quinta-feira, 30 de abril de 2015

Mercearias Finas 101


Era um vinho silvestre, o que bebi. Branco, sem pretensões puristas ou aristocráticas, mas como manda a plebe de além Tejo, ou melhor, das terras do Sado. Fernão Pires, com certeza, mais um poucochinho de Antão Vaz, para lhe dar equilíbrio e consistência honrada e nobre, mas chegava, quanto a castas consagradas e nomes que se possam confundir com pessoas da terra chã. Devia estar lotado com uvas mais ruanas, no seu todo.
Mas isso bastou para me lembrar sobremesas de antanho: o creme (que no Sul chamam: leite-creme), rolo (torta enrolada de..., como se diz, por aqui) - que os minhotos são pessoas dirigidas ao essencial, simples mas manhosos, na sua dura e pura ancestralidade castigada, onde pesa a chuva prolongada e o granito de poucas cores. Nada róseas, mas eu não me posso queixar, inteiramente...
Na sobremesa, fui no toucinho do céu, que também é vimaranense. Há quem diga, até, que de origem. Eu, que não sou pretensioso, não chegaria a tanto. Mas parece que me abençoaram de longe, porque não me arrependi: estava delicioso e à melhor maneira de finalizar o entrecosto grelhado competente, que me serviram ao almoço, neste restaurante, à beira da estrada que leva a lugares sem história registada.
A mim que sou beirão, de nascença, com sangue de pais minhotos genuínos.

Em jeito de bónus final, e porque à gastronomia diz respeito, duas palavras recolhidas de Diário de Paris/ 2001-2003, de M. D. Mathias, que continuo a ler:
Faceira - focinho do porco.
Alheita - cabeça do peixe.
Ao que o livro refere, particularmente saborosos.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Quase sem palavras


Na esquina, um pássaro negro e azul, pesado, sob gaiolas aéreas, defensivas.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Versão muito livre de um poema de Charles Bukowski (1920-1994)


Finish


Somos como rosas não floridas
que não se importaram com isso
de florescer, como se
o Sol se tivesse aborrecido
ou desesperado
nessa longa espera.

Pinacoteca Pessoal 95


Normalmente classificada como expressionismo abstracto, a obra do pintor francês Georges Mathieu (1921-2012) distingue-se da de J. Pollock, assim também classificado, por uma maior singeleza e suavidade do traço e limites de cor, em contraste com o traço emaranhado e agressivo do pintor norte-americano. Um lirismo discreto e a ocupação temática predominante do centro das suas telas, com um pano de fundo monocromático, são a marca, talvez, mais característica das pinturas de Georges Mathieu que, surpreendentemente, era quase um autodidacta. Não será caso único, convenhamos, porque o talento e a vocação suprem algumas vezes uma aprendizagem clássica e escolar...


segunda-feira, 27 de abril de 2015

Rescaldos de leitura


Para que se não percam, ou fiquem no arquivo do Blogue, aqui deixo mais três passagens, da obra "Extraterritorial", de George Steiner, na tradução de Miguel Serras Pereira, que eu achei mais importantes ou significativas:

Um grande poema descobre formas de vida até esse momento inéditas e, muito literalmente falando, liberta forças de percepção adormecidas - do mesmo modo que Cézanne descobre o peso implícito e os contornos redondos e azulados das maçãs ou a paciente tenacidade da perna de uma cadeira , "invisíveis" antes da sua pintura. (pg. 108)
Os lexicógrafos calculam que a língua inglesa possua mais de seiscentas mil palavras. Mas menos de mil palavras bastam para assegurar setenta e cinco por cento das comunicações telefónicas. (pg. 114)
A arte abstracta recusa desdenhosamente qualquer paráfrase e exige que aprendamos a lê-la no seu próprio idioma. (pg. 115)

O golpe abortado a 24, ainda


Não se terá falado muito nisso, para além dos meios de comunicação. E compreende-se, não era muito conveniente dar publicidade a este golpe baixo, exótico, absurdo e asinino...
O contra-ataque, vivo, forte e legítimo, de uma boa parte dos meios de informação (jornais e televisão), saldou-se pelo retrocesso legislativo, levado a cabo pelos partidos, ditos, do arco da governação, no que diz respeito à tentativa de amordaçar e "disciplinar" a cobertura jornalística das campanhas eleitorais. O dito visto ou exame prévio, a que essa abortada legislação iria obrigar, não era senão uma encapotada forma de Censura. O facto ocorreu, simbolicamente, a 24 de Abril de 2015.
Na noite de 25/4/15, António Barreto, em entrevista à SIC-Notícias, e perguntado sobre o assunto, respondeu com sorriso irónico e matreiro, qualquer coisa como: Vai ver que, mais tarde ou mais cedo, eles voltam à carga...
Três coisas ficam esclarecidas, em minha opinião:
1. A mentalidade cavernícola e anti-democrática de uma boa parte dos parlamentares.
2. A estupidez humana de muitos dos que nos representam, ironicamente, em nome da democracia.
3. A pueril e fruste, surreal e abjecta estratégia de muitas das agendas partidárias.

domingo, 26 de abril de 2015

Faça, você, a sua!


Não consigo descortinar o que leva um escritor ou um artista, até mesmo, um simples ser humano a elaborar listas de preferências ou de gosto. Alberto Manguel tem, por exemplo, várias. Listas que, por sua vez, exercem uma certa atracção e curiosidade nos outros e que são, muitas vezes, um estímulo para que eles formulem as suas, também, mesmo que silenciosa e intimamente. Talvez num esforço ou para proclamarem a sua identidade e diferença.
Marcello Duarte Mathias (1938), embaixador aposentado, não foge à regra, na sua obra Diário de Paris/2001-2003 (Oceanos, 2006).
A sua lista de "Perfis marcantes da história de Portugal" contém, entre outras, as seguintes personagens:
o mais temível: o marquês de Pombal;
o mais desprezível: Cristóvão de Moura;
o mais cativante: Luís de Camões;
o mais espalhafatoso: o duque de Saldanha;
o mais vaidoso: António Spínola;
o mais lúdico: António Botto;
o mais pessimista: Oliveira Martins;
o mais poliédrico: Almada Negreiros;
o mais triste: D. Manuel II;
o mais enigmático: Fernando Pessoa;
o mais senhoril: Óscar Carmona.
Partindo do princípio que tudo isto é uma espécie de jogo e que pode servir para ocupar tempos livres, posso concordar e imaginar o apodo do marechal Carmona, mas tenho uma extrema dificuldade em entender o lúdico colado a António Botto...

Retratos (14)


As Caxinas eram e são, para mim, a Senhora Margarida J., embiocada de negro que, por Agosto, quando a visitávamos, invariavelmente, me oferecia - era eu criança -, da prateleira, uma pequena embalagem de bolachas Maria, que era o que havia de melhor, na Loja. O que se via, do seu rosto, crestado por sol e mar, eram as rugas, oriundas quase todas das comissuras dos olhos.
Viúva, administrava, com zelo e autoridade, uma pequena tasca-mercearia, na fronteira entre a Póvoa e Vila do Conde. Essa visita anual, exemplo de austeridade e devoção, por parte de minha Mãe, agradava-me sempre, não tanto pelas bolachas, mas pelo ambiente que se respirava, tão diferente daqueles a que estava habituado. E tinha uma verdadeira simpatia pela velha Senhora, que pouco sorria, embora se agradasse de nos ver.
Não sei donde lhe vinha o luto, nem a rede imensa de rugas fundas que, provavelmente, pressupunham lágrimas passadas e, talvez naufrágios, pensava eu, na altura. E, agora, é já muito tarde para perguntar...

Comic Relief (105)


De um dicionário apócrifo (Manual do Morcon), tripeiro, e evitando os termos fesceninos (abundantes), aqui deixo deixo uma escolha pessoal, com os respectivos significados:
Abiar - andar de abion.
Académico - sócio da Académica.
Basilha da desgraça - o mesmo que catraio ou máquina fotográfica, ou seja, garrafão de 5 litros.
Cu de judas - a antepenúltima estação do metro de superfície.
Ecuménico - debe ser um maníaco de Lisboa.
Picante - aplica-se a uma anedota embergonhada.
Tripar - comer umas tripas debidamente regadas com binho.
Trombil - fotografia tipo passe para o bilhete de identidade.

com agradecimentos a A. de A. M..

Bolo de Laranja



O pacote de açúcar foi-me servido com o café no final do almoço. No verso, encontrei a receita:


Apesar de não ser Domingo, nem haver casa da avó ou infantes, lá me tentei, pensando no açúcar amarelo que era preciso gastar. Não deu muito trabalho e cá está o resultado:


O bolinho lá vai arrefecendo, deixando um cheirinho pela casa e esperando pelo chá logo à noite para ser encetado.

Post de HMJ

Luis Chaves (Costa Rica, 1969)


Vídeo de aluguer


O filme acabou mal.
No quarto, às escuras,
até os créditos
irradiam um sentimento
ambíguo.

Não é fácil
reunir quatro estranhos
e, em poucos dias,
pô-los a funcionar
como em família.

Nós próprios, em intenção,
gastamos toda uma vida.


Luis Chaves, in Historias Polaroid (2000).

Para compor a memória de Abril


Para quem se deitou tarde, nessa noite anterior, seriam já visíveis as silhuetas pardas dos verdes camuflados em volta de alguns pontos estratégicos, e militares, no interior da cidade. Era ainda madrugada.
Mas houve muita gente que dormiu pouco, ou acordou cedo, obrigada a despertar pelo som estridente e contínuo do telefone, vindo de alguém próximo ou amigo. De algum modo, cúmplice.
Mais do que medo, terá sido um dia de curiosidade e de emoção prolongada, depois de tantos anos de pasmaceira, em que pouco ou nada acontecia, de bom. Mas houve também quem enchesse a casa de víveres, nesse dia, temendo o pior.
Até porque as lojas iriam fechar mais cedo. E, contra todas as ordens radiofónicas e televisivas, as pessoas não ficaram em casa, mas vieram para a rua, numa insubmissão de liberdade colectiva. Muitas delas, pela primeira vez.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Leituras


Acabado que foi, com extremo proveito, o livro de G. Steiner, iniciei já a leitura do livro em imagem que, o meu amigo H. N., gentilmente, também me emprestou, depois de o ler. O gesto, em si, é uma garantia antecipada.
Sentimentos contraditórios, no entanto, me atravessam - ignorado que foi o prefácio, parcialmente, que pouco vale ou acrescenta -, logo nas primeiras páginas: vou na trigésima terceira, das 403 de texto.
Agrada-me o estilo (elegante, sóbrio, com períodos curtos), algumas histórias da pequena história que, com insuficiente e prático conhecimento, me fazem concluir que a vida de um diplomata, muito raramente, tem riscos; as mais das vezes, benesses e muito tempo livre de lazer. Mas, ao mesmo tempo que deslizo, com gosto, pelas páginas fluidas e vaporosas, irrita-me também, um pouco, o tom sobranceiro (que não chega a ser elitista, inteligentemente), e alto, do contador. Mas não se pode ter tudo: sol na eira e chuva no nabal...
Retenho uma frase, do que já li - "Ninguém envelhece bem, envelhecer é cruzar-se com o rancor."  Lembro-me (excepção?) de uma velhice exemplar e simpática, a que assisti. O contrário pode existir.
E, talvez incomodamente, me sinta dividido, na prossecução da leitura, como a raposa perante as uvas, na fábula de Esopo. Que se me aliviem os pecados, em função da auto-crítica que faço, por aqui.

Arte e ciência, segundo Steiner


De modo elíptico, por meio de analogias inatas difíceis de elucidar por completo, há transformações tangíveis na arte que reflectem as da ciência. Mondrian é provavelmente o último dos cartesianos. Os espaços mutantes, múltiplos e provisórios de Klee, os campos de forças e os "organogramas" de Pollock, as pulsações da luz de Rothko, não são simples metáforas do que sucede na lógica das ciências. Fazem também com que o observador aceda ao núcleo axial activo e instável da energia.

George Steiner, in Extraterritorial (pg. 194).

A par e passo 133


Se o (homem) civilizado pensa de uma maneira muito diferente do primitivo, é por uma predominância das reacções conscientes sobre os produtos inconscientes. Sem dúvida que estes últimos são a matéria indispensável, e por vezes do mais alto preço, dos nossos pensamentos, mas o seu valor depende, em última instância, da consciência.
O exercício (sport) intelectual consiste pois no desenvolvimento e controlo dos nossos actos interiores. Como o virtuoso do piano ou do violino consegue acrescentar-se artificialmente, pelos estudos, à consciência dos seus impulsos e de os dominar distintamente de forma a adquirir uma liberdade de ordem superior, também assim será necessário, na ordem do intelecto, adquirir uma arte de pensar, criando uma espécie de psicologia dirigida... É, pois, esta a graça que vos desejo.

Paul Valéry, in Variété III (pg. 286).

Nota: terminam, por hoje, as transcrições/traduções de Variété III. O quarto volume desta obra, de Valéry, iniciar-se-á, oportunamente.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

O Livro


Isto de haver tantas celebrações - algumas supinamente ridículas - faz com que já nem cheguem os dias do ano, em singular, para deitar os foguetes. O mesmo acontece com os Santos da Igreja, que são tantos, que há dias em que se celebram aos magotes e grupinhos numerosos.
Juntar o Dia Mundial do Escutismo, na mesma data, com o do Livro, só por maldade, a menos que se queira lembrar apenas a literatura infanto-juvenil, apropriada aos escuteiros, o que seria redutor, porém.
O Livro é, na verdade, e para o mundo ocidental, a Bíblia. Como o Corão será, talvez, para o Islão, tão representativo.
E não tenho dúvidas em afirmar que os livros me deram grandes alegrias e muitos conhecimentos, ao longo da minha vida. São, para mim, objectos de estimação que muito respeito. Até sublinhá-los me custa...
Para o país que somos, alguns livros serão matriciais, mas nenhum tanto como "Os Lusíadas", de Luís de Camões, autor que, hoje em dia, pouco deve ser lido, na sua integralidade essencial. E em livro. E falo do que observo e noto, por exemplo, na grande quantidade de visitas, que quase diariamente vêm ao Arpose ler a magnífica "Carta da Índia", de Luís Vaz...Lê-la-ão por inteiro (que ela é extensa), ao menos?

Filatelia CII


Celebra-se, hoje, o Dia Mundial do Escutismo, instituição para a juventude, criada em 1907, pelo inglês Robert Baden Powell (1857-1941), herói de Mafeking.
Se, em Portugal, as actividades dos escuteiros foram, de algum modo, capturadas e orientadas pela Igreja, na grande maioria dos outros países sempre foram uma organização civil e laica destinada à ocupação saudável dos tempos livres dos mais novos, ao ar livre, promovendo o desembaraço pessoal, mas também os propósitos de uma solidariedade humana, militante.
A temática do Escutismo é das mais acarinhadas pelos filatelistas, a nível mundial. Até, talvez, porque muitos dos coleccionadores tivessem sido, na juventude, escuteiros. Deixamos, em imagem, três séries de selos da temática referida, por ordem cronológica. Da Nova Zelândia (1946), da Inglaterra para comemorar o Jubilee Jamboree, em 1957, e, finalmente, de Portugal, com uma série da temática, emitida em 1963.


quarta-feira, 22 de abril de 2015

Idiotismos 30


A meio da manhã, um jovem de óculos escuros, com ar de ferrugem envelhecida, pronunciou, na esplanada, uma palavra que eu já não ouvia há muito: esquerdalho.
Fiquei a pensar. Havia nela, pelo tom, mas também pelo sufixo, reminiscências ou um eco atávico e conservador, do salazarista: reviralho.
Ocorreu-me a palavra rebotalho, mas evitei, pelas conotações, ir mais longe...
Mas não pude deixar de me perguntar porque seria que a esquerda (mais gentil?, mais neutra?, mais elegante ou purista?) não usa nunca, criativamente, e em contraditório, o neo-vocábulo: direitalho.

O belo e o útil, quase em jeito de fábula


Na floreira da varanda, em conúbio aparentemente ilícito, frutificou o último pimento e as frésias pareciam querer florir. Mas o sufoco era grande e elas viam-se quase estranguladas, na sua vocação primaveril, pelos enlaces dos ramos do pimenteiro envelhecido.
Para salvar as frésias e para que pudessem seguir o seu destino, veio o jardineiro e arrancou o pimenteiro pela raiz. Dele, ficou apenas a sua memória, verde.

Regionalismos transmontanos (79)


1. Trocho - caule de couves. Fueiro, pau grosso. Adj. murcho, seco, triste.
2. Trogalho - pessoa desajeitada.
3. Trompicar - tropeçar.
4. Trondão - mulher gorda, feia e desajeitada. Estafermo.
5. Turna - turra, marrada de animal.
6. Tuterriar - Bater na cabeça com o nó dos dedos, dar croques.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Curiosidades 42


É sabido quanto o vulgo lumpen é atraído por cenas de faca e alguidar, pelos crimes violentos, pelas paixões sanguinolentas. Daí a boa saúde comercial de alguns órgão de informação e comunicação (tv, jornais, revistas...) que, oportunista e despudoradamente, a esta temática se dedicam, sendo mesmo campeões de venda, em Portugal e em muitos outros países.
Mas não lembra ao diabo que o circunspecto e, aparentemente, cool público, frequentador de The National Theatre (Inglaterra), tenha feito  do poster "Everybody Dies", de Caitlin Griffin, um sucesso e um best-seller de vendas. De tal modo, que a National Theatre Shop já repetiu a proeza e a temática em vários outros artefactos: toalhas de mesa, chávenas de porcelana, sacos de compras, etc. E o resultado tem sido de imenso e idêntico sucesso, também.
O poster reproduz, em forma gráfica quase estatística, as mortes que ocorrem em 11 das obras de Shakespeare.
Estranha gentinha esta, do nosso mundo, que, mal sente o cheiro do sangue, logo começa a resfolgar, excitada, de emoção...

Citações CCXXXIV


Vivemos cercados por vagas de mentiras. Rodeados por milhões de palavras absolutamente vazias de sentido. O silêncio transforma-se em prerrogativa das elites ou de marginais encurralados. O resultado é uma enorme inflação das formas expressivas. A sua precisão complexa e o seu conteúdo claro e comprovável degradaram-se com vista a uma comodidade fácil do público.

George Steiner, in Extraterritorial (pg. 113).

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Uma fotografia, de vez em quando (59)


Nascido em França, a 10 de Janeiro de 1947, o fotógrafo François Le Diascorn é um incansável viajante, que regista, pelo seu olhar atento, uma visão poética, mas humaníssima, das gentes que habitam o nosso mundo.
Como testemunho, aqui fica a noite de Paris (1971) e o singular retrato de quatro mulheres de preto e de costas (Patmos, 1980), em que o negro dialoga com a luz, num movimento pressentido de equilíbrio harmonioso e rítmico.

domingo, 19 de abril de 2015

Mercearias Finas 100


É um dos meus Dão (tinto) de referência. Pese embora, raramente, ser lotado com Jaen, mesmo nos tempos em que Luís Costa pontificava nas Caves S. João. A colheita de 2011, hoje provada (atenção ao pé!), regista: Touriga Nacional (45%), Tinta Roriz (35%) e Alfrocheiro (20%). O lado rústico, genuíno e duro (nos primeiros anos) do Porta dos Cavaleiros aconselha-o para um bom Cozido à Portuguesa, pelo Inverno, mas também para uma Favada caprichada com todos, por Abril ou Maio. Tirando a colheita de 2000 - para esquecer - e talvez porque marcou a passagem de gerações, a marca é uma garantia de qualidade, bem como de preço equilibrado e justo, que as Caves S. João sempre praticam. Nos seus 13,5º, já amaciados pelos 4 anos bem passados, o Dão tinto de 2011, recomenda-se e até me parece melhor do que a colheita de 2010, que muito frequentei. Aquele, fez uma óptima companhia ao almoço dominical, hoje - um Cozido à Portuguesa, e à maneira. E ainda prestou relevantes serviços, no final, acasalando, harmoniosamente, com o queijo, à sobremesa.

Nota: por uma questão de rigor, devo informar que a foto, que acompanha o poste, foi colhida do site da empresa em questão (Caves S. João). Se já provei, há muito, a colheita  de 1974, ainda não experimentei a de 2012.

sábado, 18 de abril de 2015

Impromptu (15)


Era um casal discreto. O rei Balduino (1930-1993), da Bélgica, talvez ainda mais do que a esposa, Fabíola (1928-2014), de origem espanhola. Por isso causa alguma surpresa, o seu desejo que, no funeral, cantasse El Coro Rociero de Vilvoorde, constituido por emigrantes andaluzes da provincia de Córdova que, com a sua alacridade, deram uma nota singular, e castelhana no seu melhor, às régias exéquias, em 12/12/2014.

com os melhores agradecimentos a AVP.

Leilão de Primavera



É já nos próximos dias 20 e 21 de Abril, no Palácio da Independência, às Portas de Santo Antão, em Lisboa, que se irá realizar mais um leilão de parte do acervo da biblioteca de um ex-Militar, que juntou uma razoável camoneana, para além de outras temáticas de interesse. Gravuras e manuscritos integram também este leilão interessante. Do conjunto, destaco quatro lotes e respectivas estimativas de preços:
7. Nicolau Tolentino de Almeida, Obras Poéticas (Lisboa, 1801), 2 volumes enc. ... 40 / 80 euros.
233. Alexandre Herculano, História de Portugal (1ªedição), 1846/1853, 4 vols. enc. ... 150 /300 euros.
360. Vitorino Nemésio, Ondas Médias (Lisboa, 1945), brochado.............................20 /40 euros.
457. Bernardim Ribeiro, Menina e Moça (Lisboa, 1785), 5ª edição,enc. .................50 /100 euros.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Yehuda Amichai (Würzburg, 1924 - Jerusalém, 2000)


O eterno mistério

O eterno mistério dos remos
golpeando as águas para trás e o barco navegando em frente,
assim os actos e as palavras ferem o passado
para que o corpo avance com o homem por dentro.
Uma vez numa barbearia sentei-me na cadeira mais próxima da rua
e pelo grande espelho via a gente que vinha até mim
e logo desaparecia tragada pelo abismo

do outro lado do grande espelho.
E o eterno mistério do pôr do sol no mar:
até mesmo um professor de física, que sabe, me disse:
ora vê, o sol põe-se no mar, rubro e formoso.

Ou o mistério de palavras como
"Podia ser teu pai", ou
"Que terei feito, aqui, há um ano?"
e outras frases, assim.

Divagações 86


O destino infausto dos outros cria um cenário pesado a que o céu cinzento dá simétrica cobertura, hoje, cedo, pela manhã.
Não se pode, simplesmente, fechar o porão a sete chaves sobre as novas tristes, e seguir viagem, como se nada se passasse.
Nem a leveza é para aqui chamada, infelizmente. Felizes dos animais, sem alma e de coração tranquilo.

Adagiário CCXVIII


Um pouco na esteira de algumas obras de Jorge Ferreira de Vasconcelos e Francisco Manuel de Melo , embora com menor intensidade, é um punhado de ditos ou provérbios, que aqui deixo, colhidos de Aquilino Ribeiro, no seu conto "O burro do senhor seu dono", incluido na obra "Quando ao gavião cai a pena". Como se seguem:
- Burra de vilão burra de Verão (pg. 205).
- Antes a lã se perca, que a ovelha (pg. 206).
- Mais por bife de burro do que por coixa de carneiro (pg. 206).
- Filho da fortuna, neto da extravagância (pg. 207).
- Deus te dê o que te falta, que é o fole mais a gaita (pg. 218).

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Memória (99)


Era um bicho muito estranho, com aquela carapaça espessa, um pouco rugosa e áspera, muito diferente da dos caracóis, fina e frágil, única que conhecia, até aí, naqueles meus tenros anos de infância. Depois, era um animal pouco expressivo, para não dizer inexpressivo. E parecia, na sua dureza, já ser velho ou ter milhares de anos. Foi, lá para casa, levado numa caixa de cartão, com furinhos, e lá o fomos soltar no pequeno quintal vimaranense.
Há dias, e no andar em frente, que tem um terraço grande, talvez porque por lá andam duas crianças, os pais compraram-lhes dois cágados médios. Pelo desleixo e desarrumação desse espaço ao ar livre, temo pelos bichos, porque a família me parece muito desatinada.
O meu cágado da meninice era bem tratado e até tinha direito a uma pequena ração semanal de carne, que ele despedaçava, com impaciência agressiva, entre as suas unhas fortes e a boca. num esforço titânico que me parecia pré-histórico. Hibernava também, reaparecendo pela Primavera. Apesar do bom trato, um dia, e já depois de duas tentativas, em que foi recuperado no quintal vizinho, à terceira evasão foi bem sucedido e desapareceu, para sempre, da minha infância...

Citações CCXXXIII


A propósito da "varredela" do latim e do grego, como opção, dos programas de ensino francês ( Projecto Collège 2016, da ministra da Educação, Najat Vallaud-Belkacem), Régis Debray (1940) declara em "L'Obs":

"Esta falsa reforma aplica no domínio escolar a visão do mundo da nossa classe dirigente. Ela é desprovida de consciência histórica, educada na superstição da economia e das finanças, dedicada ao culto exclusivo do número e do quantitativo."

Retro (68)


Provavelmente datado do início dos anos 40, este pequeno folheto de 24 páginas, de origem britânica, destinava-se a falantes de língua portuguesa, alertando-os para os malefícios do nazismo. Utilizando a ironia, quase sempre, as mensagens eram simples, mas eficazes. Terá sido obra dos serviços de propaganda ingleses e os folhetos terão sido distribuidos durante a II Grande Guerra, para criar um ambiente favorável aos Aliados, e à sua vitoria.

com grato reconhecimento a A. de A. M..

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A cândida cegueira


Há pessoas que, encerradas nos seus pequenos mundos, claustrofóbicos, nhúrrios, não conseguem nunca ver a realidade e o horizonte. Mesmo que os vejam do alto...

A Inglaterra e o Continente, em resumo


É minha convicção mais íntima que os ingleses, enquanto europeus, sempre tiveram uma enorme desconfiança em relação ao Continente. O que poderá ajudar a entender muita coisa, actualmente.
A velha Álbion serviu muitas vezes de casa de abrigo ou de recuo a continentais: Garrett, Herculano e Victor Hugo seriam dos primeiros exemplos. Depois, De Gaulle (por causa do nazismo e de Vichy); no intermédio, há que lembrar Monet e Pissarro, para escaparem à guerra franco-prussiana.
Como diz o povo: Gato escaldado, da água fria tem medo.

Portas de Santo Antão, à noite


Desordenadas gentes. A rua mais parecia o cenário de um adro medieval: saltimbancos, pífias e pequenas bandas musicais, malabaristas tropicais dançando mal, acordeonistas romenos plagiando o repertório pimba de André Rieu, um homem lançando fogo pela boca, mutilados pedintes sentados pela calçada e mostrando as suas chagas, dois ou três cães vadios fazendo o circuito dos ossos, pelo chão, turistas apalermados de boca aberta, fotografando, ininterruptamente...
A noite parecia de Verão, de tão agradável, embora fosse apenas Abril.
E, no meio disto tudo, na esplanada do restaurante, onde nos sentamos, fomos atendidos e servidos por um empregado nepalês, cheio de salamaleques. Que terá feito vir, este oriental gentil, até ao cu do mundo ocidental? O clima ou a balda? - que não a língua, nem as miríficas oportunidades, por certo.

para a Fernanda e para o António, com afecto.

terça-feira, 14 de abril de 2015

A par e passo 132


A educação não se aplica apenas à infância e à adolescência. O ensino não se limita à escola. Toda a vida, o nosso meio é nosso educador, e um educador simultaneamente severo e perigoso. Severo, porque as faltas, aqui, pagam-se mais seriamente do que nos colégios, e perigoso, porque não temos suficiente consciência desta acção pedagógica, boa ou má, do meio e dos nossos semelhantes. Aprendemos qualquer coisa a cada instante; mas estas lições imediatas são, em geral, insensíveis. Nós somos feitos, em grande parte, de todos aqueles acontecimentos que nos sucederam; mas não distinguimos os efeitos que se acumularam e combinaram em nós.

Paul Valéry, in Variété III (pg. 281).

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Adagiário CCXVII (com nota, no final)


"Aonde is? A Evoramonte fazer barris."


Nota: o ditado terá o seu lado surrealista...Mas, do alto de Evoramonte, vê-se um horizonte soberbo, que parece infinito. E, no Alentejo, é um dos meus lugares de referência.

Recomendado : cinquenta e seis - G. S.


Os temas serão quase sempre recorrentes, mas a abordagem, que George Steiner (1929) deles faz, comporta sempre, de livro para livro, novas perspectivas. O que confere, de algum modo, com a ideia que eu tenho, de que, por muito singular que um homem seja, não conseguirá trazer senão mais do que três ou quatro coisas novas, ao mundo. Seja no domínio das Ciências, da Literatura ou do Pensamento. Poliglota de raiz, Steiner sempre pensou a linguagem, de uma forma muito própria e obsessiva. Daí a transcrição que farei, de "Extraterritorial" (Relógio D'Água, 2014), na boa tradução de Miguel Serras Pereira. Que segue:
"É possível que todas as investigações sobre as origens e a estrutura de base da linguagem humana tenham contornado o problema fundamental, que decorre do facto de investigar as origens da linguagem recorrendo à linguagem (mas de outros meios poderíamos dispor?) é, sem dúvida e necessariamente, entrar num processo circular, num jogo de espelhos. Incapaz, na ordem conceptual, de superar os seus próprios termos de referência linguísticos, a questão das origens da linguagem não encontra hipótese imaginável capaz de lhe dar resposta. A partir do momento em que pensamos em termos verbais, torna-se impossível acedermos a um estado de coisas anterior à palavra." (pgs. 84/5)
Recomendado, obviamente.

Regionalismos transmontanos (78)


1. Travagem - o freio da língua.
2. Travota - castanheiro delgado e direito.
3. Treladar - desenvolver-se (a planta). Correr bem (um negócio).
4. Trengo - homem apalermado, acanhado, sem préstimo. Adj. maçador, importuno.
5. Trintasca - pessoa leviana, de pouco juizo.
6. Tripeira - mulher rota e suja.

Gamoneda, ainda


Eram dias atravessados por símbolos. Tive um cordeiro negro. Não me lembro do seu nome e do olhar.

Ao vir para minha casa, as sebes definiam as veredas que, entrecruzando-se entre si sem levar a 
nenhum lado fechavam as minúsculas pastagens para onde]
eu queria levar o meu cordeiro. Eu brincava como se fosse a perder-me no pequeno labirinto, mas só
até quando começava a ter medo de entrar por mim dentro, como numa]
chaga do meu próprio ventre. Acontecia isso uma e outra vez; eu sabia que o temor me iria possuir, mas continuava a caminhar em direcção às pradarias.]

Finalmente, o cordeiro foi enviado ao matadouro, e eu aprendi que aqueles que me amavam também podiam decidir nas sentenças e administração da morte.]    


Nota pessoal: por uma vez - e porque é sempre redutor -, que se me perdoe dar a minha interpretação de leitura subjectiva deste magnífico poema de Antonio Gamoneda (1931) - : a perda da inocência.

Mistérios


Nunca consegui ver (ou ler) explicado esse estranho contágio simpático que, às vezes, se estabelece entre nós e os sons de uma língua desconhecida, que nem sequer entendemos. Será talvez da mesma natureza da empatia que experimentamos por uma ária, uma melodia, um trecho musical que, feitos apenas de sons, sem representação ou equivalente material, nos seduzem, misteriosamente. Assim se poderá explicar, por exemplo, o sucesso estrondoso que Amália Rodrigues teve no Japão, há muitos anos atrás; ou, mais recentemente, um idêntico sucesso, dos Madredeus, nesse mesmo país asiático. Perante plateias que, na sua quase totalidade, não dominavam a língua portuguesa.
Eu próprio experimentei essa adesão afectuosa (ou hipnótica), também, em 1967 (1968?), ao ouvir Yevtushenko (1932), no Capitólio (ou terá sido no Maria Vitória?), em Lisboa, declamar Babi Yar e A Cidade do sim e a cidade do não, na sua voz vibrante e em russo, em que apenas o sim e o não me eram perceptíveis. O mesmo que me acontece, por vezes, quando ouço Mikis Theodorakis a cantar, em grego, e a dirigir uma orquestra. Aqui, no entanto, também a gesticulação contribui para o encantamento. Como se o movimento dos gestos, prolongasse o corpo, e os seus fios finíssimos e invisíveis, amarrassem outros corpos, de forma sedutora e fatal. Será a isto que se chama carisma?

Palavras do dia (9)


Não deixei de ver, com imenso agrado, o aperto de mão, no Panamá, entre Obama e Raul Castro. Das breves declarações que fizeram, permito-me concluir que, pelo menos, me pareceram dois homens de boa vontade e dispostos a esconjurar o passado.
Se é certo que raramente me apetece falar de política, também é certo que não podemos passar sem ela, ou dispensá-la, como coisa inútil e alheia. Assim, alinhavei duas ("uma no cravo, outra na ferradura") citações irónicas de J. Pacheco Pereira, da sua crónica de hoje, no jornal Público. Aqui vão:

"No meio disto tudo, o principal partido da oposição responde com os mais pífios cartazes que é possível ter, umas coisas delicodoces com velhinhos abraçados e uns jovens muito alegres, limpinhos e saudáveis a divertir-se com conta, peso e medida. Da próxima vez espero que coloquem gatinhos ou ursinhos de peluche."
....
"Claro que Ricardo Salgado era um oligarca, mas Ricciardi não é; Jardim Gonçalves era-o, mas Paulo Teixeira Pinto não é; Armando Vara era-o, mas Ângelo Correia não é; e por aí adiante. Depois, a rede da sucata é estrutural da relação preversa do passado entre os interesses económicos e o poder político, a dos vistos gold, uma anomalia com que este Governo nada tem a ver."

Imortalidades


A polémica mais acesa, presentemente, em França e nos meios intelectuais, é a pré-anunciada inclusão da obra de Jean d'Ormesson (1925) na prestigiada colecção La Pléiade, da Gallimard. Muitos contra, alguns, a favor. O simpático Académico ficará situado entre Mark Twain e Casanova, que se lhe seguirá. Escusado será dizer que estar representado na colecção é uma consagração e o direito de ser considerado um clássico - a fictícia imortalidade...
Há sempre divisões, sempre que um vivo é institucionalizado, ou um recém-falecido, como foi o caso da polémica a propósito da entrada de Simenon na célebre colecção francesa. Mas como me dizia um romancista, aqui há uns anos: "Eu quero a glória e o proveito é enquanto estou vivo!..." Felizmente que o nosso Panteão Nacional só acolhe os mortos. O clamor acaba por se atenuar, quase sempre...

Divertimento ou exercício de pretexto para uma história infantil


Era uma vez uma maçãzinha desacompanhada, num caixote de fruta abandonado à porta duma mercearia de bairro, já fechada. Eram dois os homens que passavam, conversando. Um deles apercebeu-se que era um pomo semelhante às pequenas maçãs que apareciam, a Norte, pelo fim do ano. E achou-lhe graça. Como era muito pequena, pegou nela, assim mínima, e meteu-a no bolso, aconchegada no lenço limpo, de algodão, e levou-a para casa, para oferecer à mulher que o esperava. Era uma vez uma pequena maçã verde que ficou sozinha, dias e dias, numa fruteira de uma casa. Até que foi fotografada, sem mais ademanes, para servir de memória futura. Ou para pretexto simples de uma parábola indecifrável, perceptível apenas para gente pequena, que tem um entendimento linear dos problemas complicados. Através da ternura pelas coisas naturais.

Ou

Não sei
até que ponto um pero
(uma maçã) ainda jovem,
mas colhido,
se retrai com a idade,
e envelhece
lento, sem apodrecer.

É bem possível, nas suas rugas,
que não chegue sequer à puberdade.


Ch. 8/4 - Sb. 11/4/15.

Contos, descrença e leituras


Será que poderei anunciar o fim da minha ingenuidade ou início da minha descrença, em relação à ficção? E, aos contos, em particular. O meu primeiro abandono, em leituras, deu-se com a ficção científica, há muitos anos atrás, ao quinto ou sexto livro lido, desta temática - não gosto. Desertei da infanto-juvenil, quando o meu filho mais novo atingiu a adolescência. E, quase em simultâneo, da BD, onde apenas vim a ter uma recaida proveitosa com Hugo Pratt e o seu Corto Maltese. Não mais. O cinismo e o dogmatismo põem sempre alguns perigos, guardo-me deles, porque nunca se sabe se podemos vir atrás. Mas já Afonso Duarte (1884-1958) avisava: "...Voltar atrás é uma falta de saúde..."
Acontece que, por desfastio, nos últimos 3 dias, me dediquei à leitura de curtas narrativas de ficção. Contos, quero eu dizer. Comecei por Maupassant (Guy de): reli O adereço, depois li Uma "vendetta" que, quanto a trama imaginativa, são soberbos. Mas os assuntos são datados, os sentimentos das personagens, obsoletos, hoje em dia. Já não colam ao leitor.
Depois, patrioticamente, fui aos nacionais. Afonso Ribeiro (1911-1993), com Uma luz nas trevas, deixou-me descalço de piedade e simpatia, pela sua caridadezinha neo-realista. Alves Redol (1911-1969) acordou-me um pouco com O combóio das seis, pelo seu realismo e diálogos movimentados de subúrbios fabris, bem sugestivos. Mas o final do conto (deus meu!) estraga tudo. Finalizei com Aquilino Ribeiro (1885-1963), de que reli: António das Arábias e seu cão Pilatas, que, no seu pendor cinegético e rural, me reconciliou um pouco com a boa literatura nacional; mas que não chegou para me entusiasmar (fiz batota em duas ou três páginas, de intensidade mais onírica, quase no final), por aí além.
Terei de chegar à conclusão que já me vai faltando aquela supension of desbelief - de que falava S. T.  Coleridge - e que caracteriza os leitores com fé? Com boa fé - melhor dizendo. Talvez.
Mas dou-me por feliz, ao pensar que há muitos livros de História, Poesia, Biografias e Ensaio, que nunca li...