com os negócios, e cada vez menos. Julien Gracq dizia-me muitas vezes que a política não é uma actividade digna do espírito."
-"Vista da esquerda, a direita tem dois motores, o lucro e o medo (do outro, do novo, etc.). E vista da direita, a esquerda é o ressentimento e a fuga para o abstracto, para não olhar o real de frente."

com agradecimentos a MR.

Retro (73)


Que melhor sugestão para o próximo fim-de-semana, que se anuncia canicular, senão este abandono (secular) ao bronze da beira-mar?
Embora com uma actualização para 1 ou 2 peças mais ligeiras, no fardamento...

agradecimentos a H. N..

A diáspora lusa no país das águias


Que andarão a fazer estes 11 portugueses pelo País das Águias? Alpinismo?...
Ainda pensei no pessoal diplomático, mas cedo abandonei a hipótese, porque Portugal é representado por um embaixador não residente. Nos tempos do sr. Enver Hoxha (1908-1985) e nos anos de brasa portugueses, a Albânia era apontada como exemplo político por dois pequenos partido da extrema esquerda portuguesa. Era uma espécie diminuta de China dos pequeninos... Hoje, deve ser um país feliz, porque quase ninguém fala dela e é dito avisado que a "felicidade não tem história".

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Impromptu (16)


Ao fim do dia, o vento levantou da sua própria omissão.
Manaus, a França e o seu discurso elegante e directo, a rua do Poço dos Negros (onde os escravos eram sepultados), Évora e a sua Praça do Giraldo (o sem pavor) e, depois, ainda me vieram à memória do gosto, por segundos breves, as broas de mel da pastelaria Colonial (Guimarães) ao saborear outras, à sobremesa, muito frescas e fofas, que HMJ trouxe das suas deambulações bairro-altinas. Mais a tertúlia cordial das quartas ou quintas-feiras, a que um bom amigo dá corpo e espírito. E ainda vieram as andorinhas frenéticas (Raul Brandão dixit), em voos alucinados, talvez sobre os invisíveis insectos, que sobrevoam o Tejo, depois da canícula da tarde. Ainda a noite não tinha caído, vejo eu, ao longe, o primeiro bando (10? 12?) de estorninhos deste ano, como se numa elegante nuvem de fumo...
Como hei-de formatar toda esta parafrenália babélica, para arrumar o dia? Só um genial arquivista calejado ou um conciso e espartano contador de inventários conseguiria dar conta rigorosa destas minudências humanas e efémeras deste dia, que entra agora no seu ocaso de luz. Lentamente, é certo, que os dias ainda vão crescer, pela graça do Sol, por mais uma semana... 
Não vem a propósito, mas soube hoje que Luanda é a cidade mais cara do mundo. (Diria o colonialista reaccionário: mas Lisboa tem mais turistas.) Olé!...

Karl Kraus, arte e linguagem


A arte é o mistério do nascimento da palavra antiga. O imitador está ao corrente, e é por essa razão que ele não sabe que há nisso um mistério.

Karl Kraus (1874-1936), in Pro domo et mundo.

terça-feira, 16 de junho de 2015

O meu jornal



Sair, abre-nos o mundo à concordância ou ao confronto, embora eu goste cada vez menos do exterior, que se me depara. Prefiro a exploração do doméstico, do interior, que é mais neutro, conhecido, embora incomparavelmente mais rico. A velhice tem destas complacências comodistas e conservadoras.
No restaurante outrabadandista, à beira da estrada, fui atendido por uma nova empregada, muito jovem. A lei do tempo é, na verdade, a volatilidade do emprego, a vertigem do serviço estar sempre a mudar. Não tanto por desejo dos que querem trabalhar, mas pelo livre arbítrio do pragmático empregador.
Como grelham na hora, e bem, a vinda do meu prato escolhido demora, e por isso aproveito, entretanto, para ler o meu jornal  de há muitos anos. Que foi bom, de início, dirigido pelo madeirense Vicente Jorge Silva, mas que tem vindo a piorar, depois, cada vez mais. O arquitecto, que se lhe seguiu, destruiu a arquitectura digna do jornal. Mediocrizou-o, a ponto de, pela sua banalidade orientadora, o nóvel director ter sido convidado pela fundação de uma outra grande superfície, para vir a reflectir banalidades consensuais, noutro lado menos público. Deixou o lugar à (escrava?) bárbara, a dos olhos arregalados, que vai progredindo na indigência anterior.
Pois fui folheando o jornal, enquanto esperava que me trouxessem o almoço. Lá vinha o escritor Zinco (o da criativa) a babar baboseiras, o Esteva, findo o breve luto doméstico (mas sempre escrevivente), a falar, britanicamente (pelo menos, não renega a mãe), do tempo, como habitualmente dizendo raspas ou nada. E o porteiro da saida (na última página), bochechudo como a Miss Piggy, mas com barba de três (?) dias, a questionar o filho de um Poeta, também barbudo, mas muito mais conhecido, a ver se ganha a visibilidade, que o seu pobre pensamento e reflexões, lhe não conseguem dar, por si mesmo, Tavares... Uma tristeza.
Que diabo!, Portugal acompanha apenas a mainstream europeia, como bom aluno, que é! Quando L'Obs. dedica 6 páginas, do seu último número, a fotografias, quase sem palavras, da Miss Colômbia-Mundo, em cenários de subúrbio sul-americano, que seria de esperar? Viva a Caras e a Nova Gente, que o futebol é que instrói!
Só de pensar que amanhã tenho que sair, quase fico doente...

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Um poema de José Craveirinha (Moçambique, 1922-2003)


Aforismo


O preconceito da ave
não é o tamanho das suas asas
nem o ramo em que poisou

Mas a beleza do seu canto
a largueza do seu voo...
o tiro que a matou.

Simbiose


Entre 1745 e 1750, o pintor italiano Giovanni Battista Piranesi (1720-1778) executou  uma série de 16 gravuras, a que deu o nome de As Prisões (ou Os Cárceres). As obras inspiradas nos subterrâneos de Roma, mostram interiores labirínticos mergulhados na escuridão ou, pelo menos, na penumbra. A obra, no seu conjunto, veio a ter alguma influência nos artistas que vieram, mais tarde, a fundar e desenvolver o Romantismo. E até mesmo no Surrealismo. Pessoalmente, creio que a sua influência terá chegado até M. C. Escher.
No vídeo que se segue, George Steiner (1929) refere-se indirectamente a essas gravuras de Piranesi, para clarificar aquilo que pensa sobre a dificuldade do "Conhece-te a ti mesmo", de Sócrates. Que contrapõe, de algum modo, à maior modéstia das reflexões de Montaigne, sobre o mesmo assunto.



domingo, 14 de junho de 2015

Citações CCXL


"The mob is man voluntary descending to the nature of the beast."

Ralph Waldo Emerson (1803-1882).


Nota: desta vez, e por várias razões, vai a citação no original.

Filatelia CIV


Das muitas variedades da filatelia temática, esta da flora - flores, em particular - é das mais coleccionadas e preferidas pelos filatelistas. Por várias razões, até pela beleza e colorido que traz consigo. Também Portugal não se excluiu de emitir algumas séries sobre este tema, embora mais recentemente do que outros países.
Deixamos em imagem sugestivos exemplos da temática, postos em circulação pela Formosa (Taiwan-China), em 1958, pela Alemanha, numa série base de 2005, que se tem prolongado até aos nossos dias, com cíclicas estampilhas; e, finalmente, uma emissão de 6 selos ingleses, dedicados a flores silvestres, de Abril de 1967.

Ideia(s) fixa(s)


Ninguém me tira da ideia que estes nativos motorizados, que estão constantemente a buzinar (nos semáforos, mal cai o verde, nos engarrafamentos, quando é impossível avançar...), são sempre o primeiro representante, da primeira geração de uma família, que teve, finalmente, acesso a carro próprio...

sábado, 13 de junho de 2015

Osmose (54)


A noção de beleza, no seu conceito abstracto, estético e isento, chega mais tarde. Do que gostar ou não gostar, que vem da mais tenra infância. Em que o bom (belo) casa com o que gostamos, e o feio (das feições) se quadra com tudo aquilo que não desperta o nosso afecto, na meninice. Mesmo o feio de que gostamos se transforma em amorável, nos primeiros anos. Só muito mais tarde poderemos reavaliar, com isenção e de memória, a beleza ou a fealdade passadas, com critério justo e racional.
Um labirinto, que era um hospital de longuíssimos corredores, foi o cenário de um dos meus últimos sonhos. Eu procurava reencontrar-me com três mulheres de incomparável beleza. A mais velha das quais lá fora, em busca de tratamento. De informação em informação, pedidas, eu caminhava e caminhava, sem as encontrar, de novo. Em desespero de causa, um contacto por telemóvel, permitiu combinar esse reencontro, para uma das diversas portas de saída do hospital labiríntico.
Os sonhos devem ter qualquer coisa de infância, na sua geometria de poucas asperezas...

10 anos


Eugénio de Andrade (19/1/1923 - 13/6/2005).

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Incursões Culinárias 25 : "Waffeln" ou Talassas




Como o prometido é devido, aqui segue a receita para MR:

125gr manteiga
50 gr açúcar
3 gemas
250 gr farinha
1/2 colher de chá de fermento
1/4 l de leite
3 claras

Derrete-se a manteiga e junta-se o açúcar e a pouco e pouco as gemas, batendo tudo muito bem. Mistura-se a farinha com o fermento e, alternadamente, se junta à massa, ora a farinha, ora o leite aquecido. Por fim, juntam-se as claras em castelo.

Com uma concha deitam-se pequenas porções de massa no "ferro" aquecido:


Na Renânia, é costume acompanhar as "Waffeln" com uma calda quente e engrossada de frutos - cerejas ou outros frutos vermelhos - e, por cima, natas batidas.

É assim que, frequentemente, se recebem as visitas para o café de Domingo à tarde.

Bom proveito !

Post de HMJ

A par e passo 138


A arte clássica diz ao poeta: não te sacrificarás aos ídolos, que são as belezas do detalhe. Não te servirás de todas as palavras que, sendo raras e barrocas, atraem sobre elas toda a atenção e que brilham excessivamente em prejuízo do teu pensamento. Não te deixarás deslumbrar, porque não és um deus, mesmo que o possas pensar; mas comunica aos homens somente, se o conseguires, a ideia da perfeição do homem.

Paul Valéry, in Variété IV (pg. 46).

O regresso dos bifes


Estilo e escrita, descuidados, libérrimos. Movimento: muito. Descrições bem vivas. Retrato impiedoso de um Reino Unido, com as suas abjecções e praias enlameadas, suas classes e gastronomia inclassificável. A boçalidade dos nativos e as asperezas do clima.
O livro lê-se de um rasgo, que as aventuras são muitas, insuspeitáveis e surpreendentes. Pícaro do século XXI, este livro de um cientista português (João Magueijo), a viver na Inglaterra, há vários anos, fez-me lembrar as obras de um José Daniel Rodrigues da Costa (1757-1832), mas que já não temesse o uso do palavrão, nem a Censura.
Um bom divertimento, que se pode ler na praia, sem preocupações de ordem literária. Ligeiro e fresco, excessivo nas tintas carregadas, na caricatura grotesca dos súbditos de sua Majestade britânica. Com muito pouco chá...

os melhores agradecimentos a H. N., pelo empréstimo.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Divagações 91


São já poucas as andorinhas em voo, visíveis, e as gaivotas lúgubres, nos seus pios roucos, não vieram ainda ocupar o céu nocturno. Vejo os últimos raios de Sol sobre o Tejo, de águas azul cobalto, que não foi possível, ainda, privatizar - talvez já não haja tempo.
Respiro, em haustos fundos, este ar lisboeta que, talvez ilusoriamente, me parece livre, depois de tanta almoeda e hecatombe. E, como me contento com pouco, penso que tudo aquilo que vier já não pode ser pior. 

Em louvor da saudação e do sorriso, matinais


Recebo-os na expectativa apenas de vir a fazer os Sudoku e as Palavras cruzadas, que, às vezes, têm...
À boca das estações de metropolitano, junto à paragem dos semáforos, nos centros movimentados da cidade, sempre muito jovens e identificados por um boné e uma t-shirt, podemos encontrá-los(-las), sorridentes e gentis, a oferecer-nos um dos dois principais jornais grátis portugueses.
Num país, sobretudo a Sul, em que o serviço prestado, em geral, é feito com má cara, como um frete, são de louvar estes adolescentes simpáticos, diligentes, que nos saúdam, matinalmente, com um sorriso e nos oferecem um jornal, gratuitamente. (Eu sei, eu sei: dar é muito mais gratificante do que receber...)
Não devem ganhar muito, estes jovens, se calhar, nem sequer trabalham a contrato e, no entanto, dão-nos os bons-dias, sorriem, oferecem o jornal grátis. E ainda agradecem (como eu faço sempre, aliás, retribuindo). Porque os respeito e estimo.

Camilo, sobre poesia portuguesa, doméstica e provincial


"... Fui assinante das poesias do Sr. J. d'A. Rangel. O título modesto do volume (As Minhas Poesias) é um destemperado broquel que o autor escolheu para os seus versos.
Não sei se todos os poetas, como o Sr. Rangel, cantam a sua família, e as suas árvores, e os seus amigos, e as suas ninharias da vida.
O certo é que a poesia assim não passa de um traste de família - uma cronologia sem sabor - e o fruto de uma terrena concepção.
Muita charada, pueril e felizmente anunciada no index, e sucessivos sonetos à sua Ilemia - eis aqui os versos do Sr. Rangel, indiscretamente privados da paz de uma carteira, e condenados ao triste caminha do domínio público. 
A poesia, que se assenta na podre cadeira do meio-termo, cai.
Se eu fosse poeta, e me favorecessem os meus versos com o misericordioso epíteto de toleráveis - queimava-os. E se a minha família gostasse deles, dava-os a ler à minha família para me não apoquentar com o governo da casa.
Eu dou um conselho a todos os Rangéis do mundo.
Conquistar o nome de poeta é barato e bom.
Nesta época de oiteiros galvanizados a reputação sobe na razão inversa das garrafas monásticas.
Pois bem - quem pôde lá merecer um diploma reveja-se nele, e congratule-se no seio de sua família. Sustente o fogo sagrado dessa reputação vestal, mas não a dê ao mundo em letra redonda, se não quer vê-la descomposta em seu pudor pela mão desatenciosa da crítica.
O conselho é grátis."

Camilo Castelo Branco, in As Polémicas de Camilo - III (pg. 185).

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Branco é, galinha o põe


Creio que foi Bob Dylan que disse, um dia, sobre a Arábia Saudita, qualquer coisa como isto: lá, o dinheiro não fala, transpira.
Hoje, surpreendido, ouvi, na SIC, a notícia de que a revista Sábado teria tido acesso à gravação do último e recente interrogatório de um (ex-)político, feito por dois meritíssimos juízes, agentes da justiça à portuguesa.
Acho que me vou queixar à impoluta senhora Joana Marques Vidal, ciente de que, na sua isenta e justa caridade cristã, a senhora não deixará de ordenar o competente inquérito de averiguações, sobre os factos que transpiraram do segredo (altíssimo) de justiça. À portuguesa.

Leilão de Livros


Primeiro desta Primavera/Verão, José Vicente, da Livraria Olisipo, leva a efeito mais um leilão de livros (manuscritos, gravuras...) que integra uma boa camoneana de que convém destacar a rara edição dos Piscos (1584), de Os Lusíadas (lote 155), com uma base de licitação entre os 1.500 e os 2.000 euros.
Pessoalmente, eu realçaria ainda a segunda edição de O Hyssope (1808), com uma estimativa de venda de 35/70 euros (lote 1094). Bem como primeiras edições, pouco frequentes, de Miguel Torga, Nemésio, José Daniel Rodrigues da Costa e Quevedo (Madrid, 1666).

Retro (72)


O Sol outrabandista mal se via, fechado numa penumbra vaporosa, mas, na Ponte, pelo tabuleiro Norte-Sul, em fila cerrada, centenas de lisboetas iam ao engano. Que, em Lisboa, está um Sol radioso e persistente. A tarde, provavelmente, vai ser de ananazes...
À falta de banho, os migrantes alfacinhas que façam exercício, como estas seis beldades flamengas, sob a luz pífia do Mar do Norte.

agradecimentos a A. de A. M..

terça-feira, 9 de junho de 2015

Citações CCXXXIX


L´homme a toujours deux possibilités: dire non ou s'en aller.

Albert Camus (1913-1960).


Nota: eu creio que esta frase de Camus já consta do arquivo do Arpose, mas achei que estava na altura de a relembrar, no seu francês original.